Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
324/14.0TELSB-Q.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
OPOSIÇÃO AO ARRESTO
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DEVER DE COMUNICAÇÃO
CONSULTA DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: -Tal como as medidas de coação, também o arresto preventivo, medida de garantia patrimonial prevista no art. 228.º do Cód. Proc. Penal, é aplicado “por despacho do juiz” - assim, art. 194.º, n.º1, do mesmo Diploma.
-Nesta conformidade, razões não há para sustentar, que o conhecimento da respectiva oposição se opere por forma diferente, isto é, por sentença. Sendo que esta opção interpretativa não se desmerece pela aplicação supletiva do art. 372.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, o qual estatui, que no caso a que se refere a alínea b) do n.º 1 (dedução de oposição), a decisão de manutenção, revogação, redução ou outras da providência anteriormente decretada, “constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida”.
-O art. 379.º do Cód. Proc. Penal, tem em vista regular as nulidades da sentença ou do acórdão, rectius, das decisões finais que conheçam a final do objecto do processo, e só essas, desiderato normativo que pode ser evidenciado pela sua colocação sistemática e pela diferente regulamentação conferida pelo Legislador à sua “correcção”, já que neste caso, a entendeu extensível aos demais actos decisórios (cfr. art. 380.º, n.º 3).
-A não pronúncia sobre a realização de determinadas diligências probatórias requeridas na oposição ao arresto, não traduz uma nulidade de sentença enquanto tal, mas antes uma nulidade de “procedimento” ou seja, não é uma omissão que respeite ao despacho final que conheça da oposição em si mesma, já que aquele não se destina a apreciar esse tipo de solicitações, mas antes, decidir das razões da oposição, da mesma forma que tal incidência não traduzirá, em bom rigor, uma “questão” no sentido próprio da al. c) do n.º 1, do art. 379.º, isto é, um problema concreto de facto ou de direito a decidir.
-Nessa conformidade, tal nulidade deve ser suscitada de forma autónoma e não, directamente, no recurso interposto da própria decisão proferida sobre a oposição.
-Concorrendo recursos sobre essa temática - o da decisão de oposição e o do despacho de não reconhecimento daquela omissão -, prefere na ordem lógica do seu conhecimento nesta Relação, este último, já que traduzindo a forma tida por adequada para o seu processamento, só nele a questão em causa foi verdadeiramente decidida.
-À comunicação dos elementos probatórios em que se funda a decisão de arresto preventivo, tendo em vista permitir o exercício pleno do seu contraditório por via de oposição, não se aplicam, em primeira linha, os art.ºs 367.º, n.º1, e 372.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, uma vez que, no presente ordenamento, não está em causa a composição de litígios centrados no confronto de posições jurídicas entre particulares ou entidades públicas não revestidas de jus imperi, para além de poder vigorar o segredo de justiça.
-A solução deverá antes polarizar-se em torno do art. 194.º do Cód. Proc. Penal, que contém a regulamentação do despacho de aplicação de quaisquer medidas de coacção (excepto TIR) ou de garantia patrimonial e as particularidades da sua notificação.
-Não tendo o Juiz de instrução criminal, naquele despacho, consignado qualquer reserva sobre a “comunicação” dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, então razões não existem para que os mesmos sejam ocultados à Defesa do arrestado, seja por via do art. 89.º seja por via do art. 194.º, n.º 8, do Cód. Proc. Penal.
-Ainda que este último contemple apenas, para além da situação de interrogatório judicial, o prazo para a interposição do recurso, julgamos que uma interpretação extensiva postulada pelas garantias de defesa em relação ao correspondente acto, impõem também que tal faculdade seja concedida na situação de oposição.
-Em todo o caso, tal acesso aos autos não pode ser solicitado apenas no requerimento de oposição, pois o que a lei manda comunicar é somente o despacho determinativo (cfr. art. 194.º, n.ºs 9 e 10 e 113.º do Cód. Proc. Penal), e não este e os elementos probatórios em que assentou.
-Logo, a actuação daquele art. 194.º, n.º 8, do Cód. Proc. Penal, impõe uma conduta diligente por parte do seu requerente, ou seja, o mesmo terá de pedir a consulta dos autos, no tribunal, no tempo próprio para a sua dedução e caso seja denegada, reagir.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


I-1.)Inconformado com a decisão aqui melhor constante de fls. 971 verso a 972, em que o Mm.º Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, na sequência da oposição deduzida aos arrestos preventivos que havia sido decretados pelos despachos de 15 de Maio de 2015 (prédio urbano denominado de Lote 1, sito no Loteamento ... -..., freguesia ... e prédio urbano sito na Rua ..., em Évora - cfr. entre o mais, fls. 304) de 28 de Maio de 2015 (bens móveis encontrados nas respectivas residências, vide fls. 510/11), e de 18 de Junho de 2015 (veículos automóveis melhor identificados a fls. 620), o indeferiu “quer no tocante à “questão prévia” quer no tocante aos fundamentos da oposição”, recorreu o aí Oponente J.S..., melhor identificado nos autos, para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões:

1.ª-Além de manifestamente incompleta, a Decisão é errada, injusta e ilegal.

Do vício de omissão de pronúncia da Decisão.

2.ª-Não obstante ter apresentado, no passado dia 7 de setembro, um requerimento autónomo através do qual arguiu o exato mesmo vício da Decisão que agora argui, por cautela de patrocínio, o Recorrente vem arguir agora, em sede de Recurso, a nulidade da Decisão, que se funda na omissão de pronúncia decorrente da falta de apreciação de três pedidos formulados na Oposição, a saber:
i)O pedido formulado no artigo 98.º da Oposição, onde se requereu que o Banco de Portugal fosse oficiado para fazer juntar a estes autos as declarações prestadas por F.C..., no âmbito do processo identificado com o n.º 58/14/CO;
ii)O pedido para que as testemunhas elencadas na Oposição fossem inquiridas;
iii)O pedido no sentido de que o Recorrente fosse autorizado a prestar declarações de parte.

3.ª-A nulidade da Decisão, que ora se argui, resulta tanto do recurso às normas do ordenamento processual civil, como da aplicação das normas do ordenamento processual penal. 

4.ª-Percorrendo a Decisão – note-se, quer a Decisão propriamente dita, quer a promoção do Ministério Público a que o Tribunal a quo aderiu e cujo teor deu por integralmente reproduzido – não se vislumbra uma única palavra sobre os três pedidos formulados na Oposição, a que anteriormente se fez referência.

5.ª-A ausência de pronúncia relativamente a esses três pedidos é tanto mais surpreendente quanto mais é sabido que os mesmos compreendiam praticamente a totalidade dos meios de prova oferecidos pelo Recorrente.

6.ª-Além de ser notório que a Decisão, ao ignorar os pedidos formulados sobre os meios de prova, coarctou gravemente o exercício do direito de defesa que assiste ao Recorrente, mais a mais quando este refutou diretamente, na sua Oposição, todos os fundamentos do arresto preventivo, o certo é que a circunstância de aqueles pedidos não terem sido apreciados gera, necessariamente, a nulidade da Decisão.

7.ª-É o que resulta expressamente do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil – aplicável a qualquer decisão judicial e não apenas às sentenças, por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

8.ª-Note-se que, por efeito do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e conforme resulta da Doutrina e da Jurisprudência, não oferece dúvida que o Tribunal a quo estava obrigado a apreciar os três referidos pedidos formulados na Oposição.

9.ª-Não procede, por isso, o argumento de que o Tribunal a quo não apreciou estes pedidos, porque a decisão sobre os mesmos ficou prejudicada pela solução dada a outras questões (rectius, pela decisão que determinou a manutenção da «medida de arresto provisório» decretada contra o Recorrente), pois se se considerasse que a solução dada “à causa” afastou a necessidade de apreciar os três referidos pedidos do Recorrente, nesse caso, estar-se-ia a inverter a lógica do iter decisório que qualquer tribunal de um Estado de Direito Democrático está obrigado a seguir: num primeiro momento, cada uma das partes tem a possibilidade de produzir os seus meios de prova e, só depois de apreciada a prova produzida por cada umas das partes, o tribunal está em condições de decidir. 

10.ª-Em síntese, do ponto de vista processual civil, a Decisão é nula nos termos conjugados dos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (aplicáveis por força do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma), pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que estava obrigado a apreciar, o que se invoca para todos os efeitos legais.

11.ª-A Decisão é ainda e também inválida no estrito plano processual penal.

12.ª-Assim, no travejamento do incidente de arresto preventivo previsto no artigo 228.º do Código de Processo Penal, que remete para o Código de Processo Civil, a aludida Decisão constitui para, todos os efeitos, um ato decisório final, e, enquanto decisão final (daquele incidente) que materialmente é, fica sujeita ao regime de vícios decisórios consagrado no artigo 379.º do Código de Processo Penal, em título dedicado à sentença.
 
