Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1285/08.0TBOER-B.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: COMPRA E VENDA
CONTRATO DE CRÉDITO
MÚTUO
CONTRATO DE FORNECIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– O artº 12 nº2 do D.L. 359/91, pressupõe uma união de contratos, compra e venda e mútuo, estabelecendo-se o direito do consumidor/mutuário a demandar o fornecedor em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda.

II– O contrato de crédito e o contrato de compra e venda estão ligados por uma relação de funcionalidade, se o financiamento teve por finalidade conseguir a celebração do contrato de compra e venda, sendo esta (aquisição) a causa daquele (crédito), pelo que, embora autónomos e sujeitos ao regime jurídico respectivo, existe uma interdependência funcional recíproca entre eles.

III– Nos termos do artº 12 nº2 do D.L. 359/91 de 21 /09, tendo o contrato de crédito sido concluído com pessoa diversa do vendedor, para que o credor possa ser demandado (quer por acção, quer por excepção, quer em sede de embargos/oposição à execução), para que as vicissitudes do contrato de compra e venda possam ter influência no contrato de crédito, exige-se um acordo de colaboração entre financiador e vendedor, prévio e exclusivo, por via do qual o vendedor se obriga a direccionar os seus clientes para um determinado financiador com vista à concessão do crédito necessário à aquisição dos bens que ele, vendedor, fornece e que o mútuo tenha lugar na vigência do referenciado acordo.

(SUMÁRIO ELABORADO E DA RESPONSABILIDADE DO RELATOR)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


NA, instaurou oposição à execução para pagamento de quantia certa e à penhora contra Banco Credibom, S.A.. (entretanto substituído pela Prime Credit 3, SÁRL), alegando que adquiriu à HGB Travel – Operadores Turísticos, Lda., um cartão Inter Travel, o qual lhe permitia gozar uma semana de viagens grátis por ano, tendo para o efeito recorrido ao crédito através da HGB, que tratou da subscrição junto da então Credilar.

Mais alega que posteriormente, a sua companheira teve um acidente de viação, motivo pelo qual, não podendo desfrutar dos serviços contratados, diligenciou no sentido de resolver/revogar o contrato que ajustou com a HGB, resolução que se estendeu ao contrato de crédito que celebrou com o exequente, por estar coligado ao contrato de compra e venda de serviços.

Termina pugnando pela extinção da execução em virtude da inexequibilidade do título e pelo levantamento da penhora levada a cabo na execução.
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Citado, o embargado deduziu contestação alegando que em 22 de Fevereiro de 2006 celebrou com o embargante o contrato de mútuo n.º 25669425, tendo entregue ao vendedor do bem o montante de € 4.940,00, acrescido de juros, num total de € 6.672,96, a reembolsar pelo embargante em 48 prestações mensais e sucessivas no valor de € 139,02 cada e tendo o embargante procedido apenas ao pagamento de duas prestações, pelo que em 11 de Janeiro de 2008 enviou ao embargante carta de resolução do contrato por falta de pagamento.

