Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
441/08.5TBFUN.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Instaurada ação pela seguradora, com vista a obter do réu condutor que deu causa ao acidente quando conduzia com uma taxa de alcoolemia de 0,97 g/l, o reembolso das quantias que pagou aos lesados no acidente (art. 19º c) do Decreto-Lei nº 522/85 de 31/12), discute-se se a questão da aplicabilidade da extensão do prazo prevista no art. 498º, nº3 do Cód. Civil para efeitos de contagem da prescrição.

2. Tendo o autor requerido a citação do réu quase um ano antes do terminus do prazo de prescrição – mesmo admitindo que esse prazo fosse de três anos, tese menos favorável ao autor e não o prazo de cinco anos –, não pode considerar-se imputável ao autor o retardamento desse ato processual apenas porque o demandante, por lapso, fez constar do cabeçalho da petição inicial, na indicação do número de porta da residência do réu o “nº20” e não, como se impunha e até constava de documento junto pelo autor, o “nº30”.

3. Ao invés, impõe-se considerar que esse retardamento se ficou a dever a um conjunto de vicissitudes relacionadas com o incorreto cumprimento de ditames adjetivos, por parte de outros intervenientes processuais, nomeadamente o solicitador de execução, que não atentou ao que resultava das informações que colheu e continuou a tentar a citação na morada errada e o tribunal, que proferiu sentença sem assinalar o erro, identificando de imediato a falta de citação, que só mais tarde, aquando do julgamento da oposição à execução, vem a ser reconhecida;

4. Beneficiando o autor do efeito interruptivo a que alude o art. 323º, nº2 do Cód. Civil, o novo prazo só começa a correr depois do trânsito em julgado da decisão (art. 327º, nº2 do mesmo diploma)

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:


  
1. RELATÓRIO.



I., S. A. intentou a presente ação declarativa contra GS, pedindo que o réu seja condenado no pagamento da quantia de 18.505,13 euros.

Alega, em síntese, que ocorreu um acidente de viação com um veículo segurado pela autora e conduzido pelo réu, filho do tomador do seguro, tendo o acidente ocorrido por culpa do réu, que conduzia sob o efeito de álcool. Continua, sustentando que suportou o pagamento dos danos ocorridos em virtude do acidente, exercendo agora o respetivo direito de regresso sobre o réu.

Procedeu-se a diversas diligências com vista à citação do réu após foi proferida a sentença cuja cópia consta de 90 dos autos.

Nessa sequência, a autora intentou ação executiva, tendo como título essa sentença.

Citado no âmbito da execução (processo n° 441/08.TBFUN-A), o executado, ora réu, deduziu oposição à execução alegando a falta da citação no âmbito da presente ação declarativa.

A oposição à execução foi considerada procedente por decisão de 07.11.2013, transitada em julgado.

Foi ordenada a repetição da citação no âmbito da presente ação declarativa (despacho de 15.01.2014, a fls. 108).

Citado, o réu contestou, excecionando a prescrição do direito da autora e defendendo-se por impugnação.

A ré apresentou resposta à exceção de prescrição e veio ainda requerer a sua substituição pela F., S. A., por fusão por incorporação.

Procedeu-se ao saneamento do processo, fixando-se à causa o valor de 8 208,66€, admitindo-se “a requerida substituição subjetiva, ocupando doravante nos presentes autos a F., S. A. a posição da I., S. A.”.

Considerou-se que “[a]tendendo às posições assumidas pelas partes nas respectivas peças processuais, verificamos que resultaram provados por acordo e por força do teor da tramitação dos autos e da sentença proferida no Apenso B, todos os factos relevantes para a decisão da excepção de prescrição, sem necessidade de produção de outras provas” pelo que se proferiu decisão, que concluiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, considero procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelo R. GS e, em consequência, absolvo o R. GS do pedido deduzido pela I., S. A., ora F., S. A.
Custas pela A. (cfr. artigo 527°, nºs 1 e 2 do C.P.C.).
Registe e notifique”.

