Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4969/15.2T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: Para se aferir da deserção da instância deve previamente ouvir-se as partes a fim de se avaliar se a falta de impulso processual se ficou a dever a comportamento negligente destas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: O Ministério Público, no exercício do patrocínio do Exequente AAA, não se conformando com a sentença que declara a “extinção da execução por deserção”, dela vem interpor recurso.
Pede a respetiva revogação com prossecução da execução.
Funda-se nas seguintes conclusões:
1. A sentença que declara a deserção de instância, ao abrigo do artigo 281º, nº 5, do CPC, viola tal norma quando se baseia, sem mais, em mero decurso do prazo de seis meses.
2. Tal norma exige que, como segundo pressuposto para se decretar tal deserção, se averigue, se pondere e se conclua por uma inércia negligente das partes.
3. Para tanto as partes deverão ser ouvidas por forma a poderem justificar e ou alegar o que em face do decurso de tal prazo foi ou não diligenciado.
4. Na medida em que a Mma Juíza a quo, sem fazer tais diligências, exarou aquela decisão, tomou uma decisão de surpresa e de forma inopinada, violando aquela norma do artigo 281º, nº 5, do CPC, em virtude de apenas ter ponderado um dos pressupostos que tal norma elege como necessários para uma decisão sobre deserção da instância.
5. Foram ainda violados comandos legais que impõem que o Tribunal, e bem assim, as partes, cooperem para uma justa composição do litígio (artigo 7º, nº 1, do CPC) e que, no caso, é o de se diligenciar para que o Exequente se veja pago do crédito que o Tribunal lhe reconheceu.
6. A decisão ora impugnada, proferida nos termos em que o foi, é injusta, desproporcionada e ilegal, violando regras e princípios do direito de qualquer cidadão a meios jurisdicionais para defesa dos seus direitos e legítimos interesses, como decorre do artigo 20º da CRP e do artigo 2º do CPC, para além da violação dos artigos 281º, nº5, 846º, nº 4, e 7º, todos do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
É o seguinte o teor da decisão recorrida, proferida em 19/04/2018:
Uma vez que a presente execução se encontra parada há mais de seis meses por inércia do exequente em nomear bens à penhora ou promover os seus termos, declaro deserta a instância nos termos do art. 281º nº 5 CPC.
Tal decisão foi proferida na sequência dos seguintes atos:
- Sentença de liquidação da quantia exequenda, proferida após requerimento inicial executivo onde se indicam bens á penhora;
- Realização de diversas diligências com vista à penhora, designadamente de saldos bancários, tendo resultado frutífera a penhora de um saldo no valor de 508,68€;
- Termo de sustação da execução em 4/07/2017 (por ter sido efetuado um depósito no valor acima mencionado) com fundamento no Artº 846º/4 do CPC;
- Notificação da sustação e da remessa à conta ao MP em 5/07/2017;
- Auto de penhora (sem resultados) datado de 28/09/2017;
-Elaboração da conta em 23/09/2017;
- Notificação desta ao MP em 26/09/2017;
- Auto de penhora (sem resultados) datado de 27/09/2017;
- Notificação dos autos de penhora referidos ao MP em 2/10/2017, com a menção de ficar notificado “parar requerer e/ou indicar o que tiver por conveniente uma vez que a execução se encontra sustada nos ternos do Artº 846º/4 do Código de Processo Civil”.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- A sentença que declara a deserção da instância viola o disposto no Artº 281º/5 do CPC?
 O DIREITO:
Conforme acima reportámos a sentença que decretou a deserção fundou-se na circunstância de a execução estar “parada há mais de seis meses por inércia do exequente em nomear bens à penhora ou promover os seus termos”.
Compulsados os autos, verificamos – e daí a descrição acima efetuada acerca dos respetivos termos – que notificado o MP em 2/10/2017 “para requerer e/ou indicar o que tiver por conveniente uma vez que a execução se encontra sustada nos ternos do Artº 846º/4 do Código de Processo Civil”, nada mais foi feito.
Donde, quando em 19/04/2018, a sentença foi proferida tinham decorrido mais de seis meses.
O Artº 281º/5 do CPC dispõe que no processo de execução se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontrar a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Donde, tal como alegado, efetivamente a disposição legal em referência pressupõe, para além do decurso do tempo ali determinado, a negligência da parte em promover os termos processuais.
Alega o Apelante que para tanto as partes deverão ser ouvidas por forma a poderem justificar e ou alegar o que ocorreu em face do decurso de tal prazo e que, não tendo sido realizadas quaisquer diligências nesse sentido, a parte foi confrontada com uma decisão surpresa, tendo-se também violado os comandos legais acerca do princípio da cooperação.
Parece-nos que a filosofia subjacente ao novo Código de Processo Civil aponta nesse sentido.
Conforme emerge da disposição legal em referência na atual lei adjetiva a deserção da instância não é automática, não ocorrendo pelo simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior. Para além da falta de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento.
Ora, não sendo automática a deserção, certo é que a lei dispensa intervenção judicial na declaração dos efeitos associados à inércia.
Na verdade, o nº 5 do Artº 281º, contrariamente ao que se prevê para as circunstâncias enunciadas nos precedentes números, dispensa, no processo executivo, a decisão judicial.
Não obstante, considera que é pressuposto da deserção uma situação de negligência.
Ora, para aferir de uma tal situação, será mais acertado que, antes de se consignar o efeito em causa, se ouçam as partes por forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é, efetivamente, imputável a comportamento negligente das partes ou não.
O princípio da cooperação do tribunal com as partes, emergente de quanto se dispõe no Art. 7.º/1 do CPC, assim o aconselha.
Ou seja, o funcionário respetivo, antes de consignar o termo sobre a deserção, deverá, previamente, alertar as partes para a extinção da instância. O mesmo se devendo exigir se, como no caso, a decisão foi sujeita ao crivo judicial, por se ter assumido que a competência para o efeito seria do juiz.
Revertendo ao caso concreto, não obstante o MP ter sido notificado há mais de seis meses para o necessário impulso processual, entende-se que caberia ainda um alerta para a possível deserção por inércia.
Entendimento que decorre, não só, da vigência do princípio da cooperação, como também da necessidade de avaliar a inércia de modo a concluir que a mesma se traduz em negligência.
Procede, assim, a apelação, devendo o Exequente (como, aliás, propõe na conclusão número 3) ser ouvido por forma a poder justificar e ou alegar o que em face do decurso de tal prazo foi ou não diligenciado, devendo a execução prosseguir ou não consoante o juízo que venha a ser efetuado.
Em conformidade com o exposto, julgo a apelação procedente e, em consequência, revogo a decisão recorrida, ordenando a prossecução da execução com audição do Exequente por forma a poder justificar e ou alegar o que em face do decurso do prazo decorrido foi ou não diligenciado.
Custas pelo Apelado.
Notifique.

Lisboa, 2018-07-05

MANUELA BENTO FIALHO