13.ª-A Decisão incorre em ostensiva omissão de pronúncia relativamente a três pedidos relativos a diligências de prova expressamente formulados na Oposição, a qual é cominada com nulidade no citado artigo 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

14.ª-Com efeito, caberia e cabe necessariamente, por parte do Tribunal a quo, pronúncia (fundamentada) sobre aqueles meios de prova indicados na Oposição, e isto sob pena de evidente e grosseira ilegalidade e invalidade, considerando quer o carácter altamente agressivo e gravoso da medida de garantia patrimonial aplicada, quer ainda a obediência devida aos princípios da necessidade e da subsidiariedade, que devem enquadrar e orientar a aplicação deste tipo de medidas (cf. artigo 193.º do Código de Processo Penal), por definição restritivas (forte e violentamente restritivas) de direitos fundamentais, em conjugação, bem assim, com os princípios do processo equitativo, do contraditório e da proibição de indefesa (cf. artigos 20.º e 32.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), corolários elementares de um núcleo mínimo de justiça processual.

15.ª-Em suma, do ponto de vista processual penal, a Decisão é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, o que se invoca para todos os efeitos legais.

16.ª-Caso assim não se entenda, o que só por cautela de patrocínio se equaciona, a Decisão seria sempre irregular, nos termos do disposto nos artigos 97.º, n.º 5, e 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o que igualmente se invoca para todos os efeitos legais.

17.ª-Em conformidade com tudo o que vem de se expor, deixa-se igualmente alegado para os devidos efeitos que a norma constante do artigo 372.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), em conjugação com o disposto nos artigos 97.º, n.º 5, 123.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), estes do Código de Processo Penal, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 3.º, 20.º, n.ºs 3, 4 e 5, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de que, sendo requerida pelo visado a realização de diligências de prova na Oposição (apresentada após decretamento de arresto preventivo, nos termos do aludido artigo 228.º do Código de Processo Penal), tal requerimento não constitui questão que deve ser apreciada, fundamentada e decidida pelo tribunal.

18.ª-Termos em que devem os vícios processuais ora alegados ser julgados procedentes e, consequentemente, deve a Decisão ser declarada nula (ou, caso assim não se entenda, irregular), sendo a mesma ser substituída por outra que, pronunciando-se (fundamentadamente) sobre os três pedidos acima explicitados, admita e determine a produção dos meios de prova aí oferecidos.

Da errada decisão de indeferimento do pedido de acesso aos elementos de prova que sustentaram o decretamento do arresto preventivo

19.ª-Escudando-se na fundamentação expendida na promoção do Ministério Público de fls. 9682 e ss., o Tribunal a quo decidiu indeferir o pedido formulado pelo Recorrente, no artigo 23.º da Oposição, no sentido de que o mesmo fosse notificado de todos os meios de prova que serviram de base ao decretamento do arresto preventivo.

20.ª-A tese do Tribunal a quo não está correta, pois assenta no errado pressuposto de que o Recorrente pretende, de alguma forma, aceder irrestritamente a toda a documentação constante destes autos, podendo, desse modo, perturbar a “descoberta da verdade”.

21.ª-O Recorrente não ignora que este processo está em fase de investigação e que o mesmo se encontra sob segredo de justiça e foi por essa razão que o Recorrente não requereu, na sua Oposição, o acesso ilimitado a estes autos, mas, apenas e só, que fosse notificado de todos os meios de prova que, supostamente, serviram de suporte à decisão de decretar o arresto preventivo.

22.ª-O Recorrente fê-lo propositadamente, para que assim se pudesse realizar um exercício de concordância prática entre os interesses que o segredo de justiça pretende acautelar e o legítimo direito de defesa do Recorrente, garantindo que este exerce livremente os seus direitos à tutela jurisdicional efetiva e ao contraditório.

23.ª-Ora, a Jurisprudência que se debruçou sobre este tema – não aquela que o Ministério Público invocou na sua promoção e que nada tem que ver com o caso dos autos, já que essa respeita a uma situação de recusa de acesso somente a “certos elementos do processo”, e não a um caso de recusa de acesso à totalidade dos elementos probatórios, como sucede nestes autos – não deixa margem para dúvidas: para o exercício efetivo do direito de defesa há que permitir ao visado o acesso aos elementos existentes no processo que fundamentaram a decisão que se pretende pôr em causa.

24.ª-De facto, entendimento diverso redundaria na intolerável violação dos princípios do processo equitativo, do contraditório e da proibição de indefesa (cf. artigos 20.º e 32.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

25.ª-A norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 367.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 3.º, 20.º, n.ºs 3, 4 e 5, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de que, tendo sido decretado arresto preventivo, ao visado do mesmo não assiste o direito de, a fim de deduzir oposição ou de interpor recurso da decisão, conhecer e analisar os elementos probatórios que serviram de base à decisão de decretamento do arresto preventivo.

26.ª-Nesta conformidade, deve a Decisão ser revogada e substituída por outra que ordene a notificação ao Recorrente de todos os meios de prova em que se baseou o decretamento do arresto preventivo.

Do não preenchimento dos pressupostos de que dependia o decretamento do arresto preventivo.

27.ª-O Recorrente não deveria figurar como requerido, pois que:
i)são falsos os factos que lhe são imputados no requerimento de arresto preventivo;
ii)nunca o seu comportamento enquanto administrador das sociedades que constituíam o universo do Grupo... se revelou passível de enquadramento criminal, maxime nos crimes elencados a fls. 179 e 180; e
iii)não existindo, em relação ao Recorrente, qualquer aparência de cometimento de um ilícito penal, não está verificado o requisito do fumus boni iuris.

As funções do Recorrente no B... e no G...:

28.ª-O Recorrente estava, no Banco, encarregue dos pelouros respeitantes (i) ao Departamento de Private ...,(ii)ao Departamento I... B... Private B... (que foi criado em 2013), (iii) à Sucursal...Financeira E... da M..., (iv) à Sucursal de E..., L... e V... (que partilhava com AP...), (v) ao Departamento de Residentes no Estrangeiro e (vi) ao Centro de Estudos da História do B..., fazendo ainda parte do (vii) Comité de Estratégia e Coordenação Internacional e do (viii) Conselho de Administração da E..., S..., sendo que, no Grupo, a área a que se dedicava era, também, a área de clientes, sobretudo nos segmentos private e internacional, não gerindo, nunca, assuntos relacionados com clientes de retalho.

29.ª-Ao Recorrente não cabia, pois, a gestão de assuntos financeiros, de investimento, risco, auditoria ou inspeção.

30.ª-No que respeita aos cargos e/ou funções ocupados pelo Recorrente noutras sociedades do universo G... (e referidos a fls. 168 dos presentes autos), a sua simultaneidade (isto é, o facto de integrar órgãos sociais de várias sociedades do Grupo) não permite fundamentar, sequer indiciariamente, qualquer responsabilidade, em primeiro lugar, porque os pelouros e funções de que o Recorrente estava nas mesmas encarregado nada tinham que ver com as matérias aqui em causa, e, em segundo lugar, porque a simultaneidade de funções por si não sustenta nada, nem nada permite deduzir.

31.ª-É também importante notar que quer o Banco, quer o Grupo tinham uma liderança marcada por alguma centralização, com destaque, aliás, para as matérias sob apreço nestes autos, relativamente às quais quem liderava era R.S....

32.ª-R.S..., também requerido nestes autos, era o líder incontestado do Banco e do Grupo há mais de 20 anos, e era o principal responsável pela gestão financeira do Grupo, sendo pessoa a quem todos reconheciam grande competência e capacidade de liderança, e com o qual o Recorrente tinha, desde sempre, uma relação pessoal, familiar e profissional muito próxima, havendo entre ambos, para além dos fortes laços familiares e da relação de amizade, uma confiança e admiração que eram mútuas.

33.ª-Ora, isto tem especial importância nesta sede, porque explica e reforça, para além da repartição de funções, o alheamento do Recorrente relativamente a matérias financeiras, de contas e de tesouraria, et cetera, matérias estas confiadas, em termos de liderança, a R.S..., em quem o Recorrente depositava, pelos motivos expostos, especial confiança, pelo que tinha razões acrescidas para “estar descansado” e confiar.

35.ª-E isto, claro, para além da confiança que, em geral, o Recorrente depositava nos demais colegas e nos serviços, quer do banco, quer de outras sociedades.

A falta de conhecimento pelo Recorrente da alegada “falsidade” das contas da E...:

36.ª-As imputações, nesta matéria, são erradas quanto ao Recorrente, pois assentam, em boa parte, nesse errado (e infamante) pressuposto de que o mesmo saberia do que se descreve na Decisão quanto às contas ou desmonstrações da E....

37.ª-Ora, no que a estes factos respeita, o Recorrente desconhece as suas circunstâncias, quem protagonizou esta situação, em que montantes foram as contas “maquilhadas”, em que período de tempo ou por ordem de quem as incorreções foram operadas.

38.ª-É, aliás, fácil constatar que a intervenção do Recorrente não era necessária, a nenhum título, para tais ações e para tais resultados – como, aliás, não foi.

39.ª-O que o Recorrente pode supor (sem ter acesso à prova, apenas pode supor) é que – à semelhança do que parece acontecer com os restantes factos aduzidos pelo Ministério Público – tais asserções se baseiam (para além de ilações e alegada experiência comum, que para este efeito valem o mesmo que nada) em prova testemunhal de F.C... (rectius, na interpretação dessa prova testemunhal) – suposição esta alicerçada no facto de assim também ser no processo n.º 58/14/CO do Banco de Portugal, no qual o aqui Recorrente já teve acesso à prova.

