Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
506/13.1PAVFX.L1-9
Relator: GUILHERME CASTANHEIRA
Descritores: CRIME SEMI-PÚBLICO
OFENDIDO
INQUÉRITO
NOTIFICAÇÃO DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS DA LEI
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - Com a não notificação  do despacho do M.ºP.º, e respectivo conteúdo, que para lá de rejeitar, “por extemporâneos, a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzidos”, também ordena o arquivamento dos autos” relativo a “factos que configuram crime com natureza semi-pública”/crime de ofensa à integridade física verifica-se impossibilidade de o assistente poder requerer, querendo, a instrução, com o âmbito e finalidade previstos nos artigos 286.º, e seguintes, do CPP, visando comprovar judicialmente a decisão de arquivamento do inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, relativamente aos factos pelos quais, naquela medida, o mesmo M.ºP.º não deduz acusação.

II - Trata-se, pois, manifestamente, de caso omisso, atentos à natureza e estrutura do direito/garantia “in judice”, para o qual, a não poder, eventualmente, aplicar-se, por analogia, as disposições da lei adjectiva penal, sempre se deveriam observar as normas do processo civil que se harmonizam com esta questão e, na falta delas, como não sucede (veja-se, desde logo, o regime da nulidade por falta de citação - cfr. “v.g.” CPC, artigos 198.º, e 202.º), os princípios gerais do processo penal - cfr.CPP, artigo 4.º, em sede de integração de lacunas.

III - Tratando-se, “ab initio”, de lacuna oculta, por eventual redução teleológica, não se atendendo expressamente à especificidade do caso, a integração desta lacuna reconduz-se se não ao n.º 1, alínea b), do artigo 119.º, do CPP, em que procedem para o caso (nulidade insanável, por impossibilidade de o assistente poder requerer, querendo, a instrução, com o âmbito e finalidade previstos nos artigos 286.º, e seguintes, do CPP, visando comprovar judicialmente a decisão de arquivamento do inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, relativamente aos factos pelos quais, naquela medida, o Ministério Público não deduziu acusação e dado que o mesmo (Ministério Público) não comunicou àquele assistente o despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277.º, n.ºs 3 e 4, do CPP) as razões justificativas da regulamentação do caso ali previsto (nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, traduzida na “falta de promoção do processo”, peloM.ºP.º), ao menos ao n.º 2, da alínea b, do artigo 120.º, do CPP (nulidade, dependente de arguição, “por falta de notificação do assistente”, aqui para caso de, aparente, menor relevância substantivo/processual).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I.  RELATÓRIO:

No nuipc 506/13.1 PAVFX.L1, da Comarca de Lisboa Norte, Vila Franca de Xira - Instância Local - Secção Criminal - J3, veio DR... interpor recurso do “do despacho de fls. 129 a 130” pelo qual foi rejeitada “a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzidos, por extemporâneos” e se ordenou “o arquivamento dos autos”, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. Os presentes autos encontram-se feridos de vícios susceptíveis de ser arguidos;
2. O presente recurso é motivado por duas ordens de razão.
a)- A omissão de notificação ao Assistente sobre a promoção exarada a fls. 83 dos autos e que determina o arquivamento dos autos sobre factos que possam configurar o crime de natureza semi-pública e,
b)- A decisão de considerar extemporâneo o pedido de indemnização formulado pelo Assistente.
3. O Assistente nunca manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil;
4. Foi notificado em 28/07/2014 para deduzir acusação particular, nos termos do art° 285.º do CPP;
5. Nunca foi notificado para querende deduzir pedido de indemnização civil;
6. Ainda assim, o Assistente deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil em 22 de setembro de 2014.
7. O Arguido foi notificado da acusação particular em 15/12/2014.
8. Ainda assim, o Assistente nunca foi notificado para deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do art.º 77.º, n.º 3;
9. Só em 9 de fevereiro de 2015 é que o Assistente toma conhecimento de que não foi não foi admitida a sua acusação particular, apesar de entretanto ter sido notificada ao Arguido, como também não era admitido o pedido de indemnização civil, que também nunca mereceu notificação para a sua dedução.
10. No mesmo sentido o Assistente nunca foi notificado do despacho de arquivamento sobre autos que poderiam configurar crime de natureza semi-pública.
11. Pelo que consequentemente, também não pôde requerer abertura de instrução, como seria o seu Direito, se o quisesse exercer.
12. A referida omissão de notificação constitui nulidade dependente de arguição nos termos da al. c) do n.º 3 do art.º 120.º do CPP.
13. No mesmo sentido a não admissão do pedido de indemnização formulado, sem nunca ter sido notificado para o deduzir, constitui nulidade susceptível de arguição nos termos e para os efeitos, na al. c) do n.º 3 do art.º 120.º do CPP.
14. Devem, pois, ser reparadas as nulidades arguidas e consequentemente:
a. O Assistente ser notificado da promoção de arquivamento da digna Procuradora-adjunta do Ministério Público exarada a fls. 83 e ser concedido ao Assistente prazo para requerer a Abertura de Instrução, querendo;
b. Ser admitido o Pedido de Indemnização formulado pelo Assistente em 22/09/2014 considerando o disposto no n.º 3 do art.º 77.º do CPP.