Não se conformando, a autora apelou formulando as seguintes conclusões:
(…)
Termos em que, deverá julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, aditar-se aos factos assentes a matéria supra referida, julgar-se improcedente a excepção de prescrição, bem como ordenar-se a baixa dos autos com vista à prolação do despacho que fixa o objecto do litígio e temas de prova, designadamente no que se refere à dinâmica do sinistro, o nexo de causalidade entre a actuação do Réu sob etilização e o acidente, porquanto só assim será feita, JUSTIÇA!”

Foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO:

A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:

1. A presente ação foi intentada pela autora contra o réu em 01.02.2008.
2. A autora não requereu a citação urgente do réu.
3. A autora indicou como morada do réu a Rua S., nº 20.
4. Em 25.02.2008, a autora foi notificada da frustração da citação do réu por via postal, bem como que tinha sido nomeado solicitador de execução para que a citação fosse efetuada mediante contacto pessoal.
5. No dia 29.07.2008, a senhora solicitadora de execução deslocou-se àquela morada e, não tendo encontrado o réu, procedeu à afixação de aviso com indicação de que a citação seria efetuada por contacto pessoal, no dia 31.07.2008, pelas 19:00 horas.
6. No dia 31.07.2008, a senhora solicitadora de execução deslocou-se àquela morada, afixando na moradia nota de citação com a indicação de que o duplicado e os documentos anexos ficariam à disposição do réu na secretaria judicial.
7. O réu residia na Rua S., nº 30.
8. No âmbito da ação executiva que correu termos no apenso A, o ora réu, ali executado foi citado em 06.03.2012.
9. Foi proferida sentença transitada em julgado no apenso B à presente ação, no âmbito da oposição à execução, na qual se considerou existir falta de citação e considerou-se procedente a oposição à execução.
10. Por despacho de 15.01.2014 proferido nos presentes autos, foi ordenada a citação do réu na Rua S., nº 30.
11. O réu foi citado na presente ação em 17.01.2014.
12. No dia 08.02.2005, cerca das 4h45m, na Estrada Regional 101, no sentido Este-Oeste, no concelho do Funchal, ocorreu um acidente de viação no qual foi único interveniente o veículo de matrícula PD-..-.., conduzido pelo réu.
13. O réu conduzia com uma taxa de 0,97g/l.
14. O veículo embateu com a sua lateral direita nos rails de proteção sitos no lado direito da via, vindo a capotar e embatendo de seguida nos rails de proteção sitos no lado direito da via, 6,80m adiante.
15. O estado do tempo era bom, o piso encontrava-se parcialmente molhado e em ótimo estado de conservação.
16. O embate do veículo conduzido pelo réu na proteção lateral da Estrada Regional 101 danificou 17 guardas, 13 amortecedores, 8 prumos, 2 alinhadores, 1 cauda de carpa, no valor total de 2106,88 euros.
17. A autora pagou a quantia de 2106,88 euros à Via litoral Concessões Rodoviárias Madeira, S.A. em 31.03.2005.
18. No veículo seguia como passageiro JF, o qual sofreu lesões corporais em consequência do acidente.
19. JF foi assistido no Centro Hospitalar do Funchal no dia 08.02.2005, ficando ali internado até 22.02.2005.
20. Para pagamento das despesas de assistência médica de 08.02.2005 a 22.02.2005, a autora entregou ao Serviço Regional de Saúde, E.P.E. a quantia de 3124,00 euros em 03.02.2006.
21. A responsabilidade civil por danos decorrentes de acidente de viação ocorrido com o veículo de matrícula PD-..-.. estava transferida para a autora pela apólice n° AU42404097.
22. Em resultado do sinistro, JF sofreu esfacelo da face, com avulsão do pavilhão auricular direito e escalpeto parieto-temporal direito e apresentava sintomas de amnésia pós-traumática e agravamento da paralisia Bell pré-existente ao acidente, tendo sido submetido a intervenção cirúrgica para reconstrução do pavilhão auricular direito.
23. A autora procedeu ao pagamento das seguintes quantias relativas a consultas médicas prestadas a JF:
a) 75 euros em 07.03.2005;
b) 75 euros em 28.06.2005,
c) 75 euros em 24.11.2005
24. A autora pagou a quantia de 100 euros a JF em 28.04.2005.
25. A autora pagou a quantia de 449,25 euros a JF em 13.06.2005.
26. No dia 06.12.2005, JF e a autora acordaram que todos os danos e prejuízos sofridos por aquele em consequência do acidente ficariam avaliados em 12.500 euros.
27. Em 22.12.2005, a autora pagou a quantia de 12.500 euros a JF.
28. Da participação do acidente remetida à autora, constava como morada do réu a Rua S., nº 30.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO:

1.Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:

- da impugnação do julgamento de facto;
- da prescrição do direito de regresso invocado pela autora.