40.ª-Não nos parece que essa prova (ou essa interpretação) tenha suficiência ou credibilidade para imputar ao ora Recorrente o que, nesta fase, se quer imputar.

41.ª-O Recorrente não sabe o que terá dito F.C... nestes autos, e ainda menos sabe o modo como o Ministério Público e o Tribunal a quo interpretaram o que aquele disse, mas o Recorrente já se deparou com outras declarações produzidas por F.C..., e este nunca imputou ao Recorrente ter o mesmo participado na adulteração das demonstrações financeiras, (ii) nem lhe imputou conhecimento dessa adulteração.

42.ª-Refira-se, ainda, que no referido processo do Banco de Portugal é mencionada uma carta dirigida à ES-S... e subscrita por R.S... e por J.S..., sendo certo que ignoramos se, nestes autos, tal carta também serviu ou não para alicerçar qualquer indiciação.

43.ª-Seja como for, o que é importante é reter que tal carta (que, aliás, não é única, existindo pelo menos mais duas igualmente dirigidas à ES-S... para além daquela que lhe foi dirigida pela E...) é uma mera formalidade, e não tem por efeito responsabilizar – e nunca para efeitos de crimes dolosos – quem a subscreveu, pois os seus termos são genéricos, formais e meramente contratuais (reproduzem, aliás, o contrato que vigorava entre as partes), e nela nada de concreto (muito menos ilícito) se assume ou reconhece, não significando, ela mesma, que quem a assina saberia o que efetivamente tinha sido no passado feito por funcionários da ES-S....

44.ª-É de realçar, também, que nunca o Recorrente deu ordens ou instruções à ES-S... ou aos seus funcionários.

45.ª-Aliás, é tão evidente que o Recorrente desconhecia as vicissitudes das contas da E..., que o mesmo tinha, inclusivamente, investidos montantes seus no capital da mesma, bem como noutras sociedades do Grupo, desde logo na holding E... S... Control, através da sociedade R... (que detinha 16% daquela), tendo acorrido aos aumentos de capital ao longo dos anos, e tendo a maior parte dos seus capitais investidos no Grupo, dos quais, aliás, se vê agora privado por força do que aconteceu e da situação em que se encontram as sociedades.

44.ª-Não é de mais relembrar aqui o princípio da confiança, pois, em boa verdade, a única razão pela qual o Recorrente estará envolvido nos presentes autos e, por conseguinte, a única razão pela qual lhe são imputadas indiciariamente as infrações criminais que estão na base do arresto preventivo, é o facto de o Recorrente ter confiado.

45.ª-Acresce que o Recorrente, por caráter, hábito e formação, sempre delegou bastante, confiando quer nos Colegas, quer nas estruturas e nos serviços do Banco, e de outras sociedades do Grupo, bem como, e especialmente, na sua liderança, razão pela qual não lhe era habitual, nem frequente, olhar com desconfiança para as informações que lhe eram transmitidas, sindicar as atuações a que assistia ou questionar exaustivamente o histórico de tudo quanto lhe chegava às mãos, o que constitui um fator adicional no sentido de afastar as imputações feitas ao Recorrente, especialmente – repete-se – a título de dolo, pois são dolosos os alegados crimes indiciados e que estão na base do decretamento deste arresto preventivo.

A comercialização de títulos de dívida da E...:

46.ª-Não se compreende a partir de que elementos se considerou ter havido determinação expressa do Recorrente para a colocação de dívida de que emitente fosse.

47.ª-É que essa determinação, a ter sequer existido, sempre seria funcional e organicamente ilegítima, pois que a ele não lhe estiveram acometidas as funções que implicavam tomar esse tipo de decisões.

48.ª-Conforme é referido nos próprios autos, esta função pertencia ao Departamento Financeiro, de Mercados e Estudos, que reportava ao administrador AP....

49.ª-Mas mais importante, pois isso funda a alegada responsabilidade criminal que estará aqui em causa, é que o Recorrente não sabia, em qualquer caso, e fosse qual fosse o tipo de título de dívida ou o circuito da sua comercialização, que tal dívida era emitida por uma entidade cujas demonstrações financeiras não estariam corretas, sendo igualmente importante sublinhar que o Recorrente não tinha nem razões, nem participação, nem proximidade que o levassem a desconfiar que algo poderia não estar bem, seja na origem, seja no procedimento.
A questão relativa à Eurofin e outras (alegadas) operações de financiamento e valorização de ativos G...:

50.ª-Quase não se afigura necessário demonstrar a absoluta falta de intervenção – e conhecimento, diga-se desde já – do Recorrente nos referidos factos, uma vez que o próprio requerimento do Ministério Público (e subsequente Decisão de que ora se recorre) exclui o Recorrrente das suas referências personalizadas, o que ao Recorrente se afigura como perfeitamente plausível e razoável, pois que desconhecia na totalidade quaisquer operações que tenham envolvido aquela entidade.

51.ª-E tanto desconhece que o nome do Recorrente é transversalmente omitido da descrição destas operações feita nos autos, surgindo somente no final…, e de forma genérica e conclusiva, para o responsabilizar, tudo numa espécie de acusação tabelar e irrefletida.

52.ª-O que vem sendo dito, vale, mutatis mutandis, para as restantes questões aduzidas pelo Ministério Público (e subsequente Decisão), a saber:
i)a utilização de uma conta bancária domiciliada no B..., titulada pela entidade ES-E..., que alegadamente seria financiada por fluxos do G... originados por dívida colocada nos clientes, e que terá sido usada – utilizando-se esta formulação vaga dos autos – “para que todos os propósitos fraudulentos em torno da colocação de dívida G... em clientes do banco fossem conseguidos” (cf. fls. 178);
ii)a recompra de uma parcela das obrigações a preços superiores aos valores de mercado por parte do B...E...S... que, cf. fls. 181 “se suspeita terem [estas operações] sido concretizadas no intuito de impedir o conhecimento público de todos os factos em causa e dos demais que condicionaram o fim da instituição bancária, com privilégio de determinados clientes em detrimento de outros”.

A consequente inexistência de um crédito sobre o Recorrente.

53.ª-Atento o exposto, não pode senão concluir-se pela incorreção da imputação dos factos e dos perfunctórios crimes ao Recorrente, e pela consequente inexistência de aparência de comissão de qualquer crime por parte deste, ou de qualquer um dos factos potencial ou comprovadamente lesivos dos direitos dos clientes subscritores e ofendidos no presente caso.

54.ª-Não se verificando, assim, quanto ao Recorrente uma probabilidade de existência de um crédito, pois que o crédito, nesta sede, deverá estar baseado na prática de algum ato lesivo que concretamente se relacione com o seu titular, devendo o mesmo ser satisfeito ou, in casu, ver garantida a sua satisfação, pelo autor dos factos que geram esse mesmo crédito, o que já se viu não ser o Recorrente.

55.ª-Em suma, não é o Recorrente o titular passivo do direito de crédito alegado pelo Ministério Público e, bem assim, considerado na Decisão, pelo que falta, quanto ao ora Recorrente, o preenchimento do requisito do fumus boni iuris, ou a probabilidade de existência de um crédito (devido pelo Recorrente).

56.ª-Não pode, pois, o arresto preventivo, ora posto em causa, ser mantido, impondo-se a revogação pelo Tribunal ad quem da Decisão que o decretou no que respeita ao Recorrente.

A inexistência de periculum in mora e consequente falta de justo receio de perda da garantia patrimonial

57.ª-Para o preenchimento do pressuposto do periculum in mora diz-se na Decisão – apenas! – que o Recorrente mantém, desde 1993, parte do seu imobiliário na esfera jurídica da sociedade Casa...– Administração de Bens ... e ..., S.A., sociedade da qual são os únicos acionistas os seus filhos, J.A.S..., M.A.S..., C.A.S... e M.S..., e que o Recorrente, conjuntamente com a sua mulher, tinha vindo a ocupar o conselho de administração da referida sociedade, até ter renunciado a este cargo no dia 31 de outubro de 2014, tendo sido designados para o mesmo cargo, a 12 de novembro de 2014, os seus filhos: M.A.S..., C.A.S... e M.S....

58.ª-Como é evidente, não se compreende a posição adotada pelo Ministério Público e pelo Tribunal a quo.

59.ª-É que o perigo de perda da garantia patrimonial, os factos que indiciam que o Recorrente estaria na iminência – ou na execução – de se desfazer dos seus bens, de modo a obviar à sua utilização para pagamento de um crédito (penal ou civil), deve aferir-se, pelo menos, nos períodos temporais minimamente correlacionados com os factos relatados nos presentes autos, não quinze ou vinte anos antes.

60.ª-Se fosse intento do Recorrente alienar o seu património, por forma a eximir-se às suas alegadas responsabilidades, como se explica o facto de os seus imóveis arrestados, incluindo seu recheio, e os seus veículos objeto da decisão de 18 de junho se encontrarem todos na titularidade do Recorrente?

