Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1699/10.5TBSCR.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: USUCAPIÃO
INVERSÃO DO TÍTULO DE POSSE
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
ESCRITURA PÚBLICA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Tendo os RR. passado a utilizar os imóveis em causa na perspectiva de uma futura aquisição, com pagamentos parciais já realizados, inexiste uma situação de posse conducente à aquisição por usucapião sem que houvesse ocorrido a inversão do título de posse, nos precisos termos do artigo 1265º do Código Civil - o que, na situação «sub judice», não foi sequer alegado, como seria mister.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO.
Intentaram M e mulher H, com domicílio na… acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, de simples apreciação negativa, contra A. e mulher, M., residentes no…, M… residente na … A., residente… ; J…, residente… .
Alegaram essencialmente:
Os primeiros réus outorgaram uma escritura de justificação notarial na qual declararam ter adquirido a posse e o direito de propriedade sobre o solo e as benfeitorias de cinco prédios e de uma fracção de um sexto prédio; declararam ter adquirido as benfeitorias por compra verbal aos anteriores donos dessas benfeitorias e o solo das mesmas por compra verbal a M.; exercem a posse como se fossem proprietários há mais de vinte anos tendo adquirido o direito de propriedade sobre tais prédios por usucapião; tais declarações são falsas; os prédios justificados pertencem ao autor e fazem parte de um único prédio misto, inscrito na Conservatória do Registo Predial de … em seu nome; a terceira, o quarto e o quinto réus foram advertidos de que incorriam em responsabilidade criminal caso fizessem falsas declarações na escritura de justificação; com o seu comportamento os réus empobreceram o património do autor em 104.000,00 euros e causaram a este maçadas, preocupação e despesas; os autores pretendem prevalecer-se do disposto no artigo 291 nº 2 do Código Civil.
Concluem pedindo que se
a) Declare nula e sem efeito a escritura de justificação.
b) Mande cancelar no Registo Predial de … todos os registos feitos ou a fazer com referência às descrições números… .
c) Extraia certidão do presente articulado e respectivos documentos e remetê-los ao Digno Magistrado do Ministério Público competente, nos termos e para os efeitos do artigo 97 do Código do Notariado.
d) Condene os réus no pagamento duma indemnização por perdas e danos morais e patrimoniais, a fixar em execução de sentença, nos termos dos artigos 471/2 e 661/2 do Código de Processo Civil e 569 do Código Civil.
Os réus contestaram, impugnando a factualidade vertida na petição inicial.
 Os autores replicaram.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 106 a 114, tendo os RR. M. , A. e J. sido absolvidos da instância.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida a decisão de facto de fls. 214 a 218.
Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente por provada e, em consequência, declarou parcial ineficaz a escritura de justificação notarial, declarando que os RR. não adquiriram o direito de propriedade sobre o solo dos prédios aí justificados ; ordenando o cancelamento do registo de aquisição do direito de propriedade sobre o solo dos bens justificados feito com base na escritura, absolvendo os RR. do demais peticionado  ( cfr. 229 a 238 ).
Apresentaram os RR. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 365 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 250 a 361, formularam os apelantes as seguintes conclusões :
1ª Atento ao teor da fundamentação do julgamento da matéria de facto, constante do despacho de 28 de Fevereiro de 2013 é impossível aos apelantes ajuizarem e compreender, de per si e de forma individual, os concretos fundamentos que determinaram o concreto julgamento pelo Tribunal de cada ponto da base instrutória.
2ª O Tribunal a quo não identifica de forma separada, circunstanciada e critica cada um dos elementos probatórios que permitiram alicerçar o julgamento de cada um dos pontos da base instrutória.
3ª Não se consegue alcançar, determinar e interpretar com segurança qual ou quais os fundamentos plasmados nas 5 paginas que corroboram, no entender de quem julgou, aqueles concretos e específicos julgamentos.
4ª Não é possível discernir qual a concreta convicção, razão de ciência ou outro fundamento para ter valorado certos depoimentos em detrimento de outros, e com prejuízo para os aqui apelantes.
5ª O Tribunal a quo omitiu relevantemente a concreta e circunstanciada fundamentação do seu julgamento de cada facto da base instrutória, razão pela qual viciou a sentença, ora apelada, por nulidade. – cfr. arts. 615º/1-b) e 607º/4 CPC.
6ª Sem prejuízo do já concluído, a resposta aos quesitos, 3, 6, 7, 8, 9 e 13 não estão em conformidade com o depoimento das testemunhas, como decorre dos items 2.12 a 2.275 constante da motivação, e com a documentação junta, a fls 77 a 87, 177, 178 e 184 a 193; que determinam respostas diferentes aos quesitos em questão.