Mais alega que o embargante não articulou factos dos quais decorra a existência duma qualquer colaboração entre o banco credor e o vendedor na preparação ou conclusão do contrato de crédito, pelo que, no pressuposto de ter existido revogação ou resolução do contrato de compra e venda, aquelas não se estendem ao contrato de crédito em crise.
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Após pelo tribunal recorrido, foi proferida sentença, nos seguintes termos:
“Em face do exposto, julgo os presentes embargos totalmente improcedentes e, consequentemente, determino o prosseguimento dos autos de execução nos precisos termos em que se encontram.
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Custas a cargo do embargante – art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do C.P.C. – fixando-se à causa o valor de € 6.471,67.
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Notifique e registe.”
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Não conformado com esta decisão, impetrou o embargante/executado recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“V – Conclusões:
71.º Em síntese, o ora Apelante apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª– O Executado e ora Apelante, e a sua companheira, RC, foram convidados a assistir a uma sessão de divulgação, em troca da qual receberiam um fim de semana grátis no Algarve mas acabaram por, nessa sessão, ser induzidos a adquirir um cartão que dava descontos em viagens e garantia uma semana grátis de viagens por ano - o cartão Inter Travel - através de um contrato de crédito proposto pela vendedora deste cartão, na mesma cessão, embora o credor fosse a Credilar – Instituição Financeira de Crédito, S.A.
2.ª– Passado algum tempo, o Executado e ora Apelante resolveu o contrato de aquisição do cartão Inter Travel, por motivo de força maior relacionado com a falta de saúde da companheira para viajar, em consequência de um grave acidente de viação que esta sofreu, e que fez com que nenhum dos dois tivesse, alguma vez usufruído do referido cartão, com excepção do fim de semana no Algarve atribuído por terem participado na sessão de divulgação / venda do cartão Inter Travel.
3.ª– O Apelante NA foi Executado no processo n.º 1285/08.0TBOER, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, sendo Exequente o Banco Credibom, S.A., tendo-lhe sido penhorado, no âmbito desta acção, em 2016, o reembolso do IRS relativo a 2015, no montante de 277,26 € (duzentos e setenta e sete euros e vinte e seis cêntimos).
4.ª– A dívida exequenda desta ação resulta do crédito contraído pelo ora Apelante e pela companheira deste, RC, exclusivamente destinado a financiar a aquisição por estes, enquanto consumidores finais, do cartão de acesso a descontos em viagens denominado cartão Inter Travel.
5.ª– Inconformado com a acção executiva interposta pelo banco Credibom, uma vez que resolvera o contrato de compra e venda do cartão Inter Travel, o Executado e ora Apelante opôs-se a esta execução através de Embargos defendendo, em síntese, que o crédito concedido pelo Exequente destinou-se exclusivamente a financiar uma compra de serviços por consumidores finais, que esse crédito foi concedido através da própria empresa que comercializou o cartão, que foi, assim, o intermediário do crédito, e uma vez que o contrato de compra de serviços assim financiado foi resolvido, o contrato de crédito ao consumo, é um crédito coligado e, como tal, tem de se considerar igualmente resolvido.
6.ª– Perante esta resolução, alegou o Executado ora Apelante que o Banco Credibom não tinha fundamento para exigir o pagamento do crédito, nem sequer para preencher a livrança, nos termos conjugados dos artigos do 729.º, alínea a) e 731.º do CPC, por inexequibilidade do título executivo que fundamentasse a execução intentada contra o ora Apelante, nem, tão pouco, tinha fundamento para penhorar o que quer que fosse ao Executado, pelo que este apresentou, também, oposição à penhora.
7.ª– Alegava ainda o Embargante que a conduta do Exequente em prosseguir com esta acção após conhecimento da resolução do contrato de compra e venda coligado era susceptível de configurar abuso de direito previsto no artigo 334.º do Código Civil (CC), conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 16.12.2009 e disponível em www.dsgi.pt.
8.ª– Não houve audiência de discussão e julgamento, tendo a Meritíssima Juiz do processo decidido por Sentença negar total provimento aos Embargos apresentados por ter considerado que, neste caso concreto, se estaria perante dois contratos distintos, o contrato de compra e venda e o contrato de crédito, e que, assim sendo, a resolução do contrato de compra e venda não influenciaria a validade do contrato de crédito, concluindo também pela não existência de qualquer abuso de direito por parte do Banco Exequente.
9.ª– Inconformado, o Executado vem apresentar recurso desta Sentença que julgou totalmente improcedentes os seus Embargos.
10.ª– Fundamentando o recurso apresentado em que o crédito foi contraído através de um contrato de crédito ao consumo que constitui um “contrato de crédito coligado” a um contrato de compra e venda de serviços, nos termos e para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho, uma vez que foi concedido exclusivamente para o financiamento da compra desse cartão e não pode ser dissociado do contrato de compra e venda do mesmo, ou seja, é um contrato de crédito que preenche todos os elementos do tipo previstos nas duas subalíneas da alínea o) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho.
11.ª– Foi a vendedora deste cartão, a HGB Travel – Operadores Turísticos, Lda., que apresentou a proposta de crédito para financiamento da compra do referido cartão em nome e por conta da Credilar – Instituição Financeira de Crédito S.A., mais tarde incorporada por fusão na instituição de crédito Exequente e ora Apelada, o Banco Credibom, S.A., tendo sido, assim, o “intermediário de crédito”, dado preencher todos os elementos do tipo constante das subalíneas da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho, que define “intermediário de crédito”.
12.ª– Sendo o contrato de crédito que deu origem à dívida exequenda um contrato de crédito ao consumo coligado com uma compra e venda goza da protecção do regime jurídico dos contratos de crédito a consumidores instituído pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 17 de Junho e Decreto-Lei n.º 42- A/2013, de 28 de Março, designadamente no que se refere à ligação que existe entre os dois contratos: o de compra e venda e o de crédito, pelo que se o contrato de compra e venda foi resolvido o contrato de crédito coligado tem de considerar-se
resolvido também, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho.
13.ª– Acresce que a conduta do Banco Credibom, S.A. ao preencher a livrança e ao dá-la à execução sabendo da inexequibilidade desta como título executivo em face da resolução do contrato de compra e venda coligado com o contrato de crédito, é abusiva e configura abuso de direito previsto no artigo 334.º do Código Civil (CC).
Nestes termos e nos demais de Direito, com o Douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado,
E a Sentença de que se recorre revogada de modo que seja dado provimento aos pedidos do Apelante:
– Extinção da execução contra o Apelante por inexequibilidade do título executivo nos termos conjugados dos artigos do 729.º, alínea a) e 731.º do CPC;
– Devolução de todas as quantias penhoradas no âmbito desta Execução.
Pois só assim se fará, uma vez mais, JUSTIÇA!
*

