Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19522/18.0T8LSB.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ASSOCIAÇÃO SINDICAL
LEGITIMIDADE
INTERESSES COLECTIVOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I-O Autor, Sindicato, tem legitimidade para defesa de interesses colectivos, o que ocorrerá naturalmente nas situações que envolvam o incumprimento dos instrumentos de regulamentação colectiva e da lei, ainda que tal venha a ter repercussões individuais na retribuição de cada trabalhador.
II - Tem legitimidade processual o Sindicato que peticiona a condenação da Ré “a) (…) pagar aos trabalhadores seus filiados o valor da retribuição que corresponda aos três primeiros dias de ausência, por incapacidade temporária para o trabalho por doença, em virtude da inexistência de qualquer regime de segurança social ou protecção na doença que os proteja durante esse período, e que tenham ocorrido desde a data de 8 de Maio de 2015.”
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
Sindicato (…) instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra BBB, SA, pedindo a condenação desta a
a) (…) pagar aos trabalhadores seus filiados o valor da retribuição que corresponda aos três primeiros dias de ausência, por incapacidade temporária para o trabalho por doença, em virtude da inexistência de qualquer regime de segurança social ou protecção na doença que os proteja durante esse período, e que tenham ocorrido desde a data de 8 de Maio de 2015;
b) Igualmente se requer a condenação da Ré a pagar aos filiados da Autora, uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) por cada dia em que se verificar o atraso nos referidos pagamentos, sendo metade desse valor revertido para os cofres do Estado;
c) Por fim, deverá ser a Ré condenada a pagar aos filiados da Autora juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias supra peticionadas desde a data do seu vencimento até integral e efectivo pagamento …”.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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A Ré contestou, arguindo desde logo a ilegitimidade activa do Autor, argumentando que o que o mesmo pretende é concretizar um interesse e benefício económico individual a favor de cada um dos trabalhadores da Ré, sem para tanto estar habilitada e legitimada, seja ainda por não possuir mandato que lhe permita actuar em nome e em representação dos trabalhadores seus associados.
Acrescenta ainda que o AE onde está prevista a questão descrita pelo Autor foi outorgado pela Ré e pelos Sindicatos (…),(…),(…) e (…). Na Ré existem 1257 trabalhadores. Destes, 56 são associados do Autor.
Conclui pela procedência da alegada excepção, com a sua absolvição da instância.
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O Autor respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da alegada excepção.
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Foi elaborado despacho saneador, o qual conheceu da excepção de ilegitimidade, concluindo pela sua procedência, com a correspondente absolvição da instância da Ré.
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É a seguinte a fundamentação da decisão:
a1) Factos a considerar: 1. O Autor AAA pediu nesta acção contra a Ré BBB, S.A. a sua condenação:
- A pagar aos trabalhadores seus filiados o valor da retribuição que corresponda aos três primeiros dias de ausência, por incapacidade temporária para o trabalho por doença, em virtude da inexistência de qualquer regime de segurança social ou protecção na doença que os proteja durante esse período, e que tenham ocorrido desde a data de 08 de Maio de 2015;
- A pagar aos filiados do Autor, uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) por cada dia em que se verificar o atraso nos referidos pagamentos, sendo metade desse valor revertido para os cofres do Estado;
- A pagar aos filiados do Autor juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias supra peticionadas, desde a data do seu vencimento até integral e efectivo pagamento.
2. Fundamentou a sua pretensão no facto de a empresa desde Maio de 2015 ter abandonado a prática antiga e enraizada de proceder ao pagamento do valor de remuneração durante os primeiros três dias de faltas justificadas por doença dos seus trabalhadores, sendo tal prática violadora do AE e da Lei.
(…)
A questão da legitimidade do Autor nos autos, depende, pois, da natureza dos interesses que pretende defender, ou seja, dos direitos que pretende ver reconhecidos por via da acção.
Tal como o Autor admite e afirma na resposta à excepção em apreciação, está em causa “a existência de uma pluralidade de interessados na manutenção do direito à remuneração em dias de faltas justificadas por doença”. O direito subjacente a tal interesse é obviamente o direito à retribuição, todas as suas dimensões, que tem, como sabemos, natureza individual.