7ª quanto ao quesito 3º que os Recorrentes adquiriram a parte da benfeitoria do J. na década de oitenta, pelo preço de cinquenta mil escudos, não tendo adquirido aos demais herdeiros;
8ª quanto ao quesito 6º que adquiriram a benfeitoria 1/42, no início da década de oitenta;
9ª quanto ao quesito 7º que adquiriram, verbalmente, o solo correspondente às benfeitorias 1/39, 1/40, 1/41, 1/42 e 1/43, a M., na década de oitenta.
10ª No que respeita a este concreto quesito, note-se que o solo da parcela 1/39 foi negociado perante a testemunha P., pelo preço global de cem mil escudos, sendo que oitenta mil escudos foram entregues na ocasião, na presença da própria testemunha e os restantes vinte mil escudos, posteriormente, uma vez que o ora Recorrente não os teria na ocasião.
11ª E que por conta do preço do solo destas benfeitorias e da quota-parte do prédio a que se refere o quesito seguinte foi também entregue ao pai do Recorrido: O cheque de trezentos mil escudos; vinte e sete mil e quinhentos escudos de sinal, conforme carta de fls 183; diversas quantias de dinheiro em envelopes de que são testemunhas J. , L. e J. e, também outras tantas efectuadas na banco em cheques e numerário que foram presenciadas pelos funcionários bancários, A. e R. ;
12ª Quanto ao quesito 8 que os Recorrentes adquiriram, verbalmente, a fração do solo inscrita sob o artigo … da seção…, onde estavam os contentores, na década de oitenta a M. .
13ª No que respeita ao quesito 9º que os Apelantes para além de terem construído uma piscina, uma churrascaria e muros de vedação, no solo respeitante às benfeitorias acima mencionadas e na porção do solo correspondente ao referido artigo … da seção …, também construíram caminhos, plantaram árvores de fruto e outras, bem como couves, devendo ser-lhe aditado que os muros de vedação na zona de confrontação com o ribeiro eram muralhas e que na quota-parte do solo a que diz respeito o quesito 8º existiam contentores.
14ª E que que muitas das árvores foram plantadas em mil novecentos e oitenta e três, que as construções se iniciaram no início da década de oitenta e foram concluídas antes de mil novecentos e noventa, com excepção de um muro junto à estrada, que só foi erigido em dois mil e cinco ou dois mil e seis, após o alargamento da estrada e que a colocação dos contentores terá também ocorrido na década de oitenta, início de anos noventa.
15ª Quanto ao quesito 13º que o fizeram sem oposição de quem quer que fosse desde o início dos anos oitenta até dois mil e seis.
16º Ao responder de outro modo decidiu contra os factos que foram, efectivamente, apurados, existindo erro no julgamento, desde logo porque assentou no pressuposto estranho à prova, no que diz respeito à aquisição dos solos, de que as várias entregas de dinheiro efectuadas pelo apelante ao pai do apelado, bem como as volumosas obras efectuadas seriam no âmbito da colonia, baseando-se no facto dos apelantes terem adquirido algumas benfeitorias.
17ª Para além da aquisição da benfeitoria ter tido por único intuito a subsequente aquisição da terra, conforme resulta do depoimento das testemunhas J. e J. , não foi referenciado por testemunha alguma que o apelante pagava qualquer renda ao pai do apelado, antes pelo contrário se nos ativermos no depoimento de G..
18ª Além do mais a quota-parte do prédio a que se refere o quesito 8º não tinha colónia.
19ª Mais: o valor do cheque junto aos autos, trezentos mil escudos (doc. de fls 84), a que faz referência a carta junta a fls 183 e a que a testemunha J. alude dos 08:11 aos 08:42, bem como as demais avultadas quantias entregues e das quais existem inúmeros testemunho não poderiam fazer crer que se destinassem ao pagamento da colonia.
20ª Acresce ainda que todas as testemunhas do apelante afirmaram que se destinavam ao pagamento dos terrenos, até porque não havia quaisquer outros negócios entre eles que os justificassem (confronte dos 15:13 aos 15:28 as declarações da testemunha A. ).
21ª Todas as testemunhas confirmaram, também, da existência das plantações, obras e ocupações efectuadas nos terrenos, desde o início da década de oitenta e as testemunhas dos Recorrentes, conforme transcrições supra, referiram que as mesmas tiveram lugar com o assentimento do Eng.º M. e até com a sua orientação, bem como com o conhecimento do Eng.º G. , os quais dado o seu perfil psicológico e à sua postura face a casos similares verificados na mesma localidade jamais as teriam permitido se os prédios não  tivessem sido vendidos, conforme afirmaram as testemunhas, L. , A. e J. .
22ª Repare-se que os prédios em questão nos autos encontram-se amurados, formando um propriedade única, desde 1985 ou 1986, conforme depoimento de G. dos 23:41 aos 24:01, de L. de 13:28 aos 13:31 e de J. 05:41 aos 06:10.