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Respondeu o Ministério Público, concluindo:

1º O recurso deverá ser liminarmente rejeitado pois versando essencialmente matéria de direito faz tábua rasa do disposto nas alíneas a) e c) do n° 2 do artigo 412° do C.P.P.,

2º Sendo certo, no entanto, que "in casu" poderia sempre a Mmª juíza de 1ª instância ter lançado mão da faculdade prevista na parte final do nº 2 do artigo 414º do C.P.P.

3º E embora não o tivesse feito oportunamente, nada obsta a que o possa fazer no momento que antecede a subida dos autos ao Tribunal Superior,

4º Ou caso tal não aconteça, por determinação deste Tribunal após a subida dos autos.

Ou então, na eventualidade do Tribunal Superior conhecer do mérito do recurso, deverá o mesmo ser considerado totalmente improcedente. Com efeito,

5º Não estamos na presença de nulidades de actos processuais,

6º Mas sim na presença de meras irregularidades de actos processuais,

7º Dado que no domínio das nulidades vigora o princípio da legalidade,

8º E as invocadas nulidades não se mostram previstas nem cominadas como tal, quer nós artigos 119º - cfr. alíneas a) a f) e 120º - cfr. nº 2 alíneas a) a d) do C.P.P. quer, em quaisquer outras disposições legais.

9º Acresce que o assistente deduziu o pedido de indemnização civil no momento em que o deveria deduzir - o da dedução da acusação particular - por força do disposto no artigo 75º, nº 1 do C.P.P.

10º E a extemporaneidade de tal pedido constitui um mero corolário lógico da declaração de extemporaneidade da dedução da acusação particular,

 11º Sendo certo que a declaração judicial da extemporaneidade da dedução de acusação particular nem sequer é posta em crise pelo presente recurso.

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O despacho revidendo não foi alterado - cfr. fls.177.

                                             *                                            

Neste Tribunal, a Ex.ª Procuradora - Geral Adjunta teve vista dos autos, acompanhando e subscrevendo “por inteiro a motivação do magistrado do MP na 1.ª instância, a cujos argumentos” aderiu, emitindo parecer no sentido de “ser negado provimento ao recurso” - cfr. fls. 185.

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Dado cumprimento ao disposto pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi proferido despacho preliminar e colhidos os necessários vistos, tendo, de seguida, lugar a conferência, cumprindo decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

1. Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos submetidos à apreciação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No presente caso o recorrente suscita e submete à apreciação deste Tribunal questões relativas à “decisão de considerar extemporâneo o pedido de indemnização formulado pelo Assistente”, e à “omissão de notificação ao Assistente sobre a promoção exarada a fls. 83 dos autos e que determina o arquivamento dos autos sobre factos que possam configurar o crime de natureza semi-pública.”

