Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2084/11.7TMLSB-A.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: DECLARAÇÃO DE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
LITISPENDÊNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2013
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Nos termos do art. 19º, nº2, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27/11/2003, sendo instauradas em tribunais de diferentes Estados-Membros acções relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, com idênticos pedido e causa de pedir, há lugar a suspensão oficiosa da instância no processo instaurado em segundo lugar, até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
II) Nos termos do art. 16º, nº1, alínea a), do mesmo Regulamento, o processo considera-se instaurado na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância, ou acto equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.
III) Iniciando-se em tribunal espanhol processo para regulação das responsabilidades parentais em data anterior ao início de idêntico processo em tribunal português, não obsta à suspensão do processo iniciado em Portugal o facto de a instância no processo iniciado em Espanha ter estado suspensa a pedido da Requerente.
IV) Não pode equiparar-se o pedido de suspensão da instância para permitir o desenvolvimento de negociações, tendentes à obtenção de acordo entre as partes, com a inércia na promoção da citação do Requerido.
V) O reenvio prejudicial imposto pelo artigo 267.º do TFUE implica a impossibilidade legal de recurso ordinário.(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :


1.    PC… propôs, contra MI…, acção, a correr termos no 2º Juízo de Família e Menores de Lisboa, requerendo a regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos menores, filhos de ambos, CA… e SI….
     Face à pendência de processo, com idêntico objecto, instaurado pela requerida, no Tribunal de 1ª Instância de M…, foi proferida decisão, declarando a suspensão da instância, até fixação defini- tiva da competência internacional.
    Inconformado, veio o requerente interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :

-   Requer-se ao Tribunal da Relação de Lisboa que, em aplicação do disposto nos arts. 16°, nº1 a), parte final, e 19°, nº2, do Regulamento 2201/2003, revogue a decisão recorrida, ordenando o prosse- guimento dos autos para apreciação da competência internacional dos tribunais portugueses nos termos do art. 8° do Regulamento 2201/2003, e subsequente julgamento da acção de regulação de responsabilidade parentais e retorno dos menores à sua residência habitual em …, de que foram ilicitamente afastados em Julho de 2011, contra a vontade do requerente, por o presente processo, e não o de M…, dever ser considerado como "instaurado em primeiro lugar" para os efeitos dos citados arts. 16°, n°1, e 19°, nº2.

-   Pois estas normas não podem ser interpretadas e aplicadas em termos de permitir a conclusão de que, havendo sido iniciado num Estado-Membro um processo relativo a responsabilidades parentais em relação a uma criança, e existindo identidade do pedido e da causa de pedir, deve ser considerado como tendo sido "instaurado em primeiro lugar" um processo iniciado num momento anterior noutro Estado-Membro, mediante entrega do requerimento inicial, mas que entretanto havia sido suspenso por iniciativa da requerente, sem que desse processo fosse dado qualquer conhecimento ao requerido nem que este último nele tivesse tido qualquer intervenção, e sendo que tal suspensão se mantinha quando o processo referido em primeiro lugar havia sido iniciado.

-   Requer-se ao Tribunal da Relação de Lisboa que, caso assim não decida, desde já, realize reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do art. 267°, nº1 b), e nº3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, reenvio, este, que é obrigatório nos termos destas disposições, tendo como objecto a decisão da seguinte questão prejudicial, indispensável à decisão do presente caso:

   "O art. 16º do Regulamento 2201/2003 pode ser interpretado em termos de permitir a conclusão de, nas circunstâncias do presente caso, em que foi iniciado num Estado-Membro um processo relativo a responsabilidades parentais em relação a duas crianças, existindo identidade do pedido e da causa de pedir, se considerar como tendo sido "instaurado em primeiro lugar" um outro processo, cujo impulso processual (entrega do requerimento inicial) havia tido lugar num Estado-Membro diferente em momento anterior, mas que entretanto havia sido suspenso por iniciativa da requerente, sem que o requerido neste último processo houvesse sido citado, dele tivesse tido qualquer conhecimento ou nele tivesse qualquer intervenção, e sendo que tal suspensão se mantinha quando o processo referido em primeiro lugar havia sido iniciado ?"