23ª As testemunhas L. e A. referiram, também, do bom carácter do Recorrente e do seu animus de proprietário, o qual jamais pensaria em construir sobre algo que não lhe pertencesse, tanto mais que a primeira refere que pelo facto do Recorrente não ter conseguido pagar a benfeitoria a todos os herdeiros da parcela 1/39, absteve-se de construir nesta e apenas nesta.
24ª A escrituração só não teve lugar porque o Eng.º M. estava em processo de expropriação devido ao alargamento da estrada, tendo o seu irmão e procurador Eng.º G. afirmado que a mesma se faria depois da passagem da estrada, conforme referiu a testemunha J. aos 13:31.
25ª Assim, a Sentença não foi devidamente fundamentada e motivada, violando o disposto nos nºs 4 e 5 do art. 607º e o artº 154º, ambos do C.P.C., bem como o art. 205º nº1 da CRP.
26ª Na verdade, não fez qualquer análise do depoimento da testemunha P., o qual tinha conhecimento direto de vários factos, designadamente das obras realizadas nos imóveis em questão, nas quais participou e das respectivas datas; da aquisição do solo da parcela 1/39 ao Eng.º M. e da benfeitoria ao herdeiro J. .
27ª Também não valorou como meio de prova o cheque de fls 84 e a carta de fls 183, na qual o advogado do apelado assume a existência de um contrato de promessa e de que havia sido pago, por conta do preço do solo dos imóveis em questão, a quantia de vinte e sete mil e quinhentos escudos, a título de sinal, e ainda o montante de trezentos mil escudos, através do referido cheque junto aos autos a fls 84.
28ª - Uma tal omissão não pode deixar de ser considerada violação do disposto no art. 374º, 343º/1, ambos do C.C. e o nº 5 do art. 607º do C.P.C., já que tais documentos por não terem sido impugnados pela parte contrária fazem prova quanto à sua letra e assinatura, consubstanciando uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova.
29ª. Decide também a sentença em desconformidade com o regime da colonia e o conhecimento geral sobre o mesmo, admitindo, conforme referido, que no seu âmbito poderiam ter tido lugar os pagamentos das quantias avultadas indicadas e a realização das supra enunciadas construções;
30ª - Não fez, como devia, uma análise rigorosa, imparcial e precisa do depoimento das testemunhas;
31ª. Decidiu ainda a sentença em contradição com a resposta dada ao quesito 10º, pelo que é nula, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC.
32ª Depois de ter considerado provado o referido quesito cujo teor era: “ Na convicção de exercerem um direito próprio.”, vem em sede de sentença concluir que a posse dos Recorrentes era dotada de corpus (poder de facto), mas não de animus (convicção de exercerem o direito de propriedade).
33ª Do depoimento das testemunhas resulta que o Recorrido actuou num claro abuso do direito, em oposição com aquela que havia sido a conduta do seu pai, antigo proprietário, e em contradição com o facto de ele próprio ter conhecimento das construções, de nunca se ter oposto às mesmas na época em que o pai ainda era vivo, só vindo a questionar as vendas, em 2006, num autêntico venire contra factum proprio.
34ª A violação do princípio da Boa-Fé resulta, também do facto do art. 10º da Réplica encontrar-se em clara oposição com o teor da carta de fls 183, ambas subscritas pelo mesmo mandatário em representação do Recorrido. Naquele artigo nega o conhecimento do cheque de trezentos mil escudos entregue pelo Recorrente ao pai do ora Recorrido e, então proprietário e na carta reconhece da sua existência;
35ª Resulta da prova produzida que os pagamentos do Recorrente ao pai do Recorrido iniciaram-se, pelo menos, no início de oitenta e que as construções estavam concluídas em finais desses mesmos anos, início de noventa, resultando daqui o início da posse, a qual foi de boa-fé, ininterrupta, à vista de toda a gente e que o Recorrente a exerceu com a convicção de proprietário, conforme resulta da resposta dada aos quesitos 10º, 11º e 12.
36ª Ainda assim importa, também, referir que aquisição do solo em questão nos autos, a que fazem referência os quesitos 7º e 8º foi adquirido por contrato verbal com preço pago às prestações, daqui decorrendo que o início da posse, traduzida nas diversas obras, ocupações e plantações realizadas é coincidente com aquela.
De todo o exposto deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão na parte em que declara que os ora Recorrentes A. e mulher M. não adquiriram o direito de propriedade sobre o solo dos prédios ai justificados, declarando parcialmente ineficaz a escritura de justificação notarial e ordenando o cancelamento do registo da aquisição do direito de propriedade sobre o solo dos bens justificados feito com base na escritura de justificação, a que aludem os autos.