A noção de interesse colectivo não advém de estarem em causa interesses de muitas ou poucas pessoas, embora, na generalidade dos casos ocorra tal coincidência, mas sim da transindividualidade e indisponibilidade do bem jurídico tutelado e que se contrapõe aos direitos individuais homogéneos ou também denominados “direitos acidentalmente colectivos”: aqueles que decorrem de uma origem comum e apenas possuem uma transindividualidade artificial ou aparente, em que os seus titulares são pessoas determinadas.
No caso dos autos, não estando em causa qualquer direito ou interesse jurídico colectivo (mas apenas direitos individuais homogéneos), impõe-se concluir pela não verificação da situação excepcional prevista no art. 5º nº 1 do CPT, em que o Autor funda a sua legitimidade.
O Autor apenas terá legitimidade (direito de acção) para tutela dos interesses/direitos individuais em causa nos autos através do instituto da representação previsto no art. 5º nº 2 al. c) do CPT.
Coloca-se então a questão de saber se o mesmo goza de poderes de representação, legal ou voluntária.
Não estando em causa nenhuma situação em que a lei reconheça ao Autor representação legal, o mesmo apenas poderia ter intentado a presente acção através do instituto da representação voluntária. Todavia, incumbia ao Autor ter alegado e demonstrado, estar munidos de poderes atribuídos pelos seus associados para o efeito, o que não fez.
Do exposto, decorre, necessariamente, a conclusão de que o Autor carece de legitimidade processual e substantiva para propor a presente acção.”
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Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
a) A ora Autora, ora Recorrente, não se conforma com a douta sentença proferida.
b) O Tribunal na decisão recorrida entendeu que na acção instaurada não está em causa qualquer interesse jurídico colectivo, sendo que a ora Recorrente não pode concordar com a decisão recorrida.
c) Ou seja, nos presentes autos, a Recorrente terminou a petição inicial com os seguintes pedidos:
d) Ser a Ré condenada a pagar aos trabalhadores seus filiados o valor da retribuição que corresponda aos três primeiros dias de ausência, por incapacidade temporária para o trabalho por doença, em virtude da inexistência de qualquer regime de segurança social ou protecção na doença que os proteja durante esse período, e que tenham ocorrido desde a data de 08 de Maio de 2015;
e) Igualmente se requer a condenação da Ré, a pagar aos filiados da Autora, uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) por cada dia em que se verificar o atraso nos referidos pagamentos, sendo metade desse valor revertido para os cofres do Estado;
f) Por fim, deverá ser a Ré condenada a pagar aos filiados da Autora juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias supra peticionadas, desde a data do seu vencimento até integral e efectivo pagamento, bem como em custas e procuradoria.
g) Analisando os pedidos formulados na petição inicial facilmente se verifica que estamos perante um direito colectivo
h) Conforme bem se encontra decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, um sindicato goza de legitimidade se exercer o direito de acção perante a violação generalizada de direitos individuais de trabalhadores seus associados e de idêntica natureza, que se reporte à generalidade do universo constituído pelos trabalhadores associados que se encontrem na mesma situação.
i) Ou seja, analisando os pedidos, verifica-se que estamos perante a violação generalizada de direitos individuais de trabalhadores seus associados, mormente dos seus direitos económicos.
j) Nestes direitos económicos incluem-se, como não pode deixar de ser, aqueles inerentes às questões retributivas que não se podem reconduzir a interesses meramente individuais.
k) Não estamos perante a violação de um direito individual de um trabalhador em concreto, mas de uma violação legal (ainda que de Acordo de Empresa) que interfere com o direito da universalidade dos trabalhadores da R. e dos associados da Autora em particular, ou seja, estamos perante um interesse colectivo que, legitimamente, a autora representa.
l) Assim, a decisão do tribunal a quo desconsidera, de forma grosseira, a previsão vertida no nº 1 do artigo 5º do CPT.
m) Ou seja, analisando os pedidos, verifica-se que estamos perante a violação generalizada de direitos individuais de trabalhadores seus associados.
n) Ou seja, facilmente se percebe que a Autora é parte legítima nos termos do nº 1 do artigo 5º do CPT: 1 - As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
o) Pelo que entende a Autora que a douta sentença deverá ser revogada, por violação do nº 1 do artigo 5º do CPT e substituída por um Acordão que ordene o prosseguimento dos autos.