Pelo embagado, ora recorrido, foram interpostas contra-alegações, com as seguintes Conclusões:
“A.– Concluiu-se na D. Sentença julgar-se os embargos de executado totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento dos autos de execução em consequência.
B.– A formação da livre convicção do Tribunal a quo, não se fundou somente na análise crítica a prova produzida, mas também da demais apreciação dos autos, conforme decorre da D. Sentença.
C.– No ordenamento jurídico nacional, ressalvadas as devidas excepções, vigoram os princípios da livre apreciação da prova e princípio da livre formação da convicção do julgador.
D.– Não foi produzida qualquer prova pelo ora Recorrente de molde a inquinar a improcedência dos embargos.
E.– Não foi pelo Recorrente alegada sequer qualquer existência de factos que demonstrassem
ter havido, por parte do Recorrido colaboração entre o banco/credor e o vendedor na preparação ou conclusão do contrato de crédito.
F.– A sentença proferida mostra-se de acordo com os requisitos legais impostos à análise da prova produzida e à fundamentação da decisão.
G.– Será pretensão única do presente recurso sindicar o processo de formação da livre convicção do Mmo. Juiz a quo e da análise crítica realizada para a sua formação.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, REQUER-SE SEJA NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, MANTENDO-SE EM TODA A LINHA A SENTENÇA PROFERIDA EM SEDE DE EMBARGOS DE EXECUTADO, CONSIDERANDO QUE OS MESMOS SÃO IMPROCEDENTES, COMO É DA MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA.
*

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, a única questão a decidir que delimita o objecto deste recurso, consistem em apurar se:
a)-Estão verificados os pressupostos para a procedência dos embargos, decorrente de:
-o contrato de crédito estar coligado a um contrato de compra e venda;
-o embargante ter procedido à resolução do contrato de compra e venda, por motivo de força maior, estendendo-se os efeitos da resolução ao contrato de crédito;
-existir abuso de direito do exequente ao dar à execução a livrança em apreço.
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