Para o efeito dever-se-á alterar resposta aos quesitos 3, 6, 7, 8, 9 e 13, no sentido supra indicado e revogando a decisão que não reconhece os direitos de propriedade dos RR. sobre a benfeitorias 1/42 e o solo dos prédios respeitante às benfeitorias 1/39, 1/40, 1/41, 1/42 e 1/43 da seção AG2 e ainda de duzentos cinquenta e cinco de cento cinquenta e sete mil trezentos e noventa e seis avos do  prédio inscrito na matriz sob o art. … da seção … e a sua compropriedade no que concerne à benfeitoria 1/39
 Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância :
12. Por escritura pública de 17 de Março de 2009, outorgada no Cartório Notarial do Dr., no…, arquivada a fls. , os Réus A. e mulher M. declararam-se donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos seguintes imóveis (terra e benfeitorias), ao sítio do… :
a) Um, com a área de trezentos e cinquenta metros quadrados,…
b) Um, com a área de trezentos e trinta metros quadrados…
c) Um, com a área de cento e oitenta metros quadrados…
d) Um, com a área de oitenta metros quadrados…
e) Outro, com a área de cem metros quadrados…
f) Duzentos cinquenta e cinco de cento cinquenta e sete mil trezentos e noventa e seis avos, do prédio rústico (terra e benfeitorias), com a área de trezentos e catorze mil setecentos e noventa e dois metros quadrados,…
13. Declararam ainda os Réus que os prédios acima identificados nas alíneas a) a e) são parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número… – alínea B.
14. Mais declararam os Réus que a fracção do prédio acima identificado na alínea f) não tem qualquer relação, por não ser o mesmo, com o prédio semelhante descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número…alínea C.
15. Mais declararam os réus que os referidos bens vieram à posse dos justificantes do seguinte modo: as benfeitorias a que dizem respeito o prédio inscrito sob o artigo 1/39 da Secção … foram adquiridas verbalmente a J. ; as benfeitorias implantadas sobre o inscrito sob o artigo 1/40 da referida Secção por compra verbal, no mesmo ano, a J. ; as respeitantes ao prédio inscrito na matriz sob os artigos 1/41 e 1/43 da mesma secção, igualmente por compra verbal, no ano de mil novecentos e oitenta, a J. ; e as respeitantes ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 1/42 da dita Secção, também por compra não titulada, no ano de mil novecentos e setenta e oito, a C. – alínea D.
16. Mais declararam os réus que o solo correspondente às supra mencionadas benfeitorias foi adquirido verbalmente a M. – alínea E.
17. Declararam ainda os réus que a quota-parte do prédio identificado na alínea f) foi adquirida na sequência de compra meramente verbal feita no ano de mil novecentos oitenta e quatro ao referido M. – alínea F.
18. Declararam, finalmente, os réus que estão na posse dos referidos imóveis desde aqueles anos, portanto, há mais de vinte anos, como coisa própria, cultivando-os, colhendo seus frutos, colhendo deles todas as utilidades, nomeadamente pagando os respectivos impostos e contribuições, posse essa exercida em nome próprio, sem a menor oposição de quem quer que fosse, sem interrupção desde o seu início, ostensivamente, com o conhecimento da generalidade das pessoas, com a convicção de não lesarem os direitos de outrem, sendo, portanto, uma posse pacífica, contínua e pública, pelo que adquiriram os mencionados imóveis por usucapião – alínea G
19. A escritura a que se reportam as alíneas anteriores foi publicada no JM, na sua edição de 20 de Março de 2009 – alínea H.
20. Com base nas declarações feitas na escritura em apreço, os réus fizeram descrever, na Conservatória do Registo Predial de…, os prédios números…, inscrevendo a seu favor a respectiva propriedade em 11/5/2009 – alínea I.
21. O prédio misto referido no quesito 1 da base instrutória encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de… – alínea J.
22. O que consta da alínea A da matéria assente – resposta ao quesito 1.
23. As benfeitorias implantadas sobre o prédio inscrito no artigo 1/40 da secção … foram adquiridas pelo réu A. à P. , nos anos 80 – resposta ao quesito 4.
24. As benfeitorias respeitantes ao prédio inscrito na matriz sob os artigos 1/41 e 1/43 da secção … foram adquiridas por compra verbal, pelo réu A. , a A. entre 1979 e 1980 – resposta ao quesito 5.
25. O réu A. construiu uma piscina que serve de tanque de rega, uma churrascaria, rampas e um muro de vedação nos prédios mencionados em A, em datas não concretamente determinadas – resposta ao quesito 9.
26. Na convicção de exercerem [os réus] um direito próprio – resposta ao quesito 10.
27. Ininterruptamente – resposta ao quesito 11.
28. À vista de toda a gente – resposta ao quesito 12.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
1 – Alegada nulidade da decisão recorrida por ausência de fundamentação da decisão de facto.
 2 – Impugnação da decisão de facto. Respostas ( negativas e restritiva ) aos pontos 3º, 6º, 7º, 8º, 9º e 13º da base instrutória.
3 – Decisão de direito. Enquadramento jurídico imposto pelos factos apurados.