2. Passemos, pois, ao conhecimento dessas alegadas questões. Para tanto, vejamos o conteúdo da decisão recorrida:

Requerimento de fls. 94 a 99

O assistente DR... veio deduzir acusação particular e pedido de indemnização civil contra o arguido por requerimento entrado em juízo a 22 de Setembro de 2014 (fls. 94 a 99).

O arguido foi notificado a 06.08.2014 (fls. 90), para, querendo, deduzir acusação particular, no prazo de 10 dias, nos termos do disposto pelo artigo 285º, nº 1 do Código de Processo Penal.

A defensora do assistente foi notificada a fls. 85.

Por despacho datado de 17.09.2014, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos, por não ter sido deduzida, até àquela data, acusação particular.

Tendo sido apresentada acusação particular e deduzido pedido de indemnização civil a 22.09.2014, o Ministério Público veio promover a rejeição da acusação particular por extemporânea (fls. 114).

Devidamente notificado deste requerimento do Ministério Público, o assistente nada veio requerer ou opor.

Cumpre apreciar e decidir

Nos termos do disposto pelo artigo 285º, nº 1 do Código de Processo Penal «Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.»

Por sua vez, determina o artigo 77°, n,° 1 do mesmo diploma legal, que quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido de indemnização civil é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.

No presente caso, constata-se que o assistente foi notificado para, querendo, deduzir acusação particular, no prazo de 10 dias, considerando-se notificado no dia 06.08.2014 (cfr. folhas 90) - artigo 285°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Assim, o prazo para deduzir acusação particular e pedido de indemnização civil terminou no dia 10.09.2014, podendo ser apresentados no máximo até ao 3º dia útil subsequente ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, ou seja até ao dia 15.09.2014 (cfr. artigo 107º - A do Código de Processo Penal).

Verificamos, assim, que a acusação particular e o pedido de indemnização civil foram apresentados fora do prazo legal fixado para o efeito, pelo que devem ser rejeitados por extemporâneos.

Por todo o exposto, nos termos das disposições citadas, rejeito a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzidos, por extemporâneos.

Não deverá haver lugar à elaboração da conta de custas, uma vez que o assistente beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Notifique.

Oportunamente, proceda ao arquivamento dos autos.

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3.1. Formula o recorrente a pretensão jurisdicional de ser “admitido o pedido de indemnização, por si formulado em 22/09/2014, considerando o disposto no n.º 3, do art.º 77.º, do CPP”, para tanto aduzindo: - que “nunca manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nem nunca para tal, e querendo, foi notificado, nos termos do art.º 77.º, n.º 3”; - que tendo sido “notificado, em 28/07/2014, para deduzir acusação particular, nos termos do art.º 285.º do CPP”, não só “deduziu essa acusação particular em 22 de setembro de 2014”, como formulou na mesma data “pedido de indemnização civil”, do que “o arguido foi notificado em 15/12/2014”; - e que “só em 9 de fevereiro de 2015 é que tomou conhecimento de que não fora admitida a acusação particular, apesar de, entretanto, ter sido notificada ao arguido, como também de que não fora admitido o pedido de indemnização civil”.

Ora, “in casu”, e como, bem, refere o Ministério Público, na resposta, “o assistente deduziu o pedido de indemnização civil no momento em que o deveria deduzir - o da dedução da acusação particular - por força do disposto no artigo 75.º, n.º 1, do Código de processo Penal”, sendo “a extemporaneidade de tal pedido um mero corolário lógico da declaração judicial de extemporaneidade da dedução da acusação particular”, declaração esta que “nem sequer é posta em crise pelo presente recurso” - cfr. “v.g.” fls. 29 verso, 84, 92, e 94.

É distinto o âmbito de aplicação do, invocado, n.º 3, daquele mesmo preceito legal, como resulta não só da letra da lei, como dos respectivos elementos teleológico e sistemático, sendo que, para o caso em presença, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao estipular que “quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido de indemnização civil é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.