61.ª-Ora, a lógica e a experiência comum ensinam que (i) a consideração de factos (com razoabilíssima justificação lógica) ocorridos mais de 20 anos antes do nascimento do alegado direito de crédito em causa, (ii) a atribuição de relevância, para efeitos de aferição da existência de atos de dissipação de património, a uma renúncia do cargo de conselho de administração, e (iii) a inexistência de referência a quaisquer outros atos, não podem, sob nenhum prisma, considerar-se idóneos e suficientes para o preenchimento do requisito do periculum in mora, patente no artigo 362.º do Código de Processo Civil.

62.ª-Por tudo quanto vai exposto, e demonstrada que está a falta de preenchimento do pressuposto (i) do fumus boni iuris,por inexistir qualquer conexão relevante entre o Recorrente e os factos aduzidos nos presentes autos, e (ii) do periculum in mora, por não serem apresentados factos que demonstrem que existe um justificado receio de perda de garantia patrimonial, não pode a Decisão, de que ora se interpõe recurso, manter-se, pelo que a mesma deve ser revogada pelo Tribunal ad quem.

Termos em que:
 
i)Devem os vícios processuais alegados ser julgados procedentes e, consequentemente, a Decisão ser declarada nula (ou, caso assim não se entenda, irregular), sendo a mesma substituída por outra que, pronunciando-se (fundamentadamente) sobre os três pedidos acima explicitados, admita e determine a produção dos meios de prova oferecidos pelo Recorrente, e que ordene, ainda, a notificação ao Recorrente de todos os meios de prova em que se baseou a Decisão que decretou o arresto preventivo;

Se V. Exas. assim não entenderem, sempre e em qualquer caso,

ii)Deve o Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a Decisão, ordenando-se o levantamento imediato do arresto preventivo em relação aos bens do Recorrente.

I–2.)Respondendo ao recurso interpostos concluiu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Central de Instrução Criminal:

1.º-Quando o arresto preventivo é decretado com vista a assegurar o confisco das vantagens do crime, as regras aplicáveis são precisamente aquelas que, no seu âmbito normativo próprio - o processual penal - regulam o regime substantivo e processual destes institutos, apenas sendo legítimo aplicar as normas processuais civis nos casos em que não exista regulação específica nestas matérias, desde que em conformidade com os pressupostos e exigências do processo penal.

2.º-A referência aos "termos do processo civil" operada pelo art. 228.°, do Código de Processo Penal, não belisca minimamente o princípio da suficiência do processo penal (cf. art. 7.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Não significa que a tramitação do arresto preventivo tenha sido remetida, sem mais, para o Código de Processo Civil. Não é isso o que o legislador determina, nem é isso o que quis determinar.

3.º-O disposto no art. 379.º, do Código de Processo Penal, em relação ao regime das nulidades da sentença, não é aplicável a outro tipo de despachos judiciais que não sejam aqueles que ponham fim à causa, considerando, por um lado, que a densidade normativa desse regime apenas apresenta como candidatos à sua aplicação os despachos judiciais (sentenças ou acórdãos) que conheçam, a final, do mérito da causa, e, por outro lado, que, sistematicamente, ao contrário do que sucede com a disciplina relativa à correção da sentença (relativamente à qual o legislador expressamente prescreveu a sua aplicabilidade aos restantes atos decisórios previstos no art. 97°, do Código de Processo Penal - cf. o teor do art. 380.º, n.º 3, do mesmo diploma legal), no que concerne ao regime da nulidade da sentença, tal remissão expressa não foi contemplada.

4.º-Tal conclusão é a única, aliás, compatível com o princípio da tipicidade que rege a disciplina atinente às nulidades (cf. art. 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

5.º-Comparativamente, a análise do ordenamento processual civil (no qual o legislador expressamente convoca os restantes despachos judiciais como candidatos à aplicação da norma relativa aos vícios da sentença - cf. art. 613°, n.º 3, do Código de Processo Civil) reforça o entendimento de que, no processo penal foi outra a opção do legislador.

6.º-No âmbito do confisco das vantagens de crime, o despacho que, visando a sua garantia, decretou o arresto preventivo ora colocado em crise não é aquele que coloca fim à causa em discussão, considerando que a mesma só será definitivamente julgada em sede de julgamento, ocorrendo a sua apreciação definitiva aquando da decisão final condenatória ou absolutória que, eventualmente, venha a incidir sobre os factos em apreço no processo penal a que a mesma se encontra inexoravelmente apensa.

7.º-Ainda que tal norma fosse aplicável ao despacho ora colocado em crise, não se mostrariam reunidos os pressupostos legais de que depende a verificação do vício que o recorrente imputa ao despacho recorrido, uma vez que os "pedidos" a que alude se tratam, materialmente, de requerimentos visando a produção de prova.

8.º-A expressão "questões que devesse apreciar" apresenta-se normativamente com um conteúdo muito definido, especificamente relacionado com a materialidade dos factos e do direito colocado à apreciação do tribunal.

9.º-Tal conclusão é igualmente válida na perspetiva do regime adjetivo civil (que o recorrente pretende aplicar à situação vertente), se se tomar em consideração o conteúdo normativo do que dispõe o art. 615.°, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.

10.º-A decisão recorrida não merece qualquer juízo de invalidade, nos termos em que o recorrente pugnou, nem sequer de irregularidade, se se atender a que, garantido o contraditório ao visado após o decretamento do arresto preventivo, o tribunal, remetendo a fundamentação para a promoção do Ministério Público, decidiu o pleito de imediato, sem recorrer à produção de prova requerida pelo ora recorrente - como é admitido art. 367.°, n.º 1, do Código de Processo Civil [aplicável ex vi art.s 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 372°, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil] -, por ter, ainda que implicitamente, entendido ser a mesma desnecessária para a justa composição do litígio cuja resolução lhe foi solicitada.

11.º-A aplicação (rectius, a inaplicabilidade) das normas invocadas pelo recorrente [art. 372.°, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil (aplicável ex vi art. 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), em conjugação com o disposto nos art.s 97.°, n.º 5, 123.°, n.º 1, e 379.°, n.º 1, al.s a) e c), do Código de Processo Penal], nos termos em que julga deverem ser interpretadas, não contende com nenhum princípio constitucional ou nenhuma das normas da Lei Fundamental invocadas pelo recorrente.

12.º-As finalidades visadas com a aplicação de medidas de garantia patrimonial, mormente, com a aplicação do arresto preventivo, bem como com a remoção dos incentivos económicos resultantes da prática do crime que visam, direta ou indiretamente, o lucro, não se confundem com o interesse público presente na mera resolução de litígios entre particulares que subjaz ao ordenamento civil.

13.º-O direito ao conhecimento do visado com a medida cautelar de arresto preventivo, não sendo absoluto, poderá ser considerado numa dupla perspetiva:
•aquela que incide sobre os pressupostos da fundamentação do despacho que aplicou a medida em causa [cf. art. 194°, n.º 6, al. b), do Código de Processo Penal], nomeadamente, sobre a definição dos factos e provas convocados na decisão de aplicar a medida de garantia patrimonial;
•aquela que regula a consulta desses elementos do processo no prazo previsto para a interposição de recurso (cf. art. 194°, n.º 8, do Código de Processo Penal).

14.º-O invocado vício de inconstitucionalidade, não dizendo respeito às normas contidas nos art.ºs 367.º, n.º 1, e 372°, n.º 1, al. b), ambos do Código de Processo Civil (ex vi art. 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), art. 228.°, ou no art. 194.°, n.º 6, do Código de Processo Penal, referir-se-á ao que prevê o art. 194.°, n.º 8, daquele diploma legal, que regula, na parte ora pertinente, a consulta dos elementos do processo determinantes da aplicação da medida de garantia patrimonial.

15.º-A descrição dos factos e a indicação das provas que sustentam o arresto preventivo no despacho que o decretou não implica, necessária e automaticamente, a possibilidade irrestrita de consulta dos elementos que constam dos autos a este propósito.
16.º-No exercício de compatibilização, mediante recurso ao critério da concordância prática, entre as garantias de defesa e o interesse público na realização da justiça haverá de considerar-se que o grau de restrição dos direitos fundamentais do cidadão afetado é incomparavelmente menor na aplicação das medidas de garantia patrimonial do que seria na aplicação de medidas de coação, mormente, daquelas que envolvem a privação da liberdade.

17.º-Esta evidência, seguindo um critério de proporcionalidade, deverá refletir-se, em progressão geométrica, na intensidade de compressão exercida pela salvaguarda das garantias de defesa nos legítimos interesses da investigação.

18.º-Existindo um limite ao dever de revelar elementos do processo através da fundamentação do despacho quando está em causa a prática de um ato profundamente limitador da liberdade do arguido, tal limite deverá valer igualmente quando existe a necessidade de tutelar tais interesses sem que esteja em causa a aplicação duma medida de coação.

19.º-Encontrando igualmente a proteção dos interesses da investigação criminal assento constitucional, nomeadamente através da adequada regulação do segredo de justiça - cf. art. 20°, n.º 3, da Constituição -, qualquer norma processual penal, designadamente a resultante dos art.s 228.° e 194.°, n.º 8, do Código de Processo Penal, interpretada de forma a que assegure os interesses dos visados com a providência cautelar de arresto no acesso ao processo, mas desproteja o público interesse da realização da justiça através da proteção da discrição da investigação em curso, ao ponto de a colocar em causa, é uma norma contrária às exigências subjacentes ao art. 20.º, n.º 3, da Constituição da República, e por isso, é uma norma, essa sim, inconstitucional.