a)- No ano de 2006 o embargante adquiriu um cartão de descontos para férias.
b)- No dia 26 de Fevereiro de 2008, o Banco Credibom, S.A. instaurou, contra o embargante, a execução a que estes autos correm por apenso, para pagamento da quantia de € 6.471,67, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
c)- À execução, serve de base uma livrança, subscrita pelo embargante, no valor de € 6.449, 52, tendo aposta como data de emissão o dia 11 de Janeiro de 2008 e de vencimento o dia 23 de Janeiro de 2008.
d)- Tal livrança foi entregue ao banco exequente com montante e data de vencimento em branco, em garantia das responsabilidades emergentes do contrato de crédito n.º 25669425 de fls. 17 e 18, datado de 22 de Fevereiro de 2006 e assinado pelo embargante.
e)- Nos termos do aludido contrato, o banco embargado concedeu ao embargante, para o financiamento do aludido cartão, um empréstimo de € 4.940,00 a ser reembolsado em 48 prestações mensais e sucessivas.
f)- Consta do aludido contrato, como entidade vendedora, a sociedade Gestravel.
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A demais factualidade resultou como não provada.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Insurge-se o recorrente contra a decisão que considerou os embargos como improcedentes, discordando quer da possibilidade do tribunal proferir decisão de imediato, quer do enquadramento jurídico que o tribunal fez, de acordo com as suas conclusões recursórias, esgrimindo em síntese os seguintes argumentos:
-o contrato de crédito foi celebrado para aquisição do cartão Inter Travel, estando ambos os contratos coligados, sendo-lhe aplicável a disciplina do D.L. 133/2009;
-procedeu à resolução do contrato de aquisição deste cartão Inter Travel, com fundamento em força maior, dado o estado de saúde da sua companheira, que a impedia de viajar;
-o contrato de crédito tem de se considerar igualmente resolvido;
-a exequente actua em manifesto abuso de direito.

Decidindo:

Dos factos acima dados como assentes resulta estarmos perante um contrato de aquisição de um cartão que conferiria descontos para férias, cujas condições são desconhecidas, não tendo sido junto pelo embargante o aludido contrato e suas condições, celebrado este com pessoa diversa do exequente, sendo o título executivo uma livrança decorrente do incumprimento de um mútuo outorgado, ao que decorre do seu clausulado, com vista à aquisição de um bem fornecido/vendido pela Gestravel.

Assim sendo, estes contratos estão ligados por uma relação de funcionalidade, uma vez que o financiamento teve por finalidade conseguir a celebração do contrato de compra e venda do referido bem (cartão de descontos).

O crédito destinou-se a financiar esta aquisição, como aliás dele consta, sendo entidade vendedora a Gestravel, sendo esta (aquisição) a causa daquele (cédito), pelo que, embora autónomos e sujeitos ao regime jurídico respectivo, existe uma interdependência funcional recíproca entre eles. 

Trata-se assim, o contrato que serviu de base à emissão da livrança de um contrato de crédito ao consumo que, conforme decorre dos factos assentes foi outorgado em 22/02/2006.

Posto isto, no que se reporta ao regime jurídico aplicável, tendo em conta a data de celebração deste contrato, ao mesmo é aplicável o regime constante do D.L. 359/91 de 21 de Setembro e não o D.L. 133/2009 de 2 de Junho, conforme alega o recorrente.
Efectivamente dispõe o artº 34 do referido diploma (D.L. 133/2009) sob a epígrafe “Regime Transitório”, que:
“1- Aos contratos de crédito concluídos antes da data da entrada em vigor do presente decreto-lei aplica-se o regime jurídico vigente ao tempo da sua celebração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2- Os artigos 14.º, 15.º, 16.º, 19.º e 21.º, o segundo período do n.º 1 do artigo 23.º e o n.º 3 do artigo 23.º aplicam-se aos contratos de crédito por período indeterminado vigentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei.”

Não estando o contrato de crédito em vigor desde pelo menos, Janeiro de 2008 (data de preenchimento desta livrança), não lhe é aplicável o supra citado diploma legal, mas antes o referido D.L. 359/91 de 21/09.

Ora, nos termos do disposto no artº 2 deste diploma legal, o contrato em apreço insere-se na sua previsão, uma vez que, o “credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante;” sendo o mutuário um «Consumidor», a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente diploma, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional;”

Quanto o crédito é concedido com vista à aquisição de um bem ou serviço por terceiro, dispõe o artº 12 que “1 –(…) a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito, sempre que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato de crédito.”

Não se tratando aqui de obter a invalidade ou ineficácia do contrato de compra e venda por via da invalidade do mútuo, mas antes o seu contrário, dispõe o nº2 deste mesmo preceito que, “2 - O consumidor pode demandar o credor em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a)- Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para a aquisição de bens fornecidos por este último;
b)- Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio referido na alínea anterior.”

Nos termos deste preceito legal, tendo o contrato de crédito sido concluído com pessoa diversa do vendedor, para que o credor possa ser demandado (quer por acção, quer por excepção, quer em sede de embargos/oposição à execução), para que as vicissitudes do contrato de compra e venda possam ter influência no contrato de crédito, exige-se um acordo de colaboração entre financiador e vendedor, prévio e exclusivo (n.º 2 do citado preceito).

Quanto à natureza desta exclusividade, quer a doutrina, quer a jurisprudência dividem-se.

Para uns, esta exclusividade reporta-se às relações entre financiador e vendedor, pelo que se o fornecedor colabora com mais do que um credor, não se verifica o requisito em apreço.

Para outros a exclusividade pressuposta na norma em análise não se reporta ao quadro negocial estabelecido entre a sociedade financeira e o fornecedor mas antes à vinculação do crédito a um determinado contrato de compra e venda, ou seja ter sido este contraído exclusivamente com a finalidade daquela aquisição/venda.

Para outros ainda, os requisitos previstos no artº 12 supra citado, não têm a ver com a oponibilidade das excepções do comprador, mas sim com a questão da responsabilidade subsidiária do vendedor perante o comprador (uma atribuição adicional decorrente daquela norma, dado que o comprador não a teria se se estivesse perante uma compra e venda a prestações).
Outros ainda defendem uma interpretação restritiva desta “exclusividade”, defendendo que sempre que dos autos decorra que aquando da celebração do contrato de compra e venda relativo à aquisição do bem, o vendedor se tenha prontificado a tratar da obtenção do crédito e informado o consumidor de que tinha acordo com a financiadora, por via do qual esta asseguraria o crédito, se verificam os requisitos deste diploma.


A respeito deste artigo diz-nos ainda Gravato Moraes, A Unidade Económica dos Contratos, Sub Júdice, n.º 36, Jul-Set. 2006, pg. 25, que: «Não se torna, pois, necessária uma cooperação qualificada, intensa ou estreita entre financiador e fornecedor. O qualificativo "qualquer" mostra que a colaboração ocasional, a colaboração sem acordo prévio, a colaboração com acordo prévio ou a colaboração exclusiva são subsumíveis à definição apresentada. No fundo, pode até retirar-se a seguinte conclusão: "não importa qual" seja o tipo de cooperação entre credor e fornecedor cumpre-se o pressuposto em exame. As situações contempladas encontram-se, assim, muito próximas dos indícios enunciados pela jurisprudência e pela doutrina alemãs:
- a informação dada pelo vendedor ao consumidor acerca de um contrato de crédito (vg., por via das tabelas que dispõe referentes aos montantes das prestações a pagar ou das brochuras relativas a modos distintos de financiamento);
- a posse pelo vendedor de formulários de pedidos de crédito e até de contratos de crédito, o auxílio no seu preenchimento, a recolha de elementos do consumidor para posterior envio ao financiador;
- a inexistência de um contacto directo entre o consumidor e o financiador;
- as circunstâncias de tempo e de lugar  da conclusão dos contratos.»

Posto isto, o teor do artº 12 nº2 do D.L. 359/91, pressupõe uma união de contratos, compra e venda e mútuo, estabelecendo-se o direito do consumidor/mutuário a demandar o fornecedor em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda.

No entanto, como tem sido jurisprudência dominante do S.T.J. a que aderimos, “a repercussão daquele incumprimento sobre o contrato de crédito está dependente de um acordo prévio de exclusividade, por via do qual o vendedor se obriga a direccionar os seus clientes para um determinado financiador com vista à concessão do crédito necessário à aquisição dos bens que ele, vendedor, fornece e que o mútuo tenha lugar na vigência do referenciado acordo”. (Ac. do S.T.J. do S.T.J. de 14/04/14-relator Alves Velho, P. nº 4354/07.0TBGDM.P1.S1, www.dgsi.pt).

De todo o modo, expostas as diversas posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre esta matéria, do articulado do embargante, quer se acolha um ou outro destes diversos entendimentos, nada resulta que nos permita enquadrar o referido crédito neste artº 12 nº2 do D.L. 359/91.

Com efeito, alegava o embargante a este respeito que:
3.º- Tendo celebrado com a empresa HGB Travel - Operadores Turísticos, Lda. um contrato para aquisição do referido cartão.
4.º- Para pagar o preço do cartão, o Executado e a sua companheira acederam em recorrer ao crédito através da HGB Travel - Operadores Turísticos, Lda., que tratou de tudo junto da “Credilar – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”.
5.º- A proposta de crédito foi apresentada através da HGB Travel – Operadores Turísticos, Lda..
6.º- No âmbito do mesmo contrato foi subscrita uma livrança por ambos os contraentes, ou seja, o Executado e a companheira, RC.
7.º- Pouco tempo depois da outorga deste contrato, em Julho de 2005, a companheira do Executado teve um acidente de viação que lhe provocou, entre outros danos, uma fratura muito grave no fémur da perna esquerda, cuja recuperação foi muito longa e envolveu várias cirurgias do foro ortopédico – conforme se demonstra no Doc. n.º 1 junto à presente, que se dá por integralmente reproduzido.”

Estes factos são completamente contraditórios com o teor da livrança dada à execução e com o teor do contrato de mútuo (docs. não impugnados pelo embargante).

O mútuo foi outorgado em Fevereiro de 2006, apenas pelo embargante, a livrança foi também apenas por ele subscrita e o alegado acidente de viação terá ocorrido em 2005 (doc 1 junto pelo embargante), a entidade vendedora no contrato é a Gestravel e não a HGB Travel - Operadores Turísticos, Lda..

Assim, os factos invocados pelo embargante nenhuma relevância têm para a sorte dos presentes embargos. 

Por outro lado, não foi alegado que tenha sido o vendedor a tratar do crédito junto do financiador, no âmbito de um acordo prévio e com carácter de exclusividade.

Acresce que, não tendo sido alegados factos demonstrativos de um acordo prévio e exclusivo entre vendedor e fornecedor, no âmbito do qual tenha sido concedido o mútuo em apreço, igualmente não foram alegados factos dos quais decorra que existiu incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor, que permita ao consumidor opor esse incumprimento ao mutuante.

A este respeito alegava o embargante ter “algum tempo depois” procedido à resolução do contrato “por motivo de força maior”, decorrente de a sua companheira ter tido um acidente de viação que a impossibilitava de viajar. Junta para comprovativo desta suposta impossibilidade/incapacidade um documento do qual se retira que a nele indicada terá tido um acidente de viação em julho de 2015, ou seja sete meses antes da celebração do mútuo.
Qual a relação entre este acidente, a aquisição do cartão de descontos e o mútuo? Desconhece-se, nenhuma foi alegada e nenhuma parece existir porque ocorrido este acidente em data anterior quer à aquisição do cartão, quer à outorga do mútuo.

Por outro lado, a alegada resolução (não datada no tempo) do contrato de compra e venda do cartão, para ser operante dependia da alegação de factos dos quais decorresse que se fundava em incumprimento ou defeituoso cumprimento pelo vendedor, ou perda justificada do interesse na prestação.

Não estão igualmente alegados estes factos.

Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido em considerar logo em fase de saneador improcedentes os embargos.

Improcede, na totalidade, pelas razões acima apontadas o recurso interposto pelo recorrente.
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DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.



Lisboa 19/04/18

  
                                         
(Cristina Neves)                                           
(Manuel Rodrigues )                                          
(Ana Paula A.A. Carvalho)