p) No final da douta sentença consta o seguinte:
“(...)Não obstante o acima exposto, ainda que se considerasse ser o Autor detentor de legitimidade para a propositura da acção, sempre procederia a excepção da falta de causa de pedir porquanto o Autor não alegou quaisquer factos constitutivos do seu direito, isto é, quais os trabalhadores que estiveram de baixa por doença e não foram remunerados nos primeiros três dias de falta. Por conseguinte, seria declarada a nulidade do processo por ausência de causa de pedir. (...)”
q) Efectivamente a Recorrente optou por qualificar esta parte da douta sentença como decisão subsidiária, para o caso de o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa considerar que a Autora tem legitimidade para instaurar esta acção.
r) Será que a Autora tem que recorrer já desta parte visto que, atento os tempos verbais utilizados, o Tribunal não decide mas apenas vem referir que (...)“ seria declarada a nulidade (...)” ou seja, o Tribunal apenas indica como decidirá no futuro...?
s) Contudo, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que também terá que ser revogada, nesta parte, a sentença proferida.
t) Com o devido respeito por opinião contrária, não pode ser exigível à Autora alegar todos os trabalhadores que estiveram de baixa e não foram remunerados nos três primeiros dias.
u) Mais uma vez, entende a Autora que o Tribunal está a efectuar uma errada interpretação da alínea do nº 1 do artigo 5º do CPT.
v) A Autora instaurou a presente acção respeitante a interesses colectivos dos seus associados, pelo que se entende que não existe qualquer nulidade devendo também ser revogada, nesta parte, a sentença.
w) Em suma, desde já se requer que a sentença seja revogada e substituída por uma Acordão que ordene o prosseguimento dos autos.
Porquanto, desde já se requer a revogação da douta Sentença e a substituição da mesma por um Acordão que ordene o prosseguimento dos autos, contudo V. Exas Venerandos Juízes Desembargadores farão como for de JUSTIÇA!.”
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A Apelada contra-alegou, concluindo que
1- Concretizando o Autor os pedidos da presente ação, assente na pretensão de pagamento de retribuição relativa aos primeiros três dias de faltas justificadas por doença, tendo em conta e por pressuposto a situação de incapacidade temporária para o trabalho conducente à atribuição do subsídio de doença nos termos previstos no Dec. Lei 24/2008, a pretensão do Autor não tem acolhimento e base legal e ou muito menos convencional.
2- A Cláusula e disposição convencional em apreço - Clª. 58ª, nº1 e nº2 do AE/2015-, em matéria de faltas justificadas por doença, segue e reproduz na íntegra o regime previsto no Código do Trabalho- Artigo 255º e ss .do C.T.;
3- Tais disposições prevêem e remetem expressamente para um regime de segurança social de proteção na eventualidade de doença, em que os trabalhadores da Ré se encontram inscritos no respetivo regime, e de que são beneficiários.
4- Como tal, nesse comprovado pressuposto, na situação de faltas justificadas, decorrente de uma comprovada situação de incapacidade temporária para o trabalho , por doença, tem aquela como efeito jurídico assacável, de acordo com o respetivo regime imperativo de faltas, o de perda de retribuição ( artigo 255º, nº1 e nº2 alínea a) do CPT e Clª. 58ª , nº1 e nº2 , alínea a)do AE/2015.
5. Inexistindo qualquer situação ou elemento juridicamente atendível que validamente afaste ou de que seja feita depender a aplicação daquelas normas no que respeita à correspectiva concretização de perda e retribuição relativa aos correspectivos dias de ausência justificada.
6. Em face da Clª 58º, nº1 e nº2 alínea a) do Novo AE, para efeitos da sua aplicação, comprovando-se que todos os trabalhadores associados da Autora são titulares inscritos num regime de segurança social, e, portanto, beneficiários do respectivo subsistema previdencial de protecção na eventualidade doença,
7. Não está na disponibilidade das partes estabelecer outra e diferente forma, regime e mecanismo de protecção e compensação senão o que decorre do regime legal e contratualmente previsto em face do Novo AE/2015.
