Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3231/19.6T8CSC.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: COMPETENCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. As questões de competência internacional dos tribunais portugueses para julgarem ações de regulação das responsabilidades parentais, face aos tribunais angolanos, devem ser resolvidas à luz das regras de direito interno que regem a competência internacional dos tribunais portugueses, pois não existem normas de direito internacional que as regulem.
II. Verificando-se que à data da propositura da ação de regulação das responsabilidades parentais a menor residia com a requerente, sua mãe, em Angola, onde esta residia habitualmente, desempenhando a sua atividade profissional, é de excluir a competência internacional dos tribunais portugueses à luz do critério da coincidência, o qual assenta na harmonização entre a competência internacional dos tribunais e as regras internas de competência territorial.
III. Os factos que constituem o fundamento para a regulação da responsabilidade parental, isto é, a relação de filiação, a separação entre os progenitores e o desacordo entre ambos, não têm especial conexão com um determinado território, não se adequando ao critério da causalidade apontado na al. b) do art.º 62.º do CPC para a determinação da competência internacional dos tribunais portugueses.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 25.10.2019 Maria (…) instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Família e Menores de Cascais, contra Luís (…), ação de regulação das responsabilidades parentais respeitantes à menor M.L. (…), nascida em 01.9.2018.
A requerente alegou que ela e o requerido, progenitores da criança supra referida, não vivem em condições análogas às dos cônjuges e não estão de acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais da menor. Esta reside com a requerente em Angola, e o requerido reside em São Domingos de Rana, Portugal.
O tribunal convidou a requerente a pronunciar-se acerca da eventual incompetência internacional dos tribunais portugueses, face à residência da menor.
A requerente pronunciou-se pela competência internacional dos tribunais portugueses para julgarem a causa.
Foi ouvido o Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Em 02.01.2020 foi proferida a seguinte decisão:
Nos presentes autos, Maria (…) veio requerer a regulação das responsabilidades parentais relativamente à sua filha menor, M.L. (…), desde logo referindo, no requerimento inicial, que a menor reside consigo em Angola.
Notificada para se pronunciar, querendo, sobre a eventual verificação de incompetência internacional do Tribunal, veio a Requerente fazê-lo, nos termos constantes do seu requerimento de 08.11.2019.
O M. Público pronunciou-se no sentido de ser declarada a incompetência internacional do Tribunal, em face da residência da menor, e por não se verificar qualquer das situações a que alude o art. 62º, do CPC.
Cumpre apreciar. Nos termos do disposto no art. 59º, do CPC, “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do art. 94º”.
Ora, quanto à última de tais hipóteses, não tendo sido sequer invocada a celebração de pacto atribuitivo de jurisdição, não será a mesma de considerar, tal como não são aplicáveis à situação em apreço as hipóteses previstas no art. 63º, do CPC.
No que respeita ao disposto no art. 62º, estão em causa os seguintes e possíveis elementos de conexão:
a) a acção poder ser proposta em tribunal português segundo as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou um dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura de acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litigio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Ora, quanto à primeira das hipóteses acima elencadas, mostra-se a mesma excluída pelo teor do art. 9º do RGPTC, que estabelece como critério para a determinação da competência territorial do Tribunal, na matéria em questão, o da residência da criança à data da propositura da acção, sendo no caso em apreço tal residência em Angola.
No que respeita à segunda de tais hipóteses, tendo em conta a particularidade da acção de regulação das responsabilidades parentais, ao contrário do que parece sustentar a Requerente, não é a separação de facto dos pais, entendida como o momento concreto em que estes deixam de viver em comum, que constitui o que aqui possa ser considerado como causa de pedir, mas sim a separação dos pais enquanto situação de facto actual, mantendo estes, designadamente, residências separadas.
Com efeito, caso uma separação tivesse ocorrido no passado e, por algum motivo, viesse a cessar (voltando os pais a viver em comum) deixaria de existir aquilo que, numa acção como a presente, pode constituir causa de pedir.
Assim, é o facto de os pais da menor, conforme alegado, manterem, à data da instauração da acção, residências separadas, que justifica a necessidade de se regularem as responsabilidades parentais. E tal separação de facto, enquanto situação actual – à data da propositura da acção – não se verifica em território português.
Por fim, e quanto à terceira das hipóteses acima elencadas, não é também a mesma aplicável à situação em apreço, na medida em que, sendo uma possível decisão de tribunal estrangeiro susceptivel de processo de revisão e confirmação (cfr. art. 978º, do CPC), o direito em causa pode sempre, por essa via, tornar-se efectivo mesmo em território nacional, não tendo, por outro lado, sido demonstrada – ou sequer invocada - dificuldade apreciável na propositura de acção no estrangeiro.