2.A apelante pretende a ampliação da factualidade dada por assente indicando que no articulado de resposta alegou um conjunto de factos que importam à apreciação da exceção deduzida pelo réu e a que o tribunal não atendeu, devendo fazê-lo porquanto estão provados e são pertinentes.

Cumprido que foi o ónus de alegação que impende sobre o apelante (art. 640º do C.P.C.) analisemos, então, ponderando especificamente cada um dos pontos a que o apelante se reporta, salientando-se que muitos dos factos aludidos constituem incidências processuais que os autos documentam e que, portanto, sempre relevariam para a decisão independentemente de qualquer específica menção.

*
(…)

*
Em suma, procede parcialmente a impugnação, pelo que se adita aos factos provados a seguinte matéria:

29.Na petição inicial, a autora requereu a citação do réu (fls. 8 dos autos);
30.Em 04-02-2008 foi expedida carta registada com A/R para citação do réu, remetida para a morada aludida em 3., carta que veio devolvida porque não foi reclamada conforme indicação constante de fls. 69 dos autos;
31. Na sequência do que a secretaria notificou a autora, em 25 de Fevereiro de 2008, conforme consta de fls. 71, nos seguintes termos:

“Fica V. Ex. ª notificado, relativamente ao processo supra identificado de que, as tentativas de citação via postal do(s) citando(s):

Réu: GS, nascido(a) em 21-09-1982 natural de Venezuela, BI -…, Endereço: Rua S., nº 20 se mostraram infrutíferas, pelo que foi nomeado solicitador de execução para que a citação seja efectuada mediante contacto pessoal, nos termos do disposto no artº 239º do CPC”.

32.Em 24-04-2008 a solicitadora de execução efetuou pesquisas junto da Segurança Social alusivas ao réu, conforme consta de fls. 75, aí se indicando como local de residência do réu o seguinte: rua S., nº 30;
33.Notificada a solicitadora de execução para proceder à citação do réu a mesma procedeu nos termos que constam de fls. 77 a 89 dos autos.
34.Juntos esses elementos ao processo, pela solicitadora de execução, o tribunal proferiu a sentença de fls. 90, datada de 10-11-2008, tendo considerado conforme daí consta e, nomeadamente, que o réu foi “regularmente citado para contestar” e que “[n]ão tendo o réu contestado, nos termos dos artigos 784º do Código do Processo Civil, considero admitidos por acordo os factos alegados pela autora na petição inicial, os quais determinam a procedência da presente acção”, condenando o réu no pedido.
35. Em 3 de Março de 2009 a autora instaurou contra o réu, por apenso à presente ação, o requerimento executivo cuja cópia consta de fls. 214 a 218 dos autos.

3.A apelante instaurou a ação com vista a obter do réu condutor que deu causa ao acidente quando conduzia com uma taxa de alcoolemia de 0,97 g/l, o reembolso das quantias que pagou aos lesados no acidente, nos termos do art. 19º c) do Decreto-Lei nº 522/85 de 31/12.
O que basicamente se discutiu no processo foi a questão da aplicabilidade da extensão do prazo prevista no art. 498º, nº3 do Cód. Civil para efeitos de contagem da prescrição, em casos como o dos autos.
Como se sabe, tem a jurisprudência divergido quanto ao entendimento sobre o prazo de prescrição do direito ao reembolso dessas quantias.
Para uns – e esse foi o entendimento perfilhado pela primeira instância –, esse prazo é de três anos, nos termos do art. 498º nº 2 do Código Civil, aí se estabelecendo que “[p]rescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”.
Foi o entendimento mais recentemente expresso no acórdão do STJ de 22-09-2015 [ [2] ], secundando muitos outros – parece-nos que hoje é seguramente esse o entendimento maioritário que se formou a nível do Supremo Tribunal de Justiça –, podendo aí ler-se, em abono da tese defendida:
“(…)”

Tem sido este o sentido, uniforme, da jurisprudência mais recente do Supremo (…), não se vendo razões para dela divergir.
Conclui-se, por conseguinte, que o prazo de prescrição aplicável é o de três anos previsto no art. 498º, nº 2, do CC”.
Para outros, é aplicável a extensão do prazo que decorre do nº 3 do preceito, nos termos do qual “[s]e o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.
Foi a posição assumida no acórdão do STJ de 07-07-2010 [ [3] ], podendo aí ler-se:
“(…)”.