20.º-Os elementos cujo desconhecimento o recorrente agora alega não lhe foram facultados na decorrência do resultado lógico do exercício de concordância prática entre o interesse público na realização da justiça e o interesse de salvaguarda dos direitos de defesa dos visados.

21.º-As normas invocadas, assim como a decisão que as aplicou, não padecem do vício de inconstitucionalidade que lhes aponta o recorrente.

22.º-O confisco das vantagens do crime (e o arresto preventivo decretado para o acautelar) não tem como principal desígnio a satisfação de qualquer interesse económico do Estado, não se tratando, assim, de um mero crédito ou uma pretensão de carácter puramente económico.

23.º-No decretamento do arresto o que se exige é a existência do fumus commissi delicti. O fumus boni iuris é a própria ação penal.

24.º-A factual idade convocada para o decretamento da medida cautelar permite o juízo indiciário de que o recorrente se constituiu como suspeito da prática dos crimes que ali se lhe imputam, mais figurando como beneficiário das vantagens da mesma resultante.

25.º-A decisão recorrida avaliou o contexto comportamental de J.S..., especificamente no que respeita ao seu relacionamento com a sociedade CASA ...-ADMINISTRAÇÃO DE BENS ... E ..., SA. Esta conjuntura comportamental é passível de fundamentar um juízo de prognose relativamente às características da futura atuação que o recorrente adotaria em relação ao seu património e, por via indireta, ao património da referida sociedade, sobre o qual exerce o controlo, correndo-se sérios riscos de ter como resultado a colocação dos seus ativos fora do alcance da ação da justiça penal.

26.º-O justificado receio de perder a garantia patrimonial em que se consubstancia o periculum in mora, constitui-se como um mero perigo que se surpreende em relação a um determinado património e que cumpre acautelar. Não é, ao contrário do que entende o recorrente, essencial para a sua constatação fáctica a verificação de circunstâncias que revelam a concretização desse perigo, pois se assim fosse não se estaria perante um perigo de dissipação da garantia patrimonial, mas antes perante uma já materializada dissipação, relativamente à qual o arresto preventivo se revelaria absolutamente ineficaz no seu propósito.

27.º-A constatação da realidade descrita na decisão recorrida permite, prognosticamente, revelar os mecanismos a que se iria recorrer caso fosse o recorrente (ou a sociedade que domina) confrontado com a iminência de execução do património ora arrestado, precisamente o que se pretendeu evitar com o decretamento desta medida cautelar.

28.º-A decisão do tribunal a quo avaliou, igualmente, o património que naquele momento foi localizado, tendo sempre presente os valores que se pretendem garantir (que no presente caso ultrapassam largamente os mil milhões de euros), e, perante todos os elementos que importa convocar na verificação do receio de perda da garantia patrimonial, concluiu acertadamente que se impunha neste momento decretar o arresto sobre a parcela do património que ainda foi possível localizar.

29.º-Se o valor das vantagens da atividade criminosa apuradas e que se pretendem garantir com o arresto são superiores ao valor dos bens que compõe determinado património, existe a certeza que mesmo executando-se todo esse património será impossível obter a satisfação da pretensão estadual traduzida na anulação dos benefícios ilicitamente obtidos. Neste caso, a verificação do periculum in mora concretiza-se na certeza de uma mora anunciada.

Pelo exposto, o presente recurso não merece provimento, devendo a decisão recorrida ser mantida, nos seus precisos termos.

II–Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, na vista que lhe coube nos termos do art. 416.º do Cód. Proc. Penal, após efectuar a competente recensão dos aspectos processuais identificativos do objecto do recurso, sustentou nada obstar ao seu conhecimento.
*
Cumpriu-se o preceituado no art. 418.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
*
Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar a decidir:

III-1.)-Conforme se alcança das conclusões acabadas de transcrever, que entre nós, de forma consensual, definem o respectivo objecto, com o recurso interposto tem em vista o Oponente J.S... a submeter à apreciação desta Relação a resolução das seguintes questões:

-Se a decisão recorrida é nula, ou pelo menos irregular, por haver omitido pronúncia sobre a apreciação de três pedidos formulados no requerimento de oposição (basicamente de natureza probatória);
-Se se mostra incorrecto o indeferimento do pedido de acesso aos elementos de prova que sustentaram o decretamento do arresto preventivo;
-Se a norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 367.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), no sentido de que, tendo sido decretado arresto preventivo, ao visado do mesmo não assiste o direito de conhecer e analisar os elementos probatórios que serviram de base à respectiva decisão, a fim de deduzir oposição ou interpor recurso da mesma, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 3.º, 20.º, n.ºs 3, 4 e 5, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada;
-Se não se mostram preenchidos os pressupostos para o arresto preventivo decretado, mormente por:
-O Recorrente não dever figurar como requerido;
-Não existir crédito sobre ele;
-Nem periculum in mora e consequente falta de justo receio de perda da garantia patrimonial.

III–2.)Como temos por habitual, vamos recordar primeiro o teor da decisão que ora se discute:

Fls. 8080 e seguintes (oposição apresentada por J.S...).
Compulsados os fundamentos de facto e de direito aduzidos.
Não por falta de ponderação própria da questão mas por integral adesão ao promovido, dou aqui por reproduzida a promoção vertente (?) indeferindo o ali requerido quer no tocante à “questão prévia” quer no tocante aos fundamentos da oposição.
Consequentemente mantenho a medida de arresto provisório, nos seus precisos termos.
Notifique, com cópia da promoção do M.P e do despacho.

Dada a remissão extensiva operada para a promoção em causa, importa conhecer também o respectivo teor:

14.-Fls. 8089 e ss. (oposição apresentada por J.S...):
Veio J.S... deduzir oposição aos arrestos preventivos decretados nos dias 15-05-2015,28-05-2015 e 18-06-2015.
a)
Como questão prévia, invoca o oponente não ter tido acesso aos elementos de prova que sustentaram as decisões de decretamento dos arrestos preventivos (cf. fls. 8092 a 8094), invocando, para o efeito, o disposto nos art.ºs 372.°, e 3.°, n.º 3, do Código de Processo Civil, assim como o disposto no art. 20.°, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.
Requer ser notificado de "todos os meios de prova que serviram de base à decisão a que ora (...) deduz oposição".
O Ministério Público entende que o requerido pelo oponente deve ser desatendido.
Nos termos do que dispõe o art. 366°, n.º 6, do Código de Processo Civil (aplicável ao caso ex vi art. 228°, do Código de Processo Penal), quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada (como é o caso dos autos), só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.

Por seu turno, prescreve o art. 219.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, que a citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto.

Concatenando o teor da citação efetuada à ora oponente (cf. fls. 4327 e 4328), constata-se que da mesma não consta que tenham sido remetidos à oponente os elementos cuja remessa vem agora reclamar.

Entende-se, contudo, que tal solicitação deve ser desatendida.

O presente arresto preventivo insere-se num inquérito de natureza criminal que se encontra sujeito a segredo de justiça.

Neste pressuposto, as invocadas normas do Código de Processo Civil devem merecer um exercício de harmonização com aquelas relativas ao processo penal, sob pena de as finalidades deste (afinal, o processo principal neste contexto) saírem fragilizadas, assim como sob pena ainda de se colocar em risco a unidade do sistema jurídico como um todo (cf. art. 9°, n.º 1, do Código Civil).
Dispõe, na parte pertinente, o art. 89°, n.º 1, do Código de Processo Penal (aplicável porquanto, independentemente de se aquilatar em momento oportuno acerca do seu estatuto processual, o ora oponente assume, no inquérito, apenas a qualidade de suspeito e de eventual responsável civil), que durante o inquérito, o responsável civil pode consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extratos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.

É, julga-se, precisamente, esta norma que há que convocar, tendo em vista a harmonização do regime processual civil invocado com aquele previsto no Código de Processo Penal.

No caso dos autos, constata-se que a investigação ainda se não encontra finda, sendo certo que se trata de um inquérito cujo objeto se revela de uma dimensão extraordinária e de uma grande complexidade técnica.

Além disso, as relações societárias que já foram identificadas necessitam de densificação probatória, especificamente no que respeita à descoberta das reais conexões intersubjectivas existentes entre os suspeitos e as sociedades envolvidas (onde se inclui o ora oponente).

Acrescente-se que se impõe, no presente caso, a análise de transações financeiras de uma tecnicidade altamente sofisticada que envolvem as sociedades já identificadas e cuja publicidade poderá determinar uma grave perturbação à descoberta da verdade, considerando que os concretos contornos da presente investigação e a natureza dos factos em causa fazem antever a continuação de realização de diligências de inquérito que terão como objeto a esfera jurídica das sociedades e dos sujeitos envolvidos.
Saliente-se que ao ora oponente não foram ainda tomadas declarações.
Entende-se, assim, que da compatibilização entre os regimes processuais civil e penal convocáveis resulta adequado e proporcional, face aos interesses em causa, não ser de permitir o acesso aos elementos referenciados pelo oponente, considerando que tal acesso colocaria em risco a investigação criminal em curso.
Note-se, a este propósito, que, nos termos decididos no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-02-2014 (disponível em www.dgsi.pt), foi decidido que, em relação a arguido a quem foi aplicada a prisão preventiva, pode o juiz de instrução, nos termos do art. 194°, n.º 8, do Código de Processo Penal, não autorizar a consulta, "no prazo para a interposição do recurso da decisão que aplicou a prisão preventiva, de certos elementos do processo determinantes da aplicação da medida, mesmo que os tenha feito constar da enunciação que integra a fundamentação do despacho, quando entende estar verificado algum dos perigos previstos na alínea b) do n.º 6 do mesmo artigo" (entre os quais, colocar gravemente em causa a investigação ou impossibilitar a descoberta da verdade).
Ora se assim se entende relativamente a arguido que pretende instruir o seu recurso da decisão que lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva, por maioria de razão, especificamente, por não estar em causa qualquer medida de restrição da liberdade de pessoas, o mesmo se admite entender relativamente a visados por uma medida de arresto preventivo decretada no âmbito de um processo penal, no que respeita ao exercício do seu direito de defesa neste preciso âmbito.
Se assim é, entende o Ministério Público não assistir razão ao oponente.
Pelo exposto, o Ministério Público promove, nesta parte, se indefira o requerido.
*

b)
Como fundamento da oposição que apresentou, o oponente J.S... invocou, em síntese, o seguinte:
a)não recai sobre si qualquer indício ou suspeita de que tenha cometido qualquer crime, pelo que inexiste crédito contra si que pudesse sustentar a aplicação da medida de arresto preventivo ao seu património;
b)não existe justo receio de perda de garantia patrimonial que possa ter fundamentado o decretamento do arresto preventivo.
Concatenando a fundamentação da decisão de decretamento das medidas de arresto preventivo, no que respeita ao oponente J.S..., e tendo presente os argumentos invocados por aquele na peça que ora se aprecia, o Ministério Público entende que não foram trazidos aos autos elementos adicionais que permitam colocar em crise a decisão em apreço.

Com efeito, no que respeita à alegada inexistência de elementos que permitam sustentar a conclusão de que não se mostram reunidos indícios de que o oponente comparticipou na prática dos factos descritos nas decisões que decretaram os arrestos a que se opõe, o teor dessas mesmas decisões é por si só suficiente para ilustrar ter-se recolhido nos presentes autos de inquérito elementos de facto que permitem, precisamente, conclusão diversa.

Os presentes autos encontram-se na fase de inquérito, sem que o tema de prova esteja ainda consolidado, considerando que só a final se poderá extrair conclusões definitivas em relação aos indícios que tenham (ou não) sido recolhidos relativamente aos factos que entretanto foram objeto de investigação.

Na presente fase, a mera existência de indícios (ainda que não com a suficiência exigida no momento do ato de encerramento de inquérito) é bastante para sustentar a forte suspeita de que o oponente se envolveu na prática dos factos descritos nas decisões de arresto preventivo, nos termos em que os mesmos ali se mostram descritos.

Numa palavra, verifica-se, no caso, a existência de fumus commissi delicti, o que é, em bom rigor, o exigível tendo em vista o decretamento do arresto preventivo.

Existem elementos nos autos que permitem, efetivamente, sustentar a asserção de que o oponente colaborou na atividade ali descrita com outros visados, especificamente no que respeita à factualidade que ao mesmo é concretamente imputada, ancorada nos elementos de prova entretanto recolhidos.

Nos termos da decisão proferida, o arresto preventivo decretado em relação ao património agora em causa baseou-se nas circunstâncias evidenciadas nos autos, de J.S... se constituir, pelos factos que praticou e em que participou ativamente, como suspeito e, nessa medida, como suspeito de ser dos mesmos beneficiário para efeitos do disposto no art. 111.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código Penal.

Além disso, é indesmentível, conforme se afirma na decisão a que se opõe e como o próprio reconhece, que o oponente mantém parte do seu património imobiliário (designadamente, o imóvel que é a sua residência) na esfera patrimonial da sociedade CASA ... ­ADMINISTRAÇÃO DE BENS ... E ..., SA, estando igualmente documentalmente evidenciado que são únicos acionistas de tal sociedade J.A.S..., M.A.S..., C.A.S..., M.S... (seus filhos).

Mostra-se igualmente demonstrado que o oponente, muito embora tenha ocupado, desde a constituição da referida sociedade, cargo no seu conselho de administração, no dia 31-10-2014, renunciou ao mesmo (muito embora tivesse sido para ali designado para o quadriénio de 2013/2016), em data posterior ao afastamento de todos os membros da família E... S... dos órgãos de governo do B..., e da apresentação das principais empresas do G... a medidas de proteção de credores.

Estes factos evidenciam que a sociedade em causa se encontra sujeita à satisfação dos interesses patrimoniais do oponente, sendo que a circunstância de as participações sociais se encontrarem em nome dos seus filhos se deve ao propósito de eximir o património a ela afeto a eventuais ações judiciárias.

Acrescente-se que, no presente caso, a decisão ora colocada em crise limitou-se a avaliar comportamentos anteriores do oponente em relação a parte do seu património, nomeadamente as transferências de imóveis de sua pertença para a sociedade referida, imóveis que continuam a ser por si utilizados, tendo igualmente avaliado o património que neste momento foi localizado, tendo sempre presente os valores que se pretendem garantir.

As circunstâncias descritas, quando apreciadas conjuntamente, permitem a conclusão de que J.S... encetou esforços no sentido de se desvincular juridicamente do património de que materialmente continua a dispor, onde se incluem parte dos bens agora em questão.

Perante o identificado contexto, analisados todos os elementos disponíveis para a verificação do receio de perda da garantia patrimonial, concluiu acertadamente que se impunha, à data, decretar os arrestos sobre as parcelas do património que foi possível localizar, com vista a evitar a dissipação do património necessário para assegurar o confisco do valor correspondente ao benefício patrimonial auferido com a prática do crime.

Por tudo o exposto, entende-se que os pressupostos que determinaram o arresto não foram i1ididos, mais se entendendo dever subsistir a medida de arresto preventivo decretada.
Recorde-se que «( ... ) basta que sumariamente ("summaria cognitio") se conclua pela séria probabilidade da existência do crédito ("fumus boni iuris") e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio conduza à perda da garantia patrimonial ("periculum in mora")» para fundamentar o arresto de bens (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27­05-2008, e, no mesmo sentido, o acórdão do mesmo Tribunal de 25-09-2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Com efeito, uma vez que aquela medida não priva definitivamente o visado dos bens em causa, mas tão só a título provisório e enquanto se mantiverem atuais os pressupostos que determinaram a sua aplicação, não se poderá concluir que a mesma não é proporcional aos fins que se pretendem garantir - a não dissipação definitiva dos bens enquanto decorre a investigação - nem que configure verdadeiro confisco.
Perante o exposto, o Ministério Público promove que, por ora, seja mantida a medida de arresto provisório, nos precisos termos em que a mesma foi decretada.

III-3.1.1.)-Passando agora a considerar sucessivamente as diversas questões acima deixadas sumariadas, no que à primeira respeita, a relativa à eventual nulidade do despacho aqui deixado controvertido por, ao que se alega, haver omitido pronúncia em relação a três pedidos formulados no domínio da prova a produzir na concomitância do “incidente” de Oposição, haverá que previamente encarar uma incidência que lhe é prévia, conexa com a cognoscibilidade de tal segmento do recurso, haja-se em vista que, tal como é reconhecido pelo próprio Recorrente, em data posterior ao despacho aqui controvertido, ter apresentado um requerimento autónomo versando a mesma matéria, cuja decisão veio a originar o recurso que constitui o Apenso T destes autos, o qual pende na 9.ª Secção deste Tribunal.

Perante o enunciado das respectivas conclusões, existe, com efeito, uma real concorrência recursória sobre essa temática, a justificar, pelo menos aparentemente, a respectiva litispendência.
A conclusão só não é absoluta, porque tal como o Oponente o anteviu, estamos perante uma área em que as soluções jurídicas estão longe de ser claras e pacíficas, pelo que se torna necessário progredir um pouco mais na respectiva indagação, mormente jurídica, para que aquela identidade se possa afirmar com clareza.
Donde, se justificar em pleno a cautela de patrocínio posta na referida dupla interposição.

Independentemente do nomen juris que se lhe atribuiu - “nulidade da decisão” – na concretização do propósito acima indicado, procuremos então elucidar os contornos da correspondente problemática, já que essa indagação servirá também para se fixar a eventual precedência dos recursos em causa.

A tanto se passa.

III-3.1.2.-Tal como decorre do respectivo despacho aplicativo, o arresto aqui em presença convocou na justificação legal do seu decretamento o art. 228.º do Cód. Proc. Penal e os art.ºs 391.º a 393.º do Cód. Proc. Civil.

Logo, estamos no domínio da medida de garantia patrimonial prevista no respectivo Título III e não outra.

Serve o reparo para significar, que ao contrário da expressão “confisco”, que vemos por vezes utilizada pelo Ministério Público nos seus articulados, este não será um conceito condicente com os propósitos daquele instituto.