Assim, e não sendo ademais aplicáveis in casu os instrumentos internacionais referidos pela Requerente, carece efectivamente este Tribunal de competência internacional para conhecer da presente acção, razão pela qual se declara a respectiva incompetência absoluta, em razão da nacionalidade, absolvendo-se em consequência o Requerido da instância – art. 278º/1, al. a), do CPC.
Custas pela Requerente.
Registe e notifique.
A requerente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I. O domicílio profissional da requerente é em Angola porque aí se situa o local onde exerce a sua profissão.
II. O domicílio profissional releva apenas no que se refere às relações da profissão.
III. A requerente reside em Angola por razões exclusivamente profissionais, é dona de casa própria em Portugal, onde reside na companhia da filha quando aqui se encontra e indicou a sua morada portuguesa em todas as peças do processo e no assento de nascimento da filha, pelo que tem que se concluir que tem o seu centro de vida pessoal e civil em Portugal e, consequentemente, residências alternadas em Portugal e em Angola.
IV. Tendo residências alternadas em Portugal e em Angola tem-se por domiciliada em qualquer delas.
V. A menor reside com a progenitora e tendo esta também residência em Portugal à data da propositura da acção, a mesma pode ser proposta em tribunal português, de acordo com a regra consignada no artigo 9º, nº 1 do RGPTC.
VI. Tendo a separação de facto entre os progenitores ocorrido em Portugal, tem-se por praticado no correspondente território, ao menos num dos seus elementos integradores, o facto que serve de causa de pedir à acção.
VII. A douta sentença recorrida violou o artigo 82º do CC e o artigo 62º, alíneas a) e b) do CPC.
VIII. Devendo ser revogada.
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e ordenada a baixa do processo ao tribunal a quo para aí a ação prosseguir os seus termos.
O requerido contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões:
A) M. L. (…) é filha da ora recorrente e do recorrido, tendo nascido no dia 1 de Setembro de 2018.
B) Apesar de ter nascido em Portugal, a M. L. passou a residir com ambos os pais na cidade de Luanda, em Angola, em Novembro de 2018.
C) O pai, ora recorrido, passou a residir em Portugal no início de Abril de 2019, tendo a M. L. e sua mãe continuado a residir em Luanda.
D) Entretanto, a separação do casal ocorreu em 31 de Dezembro de 2019, tendo a ora Recorrente continuado a residir com a filha em Luanda, Angola.
E) Desta forma, o Tribunal de primeira instância interpretou corretamente o conceito de residência habitual previsto no artigo 9.º do RGPTC, uma vez que a M. L. tem residido sempre em Angola, apesar de ter nascido em Portugal.
F) Recorrente e Recorrido têm, efetivamente, a sua casa própria em Portugal, trabalham ambos para empresas portuguesas e era intenção do casal que a M. L. aqui residisse e crescesse.
G) No entanto, conforme resulta das suas alegações, a Requerente, ora recorrente, pretende continuar a residir em Luanda, onde trabalha há vários anos.
H) Como já teve oportunidade de transmitir à Recorrente, o Requerido espera que a M. L. e sua mãe venham viver em Portugal, o quanto antes.
I) No entanto, não poderá obrigar a Requerente, ora Recorrente, a deixar o país onde reside e trabalha, sem que a mesma manifeste esse desejo e concretize essa vontade.
J) Os factos constantes dos presentes autos demonstram que o Tribunal a quo decidiu com respeito e correcta interpretação do disposto nos artigos 59.º, 62.º e 63.º do Código de Processo Civil.
K) Acresce que as convenções internacionais, cuja aplicação foi invocada pela Recorrente, não são, efetivamente, aplicáveis ao caso concreto uma vez que se destinam a regular outros casos concretos, bem distintos da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
L) Em nossa modesta opinião, os Tribunais portugueses carecem de competência internacional para conhecer da presente acção, razão pela qual foi declarada a respectiva incompetência absoluta pelo Tribunal a quo, em nosso entender, bem.
O apelado terminou pedindo que fosse negado provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Discute-se neste recurso, e é esse o seu objeto, se os tribunais portugueses têm competência internacional para julgarem a ação de regulação das responsabilidades parentais trazida a juízo.