Ora, parece-nos, com o devido respeito, que no caso em apreço é indiferente a opção por uma ou outra das teses, porquanto a solução jurídica do pleito não passa por aí, como analisaremos de seguida.

4.A questão passa, em nosso entender, pela convocação do regime legal da prescrição no que às causas interruptivas concerne, mais precisamente, por aferir se, no caso, deve ter-se por interrompida a prescrição por via do pedido de citação do réu, com a instauração da ação, no sexto dia subsequente à entrada da petição inicial.

Releva, então, o seguinte regime:

Artigo 323.º (Interrupção promovida pelo titular)

1.A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2.Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3.A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4.É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.
 
Artigo 325.º (Reconhecimento)

1.A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
2.O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam. 

Artigo 326.º (Efeitos da interrupção)

1.A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte.
2.A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º 

 Artigo 327.º (Duração da interrupção)

1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses. 

Atente-se, agora, na seguinte dinâmica que resulta dos autos:

- O acidente ocorreu em 08-02-2005;
- Na sequência do acidente a autora efetuou pagamentos aos lesados que se indicam, nas seguintes datas: à Via litoral Concessões Rodoviárias Madeira, S.A. em 31.03.2005, ao JF em 07.03.2005, 28.04.2005, 13.06.2005, 28.06.2005 e 24.11.2005, sendo que na sequência do acordo aludido sob o número 26 dos factos provados efetuou o último pagamento a este em 22.12.2005 e por último ao Serviço Regional de saúde, E.P.E. em 03.02.2006;
- A presente ação foi intentada pela autora contra o réu em 01.02.2008, com pedido de citação do réu nesse articulado;
- O réu foi citado para a ação executiva em 06.03.2012;
- O réu foi citado na presente ação em 17.01.2014;
Ponderando, pois, o último pagamento efetuado, em 03.02.2006, data relevante para aferir da invocada exceção [ [4] ], temos que concluir que à data em que a ação foi instaurada, 01-02-2008, era longínquo o terminus do prazo de prescrição – independentemente de atendermos ao prazo de três/cinco anos –, não tendo qualquer cabimento o pedido de citação urgente do réu, que, seguramente, num juízo de prognose, seria indeferido [ [5] ]. É, pois, irrelevante que o autor se tenha limitado a requerer a citação do réu e não a citação urgente (cfr. a factualidade indicada sob o número 2 dos factos assentes), ao contrário do que parece depreender-se da decisão recorrida. Saliente-se que o mesmo se diria ponderando, individualmente, cada um dos pagamentos efetuados, uma vez que o primeiro pagamento ocorreu em 07-03-2005 pelo que, mesmo ponderando o prazo mínimo de três anos, ainda assim a ação deu entrada, com pedido de citação, muito antes do fim desse prazo, mais precisamente 35 dias antes.

Cumpre, então, apreciar se deve ter-se a prescrição por interrompida nos termos do art. 323º, nº 2 do Cód. Civil.

A Meritíssima juiz considerou que não, referindo como segue:

“A interposição de uma acção não configura qualquer causa de interrupção do prazo prescricional a qual ocorre sim com a citação, ou com o decurso do prazo de 5 dias após o requerimento de citação urgente (cfr. artigo 323°, n02 do Código Civil).

A A. não requereu a citação urgente, pelo que apenas com a citação do R. se pode considerar interrompida a prescrição.

Por sentença proferida na Oposição à Execução, transitada em julgado, o tribunal considerou que ocorreu falta de citação, o que implicou a nulidade do processado após a entrada da petição inicial.