Como se escreve na decisão judicial, “supra” transcrita, tendo o assistente, DR..., deduzido acusação particular e formulado pedido de indemnização civil contra o arguido, “por requerimento entrado em juízo a 22 de Setembro de 2014” (cfr. fls. 94 a 99), após “notificação a 06.08.2014 (fls. 90), para, querendo, deduzir acusação particular, no prazo de 10 dias, nos termos do disposto pelo artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal”, a possibilidade desse exercício processual mostrava-se já extemporânea, pois que o adequado prazo legal terminara no dia 10.09.2014ou, atentos à prorrogação máxima do 3.º dia útil subsequente (ao termo do prazo) e mediante o pagamento de multa, “no dia 15.09.2014” - cfr. Código de Processo Penal, artigo 107.º - A.

Assim, tendo tal articulado sido “apresentado fora do prazo legal fixado para o efeito”, foi, e bem, considerado extemporâneo e, por isso, rejeitado “o pedido de indemnização civil deduzido”, ora em apreço (para lá da acusação particular).

Improcede, pois, neste segmento, o interposto recurso.

3.2. O mesmo, diga-se desde já, não deve suceder quanto à pretensão jurisdicional formulada pelo recorrente, no sentido de “o assistente ser notificado do arquivamento do Ministério Público exarado a fls. 83”, relativo a “factos que configuram crime com natureza semi-pública”/crime de ofensa à integridade física, com invocação de “nulidade, por omissão de notificação”, e de dever ser-lhe concedido “prazo para, querendo, requerer a abertura de instrução”.

É que, findo o inquérito, o Ministério Público procedeu, por um lado, à notificação ao assistente, acima aludida (cfr. ponto 3.1. e fls. 84/85), por, naquele segmento (crime de injúria), o procedimento depender de acusação particular, e por outro, como se observa no despacho de fls. 83, à ordem de arquivamento dos autos no tocante ao tipo legal aí referenciado (ofensa à integridade física), sem que o conteúdo desse despacho que ordenava o arquivamento tivesse sido comunicado ao assistente, nos termos do artigo 277.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.

A natureza e enquadramento útil dessa comunicação não podem deixar de ser aferidos às regras de direitos e garantias constitucionais, e às expectativas por aí tuteladas - cfr. Constituição da República Portuguesa, artigos 18.º, 20.º, 25.º e 27.º -, atinentes à esfera jurídica do recorrente, “v.g.” no que emana do disposto nos artigos, conjugados, 286.º, n.º 1, “in fine”, e 287.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

Ora, verificando-se que o despacho revidendo, para lá de rejeitar, “por extemporâneos, a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzidos”, também ordenava o arquivamento dos autos, e não tendo ocorrido a notificação em causa, para mais depois de aquele DR..., enquanto assistente, ter sido notificado apenas (cfr. fls. 84/85) para deduzir, querendo, acusação particular pelo crime de injúria (do que dependia o respectivo procedimento), é manifesta a violação das expectativas, substantivas e processuais, do recorrente, na estrutura das referenciadas regras de direitos e garantias.

Com a não operada notificação verifica-se impossibilidade de o assistente poder requerer, querendo, a instrução, com o âmbito e finalidade previstos nos artigos 286.º, e seguintes, do Código de Processo Penal, visando comprovar judicialmente a decisão de arquivamento do inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, relativamente aos factos pelos quais, naquela medida, o mesmo Ministério Público não deduziu acusação.

Trata-se, assim, nas circunstâncias adjectivas, envolventes e envolvidas, e em leitura “integrada” das normas aplicáveis, não de “meras irregularidades de actos processuais”, como se responde, mas, em rigor, de matéria a ser enquadrada em sede de “nulidades de actos processuais”.