8- Alegando o Autor, ainda que erradamente, uma pretensa prática anterior da Ré, no âmbito do anterior AE/2002- Clª. 54ª- segundo alega que a Ré “nos primeiros três dias de falta, independentemente da duração de baixa por doença, fazia processar a retribuição relativa aos primeiros três dias”, o A. não identifica tão pouco uma única situação em que tal tenha ocorrido, para que se alcance o que considera e conclui , mas que ao contrário do que pretende, não apresenta sequer qualquer facto- ónus de alegação que a si lhe cabia , o que também não cumpriu;
9- O A. tão pouco alega e sequer identifica qualquer trabalhador da Ré, seu associado, mediante o qual conclui ter-se encontrado na alegada situação constitutiva de pretenso direito individual que invoca e em face do Novo AE- Clª. 58ª do AE/2015;
10- Tal falta não se mostra igualmente suprida e por qualquer meio com suficiência face ao direito e é conducente à total falta de causa de pedir para a presente acção.
11- Acresce, como referido na fundamentação da decisão recorrida, o A carece de legitimidade para, em representação dos seus associados instaurar a presente acção.
12- Não estando em causa nenhuma situação em que a lei reconheça ao Autor representação legal, o mesmo apenas poderia ter intentado a presente acção através do instituto da representação voluntária. Todavia, incumbia ao Autor ter alegado e demonstrado, estar munido de poderes atribuídos pelos seus associados para o efeito, o que não fez.
13- Ora, atenta a forma como estrutura a causa de pedir e os pedidos que formula, o A. não supriu nem supre a falta de representação de qualquer seu associado para o efeito da instauração da presente ação;
14- No caso dos autos, não estando em causa qualquer direito ou interesse jurídico colectivo (mas apenas alegados direitos individuais) impõe-se concluir pela não verificação da situação excepcional prevista no art. 5º nº 1 do CPT, em que o Autor pretende fundamentar a sua legitimidade.
15- A decisão recorrida mostra-se correta e devidamente fundamentada, de facto e de direito, e não contém qualquer vício que a inquine, muito menos tendo violado qualquer disposição legal, pelo que deve ser confirmada.
Nestes termos e nos mais de direito deve o recurso interposto pelo Recorrido - AAA, totalmente improcedente, por não provado, confirmando-se a decisão recorrida.”
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por entender que em causa nestes autos está um interesse colectivo .
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A Ré exerceu o contraditório.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Face às conclusões do recurso, cumpre decidir se o Autor tem legitimidade para formular os pedidos constantes da p.i.e se esta é, de alguma forma, inepta.
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III – Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório.
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IV – Apreciação do Recurso
Nos termos do disposto no artigo 5º do CPT “1 – As associações sindicais … são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
2 – As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de acção, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem:
a) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical ou nesta exerçam qualquer cargo;
b) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra os seus associados que sejam representantes eleitos dos trabalhadores;
c) Nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.
3 - Para efeito do número anterior, presume-se a autorização do trabalhador a quem a associação sindical tenha comunicado por escrito a intenção de exercer o direito de acção em sua representação e substituição, com indicação do respectivo objecto, se o trabalhador nada declarar em contrário, por escrito, no prazo de 15 dias. (…)”
Daqui resulta que a questão da legitimidade do sindicato autor depende da natureza dos interesses que pretende defender, pois, como resulta do nº 1 do artigo 5º do CPT, as associações sindicais são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam. Trata-se de uma legitimidade processual directa e é aquela que está em causa nos presentes autos.
O que a decisão recorrida afirma é que nos presentes autos não está em causa qualquer direito ou interesse jurídico colectivo, mas apenas direitos individuais homogéneos, não se verificando a situação descrita na previsão do artigo 5º nº 1 do CPT, em que o Autor funda a sua legitimidade, mas uma situação de legitimidade através do instituto da representação, a que alude o nº2 c) do mesmo preceito legal, para tutela de interesses/direitos individuais dos associados.
Vejamos
A legitimidade é um pressuposto processual que se reporta às partes, representando uma posição destas face à relação material em litígio. Constitui uma questão prévia relativamente ao fundo ou mérito da causa, cujo conhecimento se não pode fazer se houver falta daquela.
O critério aferidor da legitimidade processual será o do objecto do processo, sendo este constituído “pelo pedido deduzido pelo A. e pela respectiva fundamentação, mas conferindo-se a esta, em sede de objecto do processo, apenas uma função individualizadora daquele[1]Ora, se o que interessa é a pertinência das partes relativamente ao objecto inicial do processo, a legitimidade só ganhará verdadeiro sentido como pressuposto processual, quando se reportar à relação material controvertida configurada pelo Autor. Daqui decorre que, ao conhecer-se da legitimidade das partes, não pode nem deve conhecer-se da relação jurídica controvertida efectiva, nem verificar-se se estão provados ou não os fundamentos da acção, pois essa tarefa pertence já à discussão do mérito da causa.