Atendendo à falta de citação, no âmbito da presente acção declarativa e atendendo a que o pressuposto da causa de interrupção é o conhecimento do demandado da intenção de exercício de direito pelo credor (vide, neste sentido, Antunes Varela, anotação ao artigo 3230 do C.C., Código Civil Anotado, Vol. I, pago 291, 4a edição), O acto praticado pela Agente de Execução em 31.07.2008 não configura uma causa de interrupção da prescrição.

Importa ainda que se saliente que, atendendo a que a morada que constava da participação do acidente era a Rua S., nº 30 (morada correcta) é imputável à A., ainda que porventura por lapso, a indicação de uma morada errada (o nº20), lapso esse que veio a desencadear o vício na citação.

O R. foi citado na acção executiva em 06.03.2012 e foi citado na presente acção declarativa apenas em 17.01.2014.

Importa, pois, verificar qual o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto”.

Não podemos acompanhar este (singelo) raciocínio, que obnubila as vicissitudes que o processo evidencia.

Vejamos.

É indiscutível que a citação do réu ocorreu muitos anos depois da instauração da ação – pouco mais de 4 anos se ponderarmos a citação na ação executiva, quase seis se tivermos por referência esta ação. Mas também nos parece razoavelmente evidente que, se tal aconteceu, a culpa não pode assacar-se à autora, no contexto dos autos ou, dito de outra forma, impõe-se considerar que o retardamento na efetivação desse ato não é imputável à autora.

Na conformação da expressão “por causa não imputável ao requerente”, constante do art. 323º, nº2 do Cód. Civil, tem a doutrina e a jurisprudência entendido, unanimemente, que se impõe uma interpretação “em termos de causalidade objectiva, ou seja, que a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação”; “o que é essencial para a aplicação, em seu benefício, do regime da citação em 5 dias é que a sua conduta não haja implicado qualquer violação culposa de normas procedimentais ou adjectivas, radicando nessa infracção objectiva – e só nela – a preclusão do benefício emergente do referido nº2 do art. 323º [ [6] ].

No caso, a autora/apelante, em obediência ao que dispõe o art. 552º, nº1 alínea a) do C.P.C. indicou a residência do réu como correspondendo ao nº 20 da rua Rua S., quando o réu residia no número 30, sendo certo que se trata de lapso detetável porquanto com a petição inicial a autora juntou vários documentos, sendo que num desses documentos consta a completa identificação do réu, incluindo a residência, com o indicado “nº 30” e não “nº 20”.

Acontece que a partir daí, as tentativas de citação foram sempre feitas tendo em vista o referido número de porta – nº 20 –, começando pelo Sr. Funcionário, que enviou carta registada com A/R para o citado nº 20, carta que foi devolvida com indicação de não reclamada.

Ora, perante a devolução dessa carta e notificada a solicitadora para proceder ao ato em causa – citação –, esta efetuou diligências de investigação junto da segurança social, daí resultando a indicação que o réu residia no nº30 – e não no número 20.

Ainda assim, e sem qualquer justificação, a solicitadora continuou a tentar a citação do réu no número 20.

Ou seja, sabendo-se que o réu residia no nº 30 da indicada rua, constando essa informação não só do aludido documento junto pelo autor, como de fls. 75 que consubstancia o resultado de acesso feito pela solicitadora de execução junto da Segurança Social, ainda assim a solicitadora de execução, incumbida, exclusivamente, da prática desse ato processual não atentou na efetiva residência do réu, continuando paulatinamente a contatar o mesmo no número 20 (cfr. fls. 81-84), e igual procedimento tiveram os senhores funcionários judicias, que continuaram a enviar cartas para o referido número 20, chegando ao ponto de notificar o réu da sentença proferida nessa morada – cfr. fls. 87 a 89 e 92.

Por último, considerando que o réu não contestou, impunha-se ao juiz avaliar se o réu foi pessoal e regularmente citado, conforme decorre do art. 484º nº 1 da lei processual civil vigente à data em que foi proferida a sentença de fls. 90, compreendendo-se essa exigência legal pelos (gravosos) efeitos da revelia, aí consignados, o que também parece não ter sido feito, tanto assim que foi proferida sentença, já transitada em julgado, no apenso de oposição à execução – entretanto instaurada com base na primitiva sentença, que depois ficou, obviamente, prejudicada – em que se considerou existir falta de citação e considerou-se procedente a oposição à execução (cfr. os facto dado por assente sob o número 9 [ [7]  ].