Passemos à sua análise :
 1 – Alegada nulidade da decisão recorrida por ausência de fundamentação da decisão de facto.
Alegam os apelantes :
Atento ao teor da fundamentação do julgamento da matéria de facto constante do despacho de 28 de Fevereiro de 2013 é impossível aos apelantes ajuizarem e compreender, de per si e de forma individual, os concretos fundamentos que determinaram o concreto julgamento pelo Tribunal de cada ponto da base instrutória.
 O Tribunal a quo não identifica de forma separada, circunstanciada e critica cada um dos elementos probatórios que permitiram alicerçar o julgamento de cada um dos pontos da base instrutória.
 Não se consegue alcançar, determinar e interpretar com segurança qual ou quais os fundamentos plasmados nas 5 paginas que corroboram, no entender de quem julgou, aqueles concretos e específicos julgamentos.
 Não é possível discernir qual a concreta convicção, razão de ciência ou outro fundamento para ter valorado certos depoimentos em detrimento de outros, e com prejuízo para os aqui apelantes.
 O Tribunal a quo omitiu relevantemente a concreta e circunstanciada fundamentação do seu julgamento de cada facto da base instrutória, razão pela qual viciou a sentença, ora apelada, por nulidade. – cfr. arts. 615º/1-b) e 607º/4 CPC.
Apreciando :
A decisão recorrida não padece, manifestamente, da nulidade que lhe é apontada e subsumível ao disposto nos artigos 615º, nº 1, alínea b) e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil.
Com efeito,
A decisão de facto proferida a fls. 214 a 218 contém a fundamentação da convicção do julgador em termos suficientes e particularmente esclarecedores.
É aí enunciado o essencial dos depoimentos de algumas das testemunhas inquiridas e detalhadamente explicada a razão para não ter sido aceite a tese dos ora recorrentes, em termos de matéria de facto.
A este propósito, pode ler-se :
“ ( … ) A testemunha J. refere que o réu A. adquiriu algumas das benfeitorias. Diz ainda que o réu lhe deixou dinheiro em envelopes para entregar ao engenheiro M. , entre 1980 e 1981, com vista a uma compra. Mas não indica concretamente o preço nem os terrenos objecto dessa compra. Pelo que nessa parte o seu depoimento foi vago e não mereceu credibilidade para fundamentar a convicção do tribunal de que os terrenos foram comprados. A testemunha reconhece que o réu A.. adquiriu a posição de alguns dos benfeitores. Pelo que resta a dúvida no espírito do tribunal acerca da origem dos pagamentos feitos ( se eram para pagar os terrenos ou se eram devidos pela colonia ).
A testemunha L. teve uma oficina na garagem da casa do réu A. , ouviu dizer que adquirira as benfeitorias aos colonos e os terrenos ao engenheiro M. . No entanto, não refere concretamente pormenores desses negócios, o seu preço e não consegue identificar a maior parte dos benfeitores.
A testemunha J. ( … ) não refere concretamente que terrenos foram comprados, qual o preço acordado pelas partes nem em que data concretamente acordaram nessa venda. Pelo que, mais uma vez, quanto a este depoimento, o tribunal tem dúvidas se os pagamentos feitos ao engenheiro M. se deviam ao facto de ter sucedido na posição de alguns dos antigos colonos ou se foram verdadeiramente o preço de uma ou várias compras.
As testemunhas M. ( … ) A. ( … ) não indicam o preço da venda dos terrenos, a data do negócio, nem quais os terrenos concretamente vendidos.
Esta circunstância, aliada ao facto de se ter apurado que o réu A. adquiriu as benfeitorias mencionadas nas respostas aos quesitos 4º e 5º, leva o tribunal a concluir que foi por força desse facto que o réu foi, a pouco e pouco, construindo a piscina, a rampa, os muros mencionados na resposta ao quesito 9º e que, a partir de certa altura, não concretamente apurada, passou a invocar a posição de dono, conforme resulta das respostas aos quesitos 10º a 12º.
( … ) O tribunal não ficou convicto de que o réu agiu sem oposição de ninguém porque as testemunhas G. e H. referiram que, quer o advogado do engenheiro M. , que posteriormente o irmão do engenheiro M. , quando este último foi declarado incapaz, tentaram resolver por bem a questão das ocupações feitas pelo réu.
O autor contactou igualmente o réu, com vista a esclarecer a situação, antes da propositura da acção.
Daqui o tribunal conclui que os antecessores do autor e este se opuseram às ocupações feitas pelo réu quando este invocou fazê-lo como dono.
Em conclusão, nenhuma das testemunhas referiu concretamente as datas em que foram feitas as construções por parte do réu.
Nenhuma teve conhecimento directo dos concretos termos da pretensa compra e venda verbal das parcelas em litígio.
O tribunal ficou convicto de que o réu comprou algumas das benfeitorias e, a partir de certa altura, foi alargando as construções e começou a portar-se como dono.