-  É inconstitucional, por violação das garantias de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, consagradas no art. 20° da Constituição da República, a interpretação dos arts. 16°, nº1 a), e 19°, nºs 1 e 2, do Regulamento 2201/2003, segundo a qual, havendo sido iniciado num Estado-Membro um processo relativo a responsabilidades parentais em relação a uma criança, e existindo identidade do pedido e da causa de pedir, deve ser considerado como tendo sido "instaurado em primeiro lugar" um processo iniciado num momento anterior noutro Estado-Membro mediante entrega do requerimento inicial, mas que, entretanto, fora suspenso por iniciativa da requerente sem que desse processo fosse dado qualquer conhecimento ao requerido nem que este último nele tivesse tido qualquer intervenção, e sendo que tal suspensão se mantinha quando o processo referido em primeiro lugar havia sido iniciado.
    Em contra-alegações, pronunciaram-se a apelada e o Mº Público pela confirmação do decidido.
      Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
 
2.  Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, acha-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente. 
   A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da suspensão da instância, decretada pelo tribunal recorrido.
   Em conformidade com o disposto no art. 19º, nº2, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27/11/2003 - relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental - sendo instauradas em tribunais de diferentes Estados- Membros acções relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
   Considerando-se, nos termos do art. 16º, nº1 a) do mesmo Regulamento, que o processo foi instau- rado na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância, ou acto equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.

     No caso concreto, mostra-se assente que :

-  Correu termos, no Julgado de 1ª Instância  nº …, de M…, processo com o nº …/…, iniciado a …/…/…, no qual, após audição do ali requerido e ora apelante, foi regulado provisoriamente, por decisão de …/…/…, o exercício das responsabilidades parentais dos menores CA… e SI….

-  A instância nesse processo esteve suspensa, a pedido da ali requerente, de 18/7 a 5/9/…, tendo aquela solicitado a cessação da suspensão, a 1/9/….

-   Tal processo foi prévio a acção, interposta a 24/10/…, a correr termos no mesmo Tribunal com o nº …/…, e onde foi proferida, a 26/10/…, sentença, que decretou o divórcio entre requerente e requerido e regulou as medidas paterno-filiais.

-   A referida decisão acha-se pendente de recurso, interposto pelo ora apelante.

-  A petição inicial, nos presentes autos de regulação das responsabilidades parentais, deu entrada a 31/8/….

    Perante a descrita factualidade, afigura-se indiscutível, à luz do citado Regulamento, ter sido o processo que correu termos no Tribunal de Madrid instaurado em primeiro lugar - uma vez que, da circunstância de a aí requerente ter solicitado a suspensão da instância, manifestamente não decorre haja a mesma deixado de tomar as medidas, que lhe incumbiam, para que fosse feita a citação do requerido.

    Tanto mais que, como é comum em processos desta natureza, e resulta dos presentes autos (cfr., nomeadamente, docs. de fls. 317 a 334), visou tal suspensão permitir o desenvolvimento de negocia- ções, tendentes à obtenção de acordo entre as partes.

   Não se vislumbrando a invocada inconstitucionalidade da interpretação das normas em causa, impor-se-ia, assim, como decidido, a aplicação do disposto no art. 19º, nº2, do dito Regulamento – improcedendo as atinentes alegações do apelante.


3.  Pelo exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a decisão recorrida.
   Sendo a presente decisão ainda susceptível de recurso, não há que determinar a requerida aplica- ção do disposto no art. 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
     Custas pelo apelante.


21.11.2013
 (Ferreira de Almeida - relator)
 (Silva Santos - 1º adjunto) (vencido)*
 (Catarina Manso- 2ª adjunta)

* Votei vencido porquanto entendo que o Tribunal de Família de Lisboa é o competente para conhecer da presente acção.
Uma vez que a instância esteve suspensa a pedido da requerente, no Tribunal de M…, suspensão essa que não teve qualquer intervenção do requerente não pode, por isso, considerar-se aquele processo pendente para efeito de listispendência.
(Silva Santos)