Saliente-se que depois da comunicação feita ao autor, em 25-02-2008, de que a citação seria feita por solicitadora de execução (fls. 71) este só foi notificado para algum termo do processo em 11-11-2008, aquando da notificação da sentença proferida.

Ou seja, no contexto dos autos, parece-nos inócuo e insignificante o lapso do autor, parecendo que as falhas se encontram a montante, sendo estas – e não aquele comportamento –, causa (adequada) do retardamento da citação, ou seja, da efetivação da citação muito para além dos cinco dias previstos no referido preceito.

Conforme aludido no Ac. RC de 13-06-2006 “[é] jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a citação efectuada para além do quinto dia após aquele em que for requerida não é imputável ao respectivo requerente quando a demora é devida a motivos de índole processual, de organização judiciária, negligência do tribunal ou dos seus funcionários, dolo do devedor, acumulação de serviço ou outras circunstâncias anómalas. E que a demora é imputável ao respectivo requerente quando se demonstre existir um nexo objectivo de causalidade entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efectivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele” [  [8] ].

Do exposto decorre que, ao contrário do que entendeu a primeira instância, se impõe considerar que a prescrição se interrompeu decorridos os cinco dias subsequentes à entrada da petição inicial, isto é, que, no caso, a prescrição se interrompeu em 06-02-2008, nos termos do nº 2 do art. 323º do Cód. Civil.

A interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (artigo 326.º, n.º 1, do Cód. Civil) salvo se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, hipótese em que o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, como expressamente dispõe o art. 327.º, n.º 2, do mesmo diploma.

Em suma, beneficiando o autor do efeito interruptivo a que alude o art. 323º, nº2 do Cód. Civil, o novo prazo só começa a correr depois do trânsito em julgado da decisão (art. 327º, nº2 do mesmo diploma).

Assim sendo, conclui-se que, no caso em apreço, não tendo ainda sido proferida sentença dirimindo o litígio, não pode ter-se por verificada a exceção aludida, ao contrário do que entendeu a primeira instância.

*
            
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em, julgando procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e, considerando improcedente a exceção de prescrição invocada pelo réu, determinar o prosseguimento dos autos para julgamento.
Custas pelo apelado.
Notifique.


Lisboa, 17 de novembro de 2015


(Isabel Fonseca)
(Maria Adelaide Domingos)
(Eurico José Marques dos Reis)


[1]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de setembro de 2013.
[2]Processo:255/14.3T8SCR.L1.S1 (Relator: Pinto de Almeida), acessível in www.dgsi.pt.
[3]Processo:142/08.4TBANS-A.C1.S1 (Relator: Silva Salazar), acessível in www.dgsi.pt, sendo que o Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira alterou, posteriormente, a sua posição, como expresso no acórdão do STJ de 29-11-2011, processo 1507/10.7TBPNF.P1.S1, que relatou, acessível no mesmo local, para além de ter tido intervenção, como adjunto, no aresto citado supra, de 22-09-2015.
[4]Sobre a data a partir da qual se da qual se inicia o cômputo do prazo, nomeadamente em caso de ocorrerem pagamentos parcelares e faseados vide o acórdão do STJ de 07-04-2011, processo: 329/06.4TBAGN.C1.S1 (Relator: Lopes do Rego), acvessível in www.dgsi.pt
[5]O pedido de citação urgente tinha que ser fundamentado, como decorria do art. 478º do C.P.C. vigente à data, com correspondência, atualmente, embora com diferente redação, no art. 561º.
[6]Ac. STJ de 20-06-2012, Processo: 347/10.8TTVNG.P1.S1, Relator: Sampaio Gomes, acessível in www.dgsi.pt.
[7]A falta de citação difere da nulidade de citação, nomeadamente para os efeitos a que alude o art. 323º, nº3 do Cód. Civil, porquanto nos casos de falta de citação é evidente que o demandado desconhece, de todo, a intenção do demandante exercer o seu direito.  
[8]Acórdão citado pela apelante, proferido no processo:1471/06 (Relator: Artur Dias), acessível in www.dgsi.pt


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