Na realidade, ou traduz uma medida substitutiva da caução económica ou então é uma garantia patrimonial autónoma, “nos termos da lei do processo civil.-

O que é que isto significa?

Segundo o Prof. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª Ed.º, pág.ª 628, que “depende da comprovação de um justificado receio da perda da garantia patrimonial.”

Ou seja, em primeira linha, a remissão funciona em termos de requisitos de aplicação, sendo que a Doutrina e Jurisprudência civilistas, de forma quase unânime, junta ao mencionado receio também a probabilidade da existência do crédito.
Traduz então, uma sua garantia.

Em qualquer dos casos, porque para todos os efeitos estamos no domínio da jurisdição processual penal, haverá que não perder de vista as condições gerais e princípios de aplicação decorrentes dos art.ºs 192.º e 193.º do Código respectivo, ainda que dentro de certos limites se possa conceder que a verificação dos requisitos do art. 406.º do Cód. Proc. Civil, sejam sobreponíveis, em parte, à generalidade dos princípios indicados.

III-3.1.3.)-Tendo nós já defendido em outro local, por razões que aqui não importa repetir,  que a determinação desta medida se faz por “por despacho do juiz” (assim, art. 194.º, n.º1, do Cód. Proc. Penal), razões não temos para sustentar que o conhecimento da respectiva oposição se opere por forma diferente, isto é, por sentença.

No limite, tal opção interpretativa não se desmerecia pela aplicação supletiva do normativado no art. 372.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, ao mencionar que no caso a que se refere a alínea b) do n.º 1 (dedução de oposição), a decisão de manutenção, revogação, redução ou outras da providência anteriormente decretada, “constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida”.

Aliás, ninguém verá na decisão aqui recorrida, pelo menos formalmente, uma sentença.

Ora, como vimos, a remissão convocada pelo art. 228.º, n.º1, “funciona em termos de requisitos de aplicação”.
No mais, prevalece em primeira linha, mormente em termos adjectivos, a regulamentação do processual penal.
Com efeito, estamos perante uma medida de garantia patrimonial especificamente prevista por este ordenamento.

Pelo que não será pelas normas do Código de Processo Civil, contrariamente ao defendido na motivação e conclusões apresentadas pelo Oponente, que a questão, na nossa perspectiva, deve primacialmente ser dirimida.

Já num outro patamar de indagação, cumpre constatar, que tendo o Recorrente efectivamente requerido no seu articulado de Oposição que “i) o Banco de Portugal fosse oficiado para fazer juntar a estes autos as declarações prestadas por F.C..., no âmbito do processo identificado com o n.º 58/14/CO (art. 98.º da Oposição); ii) as testemunhas elencadas na Oposição fossem inquiridas; iii) e que o Recorrente fosse autorizado a prestar declarações de parte”, percorrida a decisão agora deixada controvertida, ou se se quiser, a promoção que a antecede, não vemos que na mesma se faça qualquer referência expressa ou implícita ao deferimento ou indeferimento dessas diligências.

Do que se “fala” é da “questão prévia”, que se alcança ser a relativa ao acesso aos elementos de prova que sustentaram as decisões de decretamento dos arestos, e depois, a contra-argumentação endereçada aos fundamentos da oposição.

Aliás, neste particular, o Ministério Público apenas poderia propor um qualquer sentido para o que sobre essa matéria se haveria de decidir e não substituir-se na sua prolação.

Pelo que logra justificação perguntar-se, se a apontada nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, fundada nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do Cód. Proc. Penal, se verifica (a referência concorrente à respectiva al. al. a), constante da conclusão 15.ª, não assumirá aqui uma pertinência autónoma ou fundada).

III-3.1.4.) A questão não tem uma solução simples.

Tal como está sublinhado na resposta apresentada, o preceito em causa tem em vista regular as nulidades da sentença ou do acórdão, rectius, das decisões finais que conheçam a final do objecto do processo, e só essas.

Esse desiderato específico, ficaria aliás evidenciado pela diferente regulamentação conferida pelo Legislador à sua “correcção”, já que neste caso, a entendeu extensível aos demais actos decisórios (cfr. art. 380.º, n.º 3).

Especificações paralelas ou assimiláveis a essas, podem ser encontradas em outros locais, por exemplo, no estabelecido no art. 194.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, em relação “às nulidades” do despacho determinativo de medida de coacção que não seja o simples termo de identidade residência.

Donde, são se desmerecer a perspectiva trazida pelo Digno Procurador da República, o qual se mostra reconhecida por diversas decisões desta Relação, mormente nos mencionados acórdãos de 08/08/2006, no processo n.º .../2006, da ....ª Secção, e de 30/06/2015 no processo n.º .../13.3TELSB-F.L1, da presente Secção.

Não estando nós perante uma sentença, entendemos também que não se trata de despacho que àquela deva ser comparável para aplicação do sobredito art. 379.º.

Ainda que possa decidir, de forma definitiva, da medida de garantia patrimonial, em si mesma, esta em nada se confunde com o mérito da causa final penal, a qual está balizada por outros e diferentes pressupostos.

Porém, mesmo que assim não se entenda, e concedendo-se em como possa existir realmente uma situação de “não pronúncia”, fazendo nossa a doutrina desenvolvida pelo Exm.º Desembargador Dr. José Adriano (que connosco subscreve a presente decisão), exposta no seu recente acórdão de 05/04/2016, no processo n.º .../13.3GCALM.L1-5 (consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrl), sempre aquela omissão deveria ser considerada não como uma nulidade de sentença mas antes uma nulidade de “procedimento”.

Mutatis mutandis, perante a solicitação clara no articulado de Oposição à inquirição de diversas testemunhas, ao pedido de prestação de declarações de parte ou a junção de umas outras a requisitar ao Banco de Portugal, impunha-se que de forma anterior à decisão que depois proferiu, o Tribunal Central de Instrução Criminal se pronunciasse sobre o seu deferimento ou indeferimento.

Seria pois uma omissão que não respeita ao despacho final, já que este não se destina a apreciar esse tipo de solicitações, mas antes, decidir das razões da oposição.

Por outro lado, tal incidência não traduzirá, em bom rigor, uma “questão” no sentido próprio da al. c) do n.º 1, do art. 379.º, ou seja, um problema concreto de facto ou de direito a decidir, mas como se disse, um pedido de realização de diligências reputadas com relevo ou interesse para a decisão, pela parte afectada pelo arresto.

Aliás, o visado, no requerimento em que suscitou concorrentemente a mesma nulidade, não deixa de reconhecer, de forma indirecta, essa mesma “procedimentalidade”:
O arresto é decretado, o arrestado opõe-se com factos e oferece prova, a prova é produzida e, depois, tudo ponderado, decide-se”.

Pelo que a haver a indicada “nulidade”, terá sido cometida antes da decisão em causa.

Nessa conformidade, bem se andou, após o conhecimento da decisão, em se suscitar também o vício em causa de forma autónoma, e depois, se interpor recurso da respectiva decisão.
Dito por outras palavras, independentemente da sua real subsistência, tempestividade e qualificação enquanto vício, julgamos que essa será a forma adequada para reagir processualmente à referida situação de omissão.

É que, para além do mais, potencia que o Tribunal recorrido possa reconsiderar a sua decisão, e caso entenda pronunciar-se favoravelmente, daí retirar as respectivas consequências.

III-3.1.5.)-Aqui chegados, mais fácil se torna então, reconhecida a concorrência da temática nesta parte do recurso, estabelecer a sua precedência.

Se na realidade existe um despacho específico - o tal datado de 17/09/2015 aqui constante de fls. 986 e 987 - a dirimir a questão pela forma que entendemos ser a adequada à respectiva alegação e conhecimento (através do requerimento de fls. 10291 a 10299 do original dos autos), então é o recurso sobre ele incidente que deve prevalecer na sua apreciação, já que só nele a questão em causa foi verdadeiramente decidida.

Logo, será no mesmo (Apenso T deste NUIPC) que deverá ser conhecida e não no presente.

III-3.2.1.)Se esta circunstância introduz uma nota de prejudicialidade em relação ao conhecimento das restantes questões que são objecto do presente recurso, razões de economia e sobretudo, gestão processual, conduzem-nos a que, como temos por habitual, passemos a apreciar as demais que não se mostrem afectadas por aquele juízo obstativo.
É o que julgamos suceder com as duas incidências posteriores.

Com efeito, a problemática que em seguida o Oponente introduz, diz respeito ao indeferimento produzido em relação à “comunicação” dos elementos de prova que sustentaram o decretamento do arresto preventivo.

Tal “decisão”, compreende-se no segmento do despacho recorrido que se reporta à “questão prévia”, já que foi a esse título que o Recorrente a suscitou nos art.ºs 13 a 25 do seu requerimento de oposição, e foi também sob essa designação, que como vimos, foi tratada pelo Ministério Público.

Esclareça-se igualmente, que a oportunidade da sua dedução, nos moldes indicados, mostra-se justificada pela circunstância da notificação dos arrestos ter sido efectuada acompanhada da cópias dos respectivos despachos e correspondentes promoções, mas não da prova que terá suportado a imputação indiciária do alegados factos, sendo que a oposição apresentada foi oferecida “a título cautelar”, “para salvaguardar eventuais entendimentos de que, mesmo não tendo a sua notificação/citação da decisão de arresto sido acompanhada dos meios de prova, corre o prazo para a Oposição.”