Quanto aos pagamentos ou quantias entregues ao engenheiro M. , antecessor do autor, não existe prova suficientemente convincente de que se tratasse do preço de uma ou mais compras e vendas, pelos motivos acima expostos “.
Todos estes elementos e justificações são absolutamente claros no sentido de se conseguir, através deles, alcançar as respostas negativas e restritivas conferidas aos diversos pontos da base instrutória.
Deste modo,
Não se encontravam os recorrentes impedidos de procederem à respectiva impugnação, o que aliás fizeram e que será objecto de conhecimento infra, no âmbito do presente recurso de apelação.
De qualquer forma, sempre se dirá que a falta de motivação da convicção do julgador não consubstancia, verdadeiramente, uma causa de nulidade da sentença, podendo justificar, sim, o eventual recurso ao disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil. 
Improcede a apelação neste tocante.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
2 – Impugnação da decisão de facto. Respostas ( negativas e restritiva ) aos pontos 3º, 6º, 7º, 8º, 9º e 13º da base instrutória.
Estão em causa as respostas aos seguintes pontos da base instrutória, organizada conforme fls. 112 a 114 :
Ponto nº 3 – “ As benfeitorias a que dizem respeito o prédio inscrito sob o nº 1/39 da Secção … foram adquiridas verbalmente pelos Réus a J. , por volta do ano de mil novecentos e oitenta e um ? “.
Resposta – “ Não Provado “.
Ponto nº 6 – “ As benfeitorias respeitantes ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 1/42 da dita Secção foram adquiridas pelos Réus por compra não titulada, no ano de mil novecentos e setenta e oito, a C. , viúva de F. ? “.
Resposta –“ Não Provado “.
Ponto nº 7 – “ O solo correspondente às supra mencionadas benfeitorias foi adquirido verbalmente, pelos Réus, a M. ? “.
Resposta – “ Não Provado “.
Ponto nº 8 – “ A quota parte do prédio identificado na alínea f) do ponto A) dos “ Factos Assentes “ foi adquirida na sequência de compra meramente verbal feita no ano de mil novecentos e oitenta e quatro ao referido M. ? “.
Resposta - “ Não Provado “.
Ponto nº 9 – “ Desde há mais de vinte e cinco anos que os Réus cultivam os imóveis referidos no ponto A) dos “ Factos Assentes “, neles plantando árvores de fruto, couves; construindo uma piscina que serve de tanque de rega, uma churrascaria, caminhos que os circundam e um muro que a todos veda ; colhendo deles todas as utilidades e pagando os respectivos impostos e contribuições ? “.
Resposta –  “O réu A. construiu uma piscina que serve de tanque de rega, uma churrascaria, rampas e um muro de vedação nos prédios mencionados em A, em datas não concretamente determinadas “.
Ponto nº 13º - “ Sem oposição de quem que seja? “
Resposta -“ Não Provado “.
Vejamos então:
Ponto nº 3 da base instrutória –
“ As benfeitorias a que dizem respeito o prédio inscrito sob o nº 1/39 da Secção … foram adquiridas verbalmente pelos Réus a J. , por volta do ano de mil novecentos e oitenta e um ? “.
A resposta negativa dada a este ponto da base instrutória é conforme à prova produzida.
Com efeito,
A testemunha M. esclareceu que as benfeitorias em causa pertenciam ao seu pai, pelo que o seu irmão J. , encontrando-se o progenitor vivo, nunca as poderia/deveria ter vendido. De resto, a mesma, enquanto co-herdeira, nunca autorizou qualquer venda ou veio a receber dinheiro em consequência desta pretensa operação (sendo, neste sentido, totalmente irrelevante a mencionada recusa em recebê-lo).
Por outro lado,
O apontado vendedor J. já faleceu.
As únicas testemunhas que se pronunciaram sobre o assunto aludiram a que ouviram o dito J. , conhecido pelo “ B. “, “dizer que vendera “.
Não há obviamente certeza bastante de que tal transacção tenha existido.
Muito menos se pode afirmar que ficou provado quais os respectivos montantes e o período temporal em que tal terá acontecido, havendo a testemunha P. aludido, em termos de localização no tempo, a “ noventas “, oitenta e picos “, o que se trata obviamente de um pouco fiável palpite.
Ou seja,
Tudo é nebuloso, duvidoso e pouco seguro no que concerne à veracidade deste facto.
Nada há a alterar, portanto, quanto à resposta negativa conferida a este ponto da base instrutória.
Ponto nº 6 da base instrutória –  
 “ As benfeitorias respeitantes ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 1/42 da dita Secção foram adquiridas pelos Réus por compra não titulada, no ano de mil novecentos e setenta e oito, a C. , viúva de F. ? “.