Sem que tal lhe possa ser imputado, nunca o assistente poderia arguir essa não notificação no próprio acto que ordena o arquivamento, ao qual também nunca poderia ter assistido, não lhe sendo exigível, no contexto “supra” aludido, com referência particular ao estipulado pelo artigo 277.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, que o fizesse nos três dias seguintes a contar daquele em que, sem mais, foi notificado para, querendo, deduzir acusação particular quanto ao crime de injúria, e de que dependia o respectivo procedimento.

De resto, e independentemente de o Ministério Público não ter, podendo, ordenar oficiosamente a reparação da por si tida “irregularidade” no momento em que da mesma tomou conhecimento, e sendo certo que, também por aí, ela afectava (tornando-o inválido) o valor do acto de arquivamento praticado (cfr. Código de Processo Penal, artigo 123.º, n.º2), a questão só em termos erradamente pressupostos poderia ser reconduzida a tal figura dogmática, mostrando-se, mesmo nesta inversão de raciocínio, esgotados todos os meios de interpretação em ordem ao aplicar da mesma, não havendo, no entanto, necessidade de, em última instância, e em integração do sistema jurídico e do espírito da lei, vigentes, “criar” norma para o caso “sub judice” nos termos do n.º 3, do artigo 10.º, do Código Civil.

Aliás, se assim não fosse entendido, qualquer sujeito processual notificado para qualquer termo dos autos sempre teria que, de imediato, mesmo em sede de inquérito, consultar os autos a fim de poder detectar eventuais irregularidades e, desse modo, poder argui-las nos três dias seguintes a contar daquele em que tivesse sido alvo da verificada notificação, o que só por absurdo transcendental seria hipótese a considerar.

Trata-se, pois, aqui, manifestamente, de caso omisso, atentos à natureza e estrutura do direito/garantia “in judice”, para o qual, a não poder, eventualmente, aplicar-se, por analogia, as disposições da lei adjectiva penal, sempre se deveriam observar as normas do processo civil que se harmonizam com esta questão e, na falta delas, como não sucede (veja-se, desde logo, o regime da nulidade por falta de citação - cfr. “v.g.” Código de Processo Civil, artigos 198.º, e 202.º), os princípios gerais do processo penal - cfr. Código de Processo Penal, artigo 4.º, em sede de integração de lacunas.

Ora, há analogia quando a razão de ser (elemento teleológico) de ambas as situações justifica a semelhança de regime, em transposição de uma regra para uma hipótese legal determinada para outra hipótese análoga não prevista na lei.

No caso, tratando-se, “ab initio”, de lacuna oculta, por eventual redução teleológica, não se atendendo expressamente à especificidade do caso, a integração desta lacuna reconduz-se se não ao n.º 1, alínea b), do artigo 119.º, do Código de Processo Penal, em que procedem para o caso (nulidade insanável, por impossibilidade de o assistente poder requerer, querendo, a instrução, com o âmbito e finalidade previstos nos artigos 286.º, e seguintes, do Código de Processo Penal, visando comprovar judicialmente a decisão de arquivamento do inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, relativamente aos factos pelos quais, naquela medida, o Ministério Público não deduziu acusação e dado que o mesmo (Ministério Público) não comunicou àquele assistente o despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal) as razões justificativas da regulamentação do caso ali previsto (nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, traduzida na “falta de promoção do processo”, pelo Ministério Público), ao menos ao n.º 2, da alínea b, do artigo 120.º, do Código de Processo Penal (nulidade, dependente de arguição, “por falta de notificação do assistente”, aqui para caso de, aparente, menor relevância substantivo/processual).

Assim sendo, há que conceder provimento, nesta parcelar medida, ao recurso “in judice”.

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III. DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso, devendo o assistente ser “notificado da promoção de arquivamento do Ministério Público exarada a fls. 83 e ser-lhe concedido prazo para, querendo, requerer a abertura de instrução”, no mais se mantendo o despacho revidendo.

Sem custas.

Notifique.

Lisboa, 2015.05.28.

(Texto elaborado em computador e revisto pelo relator, e primeiro signatário – art. 94. °, n.º 2, do CPP).         

Guilherme Castanheira

Maria Guilhermina Freitas