Conforme dispõem os nºs 1 e 2 do artigo 30º do CPC, quanto à legitimidade activa, o Autor é parte legítima, quando tem interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção. No que concerne ao critério de aferição da titularidade do interesse relevante, estabelece-se, no nº3 do citado artigo, serem titulares desse interesse, para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor.
Casos há em que a própria lei define quem é o titular do interesse relevante, ou seja, quem tem legitimidade. É o que acontece nas situações definidas no referido artigo 5º do CPT.
A questão a decidir no presente recurso remete-nos para o conceito de “interesses colectivos” representados pelas associações sindicais, e a que alude o nº1 do referido preceito legal.
Como se afirma no acórdão do STJ de 03-03-2016[2], “Os interesses coletivos poderão ser definidos como sendo interesses transindividuais ou metaindividuais, isto é, pertencem a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de sujeitos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica. São interesses de uma categoria, grupo ou classe de pessoas ([5][3]) ([6][4]).
Mas apesar do cariz transindividual, não perdem a sua dimensão individual, já que é neste plano que se insere o respetivo gozo.
 “A noção do interesse colectivo há-de delinear-se em função do específico modo por que, no seio das colectividades profissionais organizadas (maxime do sindicato) se transita das pretensões individuais dos respectivos membros – nem sempre coincidentes entre si – para a identificação dos fins da acção colectiva, ou, noutros termos, daqueles interesses que pertencem à pluralidade desses membros e são (ou passam a ser) sentidos por cada um deles enquanto elementos do grupo e não como pessoas isoladas.
(…)
O interesse colectivo não se reduz ao mero somatório dos interesses individuais dos membros do grupo: pode, eventualmente existir uma pretensão coincidente e simultânea de todos eles, mas pode também (e será a regra) verificar-se divergência, se não conflito, de interesses individuais no seio da colectividade. A organização profissional (um sindicato, por exemplo) não constitui um dispositivo de representação cuja legitimidade se cinja aos casos de coincidência (ou complementaridade) originária de pretensões dos seus associados. «O interesse colectivo sindical é o interesse unitário do grupo; unidade no sentido de unificação de vontades, ainda que dissidentes; o contrário, por isso, da soma ou da uniformidade»” ([7][5]).
O interesse coletivo, podendo ou não ser coincidente com o interesse individual, não afasta este.
Embora se trate de interesses pertencentes a um determinado grupo determinável de indivíduos, válida e legalmente associados e que, por isso, podem ser judicialmente acionados pela entidade associativa (v.g., o sindicato), porque para tanto o legislador lhe conferiu legitimidade “per si”, isto é, não dependente da autorização individual, pode o seu reconhecimento ser também requerido em juízo por cada um dos indivíduos integrantes do grupo, na defesa do seu interesse individual. A legitimidade da entidade organizativa e legalmente representativa do grupo, categoria ou classe de pessoas, não afasta a legitimidade individual.
«O conceito de “interesse colectivo” assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular. Porém, o “interesse colectivo” não elimina nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe, antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela por entidade distinta» ([8][6]).
O art 56º nº 1 da CRP dispõe que “compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem”.
“Como pessoas jurídicas, as associações sindicais têm capacidade judiciária relativamente à sua esfera de direitos e obrigações. Mas o CPT vai bastante mais longe. As associações sindicais, podem intervir, como partes legítimas, nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas das convenções colectivas em que sejam outorgantes (art. 5º CPT). Para além disso, dispõem de legitimidade para a autoria em «acções respeitantes aos interesses colectivos que representam»…” ([9][7]).
Como se sabe, os interesses colectivos representados pelas associações sindicais podem ser os mais diversos, desde a “negociação colectiva, a greve, acção sindical e outras, expressam a tensão entre interesses de grupos sociais contrapostos, e geram a criação de normas de direito colectivo que definem novas condições de trabalho destinadas a incorporar as relações individuais de trabalho mas que não as conformam directamente.[8]
No presente caso, o Autor pretende que a Ré seja condenada a pagar aos trabalhadores seus filiados, com repercussões a partir de 8 de Maio de 2015, o valor da retribuição que corresponda aos três primeiros dias de ausência por incapacidade temporária para o trabalho. Este pedido alicerça-se na interpretação que faz do disposto na cláusula 58ª do AE de 2015, bem como dos artigos 255º nº1 do CT e dos nº2 do artigo 1º e nº1 do artigo 21º do Decreto-Lei 28/2004 de 04 de Fevereiro.