Neste tocante, o depoimento da testemunha D. configura-se, praticamente, como a testemunha denominada “ de ouvir dizer “, aludindo apenas a que “ falaram entre eles ; não chegou a saber “. A existirem tais aquisições as mesmas teriam tido lugar no período compreendido entre os anos de 1982 e 1989, em que trabalhou para o R. A. .
Já a testemunha L., que aludiu à utilização daquele espaço pelo Réu, nada sabia de concreto acerca dos termos que terão rodeado aquela transacção.
Logo,
por ausência de prova suficientemente convincente,
nada há a alterar quanto a este ponto.
Pontos nº 7 e 8 da base instrutória –  
 “ O solo correspondente às supra mencionadas benfeitorias foi adquirido verbalmente, pelos Réus, a M. ? “.
 “ A quota parte do prédio identificado na alínea f) do ponto A) dos “ Factos Assentes “ foi adquirida na sequência de compra meramente verbal feita no ano de mil novecentos e oitenta e quatro ao referido M. ? “.
Encontramo-nos aqui perante factualidade – que terá sucedido há décadas atrás - que não é devidamente suportada por prova isenta de dúvidas, quer relativamente à concretização da invocada aquisição, quer à referência temporal a que eventualmente se reporta.
Com efeito,
O pretenso vendedor, M. – pai do A. M. – faleceu em data situada em 2001 ou 2002.
Não existe nos autos um único recibo de pagamento efectuado e entregue a M. – como seria mister.
Nenhuma documentação explicita a transacção ou indicia comprovadamente tal vontade de vender ou de comprar.
O cheque cuja cópia se encontra a fls. 87, titulando o valor de 300.000$00, subscrito pelo Réu A. em favor de M. , com a data de 2 de Fevereiro de 1985, nada demonstra acerca do motivo concreto que esteve subjacente à sua emissão.
Pode referir-se, em abstracto, a uma série de situações negociais existente entre M. e o Réu A. , sem que se possa, com a certeza e segurança exigíveis, afirmar que diz respeito ao preço da venda das parcelas descritas na escritura de justificação notarial em apreço.
De notar, ainda, que
A carta junta a fls. 183, enviada pelo advogado do A. ao Réu A. , com a data de 5 de Dezembro de 2006, consubstancia uma proposta de venda das parcelas de terreno “ ocupadas pelo R. “.
Aí se afirma, expressamente, no final do ano de 2006, que tais parcelas pertencem ao A. M. , filho de M. .
Consta da missiva: “ Deduzindo do valor assim encontrado as importâncias actualizadas de 27.500$00 ( entregue no contrato promessa de 12 de Março de 1976 ) e de 300.000$00 que, segundo diz V. Excia foi paga ao anterior proprietário, e ainda o relativo às benfeitorias de terceiros, temos o preço de € 220.502,00 para as parcelas do meu cliente.
Queira V. Excia dizer, com a necessária brevidade, o que se lhe oferecer “.
Ou seja, pelo menos durante o ano de 2006, foi o Réu A. confrontado com a posição expressa pelo assumido proprietário das parcelas ( herdeiro de M. ) no sentido de não lhe reconhecer a aquisição da propriedade dos imóveis “ por si ocupados “.
Num contexto negocial, dispôs-se a imputar no preço da futura venda os montantes que o R. A. invocou haver entregue ao anterior dono destes bens.
De resto, e em coerência com este circunstancialismo, temos o depoimento de L., arrendatário do R. A., que confrontado com as circunstâncias que teriam rodeado o pagamento dos terrenos em causa, referiu que “ ele ia pagando “ ; “ ele ( o R. A. ) só lhe disse que tinha pago tudo quando o M. morreu “.
No mesmo sentido, a testemunha J. , aludiu a que “( o R. A. ) ia entregando dinheiro ( … ) Não pagou tudo de uma vez ( … ) Era para comprar tudo “.
Tendo-lhe sido perguntado “ Quando é que o R. acabou de pagar os terrenos ? “, respondeu “ Não sei “.
Da mesma forma, a testemunha A. afirmou, a este propósito : “ ( o R. A. ) não pagou tudo de uma vez. Pagou parcialmente ( … ) O engenheiro M. é que empurrava o A. para comprar ( … ) O A. foi-se apoderando à medida em que foi comprando “.
A testemunha R. , confrontado com a pergunta : “ Sabe se ( o R. ) já tinha adquirido todos os terrenos ? “, respondeu “ Não “.
Por outro lado,
A testemunha G. , sobrinho do falecido M. e primo do ora A. M. , afirmou, quanto a esta matéria, que “ Houve negociações. As negociações nunca se efectivaram “ – não tendo este último segmento ( a não efectivação das negociações ) sido incluído na transcrição das alegações dos apelantes, a fls. 275.
Ou seja,
Não há a menor certeza de o Réu A. ter procedido ao pagamento integral do preço da aquisição que teria realizado, de forma não documentada, a M. .
Não há, igualmente, nenhuma segurança de que a alegada aquisição haja tido lugar no ano de 1984 ou durante essa década.