Neste particular, ainda que também conceda que o processo se mostra ainda em fase de investigação e sujeito a segredo de justiça, entende o Recorrente que a incorrecção da decisão nesta parte proferida, terá partido do pressuposto erróneo de que pretendia ser notificado, de forma irrestrita, de toda a documentação constante dos autos, quando apenas se visava os que justificaram a determinação do arresto.

Mais alega que a Jurisprudência que se debruçou sobre este tema não deixaria margem para dúvidas: “para o exercício efectivo do direito de defesa há que permitir ao visado o acesso aos elementos existentes no processo que fundamentaram a decisão que se pretende pôr em causa”.

Sendo que, entendimento diverso, redundaria na intolerável violação dos princípios do processo equitativo, do contraditório e da proibição de indefesa (cfr. artigos 20.º e 32.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

III-3.2.2.)-Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, não vemos que esta seja uma matéria que deva ser resolvida com base nos mencionados art.ºs 367.º, n.º1, e 372.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, disposições em relação às quais, subsidiariamente, sustenta a respectiva inconstitucionalidade, na hipótese de interpretação contrária.

Estar-se-á a referir, ao trecho daquele primeiro que sob a epígrafe “Audiência final”, afirma que findo prazo da oposição, “procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas (…)” – o que traduz a questão anterior – e à do segundo, quando sustenta que naquela forma de reacção, o oponente pode “alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal”.

Ora, como já foi repetido, estamos perante uma medida de garantia patrimonial, a aplicar em processo penal.

O que vem de significar que o tipo de interesses que subjazem a este ordenamento assume uma natureza diferente da que decorre da composição de litígios objecto do processo civil, centrados no confronto de posições jurídicas entre particulares ou entidades públicas não revestidas de jus imperi.

Por outro lado, naquele primeiro, está presente também um outro factor claramente distintivo que não vamos encontrar, pelo menos sob as vestes com que aí lhe conhecemos, no segundo.

Estamos a falar, como é óbvio, do segredo de justiça, instituto vocacionado a garantir a eficácia da respectiva investigação e a potenciar a efectividade da realização dos respectivos propósitos, que naturalmente não deixa de introduzir especialidades de solução e de interpretação no delineamento do conjunto regulamentador que se pretenda coerente com todas estas finalidades.

Na nossa modesta perspectiva, tal quadro não deverá primacialmente ser o resultante das mencionadas disposições do Código de Processo Civil, mas antes, buscar-se em momento anterior, polarizado em torno do art. 194.º do Cód. Proc. Penal, no qual se centraliza a regulamentação do despacho de aplicação de quaisquer medidas de coacção (excepto TIR) ou de garantia patrimonial e as particularidades da sua notificação.

Em termos sucintos, a aplicar-se qualquer uma delas, deve o juiz de instrução, na respectiva fundamentação, consignar:
-A descrição dos factos imputados;
-A enunciação dos elementos do processo que os indiciam;
-A qualificação jurídica daqueles primeiros;
-Referir os factos concretos que preenchem os pressupostos da aplicação da medida escolhida.

No que ao segundo item pertina, podem verificar-se duas sub-hipóteses: Ou não existe qualquer constrangimento para que a tal “comunicação” dos elementos probatórios se faça, ou este existe, mormente porque o seu fornecimento põe em causa gravemente a investigação, impossibilita a descoberta da verdade, ou põe em perigo a vida, a integridade física, psíquica, ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas.

Nesta segunda situação, o juiz deve accionar esse impedimento no seu despacho invocando-o e justificando-o.

Para quê?

Para ainda assim poder aplicar a medida que entenda adequada adoptar, mantendo tais provas sob reserva, mas também por aí limitar o respectivo acesso, já que de outro modo, a regra é a da lei autorizar a respectiva consulta durante o interrogatório ou no prazo de recurso.

Ora para além de uma outra possibilidade constante do art. 89.º do Cód. Proc. Penal, relativa à “consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais”, que tem sempre a limitação associada ao respectivo n.º 2, em sede de medidas de coacção e garantia patrimonial, a compatibilidade do conhecimento dos elementos de prova que a justificam com os direitos de defesa opera-se segundo esta fórmula: enunciação e consulta.

No caso em presença, conferindo as diversas decisões de arresto, resulta não existir qualquer segmento específico da decisão a efectuar aquela indicação, como é habitual nas situações de aplicação de medidas de coacção, ainda que também já tenhamos visto criticado esse procedimento.

A sua individualização acompanha casuisticamente a narração indiciária apresentada.

Por outro lado, de forma expressa ou implícita, não se detecta qualquer propósito de excluir o acesso a quaisquer provas com base no referido art. 194.º, n.º 6, al. b), do Cód. Proc. Penal.

Significa isso então, que nessa parte, o recurso apresentado procede?

Na nossa perspectiva, ainda que por razões distintas, somos em não acompanhar nem o Oponente nem o Ministério Público na integralidade dos seus argumentos.

Desconhecemos qual a extensão das mencionadas referências atomísticas em relação ao conjunto da prova existente, maxime, se representa uma parte reduzida, significativa ou integral da mesma.

Não tendo havido restrição para a sua ocultação, na salvaguarda das finalidades acima indicadas, tal significa que não existe razão para subtraí-la ao conhecimento do ora arrestado. Neste ponto terá razão.

Ainda assim, julgamos que o seu acesso não se faz pela forma por si defendida.

Desde logo, porque entendemos que não tinha que haver lugar à sua notificação conjuntamente com o despacho determinativo, pois o que a lei manda comunicar é somente este (cfr. art. 194.º, n.ºs 9 e 10 e 113.º do Cód. Proc. Penal).

Depois, porque na economia desta regulamentação, em função do respectivo segredo, aquele conhecimento pressupõe da parte do afectado pela respectiva decisão uma posição de diligência activa.
Ou opta pela via do art. 89.º, ou com mais segurança e condições de sucesso, pede a consulta dos autos nos termos do art. 194.º, n.º 8 (no Tribunal).

Ora ainda que este inciso contemple apenas, para além da situação de interrogatório judicial, o prazo para a interposição do recurso (que no caso não releva), julgamos que uma interpretação extensiva postulada pelas garantias de defesa em relação ao correspondente acto, impõem também que tal faculdade seja concedida na situação de oposição.

Repetimos, não é caso em que o acesso tenha sido excluído, logo, para poder contrariar os fundamentos da medida, que, para além do mais, assentou numa determinada leitura indiciária da prova, necessário se torna que possa conhecer esta última.
Diferente seria se aquela exclusão tivesse sido sinalizada.
 
Porém o Oponente não pode actuar da forma aqui patenteada, ou seja, reservar para a própria oposição a simples crítica por essa não “notificação” e/ou solicitá-la nessa sede, dispensando-se de uma conduta anterior no sentido do seu conhecimento (cfr. respectivo articulado a fls. 762, 8094 no original).

Teria sim, que pedir a consulta dos autos, no tribunal, no tempo próprio para a sua dedução e caso fosse denegada, reagir.

Pelo que, tudo visto e ponderado, não só não é caso em que a inconstitucionalidade dos mencionados art.ºs 367.º, n.º1, e 372.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, verdadeiramente releve ou pertine, já que não essas as disposições realmente convocáveis para a solução do problema, como em bom rigor, não houve qualquer preterição das garantias de defesa do Arrestado, uma vez que, possibilidade legal para consulta dos mencionados elementos em que a factualidade indiciária assentava existia ou existiu, só que não foi actuada pela forma tida por conveniente.

Improcede pois o recurso quanto a estas duas questões.

III-3.3.)Já no que concerne às incidências implicadas na verificação dos pressupostos do decretamento do arresto preventivo, em si mesmo, existe uma relação de dependência directa em relação à manutenção ou não da decisão recorrida nos seus exactos termos, em função do que se vier a decidir no mencionado recurso objecto do Apenso T, em sede da nulidade invocada.

Nessa conformidade, haverá que sobrestar na respectiva apreciação até à prolação da correspondente decisão.

Assim:

IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos acorda-se pois, nesta Relação:

-Em considerar ser o recurso constante do Apenso T deste NUIPC, que pende na 9.ª Secção deste Tribunal, a sede legalmente adequada para o conhecimento da “nulidade”, por omissão de pronúncia, que se mostra invocada.    
-Em julgar improcedente o recurso apresentado pelo Oponente na parte respeitante ao indeferimento da comunicação dos elementos de prova que sustentaram o decretamento do arresto preventivo e à inconstitucionalidade dos mencionados art.ºs 367.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
-Em sobrestar na apreciação das demais questões objecto do mesmo recurso, maxime dos pressupostos do decretamento daquela medida de garantia patrimonial, até que aquele recurso no Apenso T se mostre decidido.

Oportunamente se decidirá das custas que se mostrarem devidas.

Independentemente do seu trânsito, comunique de imediato o ter do presente acórdão ao Apenso supra-indicado.


Lisboa, 24 de Maio de 2016


(Relator): Luís Gominho
(Adjunto): José Adriano