Dos autos resulta a seguinte
Matéria de facto
1. M. L. (…) é filha da requerente e do requerido e nasceu a 01.9.2018, na freguesia de Belém, Lisboa.
2. À data da propositura da ação a criança residia em Angola, com a mãe, que aí exerce a sua atividade profissional.
3. O requerido residia e reside em Portugal.
4. A requerente, o requerido e a criança têm nacionalidade portuguesa.
O Direito
Sempre que o litígio submetido a juízo apresenta elementos de estraneidade relativamente à ordem jurídica portuguesa, isto é, contém algum elemento objetivo ou subjetivo que o põe em contacto com outra ordem jurídica, que não a portuguesa, põe-se uma questão de competência internacional dos tribunais portugueses.
As regras sobre a competência internacional permitem apenas determinar se os tribunais portugueses são, no seu conjunto, competentes para decidir o litígio; mas já não definem qual o tribunal concretamente competente, no interior da jurisdição nacional, para apreciar a questão. Essa é a função das regras da competência interna.
Os tribunais judiciais portugueses aferem a sua competência internacional de acordo com as regras do direito interno e, também, das regras de direito internacional que obriguem o Estado português.
Assim, o art.º 59.º do CPC, sob a epígrafe “Competência internacional”, estipula que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º
Daqui resulta que, quando algum destes instrumentos de direito internacional seja aplicável, é pelas regras nele estabelecidas que deve aferir-se a competência dos tribunais portugueses. E resulta também que, se for aplicável algum desses instrumentos e dele não resultar a competência dos tribunais portugueses, também não poderá tal competência resultar da aplicação das regras internas.
Em relação a litígios que tenham conexão com estados membros da União Europeia, haverá que atentar, no que diz respeito à matéria de regulação das responsabilidades parentais, no Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003 (Regulamento Bruxelas II-a), relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidades parentais.
Fora do espaço comunitário, há que atentar na Convenção relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças (Convenção de Haia de 1996), adotada na Haia em 19.10.1996 e aprovada em Portugal pelo Decreto n.º 52/2008, de 13.11.
O Regulamento Bruxelas II-a tem por objeto eventuais conflitos de competência entre Estados-Membros da União Europeia.
A República Popular de Angola não subscreveu a Convenção de Haia de 1996.
Assim, à presente questão aplicam-se as regras de direito interno português reguladoras da competência internacional dos tribunais portugueses.
Os critérios de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses estabelecidos na lei interna constam, no que concerne às ações cíveis, nos artigos 62.º, 63.º e 94.º do CPC.
No art.º 62.º estabelecem-se três critérios, tradicionalmente designados como critério da coincidência (al. a)), critério da causalidade (al. b)) e critério da necessidade (al. c)).
No art.º 63.º estabelece-se o critério da exclusividade.
Por último, no art.º 94.º permitem-se pactos privativos e atributivos de jurisdição.
A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei (n.º 1 do art.º 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26.8 - Lei de Organização do Sistema Judiciário – LOSJ).
Afere-se pela causa de pedir e pelo pedido constantes na petição inicial.
A situação objeto destes autos não cabe na previsão do art.º 63.º (em matéria de regulação da responsabilidade parental Portugal não reclama exclusividade da sua jurisdição) nem no art.º 94.º (não houve – nem há - acordo entre as partes quanto à competência internacional dos tribunais portugueses para julgarem a causa).
Segundo o critério da coincidência, previsto na alínea a) do art.º 62.º do CPC, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes “Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa”.
Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 141/2015, de 08.9, que contém o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), “Para decretar as providências tutelares cíveis [entre as quais se contam os procedimentos destinados a regular as responsabilidades parentais – art.º 3.º al. c) do RGPTC] é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado”.
O critério da coincidência assenta na harmonização entre a competência internacional e as regras internas de competência territorial. A determinação da residência do menor à luz do direito interno convoca o disposto no art.º 85.º n.º 1 do Código Civil: “[o] menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.” Por sua vez o art.º 82.º n.º 1 do CC dispõe que “[a] pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles”.
À data da apresentação do requerimento da regulação das responsabilidades parentais a requerente residia habitualmente em Angola, onde desempenhava a sua atividade profissional, conforme exarou na petição inicial (e na procuração forense que juntou). E a menor residia em Angola, com a mãe, conforme também consta na petição inicial.
Assim, embora na petição (e na procuração forense) se diga que a requerente também tem domicílio em Portugal (na Estrada de …, n.º …, rés-do-chão, Estoril), a sua residência habitual, o lugar que constituía o centro habitual da sua vida, situava-se em Angola. Sendo em Angola que a filha da requerente e do requerido residia.