Existe, sim a certeza absoluta de que, aquando da realização da escritura de justificação notarial, em 17 Março de 2009, o R. A. sabia perfeitamente que, há diversos anos, o herdeiro de M. , o ora A. M. , lhe negava directamente a qualidade de proprietário daquelas parcelas, embora estivesse disposto a proceder à respectiva venda, com aceitação dos valores que aquele dizia ter entregue em vista deste mesmo negócio.
Sabia, portanto, que não era verdade que estivesse em poder daqueles imóveis, sem oposição de quem quer que fosse e sem a convicção de estar a lesar o direito de outrem.
Por tudo isto, nada há a modificar na resposta negativa dada a este ponto da base instrutória.
Pontos nºs 9  e 13º da base instrutória -
“ Desde há mais de vinte e cinco anos que os Réus cultivam os imóveis referidos no ponto A) dos “ Factos Assentes “, neles plantando árvores de fruto, couves ; construindo uma piscina que serve de tanque de rega, uma churrascaria, caminhos que os circundam e um muro que a todos veda ; colhendo deles todas as utilidades e pagando os respectivos impostos e contribuições ? “.
“ Sem oposição de quem que seja ? “
Outrossim não assiste razão aos impugnantes neste particular.
Em conformidade com o que já se salientou supra, não há certeza de que os RR. utilizem as parcelas em referência há mais de vinte e cinco anos.
Muito menos que o façam, durante esse lapso temporal, sem oposição de quem quer que seja.
Os autos demonstram precisamente o contrário.
O herdeiro do falecido M. não reconheceu a regularidade e licitude dessa utilização ( ocupação ); nada garante que houvesse sido concretizada a dita venda indocumentada do imóvel, tanto mais, que tudo indica que o R. A. nem sequer terá entregue a totalidade do respectivo preço.
Houve, sim e apenas, tolerância ou permissividade do proprietário do imóvel, o que propiciou o alargamento da utilização dos terrenos a que o Réu foi gradualmente procedendo.
Nada há a alterar em relação ao respondido.
 3 – Decisão de direito. Enquadramento jurídico imposto pelos factos apurados.
Não tendo havido modificação relevante na decisão de facto proferida, é evidente que a presente apelação terá inevitavelmente que soçobrar.
Com efeito,
Os RR. não lograram cumprir o ónus de prova relativamente aos factos constitutivos do seu direito e que se prendiam com a aquisição, por via do instituto da usucapião, dos imóveis em referência[1].
Refira-se, ainda, que
mesmo que os RR. tivessem passado a utilizar tais imóveis na perspectiva de uma futura aquisição, com pagamentos parciais já realizados, sempre inexistiria aí uma situação de posse conducente à aquisição por usucapião, sem que houvesse ocorrido a inversão do título de posse, nos precisos termos do artigo 1265º do Código Civil[2], o que não foi sequer alegado.
Por outro lado,
Não há cabimento algum para a alusão a um pretenso abuso de direito por parte dos AA..
A transmissão de imóveis tem obrigatoriamente que ser reduzida a escrito.
O que se impõe por uma compreensível questão de segurança e certeza neste tipo de transacções, envolvendo normalmente interesses patrimoniais expressivos.
In casu, não foi.
Logo não houve, no plano jurídico, transmissão do direito de propriedade que incidia sobre esses bens.
Aos RR. competia a prova da sua aquisição por usucapião, que esteve precisamente na base da escritura de justificação notarial ora impugnada.
Não o conseguiram fazer.
Assistia, assim, naturalmente, aos AA. o direito a impugnar a justificação notarial, o que fizeram com êxito.
Limitaram-se, neste contexto, a tutelar e prosseguir os seus interesses, não excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelos fins sociais e económicos associados ao seu direito.
Improcede a apelação.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.   


IV - DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 14 de Outubro de 2014.
 
(Luís Espírito Santo)
                                                    
(Gouveia Barros)
              
(Conceição Saavedra)

[1] Sobre esta matéria, vide acórdão de uniformização de jurisprudência nº 1/2008, de 4 de Dezembro de 2007, publicado no Diário da República nº 63, Iª Série, de 31 de Março de 2008, nos termos do qual : “ Na acção de impugnação de escritura notarial prevista nos artigos 116º, nº 1 do Código de Registo Predial e 89º e 101º do Código de Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código de Registo Predial “ ; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Janeiro de 2010 ( relator Emídio Santos ), publicitado in www.jusnet.pt.
[2] Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2011 (Relator Lopes do Rego), publicitado in www.jusnet.pt, a propósito de uma situação de realização de contrato promessa : “ Os poderes que o promitente-comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, nem paga a totalidade do preço, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente adquirente perante o promitente alienante “. Sobre este ponto, vide ainda acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011 (Relator Serra Batista), publicitado in www.jusnet.pt.