Ora, não podemos deixar de concluir que a legitimidade do Autor na defesa de interesses colectivos, ocorrerá naturalmente nas situações que envolvam o incumprimento dos instrumentos de regulamentação colectiva e da lei, ainda que tal venha a ter repercussões individuais na retribuição de cada trabalhador, o que configura um interesse individual de cada trabalhador.
No presente caso, no que respeita ao peticionado sob a alínea a), trata-se de definir um direito que afecta todos os trabalhadores representados pelo Autor, qual seja, o de pagar aos trabalhadores seus filiados o valor da retribuição que corresponda aos três primeiros dias de ausência, por incapacidade temporária para o trabalho por doença. E esse desiderato depende da interpretação de normas legais e convencionais, que são citadas na p.i. Portanto, consideramos que o Autor é parte legítima para a presente acção, por pretender defender um direito respeitante ao interesse colectivo dos seus filiados.
Já quanto aos pedidos formulados em b) e c) do petitório, os mesmos não se enquadram no referido preceito legal, antes no nº2 c) do artigo 5º do CPT, por estarem no âmbito de discussão de direitos individuais de cada trabalhador, embora violados com carácter de generalidade, que dependeria de a acção ter sido estruturada de acordo com este último preceito legal, o que não aconteceu, portanto, trata-se de uma questão de ineptidão da p.i., mas apenas relativamente a estes dois segmentos do peticionado, já não quanto ao primeiro pedido, onde se alega que o direito que se pretende ver tutelado se refere ao universo de trabalhadores da empresa (ainda que eles sejam representados por vários sindicatos, mas avançando o Autor quanto ao universo dos seus filiados).
Em face do exposto, consideramos que o Autor tem legitimidade para a formulação do primeiro pedido, mas não assim para os segundo e terceiros pedidos, a que acresce que, quanto a estes, a p.i. carece de causa de pedir.
                                                      ***
V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por AAA, revogando a decisão recorrida quanto ao primeiro pedido formulado pelo Autor, devendo os autos prosseguir relativamente a ele, e mantendo, no demais, a referida decisão.
Sem custas no que respeita ao Autor (cfr. art. 4º f) do RCP) e na proporção do decaimento relativamente à Ré.
Registe.
Notifique.

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Lisboa,

Paula de Jesus Jorge dos Santos
1º adjunto - José Feteira
2ª adjunta – Filomena Manso


[1] Miguel Teixeira de Sousa, BMJ 292-103.
[2] Processo 3704/12.1TTLSB.L1.S1.
[3]Diferem dos interesses difusos que dizem respeito a um grupo indefinível de indivíduos e afetam a todos e a cada um, são indivisíveis. São exemplos desta categoria de interesses os inerentes à qualidade de vida, ao ambiente e aos direitos dos consumidores.” – Nota de rodapé do acórdão citado.
[4]Cfr. neste sentido: https://pt.wikipedia.org/wiki/Interesses_coletivos; https://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_difusos,_coletivos,_individuais_e_homog%C3%AAneos; http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14164 e Vicente de Paula Maciel Júnior, “Teoria do direito coletivo: Direito ou interesse (difuso, coletivo e individual homogêneo)?” in  http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2004/TEORIA%20DO%20DIREITO%20COLETIVO%20DIREITO%20OU%20INTERRESSE%20DIFUSO%20COLETIVO%20E%20INDIVIDUAL%20HOMOGENEO.pdfnota de rodapé do acórdão citado
[5]  António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 615/616.  – nota de rodapé do acórdão citado.
[6] Ac. do STJ, 4ª secção, de 24.02.1999, revista nº 5/98 (relator Padrão Gonçalves).nota de rodapé do acórdão citado.
[7] António Monteiro Fernandes, in ob. cit. pág. 650. – nota de rodapé do acórdão citado.
[8] Acórdão do STJ que aqui seguimos de perto, citando o respectivo acórdão recorrido.