De resto, a própria requerente, quando foi chamada a pronunciar-se acerca da competência internacional do tribunal, realçou que a separação do casal ocorreu quando a requerente “regressou” a Angola, por necessidade profissional, e o requerido não quis acompanhá-la, assim se concretizando a separação do casal. Tal supõe que o plano de vida, o centro de vida do casal se dissolveu, passando o da requerente a localizar-se em Angola e o do requerido em Portugal.
Parece-nos evidente que a este respeito irrelevam planos futuros de regresso a Portugal.
O critério da residência do menor na determinação do tribunal competente para apreciar a regulação da responsabilidade parental assenta, como se realça no Considerando n.º 12 do Regulamento Bruxelas II-Bis, na conveniência da proximidade entre o tribunal e o centro de vida da criança: “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.
O facto de a requerente ser proprietária de uma casa em Portugal ou de no assento de nascimento da menor a residência indicada para a requerente se localizar em Portugal são, manifestamente, aspetos irrelevantes para a definição da residência da menor à data da propositura da ação.
Conclui-se, assim, que à luz do critério da coincidência os tribunais portugueses não têm competência para o litígio.
Quanto ao critério da causalidade, atribui-se competência internacional aos tribunais portugueses se “[t]iver sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram” (al. b) do art.º 62.º).
A apelante defende a aplicabilidade deste critério, na medida em que, no seu entender, “o facto que serve de causa de pedir da ação foi praticado em território português”, pois “[a] separação de facto ocorreu quando a progenitora teve necessidade de regressar a Angola, onde desenvolve a sua actividade profissional e porque o requerido não a quis acompanhar”.
Ora, quanto à concretização da separação há divergência entre as partes, na medida em que, segundo o requerido/apelado, quando a separação do casal ocorreu a requerente residia em Angola, onde o casal vivera em conjunto havia cinco anos.
De todo o modo, os factos que constituem o fundamento para a regulação da responsabilidade parental, isto é, a relação de filiação, a separação entre os progenitores e o desacordo entre ambos, não têm especial conexão com um determinado território, não se adequando ao referido critério da causalidade. Concorda-se com o exarado por António Fialho em “A competência internacional dos tribunais portugueses em matéria de responsabilidade parental” (Julgar, n.º 37, Janeiro-Abril 2019, p. 34):
“…, para que se estabeleça a competência internacional dos tribunais portugueses é necessário que os factos materiais localizados em Portugal sejam relevantes e característicos do facto jurídico e que, de entre a massa de factos que constituem a causa de pedir, tenham sido praticados em Portugal factos suficientes que justificam a conexão da ação com a ordem jurídica portuguesa.
Em matéria de responsabilidade parental, a filiação da criança, a separação de facto dos pais e a falta de consenso destes quanto ao exercício das responsabilidades parentais são circunstâncias da causa de pedir com uma conexão muito reduzida face aos critérios de proximidade geográfica da criança ou mesmo de um dos progenitores.”
Afigura-se-nos, pois, irrelevante, para a determinação do tribunal competente para julgar a causa, a localização no espaço da ocorrência da separação do casal, ainda para mais quando ela é controvertida e nem sequer foi alegada no requerimento inicial.
Restaria, para conceder aos tribunais portugueses competência internacional para julgar o litígio, o critério da necessidade. Este aplica-se, nos termos da alínea c) do art.º 62.º do CPC, “[q]uando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
A este respeito nada foi alegado que justifique a aplicação do critério da necessidade. Por um lado a requerente tem residência em Angola, pelo que a instauração da ação nesse país não revestirá para ela, que se saiba, particular dificuldade. Por outro lado, a efetivação dos direitos da requerente em Angola, local onde reside habitualmente com a menor, mais facilmente será promovida através de um tribunal angolano do que por meio da jurisdição portuguesa. Sendo certo que a efetivação em Portugal dos efeitos de uma sentença angolana é sempre possível, por meio dos instrumentos de revisão e confirmação das sentenças estrangeiras (artigos 978.º e seguintes do CPC).
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra citado pela apelante (acórdão de 08.3.2016, processo nº 2966/15.7T8VIS-B.C1) baseia-se em acervo fáctico que parece diverso do destes autos, o qual determinou, naquele acórdão, a configuração da situação como de residência alternada em Angola e Portugal.
Concorda-se, pois, com a decisão recorrida.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo da apelante, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 08.10.2020
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins