Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
223/17.3GATVD.L1-5
Relator: CID GERALDO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – Os episódios e actos, praticados dolosamente pelo arguido contra a sua ex-mulher (que consistiram em lhe infligir maus-tratos psíquicos, através de repetidas injúrias e ameaças, algumas presenciadas por terceiros, idóneas a afectar o seu bem estar psicológico), eram humilhantes e rebaixavam quem fosse vítima deles, ofendendo a dignidade de qualquer pessoa, integrando o crime de violência doméstica que lhe foi imputado.

– Não é a circunstância de alguns dos factos ocorrerem em contexto de desentendimentos e discussões recíprocas com a ofendida, como, aliás, é usual suceder, que as mesmas deixam de revelar crueldade, desprezo e vontade de a humilhar, bastando atentar na carga pejorativa e ameaçadora de tais expressões, sendo certo que grande parte do comportamento do arguido não teve como causa qualquer discussão a propósito da relação extraconjugal, pois, o comportamento do arguido para com a ofendida alterou-se profundamente, reagindo agressivamente e de uma forma completamente obsessiva relativamente à ofendida, quando se apercebeu que esta, não conseguindo ultrapassar a humilhação e mágoa que tal situação da relação lhe trazia, resolveu separar-se definitivamente de si, requerendo o divórcio.

– Ocorrendo, os factos descritos na acusação, relativos às expressões injuriosas e ameaçadoras proferidas pelo arguido, aos puxões e empurrões desferidos contra a mesma, às diversas situações de esperas, perseguições de carro, de constantes telefonemas e mensagens, ou seja, ocorrendo um conjunto de atos e afirmações por parte do arguido, claramente violadores da tranquilidade, segurança e bem-estar da ofendida, quer enquanto viveu com o arguido, quer e sobretudo após a separação e onde quer que se encontrasse (em sua casa, de familiares, no restaurante, com amigas, ou no trabalho, ou em espaços comerciais, ou na via pública), sendo certo que o conjunto de todo o comportamento do arguido (a reiteração, o propósito, os reflexos na ausência de liberdade de atuação da ofendida, no seu constrangimento diário, na pressão psicológica, na intranquilidade), traduz uma gravidade expressiva, sobretudo após ter ocorrido a separação do casal, e por isso sem causa em qualquer discussão anterior.

– A revelada personalidade do recorrente, a sua persistência criminosa (atento o crescendo de violência que o arguido empregou de Julho de 2017 a Janeiro de 2018) e a falta de interiorização da gravidade dos factos perpetrados, inclusivamente no decurso de todo o julgamento, e mesmo após o Tribunal ter atenuado as medidas de coação, substituindo a prisão preventiva pelas medidas de coação a que já havia estado sujeito (e que havia violado reiteradamente), entre elas a de proibição de contactos e de aproximação da sua ex-mulher, ditam a necessidade de cumprimento da pena de prisão efectiva em função das exigências de prevenção especial.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.– No processo comum nº 223/17.3GATVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 6, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, do arguido JMG , atualmente detido em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa, imputando-lhe os factos constantes de fls. 510 a 524, que entendeu integrarem a prática, em autoria material e em concurso real, de:
– um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.ºs 2, 4 e 5 do Código Penal (ofendida EG);
– um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal;
– um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal (ofendido RG);
– um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal (ofendido RG);
– cinco crimes de ameaça agravada, p.s e p.s pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal (ofendido RG);
– cinco crimes de ameaça agravada, p.s e p.s pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal (ofendida LC );
– cinco crimes de ameaça agravada, p.s e p.s pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal (ofendido JC ).
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Findo o julgamento, foi proferido acórdão que, julgando parcialmente procedente e provada a acusação, decidiu:
a)–  ABSOLVER o arguido JMG da prática de: um crime de ameaça, de um crime de ofensa à integridade física e de catorze crimes de ameaça agravada, pelos quais vinha acusado.
b)–  CONDENAR o arguido JMG pela prática, em autoria material, e em concurso efetivo, de:
- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
- Um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelos artigos 191.º do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa;
- Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares de multa, condenar o arguido numa pena única de multa de 140 (cento e quarenta) dias, à taxa diária de 7 (sete) euros, num total de 980 (novecentos e oitenta) euros.
c)–   Proibir o contacto do arguido com a vítima, por qualquer meio, durante o período de quatro anos, devendo o cumprimento desta proibição ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal.
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Não se conformando com a decisão, interpôs o arguido recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
 
1– O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de três anos de prisão efetiva e na proibição de contacto com a vítima, por qualquer meio, durante o período de quatro anos, devendo o cumprimento desta proibição ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 152.° do Código Penal.

Fundamentalmente discorda-se do julgamento da matéria de facto quanto ao crime de violência doméstica porquanto, com o devido respeito, entendemos que o Tribunal "a quo" desvalorizou duas questões que resultaram inequivocamente demonstradas na discussão da causa, e que necessáriamente deveriam ter levado a decisão diferente, são elas, a saber:
a)- O contexto em que surgiram as desavenças do casal - rutura da vida conjugal e o contributo do cônjuge mulher na produção das mesmas.
Nessa medida, e conforme explicitado na motivação, consideram-se incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 1.5;1.8; 1.9; 1.14 e 1.30, na medida em que conforme também explicitado na motivação, os testemunhos da ofendida, e das demais testemunhas identificadas, e nas passagens transcritas c/ou indicadas, impunham conclusão diferente da que foi retirada pelo tribunal "a quo".
b)- Considera-se também que o tribunal não deu como provados determinados factos que resultaram da discussão da causa, circunstanciais e logo decisivos para se entender o contexto em que se desenrolou a conduta do arguido, enucnciados nas alíneas a);b);c);d) e e) do ponto VIII da motivação, e com base nos depoimentos que também se transcreveram ou se indicaram.

2– Desses factos conjugados com a restante matéria de facto dado como provada resulta, por um lado, que o arguido durante vinte anos de casamento foi tido como um bom chefe de família, trabalhador, e que as desavenças conjugais só passaram a ocorrer quando o cônjuge aqui alegada vítima o confrontava com um possível adultério, sendo sempre a mesma que iniciava as discussões, e respondendo o arguido num contexto de confronto. Mais resulta evidenciado o carácter determinado da alegada vitima, não típico de uma vítima de violência doméstica, mormente quando a própria praticava actos de violência na presença dos empregados e familiares do arguido ( danos num veículo com um ferro) e este não reagia.

3– Discorda-se ainda da matéria de facto dada como provada, na medida em que pese embora a ofendida, os filhos e a sogra do arguido tenham dito ao tribunal que o mesmo, após a separação do casal, apresentava um estado depressivo, não correspondendo ao habitual durante mais de vinte anos, o que foi correborado por atestados médicos de psiquiatria juntos aos autos, o tribunal ignorou totalmente esse facto, mormente na determinação da medida da pena e na necessidade do tratamento médico adequado como alternativa a uma pena privativa da liberdade.

4– Discorda-se do julgamento da matéria de facto quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público, porquanto dos depoimentos em que o tribunal assentou a matéria de facto dada como provada, resulta de forma inequívoca que o arguido não invadiu qualquer propriedade privada; por essa razão se considera incorretamente julgada a matéria vertida no ponto 1.5 dos factos dados como provados, nomeadamente com base nos depoimentos da ofendida e de sua mãe, e nas passagens indicadas na motivação, únicas que depuseram sobre o tema, e que disseram ao tribunal de forma cristalina que o arguido nunca entrou na propriedade, contrariamente ao que foi dado como provado. Por conseguinte há desacerto jurídico na sentença ora posta em crise quando condena também o arguido pela prática desse crime, o que também motiva o presente recurso.

5–  Discorda-se da decisão de direito quanto ao crime de violência doméstica por se entender não estarem verificados todos os elementos que integram este tipo de crime conforme demonstrado na motivação, e quando assim não se entenda, sempre se considera excessiva a medida aplicada quer no lapso de tempo — três anos, quer no facto de não ter sido suspensa na sua execução, porquanto se nos afigura que o Tribunal não atendeu a todas as circunstancias, que não fazendo parte do tipo, depuseram a favor do arguido, contrariamente ao que impõe o artigo 72° do C.Penal e que são por um lado o facto do arguido ser primário (única atenuante considerada pelo tribunal a quo), por outro o facto da alegada vitima ter confessado ser dela a iniciativa das discussões, não haver registos de agressões físicas, o tribunal ter-se apercebido, pelo depoimento da alegada vítima, dos filhos e da sogra do arguido, do estado anímico depressivo do arguido que o aconselhavam a tratamento psíquico ou psiquiátrico, a que o mesmo se submeteu, por ordem do tribunal, e foi interrompido pela circunstância da prisão preventiva, a alegada vítima inclusivamente ter informado o Tribunal pretender desistir da queixa. Ora tudo isto, sem prescindir, são circunstâncias que deveriam ter contribuído para a aplicação de uma pena próxima do mínimo e suspensa na sua execução, contrariamente ao que sucedeu, ademais quando a própria sentença ora posta em crise reconhece : "que nenhum dos atos, de per se, envolve uma gravidade intensa, por comparação a situações de violência doméstica de descomunal subjugação da vítima por parte do agressor,".
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A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou a sua contra-motivação, com as seguintes conclusões:
 
1º– Não assiste no entender do Ministério Público, razão alguma ao arguido.

2º– Desde logo, versando o recurso sobre matéria de facto, deve especificar-se os pontos de facto incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa e que provas que devem ser renovadas, com referência às respectivas gravações, tendo lugar a transcrição.
3º– O que não sucede no recurso em apreço.
4º– Enquadramento legal – Da aplicação do artigo 152º, nº 2 do Código Penal
O arguido foi condenado (para além do mais) pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal.
5º– O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a saúde, entendida esta enquanto saúde física, psíquica e mental e, por conseguinte, podendo sair afectada por uma diversidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa e/ou afectem a dignidade pessoal e individual do cônjuge. 
6º– Segundo Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 132), a ratio do art. 152.º do CP não está “na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana», indo muito mais além “dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas», acrescentando que «o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental” (V. Acórdão do STJ de 02.07.2008).
7º– Na jurisprudência dos Tribunais Superiores Portugueses, foi surgindo uma corrente jurisprudencial segundo a qual, em casos de especial violência, uma única agressão seria bastante para preencher o tipo legal- sublinhado nosso.
8º– Assim, com referência à redacção do preceito resultante da 3.ª alteração ao CP, operada pelo DL 48/95, de 15-03, extrai-se do Ac. de 14-11-1997, Proc. n.º 1225/97 - 3.ª (CJSTJ, 1997, tomo 3, pág. 235 e ss.), que:
- «A actual redacção (…) mais não significa (…) do que a incriminação, decorrente da lei penal, de condutas agressivas, mesmo que praticadas uma só vez, que se revistam de gravidade suficiente para poderem ser enquadradas na figura dos maus tratos. Não são, assim, todas as ofensas corporais entre cônjuges que cabem na previsão criminal do referido artigo 152.º, mas aquelas que se revistam de uma certa gravidade ou, dito de outra maneira, que, fundamentalmente, traduzam crueldade, ou insensibilidade, ou, até vingança desnecessária, da parte do agente” - sublinhado nosso.
9º– Não são todas as ofensas que cabem na previsão criminal do referido artigo 152.º, mas aquelas que se revistam de uma certa gravidade ou, dito de outra maneira, que, fundamentalmente, traduzam crueldade, ou insensibilidade, ou, até, vingança desnecessária, da parte do agente.
10º– Só assim será, se aquele acto de violência, em concreto, quando isolado, afecte por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária (não olvidando, sem qualquer sobra de dúvida, que qualquer ofensas à integridade física simples ou injúria, entristece e(/ ou afecta o lesado).
11º– Concatenando o direito e os factos “sub iudice” e compulsado os autos, apura-se que dos elementos coligidos face aos factos dados como provados, dos mesmos pode-se aferir da intensidade da ofensa corporal, do medo sentido, das ameaças e perseguições sofridas pela ofendida, o que nos leva a concluir que se considera violado o bem jurídico protegido pela norma em causa, e, por outro, provaram-se as consequências, directas ou indirectas, da conduta do(a) denunciado(a), resultando demonstradas as lesões corporais e os danos psíquicos, deveras relevantes para a ofendida, bem como que aquele comportamento se repercutiu, de forma acentuada na saúde física, psíquica, emocional e moral, da ofendida, de forma a abalar a sua auto-estima , inferiorizando-a ou atemorizando-a e coarctando a sua capacidade de determinação e de acção (vejam-se os depoimentos prestados e que constam dos autos).
12º– Nestes termos, da matéria de facto dada como assente, resulta de um modo inequívoco e indubitável que o arguido praticou o tipo legal de crime pelo qual está condenado em sede de primeira instância, não oferecendo dúvidas o preenchimento do respectivo tipo legal, quer ao nível dos elementos objectivo, quer subjectivo.
13º– Mostram-se, assim, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de violência doméstica, p. e p. nos números 1, alínea, b), e nº 2, ambos do art. 152° do Código Penal.
14º– Nada justifica (nem mesmo que a ofendida já não quisesse ter qualquer vida em comum com o arguido) a actuação do arguido perante a sua, então, companheira há mais de 20 anos, sua mulher, mãe dos seus dois filhos, que se viu obrigada a refugiar-se em casa dos pais, levando consigo os filhos, situação que durou inúmeros meses, sendo que o arguido a injuriava,  ameaçando-a, estando presentes os filhos de ambos, em inúmeras situações (que e aperceberam de todo o alvoroço gerando pelo seu progenitor), bem como na presença dos pais da ofendida e das suas amigas e colegas de trabalho.
15º– Se o arguido considerava que a sua mulher o havia ofendido ou humilhado (???), deveria ter dialogado com aquela ou, no limite, devia ter-se separado, mas nunca deveria ter tido tais atitudes.
16º– E, é do conhecimento geral a existência de inúmeras situações do género que, ocultadas pelo secretismo do lar conjugal, escapam à punição.
17º– No crime em causa nos autos e conforme refere o Acórdão da Relação do Porto, de 03.11.1999, in Colectânea de Jurisprudência, 1999,tomo 5, fls. 223 e Acórdão da Relação do Porto, de 05.11.2003, in www.dgsi.pt:
- “As condutas típicas podem ser de várias espécies: maus tratos físicos (ofensas corporais simples) e maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, ameaças mesmo que não configuradoras, em si, do crime de ameaça)”, e continua referindo que “Pode, pois, dizer-se que o bem jurídico protegido é a saúde, enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal do cônjuge ou equiparado”, radicada na dignidade da pessoa humana, acrescentamos nós.
18º– Logo salvo melhor opinião, nesta questão não assiste razão ao recorrente.
19º– Erro notório na apreciação da prova
O erro notório só pode referir-se a factos que caibam no “thema probandum” e este é definido pelo objecto do processo (Ac. do STJ de 17-4-1997, BMJ 466-209).
20º– Este vício ocorre quando:
a)- da análise do texto da sentença recorrida;
b)- por si ou conjugada com as regras da experiência (Ac. do S.T.J. de 27-1-1999, BMJ 483-140);
c)- qualquer homem medianamente dotado (Ac. do S.T.J. de 24-3-1999, BMJ 485¬, 281)¬
d)- se apercebe da existência de vícios notórios - o erro é notório quando é notado ou sabido de todos, ou quando se apresenta como manifesto, evidente, transparente. Insofismável (Ac. do S.T.J. de 25-3-1999, BMJ 485-286).
21º– O erro notório tem de resultar da análise da matéria de facto.
22º– Logo, os motivos de facto que fundamentaram a decisão não se confundem com os factos provados nem com os meios de prova.
23º– Trata-se dos elementos que à luz das regras da experiência e de acordo com critérios lógicos de pensamento racional, levam a que a convicção do Tribunal se forme num certo sentido.
24º– E, não existe qualquer erro notório no Douto acórdão em crise.
25º– Daí a dificuldade sentida pelo Recorrente em especificar o vício alegado, limitando-se a referir generalidades e circunstâncias genéricas, bem como extratos aleatórios e desenquadrados das declarações (escolhidas a bel-prazer do Recorrente) de onde, salvo o devido respeito, não se podem extrair quaisquer conclusões.
26º–Aliás, as “passagens” invocadas pelo recorrente e desenquadradas, dizem respeito a factos que foram levados para o elenco dos factos não provados (!!!),pelo colectivo de juízes “a quo”.
27º– Ora, desenquadradas de todo o raciocínio lógico e do discurso integral da testemunha, pretende o recorrente, salvo o devido respeito pelo uso da expressão “enxertar o Rossio na Rua da Betesga”, escolhendo de acordo com a dinâmica que lhe é mais favorável, os trechos dos depoimentos prestados pelas testemunhas, adaptando-os às partes dos factos dados como provados, que se lhe afiguram dissonantes com tal passagem! 
28º– Assim, da conjugação e ponderação de todos os elementos probatórios disponíveis era inevitável se dessem como provados os factos constantes do Acórdão condenatório.
29º– Sem necessidade de tecer outros considerandos, cumpre afirmar que na decisão recorrida não existe qualquer erro judiciário e muito menos um erro tão crasso que salte aos olhos, sem necessidade de qualquer exercício mental.
30º– "A livre apreciação da prova a que alude o artigo 127° do Código de Processo Penal não é reconduzível a um íntimo convencimento, a um convencimento meramente subjectivo sem possibilidade de justificação objectiva, mas a uma liberdade de apreciação no âmbito das operações lógicas probatórias que sustentem um convencimento qualificado pela persuasão racional do juízo e que, por isso, também externamente possa ser acompanhado no seu processo formativo segundo o princípio da publicidade da actividade probatória" (Ac. do S.T.J. de 3-3-1999 (P. 29/98) de 3-Mar-1999, Bol. do Min. da Just., 485, 248).
31º– Muito pelo contrário, o tribunal a quo fundamentou de forma assaz exaustiva, quanto à sua convicção dos testemunhos.
32º– A decisão de direito, em matéria criminal, baseia-se apenas nos factos previamente dados como provados em sede de audiência de discussão e julgamento.
33º– Tendo isto como ponto assente e analisados os factos que o Tribunal a quo deu como provados na decisão recorrida constata-se que a condenação do arguido, ora recorrente, resultou da convicção que o Tribunal a quo formou com base na prova, frisa-se, em toda a prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento.
34º– Assim, e ao contrário do que pretende fazer crer o Recorrente, o Tribunal a quo socorreu-se de uma apreciação ponderada e conjugada de toda a prova produzida, a qual permitiu ao mesmo Tribunal concluir pela condenação do arguido.
35º– Afigura-se-nos que, no essencial, o Recorrente se prevalece do direito de discordar da apreciação efectuada pelo Tribunal a quo relativamente à apreciação da matéria de facto.
36º– E, pese embora o facto do Recorrente poder discordar da posição assumida na decisão recorrida quanto à valoração da matéria de facto por não se conformar com o valor concedido pelo julgador ao depoimento prestado por uma testemunha em detrimento de outra ou outras, de sentido divergente, a verdade, porém, é que tal divergência de opinião não constitui fundamento legal de reexame da matéria de facto que, enquanto tal, é insindicável.
37º– É que não pode deixar de ter-se presente que, no ordenamento jurídico onde nos movemos vigora um princípio fundamental: o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127°do Código de Processo Penal.
38º– Não se verificando, como não se verificam, quaisquer das situações excepcionais, há que acatar a posição assumida pelo Mm° Juiz no exercício do poder jurisdicional que lhe foi conferido e ao abrigo da liberdade de apreciação da prova que lhe assiste (vide, por todos, o Acórdão do STJ, de 13.02.91, AJ n° 15/16, 7 "(...) se o Recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o n°2 do art." 4100 do Código de Processo Penal, mas fora das condições previstas neste normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo Tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que, sobre os mesmos, ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127° (...)").
39º– Por todo o exposto, e considerando o que acima ficou dito quanto à prova produzida em audiência de julgamento, afigura-se que não tem razão o Recorrente quanto às questões afloradas na sua motivação, uma vez que, tendo em atenção a factualidade dada como provada, outra não poderia ser a conclusão a retirar pelo Tribunal a quo.
40º– Da medida da pena
Conforme refere JESCHECK (Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, II, 1194), :
-"o pomo de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois só partindo dos fins das penas claramente definidos se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para afixação da pena".
41º– Nos termos do artigo 40° do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
42º– A prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial a prosseguir, enquanto objectivo de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada (FIGUEIREDO DIAS, Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp.106), mas nunca pode pôr em causa a própria dignidade humana do agente, que o princípio da culpa justamente salvaguarda (artigo 40º, n.° 2 do Código Penal).
43º– Da prevenção especial
Atentos os factos dados como provados nos autos, não se nos afigura a existência de quaisquer atenuantes de relevo que deponham a favor do arguido, nomeadamente o facto de não ter antecedentes criminais, o que não significa que o arguido tenha tido boa conduta anteriormente, mormente porque os factos dados como provados nos autos nos permitem concluir que os mesmos foram levados a cabo ao longo de alguns anos, tendo resultado do julgamento a convicção de que o ambiente familiar propiciado pelo arguido tem sido de índole autoritarista, impondo as suas vontades pela força e recusando o diálogo, num clima de guerra aberta, física e psicológica contra a ofendida.
44º– Se tomarmos em linha de conta que o objectivo final do comportamento violento é submeter o outro mediante o uso da força e que toda a violência (a doméstica incluída), assenta em relações de dominação e de força, concluímos que para combater a violência doméstica não basta proteger e ajudar as vítimas, sendo necessário que a sociedade se ocupe também da pessoa violenta, a fim de a recuperar e a reeducar para o direito, prevenindo a prática de comportamentos idênticos, fazendo-o sentir a seriedade e a ilegalidade da sua conduta. 
45º– Assim, ponderadas estas considerações somos do entendimento que existe a necessidade de se alterar o padrão de comportamento do arguido e atenta a personalidade demonstrada pelo arguido e a sua conduta posterior, que nos fazem crer que a pena a que o mesmo foi condenado é claramente suficiente e adequada, pois só assim as finalidades de prevenção especial serão atingidas pela pena.      
46º– Da culpa
As qualidades da personalidade do arguido, manifestadas nos factos relevam por via da culpa, agravando-a, na medida em que constituem índices de uma elevada desconformidade da personalidade do arguido face ao direito.
47º– Realça-se que os factos foram praticados persistente e reiteradamente durante um longo período, sendo certo que o arguido nunca se coibiu de expressar a sua violência em frente dos filhos do casal.
48º– Aliás, a atitude violenta do arguido, reforçou-se quando a ofendida optou por abandonar o lar conjugal, refugiando-se com os filhos em casa dos pais, por temer pela sua vida, por já lhe ser insuportável a violência que lhe era dirigida.
49º– É certo que também, quer o seu comportamento anterior, quer o seu comportamento posterior, quer o seu comportamento durante o desenrolar do processo, não revelaram quaisquer circunstâncias que devam ser valoradas a favor do recorrente.
50º– Atentas as causas de prevenção geral, mormente o facto do crime de violência doméstica continuar a ter expressão significativa na sociedade portuguesa, estando profundamente enraizado na nossa sociedade, em relação ao mesmo, um sentimento desculpabilizante (veja-se a própria ofendida que não pretende a prisão do arguido) que urge coarctar pelo que a pena e a medida da pena a aplicar devem ter sempre um carácter que permita à sociedade em geral compreender a importância.
51º–  Como é sabido, no artigo 71º do Código Penal encontram-se elencados os factores que devem nortear o julgador na determinação do quantum concreto da pena a aplicar ao arguido.
52º– Ora, transpondo tais critérios para o caso dos autos, constata-se que os mesmos foram tidos em consideração pelo Tribunal na fixação da pena aplicada ao arguido.

53º– Revertendo para o caso concreto, concordamos com a medida da pena aplicada ao arguido, desde logo atenta a fundamentação da medida da pena efectuada na sentença, na qual o Meritíssimo colectivo de Juízes “a quo” considerou que:
- a actuação do arguido revestiu-se de muita gravidade atento o período de tempo em que decorreram os comportamentos;
- o arguido agiu na modalidade mais intensa do dolo – dolo directo e com intensidade elevada; 
- como consequência da conduta do arguido, a sua cônjuge, sofreu lesões físicas e psíquicas; 
- se revelava particularmente censurável o modo de execução dos factos e as motivações para a prática dos mesmos.
54º– Mais concretamente, quer em termos de prevenção geral quer em termos de prevenção especial o Meritíssimo juiz “a quo”, considerou, ainda, a favor do arguido:
- a sua inserção social e profissional;
- a inexistência de antecedentes criminais.

55º– Em todos os casos, o crime em questão é punível com pena de prisão.
56º– Face a várias motivações, com as quais o Ministério Público concordou, o acórdão em concreto, entendeu que deveria ser aplicada uma pena privativa da liberdade.
57º– Atentas as consequências dos factos e o modo de execução dos mesmos, entende o Ministério Público que o grau de ilicitude das suas condutas é elevado.
58º– As necessidades de prevenção especial, são algo elevadas, considerando a gravidade, a extensão, a intensidade do dolo do Recorrente, dúvidas não restam de que não há qualquer fundamento susceptível de alicerçar uma diminuição da medida da pena.
59º– Atento o artigo 71°, n.º 2, aI. a), do Código Penal, facilmente se conclui que o grau de ilicitude do facto é elevado, avaliado em função das circunstâncias em que o arguido agiu, entre Novembro e 2014 e 30 de Janeiro de 2015, injuriando e ameaçando a assistente, estando o filho, de ambos, presente;
60º– Quanto ao modo de execução, o arguido não usou qualquer sofisticação e a gravidade das consequências foi relevante, porquanto a ofendida andava num permanente "stress ", sendo brutalizada, psicologicamente, pelo arguido.
61º– Devendo alertar-se a denominada "consciência comunitária" para a reprovação das condutas tidas pelo arguido, as pessoas devem afastar o costume ancestral, de não intervir na vida de um casal ou de um agregado familiar, e denunciar às autoridades situações como a dos autos.
62º– E, atento o crescendo de violência que o arguido empregou de Julho de 2017 a  janeiro de 2018 (e que levou á prisão preventiva do arguido), além de que o arguido não demonstrou arrependimento algum, tendo inclusive, adoptando no decorrer do julgamento uma postura de falta de arrependimento e de falta de autocrítica, entendendo o seu comportamento justificável face às situações em causa nos autos.
63º– Assim, entendemos não merecer qualquer reparo a medida concreta da pena que foi aplicada ao arguido nos presentes autos. 
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Neste Tribunal o Ex.mº  Procurador-Geral Adjunto subscreveu inteiramente a resposta formulada pelo Ministério Público, emitindo parecer vai no sentido da manutenção do douto acórdão recorrido, por o mesmo não conter qualquer vício endógeno.
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O arguido JMG, notificado do parecer do M. Público, veio dizer que reitera nos seus precisos termos o recurso apresentado.
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2.– O Acórdão recorrido fixou a matéria de facto, respectiva motivação, enquadramento jurídico-penal dos factos, escolha e determinação da medida da pena, da seguinte forma:

I.– Fundamentação.

1.– Da instrução e discussão da causa, com interesse para a decisão da mesma, resultaram PROVADOS os seguintes factos:
 
1.1.- O arguido e ofendida EG , nascida em 27-05-1972, iniciaram uma relação de namoro e casaram em 24 de outubro de 1992.
1.2.- Residiram numa moradia sita em P.  e, após cerca de cinco anos, construíram a sua própria residência em Rua C. , na localidade de R. .
1.3.- Fruto dessa relação, nasceram dois filhos: RG , nascido a 14-04-1993, e MG, nascida a 06-01-2002.
1.4.- O arguido e a ofendida EG são também sócios e gerentes da sociedade comercial G. , Lda, e ainda da sociedade comercial por quotas G.G. , LDA, com sede na Rua C., que possuem como objeto social o transporte rodoviário de mercadorias.
1.5.- Durante todo o casamento, o arguido e a ofendida tinham diferenças de pensamentos, entrando, por isso, muitas vezes em desacordo e em conflito.
1.6.- Há cerca de cinco anos a ofendida começou a suspeitar que o arguido mantinha uma relação extraconjugal.
1.7.- A situação transtornou completamente o casamento da ofendida, fazendo com que a ofendida começasse a confrontar o arguido com a traição e o mesmo não o aceitava, desvalorizando e afirmando que não era verdade.
1.8.- Desde 2012, quase diariamente, o arguido JMG  passou a dirigir-se à ofendida EG, apelidando-a de "inútil, vales zero, um zero à esquerda, doida", proferindo a expressão "não prestas para nada", entre outras do mesmo género, o que fez a ofendida sentir-se muito triste e humilhada.
1.9.- Em dia não concretamente apurado de fevereiro de 2013, no interior da habitação comum, a ofendida EG visualizou várias chamadas e mensagens no telemóvel do arguido e confrontou-o com essas provas da traição.
1.10.- O arguido disse que era mentira e começou a empurrar a ofendida EG.
1.11.- Ao se aperceber da situação, o filho do casal, RG, colocou-se no meio dos pais.
1.12.- Ato contínuo, o arguido deslocou-se para a cozinha da habitação e agarrou numa faca de cozinha. Em seguida, apontou-a para a ofendida EG. Novamente o filho RG conseguiu demovê-lo de continuar com a atitude.
1.13.- Após esta situação, em datas não concretamente apuradas, ocorreram várias discussões no interior da habitação. Tal ocorria quando a ofendida EG confrontava o arguido com a situação de manter uma relação extraconjugal e quando tentava apanhar o arguido em flagrante.
1.14.- Nessas ocasiões, o arguido JMG reagia, empurrando a ofendida.
1.15.- Em data não concretamente apurada de 2013, o arguido entrou em contacto com a mãe da ofendida, de nome LC e transmitiu-lhe se a ofendida se separasse dele, este a matava, que a cortava aos bocados.
1.16.- Desesperada com a situação, acreditando que o arguido concretizasse as afirmações, LC tentou o suicídio, com ingestão de comprimidos, o que a levou a estar internada, por um período de uma semana, no Hospital de Loures.
1.17.- Em data não concretamente apurada do ano de 2014, pelo telefone, embriagado, o arguido expulsou a ofendida e os filhos da habitação.
1.18.- O arguido é habitual consumidor de bebidas alcoólicas e em determinadas ocasiões perde o controlo, ficando alcoolizado.
1.19.- O arguido chega a usar o álcool para demonstrar à ofendida que terá coragem de lhe fazer mal, dizendo-lhe "quando bebo é que fico valente".
1.20.- A partir de janeiro de 2016, o arguido passou a adotar um comportamento mais instável e a andar alcoolizado.
1.21.- Em data não concretamente apurada, em outubro de 2016, no café denominado "F. ", sito na localidade de C., Alenquer, a ofendida EG, na companhia do filho RG, confrontou a amante do arguido com a situação suspeita.
1.22.- A dada altura, o arguido JMG  apareceu no local e começou a discutir com a ofendida EG.
1.23.- No decurso da discussão, o arguido deu empurrões e puxões à ofendida. Nesse momento, o filho RG interveio e impediu que o arguido continuasse.
1.24.- Em data não concretamente apurada, na localidade Carregado, junto à empresa LS, o arguido obrigou a ofendida EG a sair do veículo automóvel, agarrando-a pelos braços, retirando-a à força, deixando-a no local sem a sua carteira e sem o seu telemóvel.
1.25.- Em data não concretamente apurada, em novembro de 2016, mais uma vez, a ofendida EG confrontou o arguido com a traição.
1.26.- Desagradado com a situação, completamente fora de si, o arguido agarrou na ofendida à força do interior do veículo automóvel até junto à entrada da habitação.
1.27.- Em seguida, o arguido JMG  dirigiu-se à garagem com o objetivo de ir buscar uma forquilha. Ato contínuo, munido de tal utensílio agrícola, o arguido JMG  encaminhou-se na direção da ofendida EG, intimidando-a, acabando por espetar tal utensílio na parede.
1.28.- De seguida, o arguido JMG , logrando fazer a ofendida cair no chão, movimentou os pés no encalço da ofendida com o intuito de a pisar, sendo que a ofendida sempre se conseguiu desviar.
1.29.- Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores nas zonas atingidas e apresentava várias nódoas negras dispersas pelo corpo, nomeadamente nas pernas e nos braços.
1.30.- Cansada do comportamento do arguido, no dia 20 de julho de 2017, a ofendida deixou a habitação do casal com os dois filhos e passou a residir com os seus pais na habitação, sita em Rua F. Torres Vedras.
1.31.- No dia 28 de julho de 2017, quando a ofendida se encontrava a jantar no restaurante denominado "Tasca …” com várias amigas colegas de trabalho, recebeu no seu telemóvel com o número 9…5 várias chamadas provenientes do arguido.
1.32.- Apesar da ofendida não atender, o arguido continuou a ligar para o telemóvel da ofendida insistentemente.
1.33.- Sem que nada o fizesse prever, o arguido JMG  entrou de rompante no interior do restaurante e dirigiu-se à mesa onde a ofendida se encontrava sentada.
1.34.- De uma forma agressiva, embriagado, o arguido JMG embateu com força com a mão em cima da mesa dizendo que queria a chave de uma carrinha, veículo que está registado em nome da sociedade comercial.
1.35.- Com receio de que viesse a ser agredida nesse momento em frente das pessoas que aí se encontravam, a ofendida entregou-lhe a chave.
1.36.- O arguido ausentou-se do local com o veículo, deixando a ofendida sem viatura para se movimentar.
1.37.- Decorridos uns minutos, o arguido continuou a ligar para a ofendida e a dizer-lhe que estava no caminho à espera dela. Nessa altura, ML falou com o arguido e disse-lhe para este ir para casa descansar.
1.38.- No dia 6 de agosto de 2017, a pedido da sua filha MG, a ofendida EG concordou em almoçar na localidade de Alenquer com o arguido e com a filha MG.
1.39.- Após o almoço, sem dar conhecimento ao arguido, a ofendida EG foi com a sua filha ao cinema a Torres Vedras.
1.40.- Quando o arguido se apercebeu que a ofendida não tinha ido diretamente para casa após a refeição, como esperado, começou a contactar insistentemente a ofendida e a filha do casal, tendo esta informado que se encontrava no cinema.
1.41.- Após, o arguido dirigiu-se a Torres Vedras tendo encontrado a ofendida à saída do Arena Shopping.
1.42.- Aí, na presença da menor, começou a discutir com a ofendida por esta ter ido para Torres Vedras e aos gritos apelidou-a de "mentirosa" e "impostora" e ordenou-lhe para ir de imediato para casa. Enquanto isso, agarrou num canivete e empunhando-o na direção da ofendida, intimidando-a, disse: "estás a ver, se quisesse cortava-te os pneus!" Receando ser atingida na sua integridade física, a ofendida obedeceu.
1.43.- Em dia não concretamente apurado no início de setembro de 2017, a ofendida foi a um colóquio em Alenquer. No final, quando se deslocou para o seu veículo automóvel verificou que a carrinha do arguido se achava estacionada junto à sua.
1.44.- Nesse momento, receando o comportamento do arguido, a ofendida EG deixou o seu veículo no local e pediu boleia a uma das suas colegas.
1.45.- Ato contínuo, o arguido decidiu seguir o veículo automóvel em que a ofendida viajava. A determinada altura, ultrapassou o veículo e tentou fazê-lo parar.
1.46.- A colega da ofendida não parou e o arguido avançou. Logo após, fez inversão de marcha e passou a conduzir em contramão, de frente, para o veículo automóvel da colega da ofendida simulando que a ia abalroar.
1.47.- Todos os passageiros e a ofendida que se encontravam no interior do veículo automóvel entraram em pânico.
1.48.- O arguido acabou por não embater no veículo automóvel, desviando a trajetória, mas esta situação deixou a ofendida cheia de medo.
1.49.- Em data não concretamente apurada, no mês de setembro de 2017, o arguido dirigiu-se à habitação sita em Rua F. , onde a ofendida EG reside, devidamente delimitada em todo o seu perímetro com muro e portão.
1.50.- Aí, o arguido encontrou LC , mãe da ofendida e sua sogra, a qual disse ao arguido para não entrar na sua propriedade.
1.51.- Em voz alta, questionou a sua sogra sobre quem o ia impedir, e de imediato, sem autorização da legítima proprietária e contra a sua vontade, saltou o muro, logrando aceder ao pátio.
1.52.- Nessa altura, o arguido dirigiu-se à residência e bateu com violência nos vidros da marquise, onde LC e MG se refugiaram. Nesse momento, receando que o arguido fizesse mal aos seus familiares, a filha MG gritou em pânico "pai, por favor não faças isso!".
1.53.- O arguido disse para a filha MG "tu não eras para estar aqui, bem te disse que era para ficares na casa da tua avó”.
1.54.- Após muita insistência da filha para o arguido se ir embora, este acabou por abandonar o local. Antes disso, em voz alta e em tom intimidatório, disse: “ hei de voltar”.
1.55.- A ofendida é assistente operacional e exercia funções na escola primária de R..
1.56.- No dia 30 de outubro de 2017, pela manhã, a ofendida EG verificou que o arguido se encontrava nas imediações do seu local de trabalho na escola primária de R.  a vigiar os seus movimentos.
1.57.- Com receio, a ofendida refugiou-se no interior da escola para ver se o arguido se ia embora.
1.58.- Durante todo o dia os contactos foram constantes e o arguido esteve muito tempo parado junto ao local de trabalho da ofendida no interior do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Mercedes, de matrícula …36.
1.59.- No fim do dia, a ofendida EG contactou com o filho e pediu-lhe que se deslocasse ao seu local de trabalho pois receava que o arguido estivesse à sua espera, o que aconteceu.
1.60.- A ofendida chamou a patrulha da GNR, deu-lhes conta do sucedido e a entidade policial acompanhou a ofendida à sua habitação.
1.61.- Durante o percurso, o arguido seguiu a ofendida e continuou a circular na localidade de F., sendo que a ofendida se trancou no interior da habitação com medo.
1.62.- Pouco tempo depois, o arguido apareceu com um pau, com cerca de dois metros de comprimento e avançou na direção de RG.
1.63.- Ao ver a ofendida EG, o arguido atirou o referido pau na direção da mesma, não lhe acertando porque esta se desviou a tempo.
1.64.- Receando o comportamento do arguido, a ofendida voltou a contactar com a GNR.
1.65.- O arguido dirigiu-se ao filho, e a ofendida, ao tentar separar o arguido do filho, foi agarrada pelo arguido, fazendo com que a mesma embatesse e arranhasse os dois braços no muro.
1.66.- Em consequência da conduta do arguido, a ofendida EG sofreu dores nas zonas atingidas e apresentava no membro superior direito: várias escoriações abrasivas coberta com crosta, na face posterior da metade inferior do antebraço, ocupando no conjunto uma área de maior eixo vertical, medindo 8x7cm; várias escoriações cobertas com crosta, no dorso da mão, com vários formatos, tamanhos e direções, ocupando no conjunto uma área de maior eixo horizontal, medindo 8x2,5cm, e no membro superior esquerdo: equimose azulada, no cotovelo arredondada, medindo 4cm de diâmetro, lesões que determinaram 7 dias para a cura, com afetação da capacidade de trabalho geral por 4 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional por 4 dias.
1.67.- Com receio do arguido e que este faça alguma coisa de mal em frente às crianças onde labora, a ofendida EG solicitou a sua transferência para a sede do agrupamento de escolas da M..
1.68.- O arguido insiste com a ofendida para voltar para casa e reatarem a relação, contudo, a ofendida não tem qualquer interesse em retomar a relação conjugal e receia que o arguido cometa uma loucura uma vez que não aceita que a ofendida continue com a sua vida de forma separada.
1.69.- O arguido efetuou inúmeras chamadas para a sogra LC, de forma anónima, de dia ou de noite, questionando-a pelo paradeiro da ofendida com os termos "onde anda aquela puta?, A vaca da sua filha?".
1.70.- Durante uma das conversas que o arguido manteve com a sogra LC, o arguido referiu que iria matar a ofendida e que se esta não for dele, não é de mais ninguém. Em outra ocasião, disse a LC : "Porque razão você e a sua filha não se matam?; Era trabalho que me tiravam."
1.71.- Como não conseguiu os seus intentos, continuou a massacrar a ofendida com chamadas telefónicas.
1.72.- No dia 10 de novembro de 2017, entre as 12:00 horas e as 14:40 horas, o arguido efetuou mais de 150 chamadas telefónicas para a ofendida.
1.73.- No dia 13 de novembro de 2017, pelas 19 horas, o arguido seguiu a ofendida entre o trajeto efetuado entre o local de trabalho e a sua habitação em F..
1.74.- O arguido voltou a efetuar várias chamadas telefónicas para a ofendida. Numa das conversas mantidas, em tom intimidatório e em voz alta, o arguido disse que ia matar a ofendida e ainda toda a sua família.
1.75.- Receando o comportamento do arguido, a ofendida contactou a GNR e relatou o sucedido. Na sequência, a patrulha da GNR deslocou-se ao local.
1.76.- Aí, avistou o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula …35, utilizado pelo arguido imobilizado em plena faixa de rodagem, na Rua N., perturbando a circulação do trânsito, obrigando os veículos automóveis a desviarem-se para a faixa contrária.
1.77.- Procuraram pelo arguido e encontraram-no no interior da Associação de F., sita a cerca de 50 metros da habitação da ofendida, sentado numa mesa e ler o jornal.
1.78.- Nesse momento, os militares questionaram as pessoas que aí se encontravam sobre a propriedade do veículo automóvel …35 e este respondeu que era seu.
1.79.- Ato contínuo, questionado sobre o que se encontrava a fazer no local àquela hora em virtude de não residir naquela área, o arguido respondeu que a sua mulher era daquela localidade.
1.80.- Em voz altiva, o arguido disse aos militares que podiam passar as multas que quisessem, que ele tinha dinheiro para pagar isso e muito mais e ainda que o seu advogado trataria disso.
1.81.- Apesar de sujeito às medidas de coação de proibição de contactos com a ofendida e de se aproximar da mesma, aplicadas em sede de Interrogatório Judicial de Arguido Detido, o arguido continuou a remeter mensagens à ofendida e a fazer telefonemas para a ofendida, pressionando-a, importunando-a, entre o dia 19-11-2017 e o dia 15-01-2018.
1.82.- Durante o dia 21 de novembro de 2017, o arguido ligou para o telemóvel da ofendida 28 vezes.
1.83.- No dia 22 de novembro de 2017, o arguido ligou para a ofendida 37 vezes e mandou-lhe 10 mensagens.
1.84.- No dia 23 de novembro de 2017, o arguido ligou para a ofendida 17 vezes e mandou-lhe 5 mensagens.
1.85.- No dia 24 de novembro de 2017, o arguido enviou 6 mensagens à ofendida.
1.86.- No dia 27 de novembro de 2017, o arguido ligou para a ofendida 3 vezes e mandou-lhe 1 mensagem.
1.87.- O arguido, no seu veículo automóvel, perseguiu e vigiou os movimentos diários da ofendida, chegando a abordá-la pessoalmente em vários locais, importunando-a, consciente de que estava a violar as medidas de coação impostas nos presentes autos, aproveitando-se das falhas e contornando o sistema de vigilância eletrónica, fazendo-o entre o dia 24-12-2017 e o dia 15-01-2018, persistindo com a sua conduta violando as várias orientações e alertas que lhe foram dadas pelos técnicos da DGRSP.
1.88.- No dia 24 de dezembro de 2017, pelas 17 horas, quando circulava em R., o arguido cruzou-se com o veículo automóvel em que seguia a ofendida. De imediato, o arguido realizou manobra de inversão de marcha e passou a seguir a ofendida. Receando pela sua segurança, ao chegar ao centro da localidade a ofendida solicitou ajuda a uma patrulha da Guarda Nacional Republicana.
1.89.- No dia 15 de janeiro de 2018, pelas 14h30, ao passar junto do parque de estacionamento do "Intermarché", na localidade de M., o arguido avistou o veículo da ofendida.
1.90.- Aí, o arguido abordou a ofendida, dizendo-lhe que se pretendia reconciliar com a mesma e que tinha muitas saudades, tendo a ofendida respondido que não pretendia reatar a relação.
1.91.- O arguido, ao agir como agiu, quis e conseguiu ofender a honra da ofendida EG, sua esposa e mãe dos seus filhos, na presença dos filhos e no interior da habitação comum, o que sabia ser consequência direta da forma como a esta se dirigiu verbalmente, o que conseguiu.
1.92.- As ofendidas EG e LC viram-se afetadas no seu bem-estar psíquico, sujeitas que estiveram ao que atrás se descreveu, perturbadas com o comportamento do arguido.
1.93.- O arguido dirigiu-se às ofendidas EG e LC em tons de seriedade e veracidade, tendo-se estas assustado e sentido perturbadas na sua segurança e afetadas na sua liberdade.
1.94.- O arguido, ao agir do modo descrito, agiu com pleno conhecimento de que as expressões que proferiu nas várias circunstâncias supra descritas eram meio adequado a produzir, como efetivamente produziram, nas ofendidas EG e LC , sua esposa e sogra, respetivamente, profundo receio, temor e inquietação pela sua integridade física e vida, sendo certo que, com a sua conduta, o arguido pretendia precisamente incutir-lhes medo e dar-lhes a entender que as atingiria no seu corpo, tirando-lhes a vida e que atingiria os seus familiares.
1.95.- O arguido não tinha autorização da ofendida LC para entrar e permanecer naquele mencionado local, do que tinha perfeito conhecimento.
1.96.- Ao agir como agiu, quis introduzir-se no quintal anexo à habitação da ofendida, o que efetivamente fez, bem sabendo que o fazia sem a sua autorização e sem o seu consentimento.
1.97.- A ofendida EG viu-se afetada no seu bem-estar psíquico e físico, sujeita que esteve ao que atrás se descreveu, vivendo em sobressalto e com medo do comportamento imprevisível do arguido.
1.98.- O arguido, ao agir como agiu, quis provocar na ofendida mal-estar físico e psicológico, o que sabia ser consequência do seu comportamento, das ofensas corporais e provocações verbais que àquela infligia, o que conseguiu, graças ao medo, ansiedade e perturbações emocionais que naquela criou.
1.99.- Agiu, o arguido, de forma livre e consciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Provou-se ainda:

(Do Relatório Social elaborado pela DGRSP)
1.100.- JMG  é mais velho de uma fratria de 3 filhos do casal progenitor, sendo que a mãe foi sempre doméstica e o pai, (já reformado), torneiro mecânico. O arguido recorda que, durante a sua infância, passou por algumas dificuldades económicas, mas refere uma relação familiar caracterizada por fortes vínculos afetivos entre todos os elementos.
1.101.- JMG  iniciou a escola em idade regular e completou o 6.º ano de escolaridade com 16 anos de idade. Experienciou 2 reprovações, alegadamente devido à desmotivação e dificuldade em assimilar as matérias letivas.
1.102.- Com 17 anos iniciou atividade laboral numa oficina de mecânica onde se manteve 3 anos. Depois trabalhou durante 2 anos numa firma de isolamentos térmicos. Em 2004, em sociedade com a ex-mulher (vítima) abriu uma firma de transportes por conta própria. Em 2015 também em sociedade com a ex-mulher abriu uma segunda firma com a mesma atividade laboral. JMG explica que toda a gestão financeira e contabilística, assim como a condução dos camiões estava a seu cargo. A firma chegou a ter 14 empregados. Presentemente continua a laboral sob a gerência da ex-mulher e do filho de ambos e tem 7 empregados.
1.103.- JMG  casou com a vítima aos 21 anos de idade e deste relacionamento nasceram dois filhos, RG, agora com 25 anos de idade e MG, de 16 anos. Após o casamento, o arguido e a ex-mulher construíram a habitação de família em R. onde viveram juntos até à altura dos desentendimentos. A dinâmica familiar do agregado era, segundo o arguido e a vítima, pautada pela existência de desavenças entre o casal desde o início do casamento. O arguido refere que inicialmente o foco da discórdia centrava-se na personalidade forte e autoritária que a mulher apresentava na relação consigo, passando posteriormente os desentendimentos a surgirem associados à desconfiança que aquela passou a ter em relação a uma suposta relação extraconjugal mantida pelo arguido.
1.104.- A vítima alude que o ex-marido foi sempre muito controlador e obsessivo e os desentendimentos ter-se-ão agudizado quando há cerca de 5 anos percebeu que o mesmo mantinha um relacionamento extraconjugal. O filho do casal, corrobora as afirmações dos progenitores. O mesmo assume uma relação de maior afetividade com a mãe, de quem se sente mais próximo.
1.105.- Devido à instabilidade no seio familiar, JMG  chegou a sair de casa e foi residir durante cerca de 5 meses para casa dos pais. O mesmo aconteceu com EG, que terá abandonado a residência de família durante dois curtos períodos de tempo. Apesar destas separações, o casal acabaria sempre por se reconciliar, alegadamente para garantir alguma estabilidade familiar aos filhos.
1.106.- Devido ao agravamento dos conflitos entre o casal e ao receio por parte da vítima de um desfecho mais grave, esta abandonou a residência de família em finais de julho de 2017, levando consigo os dois filhos e passou a viver em casa dos seus pais.
1.107.- Em data precedente à prisão preventiva, o arguido encontrava-se a viver sozinho na casa de morada de família e estava sujeito a medida de coação de proibição de contactos e afastamento com uso de meios técnicos de controlo à distância. Tinha ainda obrigatoriedade de sujeitar-se a tratamento de dependência ao álcool.
1.108.- JMG  refere que, efetivamente terá violado algumas vezes a medida de afastamento e contactos com a vítima, contudo essas violações prendiam-se com a necessidade de tratar de assuntos relacionados com os filhos e com a gestão das empresas de que ambos são proprietários. Refere ainda não ter iniciado tratamento para a problemática aditiva (álcool), pois considera não ter qualquer problemática a esse nível.
1.109.- O arguido reconhece um desgaste gradual na relação marital que terá sido originado pelo tempo excessivo que dedicava ao trabalho em detrimento do relacionamento familiar. A alegada infidelidade conjugal é apontada como o principal fator para que EG (vítima) pretendesse o divórcio, o que não terá sido bem aceite pelo arguido.
1.110.- Durante o período de vigência do casamento, o sustento do agregado familiar era assegurado por ambos os cônjuges. O arguido assumia a gestão das empresas e fazia também alguns serviços com os camiões, auferindo um vencimento mensal de cerca de 1000€. EG (vítima) trabalha como assistente operacional e aufere o equivalente ao salário mínimo nacional. A estes valores acresciam os lucros das empresas de que ambos eram proprietários. Presentemente, as empresas continuam a laboral, sendo a gestão das mesmas assegurada pelo filho do arguido e pela ex-mulher.
1.111.- Socialmente o arguido é referenciado como uma pessoa trabalhadora e com uma inserção social adequada. No entanto, apesar de JMG  não assumir consumos abusivos de bebidas alcoólicas, a família e elementos da comunidade identificam essa vulnerabilidade, que ocorria, geralmente em contexto de convívio social. Contudo, também foi referido que esses consumos se circunscreveram aos últimos 4 anos de vivência conjunta, quando o relacionamento marital se apresentava disfuncional e o arguido evidenciava uma postura de instabilidade emocional.
1.112.- A ex-cônjuge (EG) manifestou preocupação e receio em relação aos comportamentos violentos apresentados pelo arguido, principalmente pelo facto de residirem na mesma localidade e já anteriormente, o mesmo, ter violado a proibição de contactos, incumprindo a obrigação de tratamento. Contudo, também idealiza que o facto do ex-marido se encontrar privado da liberdade terá servido como fator de intimidação e reflexão sobre o seu comportamento pretérito.
1.113.- O arguido reconhece que teve dificuldades em aceitar a separação, bem como de se desvincular afetivamente da ex-mulher. No entanto, segundo refere, essas dificuldades foram ultrapassadas, o divórcio está consumado desde o passado dia 09/04/2018 e, presentemente, mostra-se consciente da necessidade de ambos seguirem vidas autónomas.
1.114.- JMG  parece reconhecer o desvalor e a gravidade dos crimes pelos quais está acusado, embora aparente um certo distanciamento emocional. Refere constrangimentos pessoais por se encontrar privado do afeto dos filhos e dos pais e receia um desfecho gravoso no âmbito do presente processo.
1.115.- No Estabelecimento Prisional o arguido tem mantido um comportamento consentâneo com as regras institucionais. Encontra-se inativo.
1.116.- O conhecimento da comunidade sobre os factos de que o recluso vem acusado, gerou alguma consternação social. Apesar de serem conhecidas algumas dificuldades de entendimento entre o casal, nada fazia prever a possibilidade de tais acontecimentos.
1.117.- No Estabelecimento Prisional recebe visitas regulares dos pais e dos filhos que se mostram disponíveis para o apoiar futuramente. Apesar do arguido anteriormente ter mantido algumas dificuldades de entendimento com o filho RG, presentemente os conflitos estão ultrapassados e ambos mantêm um relacionamento afável.
(Do Certificado do Registo Criminal)
1.118.- O certificado do registo criminal do arguido não averba quaisquer registos.

2.– Com interesse para a decisão da causa, resultaram NÃO PROVADOS os seguintes factos:

2.1.- Durante todo o casamento o arguido JMG  sempre foi uma pessoa que exercia alguma pressão psicológica para com a ofendida e não aceitava as opiniões e a personalidade da ofendida.                                                                                                                                        (mas apenas o provado em 1.5)
2.2.- A ofendida sempre foi muito controlada pelo arguido, procurando este saber os movimentos diários e as pessoas com quem se encontrava e com quem falava.
2.3.- Desde 2012, quase diariamente, o arguido JMG  passou a dirigir-se à ofendida EG, apelidando-a de "puta, vaca,", proferindo as expressões "não és boa mãe, vai-te tratar" e "és uma merda".
(mas apenas o provado em 1.8)
2.4.- Nesse momento, o arguido disse para o filho RG que não era nada com ele e agarrou-o pelos braços, com bastante força.
2.5.- Decorrente desta agressão o filho RG ficou com algumas nódoas negras nos braços.
2.6.- Nessas ocasiões, o arguido JMG  reagia desferindo bofetadas no corpo da ofendida.
(mas apenas o provado em 1.14)     
2.7.- O arguido disse à mãe da ofendida, de nome LC e transmitiu-lhe se a ofendida se separasse dele, que arrancava os dentes da ofendida e que levava a ofendida de arrastos de R. até à casa da mãe.
(mas apenas o provado em 1.15)
2.8.- Nessa ocasião, o arguido tentou colocar fogo à habitação, usando o gás do fogão.
2.9.- Em datas não concretamente apuradas, no interior da habitação, o arguido agrediu a ofendida EG com chapadas, murros e agarrou com força os seus braços, causando-lhe dores nas zonas atingidas.
2.10.- Aí, o arguido agarrou o filho RG pelos braços e ficaram os dois aos empurrões.
2.11.- Ato contínuo, o arguido JMG  foi ao carro buscar um ferro e após ameaçou o filho RG que lhe batia com o referido objeto.
2.12.- O arguido arrastou a ofendida. 
(mas apenas o provado em 1.26)
2.13.- O arguido, munido de uma forquilha, arremessou-a na direção da ofendida.
(mas apenas o provado em 1.26)
2.14.- Desorientado, em voz alta e em tom intimidatório, o arguido ameaçou a ofendida EG, dizendo-lhe "eu penduro-te pelo pescoço no armazém, coloco-te uma corda ao pescoço e mato-te", "vê lá se te matas que poupas-me o trabalho", "só te deixo em paz quando tiveres quatro palmos de terra em cima de ti".
2.15.- O arguido começou a bater na ofendida EG, dando-lhe chapadas.
(mas apenas o provado em 1.28)
2.16.- Exaltado, o arguido disse a ML "a pessoa que tens aí a teu lado não é nenhuma santa, é santa do pau oco, ela conseguiu meter os meus filhos contra mim", "eu dou cabo deles todos”, dizendo que ia matar a ofendida e os pais dela também, "acabo com eles todos!", que "ia atrás da ofendida quando saísse do restaurante, que ia ter uma espera, que ia ser uma grande festa, que a ofendida andava com muitos homens" e ainda "que lhe arruinou a vida".
2.17.- Em dias não concretamente apurados, na presença da menor MG, em tom intimidatório e em voz alta, o arguido disse para a ofendida que a ia matar, proferindo a expressão "qualquer dia, arranco-te a cabeça fora".
2.18.- O arguido disse: “…pois eu vou limpar esta gente toda” (pretendendo dizer que ia matar a ofendida EG, o pai desta JC, a sua mãe LC e ainda o filho RG).                                                                                                      (mas apenas o provado em 1.53)
2.19.- O arguido disse: “não faço hoje, mas…” 
(mas apenas o provado em 1.54)
2.20.- No decurso de uma conversa telefónica, o arguido disse à ofendida: "É hoje que vou cometer uma loucura! Prefiro ver-te morta do que com outro! Vou-te matar! Só descanso quando estiveres com sete palmos de terra em cima!"
2.21.- A determinada altura, uma colega de trabalho ML Silva ainda o tentou demover para que se fosse embora e o arguido disse que "preferia ver a ofendida morta do que com outro e que ou era dele ou não era de mais ninguém, que a ia matar", "hoje tirei o dia para a matar", "ou com este carro ou com o outro eu passo-lhe por cima", tendo ML transmitido à ofendida.
2.22.- Aí, o arguido interpelou o filho RG questionando-o sobre o que a ofendida tinha tanto a falar no telemóvel.
2.23.- O filho RG disse para o arguido que este não tinha nada a ver com isso. Ato contínuo, o arguido respondeu "estás a esticar-te para quem?"
2.24.- De imediato, o arguido se dirigiu ao seu veículo automóvel e regressou para junto do filho, escondendo a mão atrás das costas, dizendo para o filho "anda agora valentão!!"
2.25.- Ato contínuo, o arguido empunhou uma faca de pequenas dimensões e apontou na direção do filho RG, dizendo "anda cá, que eu bem posso contigo". (pretendendo com esse gesto dizer que atingiria o ofendido na sua integridade física com a referida faca).
2.26.- Nessa altura, chegou o pai do arguido, JJG, o qual chamou o arguido à atenção, acabando este por abandonar o local, com receio que a ofendida tivesse chamado a GNR.
2.27.- Ao deixar o local, em tom intimidatório e em voz alta, o arguido disse que os ia matar a todos (referindo-se à ofendida, pais desta e ainda ao seu filho RG).
2.28.- Nesse mesmo dia, quando o filho RG se encontrava junto ao portão da residência sita na Rua F, na companhia dos seus avós maternos, o arguido passou de carro e gritou para o filho "vais sair daí e vou-te apanhar" (pretendendo dizer que o ia matar).
2.29.- O arguido e o filho envolveram-se em agressões, tendo o arguido atingido RG com vários socos, causando dores nas zonas atingidas.                                                                                              (mas apenas o provado em 1.65)
2.30.- A dada altura, o arguido introduziu-se no veículo automóvel e saiu do local, gritando: "Vou buscar uma coisa a casa para matar todos!"
2.31.- Passados uns minutos, a ofendida recebeu uma chamada telefónica de SS , irmã do arguido, a alertá-la que o arguido acabara de passar por si e que estava muito exaltado e que lhe comunicara que ia buscar uma espingarda e que "ia matá-los a todos" (pretendendo dizer que ia matar a ofendida, os sogros e o filho mais velho).
2.32.- Durante uma das conversas que o arguido manteve com a sogra LC, o arguido referiu que tinha três camiões a jeito... seja em que carro fosse…
(mas apenas o provado em 1.70)
2.33.- No dia 10 de novembro, logo de manhã, tentou contactar a ofendida e mandou-lhe mensagens a dizer que queria ir beber café com ela.
2.34.- Quando a ofendida negou, o arguido disse "se não queres vir beber café, se calhar é melhor beberes um frasco de veneno".
2.35.- No dia 14 de novembro de 2017, mais uma vez, o arguido fez constantes chamadas telefónicas para a ofendida e quando esta atendeu disse-lhe que queria que a ofendida fosse beber café com ele.
2.36.- A ofendida negou, dizendo-lhe que tinha medo dele e o arguido disse-lhe "medo do quê, ainda nem comecei", sentindo a ofendida que se tratava de uma ameaça.
2.37.- Após, durante a tarde, o arguido seguiu a ofendida no seu trajeto entre a M. até à habitação dos seus sogros.
2.38.- Os ofendidos JC e RG viram-se afetados no seu bem-estar psíquico, sujeitos que estiveram ao que atrás se descreveu, perturbados com o comportamento do arguido.
2.39.- O arguido, ao agir do modo descrito, agiu com pleno conhecimento de que as expressões que proferiu nas várias circunstâncias supra descritas eram meio adequado a produzir, como efetivamente produziram, nos ofendidos JC  e RG, seu sogro e filho, respetivamente, profundo receio, temor e inquietação pela sua integridade física e vida, sendo certo que, com a sua conduta, o arguido pretendia precisamente incutir-lhes medo e dar-lhes a entender que os atingiria no seu corpo, tirando-lhes a vida e que atingiria os seus familiares.
2.40.- Igualmente, o arguido quis provocar no ofendido JMG , seu filho, dores e mal-estar físico e psicológico, o que também sabia ser consequência da sua conduta, pois causou naquele dores físicas e mal-estar psicológico.
*

3.–Motivação da decisão de facto

(…)
*

4.–Enquadramento jurídico-penal dos factos

Começamos por referir que, não tendo resultado provada a factualidade imputada ao arguido concernente aos queixosos RG e JC , não se mostram preenchidos os respetivos ilícitos, pelo que o arguido deverá ser absolvido de um crime de ameaça, de um crime de ofensa à integridade física e de cinco crimes de ameaça agravada, quanto ao denunciante JMG , bem como de cinco crimes de ameaça agravada, quanto ao denunciante JC .

Também as situações de ameaça agravada imputados ao arguido tendo como ofendida a sua sogra LC , quanto à factualidade que logrou provar-se, apenas mostram relevância na frase que o mesmo proferiu em determinada ocasião quando perguntou à mesma porque razão ela e a filha não se matavam , pois era trabalho que lhe tiravam, já que as frase proferidas pelo arguido referindo-se à ofendida EG, ameaçando fazer mal a esta, mas dirigindo-se à ofendida LC não configuram ameaças a esta última.

Do Crime de Violência Doméstica

Preceitua o artigo 152.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código Penal que comete este crime:
 "1– Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a)- Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b)- A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c)- A progenitor de descendente comum em 1.º grau".
Por sua vez, o n.º 2 do sobredito normativo estabelece que "no caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos."

A criminalização deste tipo de comportamento foi enunciada pela primeira vez, de modo tímido, embora, no Anteprojeto do Código Penal de 1966 (art.ºs 166.º e 167.º), compreendendo os maus tratos a crianças e a sobrecarga de menores e subordinados considerando o Autor que tais artigos “correspondem à necessidade de punir com dignidade penal os casos mais chocantes de maus tratos a crianças e de sobrecarga de menores e subordinados”.
Na redação definitiva do Código Penal de 1982, o artigo 153.º, correspondendo, no essencial aos citados artigos do Anteprojeto, estendeu a proteção ao cônjuge, no seu n.º 3.
Tal neocriminalização, ao tempo, refere Américo Taipa de Carvalho[1] “foi o resultado da progressiva consciencialização da gravidade destes comportamentos e de que a família, a escola e a fábrica não mais podiam constituir feudos sagrados, onde o direito penal se tinha de abster de intervir”.
A reforma penal de 1995 introduziu algumas alterações, eliminando-se a referência à malvadez ou egoísmo, como motivos de conduta, e estendendo-se a proteção a pessoas idosas ou doentes, e prevendo-se, paralelamente aos maus tratos físicos, os maus tratos psíquicos, agravando-se, ainda, substancialmente, as penas.
Depois de se ter discutido se a manutenção da proteção ao cônjuge ainda corresponderia ao nosso quadro sociológico, foi decidida a manutenção dessa proteção, bem como a da pessoa que conviva com o agente em condições análogas à do cônjuge, com dependência de queixa, em vez da natureza pública anterior.
O n.º 2 do artigo 152.º sofreu alterações posteriores, através das Leis n.ºs 65/98, de 02-09, e 7/2000, de 02-05, no que concerne às questões de legitimidade de procedência, tendo a primeira destas Leis mantido a natureza semi-pública do crime, mas consagrando a possibilidade de o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impusesse e não houvesse oposição do ofendido antes de ser deduzida a acusação. A Lei 7/2000 restaurou a natureza pública do crime.
A lei 59/2007, de 04-09, veio dar uma nova redação ao artigo 152.º, explicitando que nele se incluem os comportamentos que constituam maus tratos físicos ou psíquicos, mesmo que não repetidos.

A este propósito, reproduzimos o Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15-10-2012[2]:
«I.– A revisão do CP de 2007 ultrapassou a querela de se saber se para o crime de violência doméstica (ou de «maus tratos», como era a epígrafe da anterior redação do artº 152º do CP) bastava a prática de um só ato, ou se era necessária a 'reiteração' de comportamentos.
II.–Atualmente, o segmento «de modo reiterado ou não» introduzido no corpo da norma do nº 1 do citado artº 152º do CP, é unívoco no sentido de que pode bastar só um comportamento para a condenação.
III.–A delimitação dos casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, deve fazer-se com recurso ao conceito de «maus tratos», sejam eles físicos ou psíquicos.
III.–Há «maus tratos» quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima.»

Depois desta breve resenha histórica, importa referir que esta proteção do cônjuge (ou equiparado) radica na dignidade humana da pessoa individual. Na verdade, o âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que, de forma reiterada ou não, afetem a dignidade pessoal do cônjuge, ou equiparado, abrangendo presentemente as relações de namoro.

As condutas típicas podem ser de várias espécies: maus tratos físicos (ofensas corporais) e maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, ameaças), podendo dizer-se que o bem jurídico protegido é a saúde, enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal do cônjuge (ou equiparado).

Por outro lado, atendendo às diversas condutas que integram o tipo objetivo e que são susceptíveis de constituir, em si mesmas e singularmente consideradas, outros crimes, como sejam, ofensa à integridade física, ameaça, injúria, difamação, mas que, antes, são valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento globalmente considerado que signifique maus tratos sobre o cônjuge. Ou seja, entre o crime de violência doméstica e os outros já referidos, estabelece-se uma relação de concurso aparente, aplicando-se a pena estabelecida no artigo 152.º e deixando de ter relevância jurídico-penal autónoma os crimes que o podem integrar.

Citamos, como ilustrativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-03-2015[3]: “I - O crime de Violência doméstica é um crime de perigo abstrato, que traduz uma tutela antecipada do bem jurídico protegido. Não é, pois, necessário, para que se verifique o crime em questão, que se tenham produzido efetivos danos na saúde psíquica ou emocional da vítima; basta que se pratiquem atos em abstrato sucetíveis de provocar tais danos. II - Pode enquadrar-se no crime de Violência doméstica a conduta que se reveste das notas caraterísticas do chamado stalking, isto é, uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento”.

Também pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08-01-2013[4] , que devem considerar-se maus tratos psíquicos os insultos, críticas e comentários destrutivos, achincalhantes ou vexatórios, a sujeição a situações de humilhação, as restrições arbitrárias à entrada e saída da habitação ou de partes da habitação comum, as perseguições, as esperas inopinadas e não consentidas, os telefonemas a desoras, etc.

Na verdade, se atendermos à factualidade que logrou provar-se constatamos a ocorrência de ofensas à integridade física (puxões, empurrões), de injúrias e difamações, de esperas, perseguições, perturbação da vida familiar e profissional da ofendida, com constantes telefonemas e mensagens, ou seja, um conjunto de atos e afirmações por parte do arguido que são claramente violadores da tranquilidade, segurança e bem-estar da ofendida, quer enquanto viveu com o arguido, quer e sobretudo após a separação e onde quer que se encontrasse (em sua casa, de familiares, no restaurante, com amigas, ou no trabalho, ou em espaços comerciais, ou na via pública). Todo esse comportamento teve reflexos na sua saúde psíquica e física e bem estar emocional, na sua atividade profissional, na sua relação com a família e amigos, como os factos revelam.

Se é verdade, por um lado, que nenhum dos atos, de per se, envolve uma gravidade intensa, por comparação a situações de violência doméstica de descomunal subjugação da vítima por parte do agressor, certo é, de outro modo, que o conjunto de todo o comportamento do arguido (a reiteração, o propósito, os reflexos na ausência de liberdade de atuação da ofendida, no seu constrangimento diário, na pressão psicológica, na intranquilidade), dá-lhe essa gravidade expressiva, sobretudo após ter ocorrido a separação do casal.
           
Em suma, atenta a gravidade que a globalidade de comportamento do arguido encerra, querendo fazê-lo e com conhecimento da ilicitude da sua conduta, não restam dúvidas quanto ao preenchimento do tipo legal do crime de violência doméstica – alínea a) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal.

Por outro lado, a conduta do arguido preenche ainda o n.º 2 do mencionado artigo 152.º, uma vez que o arguido praticou muitos dos factos no domicílio comum. Incorre, por isso, o arguido numa pena de 2 a 5 anos de prisão.

Do crime de introdução em lugar vedado ao público

O arguido encontra-se também acusado da prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, crime este que tem previsão legal no artigo 191.º do Código Penal:
Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou atividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias.

Por apelo à factualidade provada, constamos que o arguido, após ter sido advertido pela ofendida LC  de que não o autorizava a entrar na sua propriedade, delimitada no seu perímetro com muro e portão, saltou o referido muro, assim logrando aceder ao pátio. E fê-lo dolosa e conscientemente imediatamente após ter questionado a proprietária de tal espaço vedado ao público sobre quem é que o ia impedir, na sequência da recusa expressa da mesma em deixá-lo entrar.
Assim constata-se que resulta preenchido, à saciedade e sem necessidade de mais considerações, este ilícito penal.

Do crime de ameaça

Ao arguido foi ainda imputada a prática de um crime de ameaça, da previsão dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

Prescreve o artigo 153.º:
1.– Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

Por seu turno, o artigo 155.º, n.º 1, al. b) determina que quando os factos previstos nos artigos 153.º (…) forem realizados contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; (…) o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º.

Como sabiamente ilustra o Prof. Taipa de Carvalho[5], o bem protegido por esta norma é a liberdade de decisão e de ação, dado que as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afetam, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade.
Aliás, a primeira e mais genérica expressão da liberdade individual é a liberdade pessoal, assim chamada porque praticamente se confunde com a personalidade humana. A este propósito, ensina Nelson Hungria[6] “Compreende o interesse jurídico do indivíduo à imperturbada formação e actuação da sua vontade, à sua tranquila possibilidade de ir e vir, à livre disposição de si mesmo ou ao seu status libertatis, nos limites traçados pela lei. Trata-se, em suma, do direito à independência de injusto poder estranho sobre a nossa pessoa”.

Passando para a análise do tipo objetivo de ilícito, encontramos 3 características essenciais do conceito de ameaça:
- mal  (de natureza pessoal ou patrimonial)
- futuro  (é necessário que a execução do mal não esteja iminente, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa, para distinguir a ameaça (de violência) e violência, como por ex. “hei-de matar-te” e “vou matar-te já”); e
- cuja ocorrência dependa da vontade do agente (e não do acaso).
 
Trata-se de um crime (após a revisão de 1995 do C. Penal) de mera ação e de perigo, pois que se exige apenas que a ameaça seja suscetível (adequada) de afetar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, tenha chegado a provocar medo ou inquietação.

Quanto ao critério da adequação da ameaça, ele é objetivo-individual. Objetivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (homem comum); Individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada.

Em suma, a ameaça terá de revestir caráter sério, o que somente ocorre quando for de reconhecer que é de molde a inspirar na pessoa do sujeito passivo imediato o justificado receio de que venha a ser concretizada.

Neste particular, ainda que não se exija que o mal, considerado de per se, seja lícito ou ilícito, justo ou injusto[7], impõe-se que, nas circunstâncias concretas, consubstancie um mal idóneo a sobrepujar a vontade do ameaçado.

Atenta a factualidade, vemos que resultou provado que o arguido perguntou à ofendida LC  por que razão ela e a filha não se matavam, pois era trabalho que lhe tiravam. Ora tal frase encerra, indubitavelmente uma ameaça de que o arguido pretende tirar a vida a ambas, já que expressou que se as mesmas resolvessem acabar com as suas vidas já não teria ele esse trabalho.

Resultou igualmente provado que o arguido ao agir da forma descrita, atuou com o propósito, concretizado, de provocar medo e inquietação e de prejudicar a liberdade e determinação da ofendida LC, o que conseguiu.

Ora, tal conduta integra efetivamente o referido crime de ameaça agravada, na pessoa da ofendida LC.

O arguido – possuidor das qualidades pessoais que são necessárias para ser passível de um juízo de censura por não ter agido de outra maneira –, tendo a possibilidade de conhecer a ilicitude dos factos que praticava, decidiu livremente a sua atuação.

Não emergindo da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que o arguido, era e é plenamente imputável, não tendo agido no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever, e muito menos coagido por uma situação apta a desculpar a sua conduta, terá o mesmo de ser condenado pela prática dos supra referidos crimes de violência doméstica, de introdução em lugar vedado ao público e de ameaça agravada.

5.–Escolha e determinação da medida da pena

A primeira questão a resolver perante a alternativa proposta pelos preceitos punitivos dos crimes de introdução em lugar vedado ao público e de ameaça em causa é a da escolha da pena, regendo aqui os critérios do artigo 70.º do C.P. Em resumo, só poderá optar-se pela pena de prisão por um de dois fundamentos: razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência lato sensu; e/ou na base de que aquela opção é imposta por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico.

No caso em análise, e ponderando os factos na sua globalidade, afigura-se-nos que as exigências de prevenção geral e especial não são impeditivas de, quanto a estes crimes, se optar por pena não detentiva.

Com efeito, considerando que se trata da primeira condenação do arguido e ponderando todas as circunstâncias, entende-se que a opção pela pena de multa se mostra suficiente para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, a saber, proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º, do C.P.).

A determinação concreta da pena faz-se atendendo aos critérios globais vertidos no artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal. Deste preceito claramente se extrai que a determinação da medida da pena será feita em função das categorias da culpa e da prevenção, sendo nomeadamente as circunstâncias gerais enunciadas no n.º 2 daquele artigo, relevantes quer para a culpa quer para a prevenção.

Resta saber como se combinam estas duas categorias no processo de fixação da sanção penal.

Nesta operação, o Tribunal atende, em primeira linha, à culpa do agente, que constitui o fundamento e limite superior e inultrapassável da pena a aplicar, sob pena de, ultrapassando-o, se afrontar a dignidade humana do delinquente. Semelhante limitação resulta do princípio da culpa, que impregna o Código Penal, segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Por seu turno, o limite mínimo da moldura concreta há-de ser dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto.

Assim, esse limite inferior decorrerá de considerações ligadas às exigências de prevenção geral, não como prevenção negativa ou de intimidação, mas antes como prevenção positiva ou de integração, já que a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos com um significado prospetivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência da norma infringida.

Estão em causa a integração e o reforço da consciência jurídica comunitária, bem como o seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.

Finalmente, o Tribunal deve fixar a pena concreta a aplicar de acordo com as exigências de prevenção especial, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente[8].
*

Aplicando agora as regras sumariamente expostas ao caso que nos ocupa, salienta-se que:

- No que à ilicitude respeita, mostra-se esta com mediano grau de intensidade, atento o modo de atuação do arguido, reiterado, considerando os diversos episódios em concreto;

- A culpa molda-se no dolo direto que presidiu à sua atuação;
 
- As consequências do ilícito revestem mediana gravidade, atenta a dimensão das lesões no bem estar emocional e psíquico sofridas pelas ofendidas, sendo estas as mais relevantes, uma vez que as lesões físicas sofridas pela ofendida EG não assumiram especial relevo nem exigiram a necessidade de assistência médica;

- As exigências de prevenção geral apresentam-se muitíssimo expressivas, na medida em que este tipo de crime ocorre frequentemente;

- No que se refere às exigências de prevenção especial, salienta-se, em favor do arguido, apenas a ausência de antecedentes criminais.

Ponderadas todas as circunstâncias acima enunciadas, entendem-se como justas e equilibradas as seguintes penas:
- 3 anos de prisão, pelo cometimento do crime de violência doméstica (ofendida EG);
- 40 dias de multa, pelo cometimento do crime de introdução em lugar vedado ao público (ofendida LC );
- 120 dias de multa, pela prática do crime de ameaça agravada (ofendida LC ).

Em cúmulo jurídico destas penas de multa parcelares (entre o limite mínimo de 120 e o limite máximo de 160 dias), considerando a dilação temporal entre os crimes em causa e relação estreita entre todos eles, condena-se o arguido numa pena única de 140 dias de multa, cuja taxa diária se fixa em 7 euros, atentas as suas condições económicas vertidas nos autos.

Entende o Tribunal Coletivo que a pena de prisão ora aplicada não poderá deixar de ser efetiva, considerando a persistência e reiteração da conduta do arguido relativamente à ofendida, inclusivamente no decurso de todo o julgamento, mesmo após o Tribunal ter atenuado as medidas de coação, substituindo a prisão preventiva pelas medidas de coação a que já havia estado sujeito (e que havia violado reiteradamente), entre elas a de proibição de contactos e de aproximação da sua ex-mulher, dando oportunidade ao arguido de provar ao Tribunal que merecia o voto de confiança que lhe estava a ser dado, ensejo esse absolutamente gorado.

Na verdade, o comportamento do arguido, posterior ao crime (e que poderá inclusivamente levar à instauração de novo ou novos procedimentos criminais), como se extrai dos aditamentos aos Autos de Notícia de 01-06-2018 e de 06-06-2018 e dos relatórios de incidentes descritos pela equipa de vigilância eletrónica a fls. 387-387v.º, de 28-12-2017, a fls. 391-392, de 12-01-2018, a fls. 395-396, de 17-01-2018, a fls. 763-764, de 24-05-2018 e a fls. 784-784v.º, de 07-06-2018, é claramente revelador da inexistência de qualquer prognose favorável no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão em que ora vai condenado fossem suficientes para o afastar da prática de crimes.

Da pena acessória
 
Estabelece o n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal que “Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”, preceituando o n.º 5 que “A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”.

Na aplicação das penas acessórias terá de atender-se à concreta gravidade dos factos praticados, à proporcionalidade e aos critérios de necessidade de prevenção geral e especial, presente em qualquer construção de uma moldura penal.

A personalidade do arguido, refletida na sua conduta reiterada, bem como no comportamento anterior e posterior ao crime e das circunstâncias que o rodearam, justificam a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, o contacto presencial e telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação.

A falta de contacto presencial, no momento, entre o arguido e a ofendida, não significa que o arguido não possa tentar nova aproximação, sendo que isso também depende, seguramente, das precauções que esta queira tomar para o evitar.

Decorre da matéria de facto provada que, terminada a relação, o arguido continuou a atormentar a ofendida. As mensagens juntas aos autos – conforme se explicitou na fundamentação da matéria de facto - espelham a obsessão que o arguido manifesta pela vítima, que se revelou mesmo durante o período de tempo em que o arguido se encontrava a ser julgado.

Assim, a pena acessória de proibição de contactos com a vítima revela-se condição essencial à prevenção da prática de futuros crimes e para que esta se possa sentir em segurança onde quer que esteja. Impõe-se, ainda, evitar que o arguido volte a contactar a ofendida, como o fez, após esta ter terminado a relação, nomeadamente através de mensagens com o teor que se encontra transcrito e junto aos autos. Mostra-se, assim, imprescindível a aplicação da pena acessória para proteção da vítima e evitar os contactos do arguido com a mesma.

Em suma, atendendo às finalidades de prevenção especial, impõe-se aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contacto (presencial, telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação) com a vítima, por qualquer meio, pelo período de 4 (quatro) anos.

Realização exames ADN
Convocando o que foi exposto a propósito da determinação da medida da pena, as necessidades de prevenção geral e especial e as circunstâncias acima elencadas e ponderadas, nomeadamente tratar-se crime dotado de grande dimensão a nível do alarme social e o arguido não ter demonstrado qualquer censurabilidade sobre a conduta por si adotada e, nessa medida, verificam-se os pressupostos para que se proceda à recolha de amostras de ADN e subsequente conservação (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-10-2011, proferido no processo n.º 721/10.0HSNT.L1).

Assim, nos termos do artigo 8.º da Lei 5/2008, determina-se a recolha de amostra de ADN do arguido, após trânsito da presente decisão, e a respetiva inserção de perfis na correspondente base de dados, com observância do disposto no artigo 9.º do citado diploma.
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3.– É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões, afigura-se-nos que as questões a analisar dizem respeito:
- Impugnação da matéria de facto – discordando o recorrente da matéria de facto quanto ao crime de violência doméstica porquanto o Tribunal "a quo" desvalorizou duas questões que entende resultaram inequivocamente demonstradas na discussão da causa, e que necessáriamente deveriam ter levado a decisão diferente, são elas, a saber:
1– O contexto em que surgiram as desavenças do casal — rotura da vida conjugal e o contributo do cônjuge mulher na produção das mesmas;
2– O estado de saúde do arguido, a necessidade de tratamento médico adequado como alternativa a uma pena privativa da liberdade.
E discorda do julgamento da matéria de facto quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público, por entender que o arguido não invadiu qualquer propriedade privada.
- Qualificação jurídica dos factos – discorda o recorrente da decisão de direito quanto ao crime de violência doméstica, por entender não estarem verificados todos os elementos que integram este tipo de crime.
- Medida da pena – por considerar excessiva a medida aplicada porquanto o Tribunal não atendeu a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo, depuseram a favor do arguido, contrariamente ao que impõe o artigo 72° do C.Penal. 
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4.–Quanto à impugnação da matéria de facto 

Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (n.º 1 do artigo 410.º do mesmo diploma).

Em sede de recurso da matéria de facto, esta pode ser sindicada por duas vias: no âmbito mais restrito dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”, cujo conhecimento é oficioso; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, o objecto da apreciação é apenas o texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos externos para indagar da existência dos vícios, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, nem às provas nele produzidas (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339).

Uma vez demonstrada a existência dos vícios do art.º 410º, nº2 e a impossibilidade de se decidir a causa, o tribunal de recurso deve determinar o reenvio do processo para um novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo, ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, nos termos do art.º 426º, nº1 do CPP.

Já no caso da impugnação ampla, a apreciação vai para além da análise da sentença e estende-se à prova produzida em audiência e ao que da mesma se pode extrair, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º3 e 4 do artigo 412.º do C.P.Penal que impõe ao recorrente:
a)- a indicação dos pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que, em sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que entenda deverem ser renovadas, se for caso disso.
Tais especificações, no caso de ter havido gravação das provas, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do nº2 do art.º 364º, com a indicação concreta das passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, as quais são ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.º).

O recurso da matéria de facto assim formulado permite que os poderes de cognição do tribunal de recurso se estendam à matéria de facto, e que, sendo o recurso, nessa parte, procedente, venha a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1.ª instância (artigo 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal).

Feitas estas considerações sobre os termos em que este tribunal poderá reapreciar a matéria de facto, importa desde logo realçar que o que o recorrente pretende, é evidenciar a existência de erro na apreciação da prova, com base nas provas produzidas em julgamento que concretamente indica e no seu valor probatório.

Está assim em causa, apenas, a impugnação da matéria de facto, discordando o recorrente do julgamento da matéria de facto quanto ao crime de violência doméstica por entender que o Tribunal "a quo" desvalorizou duas questões que, do seu ponto de vista, resultaram inequivocamente demonstradas na discussão da causa, e que necessáriamente deveriam ter levado a decisão diferente, são elas, a saber:
1- O contexto em que surgiram as desavenças do casal - rotura da vida conjugal e o contributo do cônjuge mulher na produção das mesmas;
2- O estado de saúde do arguido, a necessidade de tratamento médico adequado como alternativa a uma pena privativa da liberdade.
Discordando ainda da matéria de facto quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público, porquanto dos depoimentos em que o tribunal assentou a matéria de facto dada como provada, resulta de forma cristalina que o arguido não invadiu qualquer propriedade privada.
 
Vejamos:
 
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP, o tribunal forma a sua convicção valorando os diferentes meios de prova sem obediência a critérios legais pré-fixados, mas de acordo com as regras da experiência. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – arts. 125º e 126º do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331).

A lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, quer a directa, quer a indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, devendo ser valorada, por si e em conjugação dos vários elementos de prova e sempre de acordo com as regras da experiência.

Com efeito, o art. 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova.
Todavia, como lembra o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111) “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.

Ora o princípio da livre apreciação da prova está intimamente relacionado com os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo a que todas as provas (excepto aquelas cuja natureza não o permite) sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo, diz respeito à proximidade que o julgador tem com os intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova, através de uma percepção directa.

Como salienta o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, p.233 e 234) “só os princípios da oralidade e imediação… permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”.

Os meios de que o Tribunal de primeira instância dispõe para a apreciação da prova são diferentes dos que o Tribunal de recurso possui, uma vez que a este estão vedados os princípios da oralidade e da imediação e é através destes que o julgador percepciona as reacções, os titubeios, as hesitações, os tempos de resposta, os olhares, a linguagem corporal, o tom de voz, tudo o que há-de constituir o acervo conviccional da fé e credibilidade que a testemunha há-de merecer.  
 
Isto significa que o Tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova quando, para a credibilidade do testemunho, foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, mas pode controlar a convicção do julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.

No caso em apreço, como vimos, o recorrente, nas conclusões do recurso, pretende impugnar a decisão de facto em conformidade com o que a lei lhe possibilita, alegando que os elementos fornecidos pelo processo, impõem claramente decisão diversa, no que concerne ao crime de violência doméstica e quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público.

Para tanto alega, no essencial, que o Tribunal a quo não valorou convenientemente a prova produzida, discordando do julgamento da matéria de facto quanto ao crime de violência doméstica por entender que o Tribunal "a quo" desvalorizou duas questões que resultaram inequivocamente demonstradas na discussão da causa, e que necessáriamente deveriam ter levado a decisão diferente, são elas, a saber:
1- O contexto em que surgiram as desavenças do casal — rotura da vida conjugal e o contributo do cônjuge mulher na produção das mesmas;
2– O estado de saúde do arguido, a necessidade de tratamento médico adequado como alternativa a uma pena privativa da liberdade.
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Porém, o tribunal a quo, ao contrário do que alega o recorrente, fundamentou devidamente a decisão sobre a matéria de facto, designadamente quanto ao núcleo essencial de factos tidos como integradores do crime pelo qual o recorrente foi condenado.

Na verdade, compulsados os autos e ouvida a gravação dos depoimentos prestados em audiência, é cristalina e convincente, por suficientemente fundada, a convicção do tribunal a quo quanto aos factos que teve por provados, cujas provas valorou livremente e de acordo com as regras da experiência comum, sendo todas válidas e não podendo qualquer delas ser excluída do rol das atendíveis.

Assim, e quanto aos factos dados como provados que o recorrente considera incorrectamente julgados:
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No que concerne ao ponto 1.5. Durante todo o casamento, o arguido e a ofendida tinham diferenças de pensamentos, entrando, por isso, muitas vezes em desacordo e em conflito.

Alega o recorrente que resulta do depoimento da ofendida (que o prestou no dia 18.04.18 entre as 15.12 horas até às 17.20 horas) que tal era resultado do facto de ambos terem uma personalidade muito forte - minuto 6.51 do seu depoimento, pretendendo que este aspecto devia ter sido consignado pelo tribunal tendo em conta a natureza do crime de violência doméstica, em acréscimo ao vertido neste ponto 1.5.

Este aspecto, porém, ao contrário do que alega o recorrente, não foi desconhecido do tribunal, referindo expressamente na motivação da matéria de facto, que a ofendida recordou que eram um casal em que ambos tinham uma personalidade forte, cujas opiniões chocavam, mas mesmo que surgisse alguma discussão, dez minutos depois estava tudo bem.

Mas, esquece o recorrente de dizer que, também como explicou a ofendida, pese embora seja uma pessoa impulsiva, afirmando que, durante vinte anos de casamento, nunca considerou que o arguido tivesse um perfil de marido capaz de a maltratar, mas depois mudou, assumindo essas características após a depoente ter saído de casa, perante a possibilidade de não a voltar a ter, alterando-se o relacionamento porque surgiu uma terceira pessoa e com essa relação extraconjugal por parte do arguido ele passou a ser uma pessoa distante e afastada de si,  constatando-se a persistência e reiteração da conduta do arguido relativamente à ofendida, de ofensas à integridade física (puxões, empurrões), de injúrias e difamações, de esperas, perseguições, perturbação da vida familiar e profissional da ofendida, com constantes telefonemas e mensagens, ou seja, um conjunto de atos e afirmações por parte do arguido claramente violadores da tranquilidade, segurança e bem-estar da ofendida,  sobretudo após a separação e onde quer que se encontrasse (em sua casa, de familiares, no restaurante, com amigas, ou no trabalho, ou em espaços comerciais, ou na via pública) e mesmo após o Tribunal ter atenuado as medidas de coação, substituindo a prisão preventiva pelas medidas de coação a que já havia estado sujeito (e que havia violado reiteradamente), entre elas a de proibição de contactos e de aproximação da sua ex-mulher.

E ainda a este propósito, deverá o recorrente levar em consideração que foi dado como não provado que: Durante todo o casamento o arguido JMG  sempre foi uma pessoa que exercia alguma pressão psicológica para com a ofendida e não aceitava as opiniões e a personalidade da ofendida.            
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Quanto ao facto 1.8. Desde 2012, quase diariamente, o arguido JMG  passou a dirigir-se à ofendida EG, apelidando-a de "inútil, vales zero, um zero à esquerda, doida", proferindo a expressão "não prestas para nada" entre outras do mesmo género, o que fez a ofendida sentir-se muito triste e humilhada."

Alega o recorrente que, ao minuto 16.47 do seu depoimento prestado em 18.04.18, perante a pergunta do Senhor Procurador sobre o que lhe dizia o arguido ao nível de injurias a ofendida respondeu:" eu chamava nomes à outra fulana e ele dizia isso és tu" , e acrescentou: - "palavras que surgiam no meio da discussão".

Para o recorrente, esta é uma situação em que o casal discute por causa de uma terceira pessoa, a ofendida chama nomes a essa pessoa, e na resposta, no calor da discussão, o arguido responde: isso és tu, mas, coisa muito diferente é alguém que diariamente humilha outrém com palavras, dirigindo-se a ela com essa propósito, como foi dado como provado, ao arrepio do que foi dito pela própria ofendida. Logo, para o recorrente, este facto deve ser eliminado dos factos provados.

Esta argumentação não encontra qualquer suporte na conjugação e ponderação de todos os elementos probatórios, porque refere extratos aleatórios e desenquadrados de todo o raciocínio lógico e do discurso integral da testemunha, (escolhidas a bel-prazer do recorrente) de onde não se pode extrair a conclusão pretendida.

Com efeito a ofendida explicou que o relacionamento se alterou porque surgiu uma terceira pessoa e com essa relação extraconjugal por parte do arguido ele passou a ser uma pessoa distante e afastada de si, acrescentando que, quando o confrontou com essa desconfiança, o arguido passou a dizer que ela não valia nada, que estava louca, que o emprego dela não tinha valor nenhum, que, se não fosse ele, ela não era ninguém, chegando mesmo a humilhá-la na presença da outra mulher. Recordou, ainda, o episódio em que, após ter descoberto a traição do marido, foi confrontá-los numa rua perto da empresa LS e, nessa ocasião, o arguido agarrou-a pelos braços e empurrou-a como se fosse um boneco, mesmo na presença da amante e do marido dela, que, na altura, trabalhava na empresa do arguido e da depoente.

Por seu lado, a testemunha LC , mãe da ofendida EG e ex-sogra do arguido, pessoa que conhece há cerca de trinta anos, relatou as várias situações a que assistiu, tendo referido que o arguido telefonava muitas vezes durante o dia e também à noite, tendo certa vez, por volta da meia-noite telefonado à depoente dizendo: “onde é que está a puta, a vaca da sua filha?”, acrescentando que no dia seguinte ia ter uma surpresa ao abrir a porta e ver a filha aos bocados, que se não era dele, não era de mais ninguém – facto provado 1.69. “ O arguido efetuou inúmeras chamadas para a sogra LC, de forma anónima, de dia ou de noite, questionando-a pelo paradeiro da ofendida com os termos "onde anda aquela puta?, A vaca da sua filha?" e 1.70.  Durante uma das conversas que o arguido manteve com a sogra LC, o arguido referiu que iria matar a ofendida e que se esta não for dele, não é de mais ninguém. Em outra ocasião, disse a LC : "Porque razão você e a sua filha não se matam?; Era trabalho que me tiravam.".

De referir, por último, o que a ofendida referiu quanto aos acontecimentos no dia 06-08-2017, na presença da filha de ambos, MG, no cinema em Torres Vedras, em que o arguido, na presença da menor, começou a discutir com a ofendida por esta ter ido para Torres Vedras e aos gritos apelidou-a de "mentirosa" e "impostora" e ordenou-lhe para ir de imediato para casa. Enquanto isso, agarrou num canivete e empunhando-o na direção da ofendida, intimidando-a, disse: "estás a ver, se quisesse cortava-te os pneus!" Receando ser atingida na sua integridade física, a ofendida obedeceu – facto provado 1.42.       
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Quanto aos factos 1.9. Em dia não concretamente apurado de fevereiro de 2013, no interior da habitação comum, a ofendida EG visualizou várias chamadas e mensagens no telemóvel do arguido e confrontou-o com essas provas da traição; 1.10. O arguido disse que era mentira e começou a empurrar a ofendida EG; 1.11. Ao se aperceber da situação, o filho do casal, RG, colocou-se no meio dos pais; 1.12. Ato contínuo, o arguido deslocou-se para a cozinha da habitação e agarrou numa faca de cozinha. Em seguida, apontou-a para a ofendida EG. Novamente o filho RG conseguiu demovê-lo de continuar com a atitude. "

Refere o recorrente que o relatado pela testemunha EG, única que depos sobre os factos, é substancialmente diferente dos factos dados como provados, pois desde logo relata que estava com o marido na cozinha, confrontou-o com a infidelidade. E este pegou numa faca para a intimidar, não se tendo chegado à testemunha com a faca — minuto 25.29 do seu depoimento prestado na data supra indicada, nem acreditando a testemunha que fosse capaz de a magoar com esse objecto — minuto 25.12 da mesma data.

Assim, conclui o recorrente, não se entender como pode o tribunal concluir que foi o filho que conseguiu demover o arguido de continuar com a atitude quando a própria ofendida reconhece que o arguido não a pretendia magoar e que tudo se desenrolou no calor de uma discussão iniciada pela própria, quando ambos se encontravam na cozinha e não, contrariamente ao que foi dado como provado, que se tivesse dirigido à cozinha para ir buscar a faca.

Não se percebe o alcance da pretensão do recorrente neste concreto ponto da matéria de facto provada pois, o que não há dúvida, é que, confrontado com a situação de traição, e durante uma discussão, o recorrente tirou uma faca da gaveta da cozinha e empunhou-a na direção da ofendida, tendo o filho de ambos intervindo, metendo-se à frente. E esta, convenhamos, não será uma conduta normal, curial ou muito menos amistosa de reagir a uma discussão familiar.

Esta conduta, independentemente da ofendida acreditar, que o arguido fosse capaz de a magoar com a faca, constitui uma das condutas típicas do crime de violência doméstica, que podem ser de várias espécies: maus tratos físicos (ofensas corporais) e maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, ameaças), podendo dizer-se que o bem jurídico protegido é a saúde, enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal do cônjuge (ou equiparado).

Por outro lado, e como bem salienta a decisão recorrida, atendendo às diversas condutas que integram o tipo objetivo e que são susceptíveis de constituir, em si mesmas e singularmente consideradas, outros crimes, como sejam, ofensa à integridade física, ameaça, injúria, difamação, mas que, antes, são valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento globalmente considerado que signifique maus tratos sobre o cônjuge. Ou seja, entre o crime de violência doméstica e os outros já referidos, estabelece-se uma relação de concurso aparente, aplicando-se a pena estabelecida no artigo 152.º e deixando de ter relevância jurídico-penal autónoma os crimes que o podem integrar.

Citando o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-03-2015 : “I - O crime de Violência doméstica é um crime de perigo abstrato, que traduz uma tutela antecipada do bem jurídico protegido. Não é, pois, necessário, para que se verifique o crime em questão, que se tenham produzido efetivos danos na saúde psíquica ou emocional da vítima; basta que se pratiquem atos em abstrato sucetíveis de provocar tais danos.
 
Mas, no caso concreto, este é apenas um dos atos que, embora sem envolver uma gravidade intensa,  preenche, como referimos, o tipo legal do crime de violência doméstica pois, na verdade, se atendermos à factualidade provada, constatamos a ocorrência de ofensas à integridade física (puxões, empurrões), de injúrias e difamações, de esperas, perseguições, perturbação da vida familiar e profissional da ofendida, com constantes telefonemas e mensagens, ou seja, um conjunto de atos e afirmações por parte do arguido que são claramente violadores da tranquilidade, segurança e bem-estar da ofendida, quer enquanto viveu com o arguido, quer e sobretudo após a separação e onde quer que se encontrasse (em sua casa, de familiares, no restaurante, com amigas, ou no trabalho, ou em espaços comerciais, ou na via pública). Todo esse comportamento teve reflexos na sua saúde psíquica e física e bem estar emocional, na sua atividade profissional, na sua relação com a família e amigos, como os factos revelam.
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Quanto ao facto 1.24. Em data não concretamente apurada, na localidade Carregado, junto à empresa LS, o arguido obrigou a ofendida EG a sair do veículo automóvel, agarrando-a pelos braços, retirando-a à força, deixando-a no local sem a sua carteira e sem o seu telemóvel. "

Relativamente a este ponto, alega o recorrente que, o que foi  dito pela ofendida é que a própria se deslocou ao estaleiro da empresa LS para confrontar o arguido com a traição, o que fez na frente dos empregados, como o mesmo não lhe deu resposta, retirou um ferro do seu carro e começou a bater com o mesmo nos camions, de seguida o arguido retirou-a do carro e foi-se embora com o mesmo - minuto 49.22 do seu depoimento prestado na data que se vem indicando. Antes disso a testemunha disse ao tribunal que foi a própria que não deixou afastar o arguido como o mesmo pretendia fazer — minuto 45.54 do seu depoimento, ainda na mesma data. A irmã do arguido foi buscá-la. Coisa completamente diferente do facto dado como provado, donde parece concluir-se que sem motivo aparente, o arguido agrediu a ofendida e a deixou sem carro no local. Conclui, assim, que a resposta a este facto deveria descrever toda a motivação anterior, o que não acontece.
Tal divergência de opinião, porém, não constitui fundamento legal de reexame da matéria de facto, sendo certo que a ofendida recordou o episódio em que, após ter descoberto a traição do marido, foi confrontá-los numa rua perto da empresa LS e, nessa ocasião, o arguido agarrou-a pelos braços e empurrou-a como se fosse um boneco, mesmo na presença da amante e do marido dela, que, na altura, trabalhava na empresa do arguido e da depoente. Ou seja, o arguido não se limitou a retirá-la do carro e a ir-se embora com o mesmo.

Como referiu a ofendida,  ainda na altura de grande instabilidade por causa da traição do arguido, certo dia, foi ter com ele, no seu carro, à empresa LS e ele mandou-a embora, voltando-lhe as costas, à frente do empregado, desprezando-a, pelo que a depoente foi buscar um ferro que tinha dentro do carro e bateu com ele num camião. Após, como o arguido se aproximou e lhe tirou o ferro da mão, a depoente meteu-se rapidamente no carro, mas o arguido puxou-a para fora, pelos braços, e deixou-a apeada no local, levando dali o seu carro com os seus pertences (mala e telemóvel).

Assim, nada há alterar quanto a esta matéria de facto provada.
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Quanto ao facto 1.30. “Cansada do comportamento do arguido, no dia 20 de julho de 2017, a ofendida deixou a habitação do casal com os dois filhos e passou a residir com os seus pais na habitação, sita em Rua F., área da comarca de Lisboa Norte-Torres Vedras."

Para o recorrente, a ofendida saiu de casa e foi viver para casa dos pais, os filhos posteriormente juntaram-se a esta, sendo que a filha durante a semana ficava com o pai, sendo isto que resulta do depoimento da ofendida prestado ao minuto 10 do dia 03.05.18 ( em que depôs entre as 14.48h e I5.42h ) e não o que foi dado como provado.

Quanto a esta matéria, o que releva para os autos, é que de facto, a ofendida saiu da sua casa, no dia 20 de julho de 2017, aproveitando uma altura em que a filha estava com os avós na praia, por perturbação psicológica e instabilidade emocional, causados pela conduta do arguido, nomeadamente, na sequência do ocorrido no estaleiro da empresa LS, em que o arguido a agarrou pelos braços e empurrou-a como se fosse um boneco, deixou-a apeada no local, levando dali o seu carro com os seus pertences (mala e telemóvel) e o ocorrido à porta de casa, em que o arguido puxou a ofendida para fora do carro até à porta de casa, embora não a arrastando pelo chão, e como continuassem a discutir, ele foi à garagem, trouxe uma forquilha e espetou-a na parede do vizinho; entretanto, a depoente atirava coisas que tinha à mão na direção do arguido, que a agarrou, dando-lhe voltas, sacudindo-a, acabando por deitá-la ao chão, fazendo gestos como se fosse dar-lhe pontapés, enquanto a própria esperneava, até que apareceu o pai do arguido e tudo acabou; como consequência, a depoente ficou com hematomas nos braços – factos provados 1.24; 1.25; 1.26; 1.27; 1.28; 1.29; 1.30.

Por outro lado, do Relatório Social elaborado pela DGRSP, provou-se ainda que:” Devido ao agravamento dos conflitos entre o casal e ao receio por parte da vítima de um desfecho mais grave, esta abandonou a residência de família em finais de julho de 2017, levando consigo os dois filhos e passou a viver em casa dos seus pais” – ponto  1.106; e “Em data precedente à prisão preventiva, o arguido encontrava-se a viver sozinho na casa de morada de família e estava sujeito a medida de coação de proibição de contactos e afastamento com uso de meios técnicos de controlo à distância. Tinha ainda obrigatoriedade de sujeitar-se a tratamento de dependência ao álcool” - ponto1.107.
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Quanto aos factos 1.31. No dia 28 de julho de 2017, quando a ofendida se encontrava a jantar no restaurante denominado "Tasca …",, com várias amigas colegas de trabalho, recebeu no seu telemóvel com o número 9...5 várias chamadas provenientes do arguido; 1.32. Apesar da ofendida não atender, o arguido continuou a ligar para o telemóvel da ofendida insistentemente; 1.33. Sem que nada o fizesse prever, o arguido JMG  entrou de rompante no interior do restaurante e dirigiu-se à mesa onde a ofendida se encontrava sentada; 1.34. De uma forma agressiva, embriagado, o arguido JMG  embateu com força com a mão em cima da mesa dizendo que queria a chave de uma carrinha, veículo que está registado em nome da sociedade comercial. "

Quanto aos factos indicados, refere o recorrente que as testemunhas que presenciaram o facto relataram ao tribunal que o arguido não foi mal educado — PCG— minuto 5.17 do seu depoimento prestado no dia 17.05.18 entre as 14.41 horas e as 14.46 horas, e a testemunha ML — depoimento prestado no dia 24.05.18 entre as 10.09 horas e 10.17 horas e disse ao tribunal que o arguido não gritou, chegou lá pediu a chave e foi-se embora - minuto 2.58 do seu depoimento. Assim, para o recorrente, estes depoimentos são totalmente incompatíveis com os factos dados como assentes de que o arguido embateu com força com a mão em cima da mesa, dizendo que queria a chave de uma carrinha; donde deve a resposta ser alterada em conformidade.

Mais uma vez, limita-se o recorrente a referir generalidades e circunstâncias genéricas, bem como extratos aleatórios escolhidas de acordo com a dinâmica que lhe é mais favorável, não tendo em conta toda a prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente o depoimento da ofendida, que recordou com pormenor, a situação ocorrida no dia 28-07-2017, aquando de um jantar com amigas e colegas de trabalho, no restaurante “Tasca ”, apenas não confirmando o que o arguido disse ao telefone à sua colega ML, por não ter ouvido, bem como as declarações da testemunha JGS, militar da GNR que, na data que mencionou no respetivo Auto, se deslocou ao restaurante “Tasca …” por ter recebido uma chamada do atendimento reportando uma situação de distúrbios entre um casal.

Quanto ao depoimento da testemunha ML, assistente operacional, colega da ofendida EG, como salienta a decisão recorrida, convém sublinhar que recordou de forma difusa algumas situações (a do restaurante e o facto de o arguido rondar a escola com o carro e insistir em falar com a EG sem ela querer, escondendo-se dentro da sala) em virtude de ter ficado com stress pós-traumático devido a uma explosão em sua casa.
Também, nesta parte, não assiste razão ao recorrente.
*

Quanto ao facto 1.51. Em voz alta, questionou a sua sogra sobre quem o ia impedir, e de imediato, sem autorização da legítima proprietária e contra a sua vontade, saltou o muro, logrando aceder ao pátio. "

Alega o recorrente que resulta do depoimento da ofendida — minuto 1.29 do dia 18.04 e de sua mãe prestado no dia 17.05.18 entre as 11.13 horas e as 11.59 horas — minutos 19.15 e 21.07 que o arguido nunca entrou na propriedade nem saltou o muro; outrossim terá puxado o filho para a via pública o qual saltou o muro.

Por conseguinte o ponto 1.51 deveria ter sido dado como não provado.

Aliás, à pergunta do Tribunal : O Sr. JG não entrou? - minuto 21.07 a resposta da testemunha LA foi a seguinte: Não. Mais disse a mesma que foi esta que abriu o portão e veio à rua bater no arguido- minuto 22 do seu depoimento prestado na data indicada.

Uma vez mais, o recorrente escolhe extratos aleatórios e desenquadrados de todo o raciocínio lógico e do discurso integral da testemunha, porquanto, ao contrário do que alega, a testemunha LC , mãe da ofendida EG referiu que em fins de agosto princípios de Setembro de 2017 o arguido entrou no seu quintal sem a sua autorização e explicou, em pormenor, que se encontrava no terraço quando o arguido chegou dizendo “eu quero falar com a EG”, tendo a depoente dito de imediato ao arguido “tu não entras”, ao que o mesmo perguntou quem era ela para o proibir, que entravas as vezes que quisesse, e entrou, saltando o muro e dizendo para a filha MG que devia ter ficado na casa da avó como o arguido lhe tinha dito; Acrescentou que a sua filha EG se manteve fechada dentro da casa – por isso se deram como provados os factos constantes nos pontos 1.49. “Em data não concretamente apurada, no mês de setembro de 2017, o arguido dirigiu-se à habitação sita em Rua F., onde a ofendida EG reside, devidamente delimitada em todo o seu perímetro com muro e portão”; 1.50 “Aí, o arguido encontrou LC , mãe da ofendida e sua sogra, a qual disse ao arguido para não entrar na sua propriedade”; 1.51. “Em voz alta, questionou a sua sogra sobre quem o ia impedir, e de imediato, sem autorização da legítima proprietária e contra a sua vontade, saltou o muro, logrando aceder ao pátio”;1.52.“Nessa altura, o arguido dirigiu-se à residência e bateu com violência nos vidros da marquise, onde LC  e MG se refugiaram. Nesse momento, receando que o arguido fizesse mal aos seus familiares, a filha MG gritou em pânico "pai, por favor não faças isso!"; 1.53. “O arguido disse para a filha MG "tu não eras para estar aqui, bem te disse que era para ficares na casa da tua avó” e 1.54.“Após muita insistência da filha para o arguido se ir embora, este acabou por abandonar o local. Antes disso, em voz alta e em tom intimidatório, disse: “ hei de voltar”.

Constata-se assim, ao contrário do que pretende o recorrente, que com esta conduta, cometeu o arguido o crime de introdução em lugar vedado ao público previsto e punido no artigo 191.º do Código Penal.

Com efeito, o arguido, após ter sido advertido pela ofendida LC  de que não o autorizava a entrar na sua propriedade, delimitada no seu perímetro com muro e portão, saltou o referido muro, assim logrando aceder ao pátio. e fê-lo dolosa e conscientemente imediatamente após ter questionado a proprietária de tal espaço vedado ao público sobre quem é que o ia impedir, na sequência da recusa expressa da mesma em deixá-lo entrar.
*

Alega ainda o recorrente ter resultado provado da discussão da causa, e com interesse para a descoberta da verdade material dos factos, alguns aspectos que o Tribunal desconsiderou, e que deveriam ter relevância própria e ter sido dados conto provados, nomeadamente:

a)- O arguido sempre foi um bom chefe de família, trabalhador, lutador. Resposta da ofendida: minuto 1.57 do seu depoimento do dia 18.04.18.
Resposta da sogra LC — minuto 7.8 do seu depoimento prestado no dia 17.05.18 entre as 11.13 horas e as 11.59 horas.
Resposta das testemunhas de defesa:
PG - depoimento prestado no dia 21.06.18 entre as 10.47 horas e as 11.01 horas, minuto 1.52.
AM — depoimento prestado no dia 21.06.18 entre as 11.10 horas e as 11.20 horas, minuto 2.26.
MC - depoimento prestado no dia 21.06.18 entre as 11.20 horas e as 11.56 horas, minuto 2.51.

Porém, de uma leitura atenta do acórdão proferido, constata-se que tal facto foi dado como provado:
1.110.- Durante o período de vigência do casamento, o sustento do agregado familiar era assegurado por ambos os cônjuges. O arguido assumia a gestão das empresas e fazia também alguns serviços com os camiões, auferindo um vencimento mensal de cerca de 1000€. EG (vítima) trabalha como assistente operacional e aufere o equivalente ao salário mínimo nacional. A estes valores acresciam os lucros das empresas de que ambos eram proprietários. Presentemente, as empresas continuam a laboral, sendo a gestão das mesmas assegurada pelo filho do arguido e pela ex-mulher.
e
1.111.- Socialmente o arguido é referenciado como uma pessoa trabalhadora e com uma inserção social adequada. No entanto, apesar de JMG  não assumir consumos abusivos de bebidas alcoólicas, a família e elementos da comunidade identificam essa vulnerabilidade, que ocorria, geralmente em contexto de convívio social. Contudo, também foi referido que esses consumos se circunscreveram aos últimos 4 anos de vivência conjunta, quando o relacionamento marital se apresentava disfuncional e o arguido evidenciava uma postura de instabilidade emocional.
*

b)- O casamento correu sempre bem durante 20 anos, o comportamento do arguido só se alterou em virtude de uma relação extraconjugal, e a alteração foi no sentido do afastamento do casal.
- minuto 9.10 do depoimento da ofendida prestado no dia 18.05.18.
minuto 7.6 do depoimento da sogra LC prestado na data e hora já indicada.

Também, quanto a esta matéria, o acórdão recorrido deu como provado que:
1.109.- O arguido reconhece um desgaste gradual na relação marital que terá sido originado pelo tempo excessivo que dedicava ao trabalho em detrimento do relacionamento familiar. A alegada infidelidade conjugal é apontada como o principal fator para que EG (vítima) pretendesse o divórcio, o que não terá sido bem aceite pelo arguido.
1.113.- O arguido reconhece que teve dificuldades em aceitar a separação, bem como de se desvincular afetivamente da ex-mulher. No entanto, segundo refere, essas dificuldades foram ultrapassadas, o divórcio está consumado desde o passado dia 09/04/2018 e, presentemente, mostra-se consciente da necessidade de ambos seguirem vidas autónomas.
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c)- Era sempre o cônjuge mulher que iniciava as discussões;
- minuto 28.34 do depoimento da ofendida prestado em 18.04.2018, o arguido só reagia nas situações de confronto.

Daqui, retira o recorrente que se afigura essencial dar este facto como provado porquanto resultou sem dúvida da discussão da causa, e ajuda a perceber as circunstâncias concretas em que os factos ocorreram.

Quanto a esta matéria, uma vez mais o recorrente retira extratos desenquadrados do discurso integral da testemunha.

É verdade, como foi já referido, que a ofendida recordou que eram um casal em que ambos tinham uma personalidade forte, cujas opiniões chocavam, mas mesmo que surgisse alguma discussão, dez minutos depois estava tudo bem e explicou também, que o relacionamento se alterou porque surgiu uma terceira pessoa e com essa relação extraconjugal por parte do arguido ele passou a ser uma pessoa distante e afastada de si Acrescentou que, quando o confrontou com essa desconfiança, o arguido passou a dizer que ela não valia nada, que estava louca, que o emprego dela não tinha valor nenhum, que, se não fosse ele, ela não era ninguém, chegando mesmo a humilhá-la na presença da outra mulher.
 
Porém, grande parte do comportamento do arguido não teve como causa qualquer discussão a propósito da relação extraconjugal, sendo certo que, o comportamento do arguido para com a ofendida se alterou profundamente, reagindo agressivamente e de uma forma completamente obsessiva relativamente à ofendida, quando se apercebeu que esta, não conseguindo ultrapassar a humilhação e mágoa que tal situação da relação extraconjugal lhe trazia, resolveu separar-se definitivamente de si, requerendo o divórcio, ocorrendo então os factos descritos na acusação relativos às expressões injuriosas e ameaçadoras proferidas pelo arguido, aos puxões e empurrões desferidos contra a mesma, às diversas situações de esperas, perseguições de carro, de constantes telefonemas e mensagens,  ou seja, um conjunto de atos e afirmações por parte do arguido, claramente violadores da tranquilidade, segurança e bem-estar da ofendida, quer enquanto viveu com o arguido, quer e sobretudo após a separação e onde quer que se encontrasse (em sua casa, de familiares, no restaurante, com amigas, ou no trabalho, ou em espaços comerciais, ou na via pública), sendo certo que o conjunto de todo o comportamento do arguido (a reiteração, o propósito, os reflexos na ausência de liberdade de atuação da ofendida, no seu constrangimento diário, na pressão psicológica, na intranquilidade), traduz uma gravidade expressiva, sobretudo após ter ocorrido a separação do casal, e por isso sem causa em qualquer discussão anterior.

Aliás, já depois da separação e, apesar de sujeito às medidas de coação de proibição de contactos com a ofendida e de se aproximar da mesma, aplicadas em sede de Interrogatório Judicial de arguido detido, o arguido continuou a remeter mensagens à ofendida e a fazer telefonemas para a ofendida, pressionando-a, importunando-a, entre o dia 19-11-2017 e o dia 15-01-2018 (ponto 1.81- dos factos provados).

E, mais se provou que:
1.82.- Durante o dia 21 de novembro de 2017, o arguido ligou para o telemóvel da ofendida 28 vezes.
1.83.- No dia 22 de novembro de 2017, o arguido ligou para a ofendida 37 vezes e mandou-lhe 10 mensagens.
1.84.- No dia 23 de novembro de 2017, o arguido ligou para a ofendida 17 vezes e mandou-lhe 5 mensagens.
1.85.- No dia 24 de novembro de 2017, o arguido enviou 6 mensagens à ofendida.
1.86.No dia 27 de novembro de 2017, o arguido ligou para a ofendida 3 vezes e mandou-lhe 1 mensagem.
1.87.- O arguido, no seu veículo automóvel, perseguiu e vigiou os movimentos diários da ofendida, chegando a abordá-la pessoalmente em vários locais, importunando-a, consciente de que estava a violar as medidas de coação impostas nos presentes autos, aproveitando-se das falhas e contornando o sistema de vigilância eletrónica, fazendo-o entre o dia 24-12-2017 e o dia 15-01-2018, persistindo com a sua conduta violando as várias orientações e alertas que lhe foram dadas pelos técnicos da DGRSP.
1.88.- No dia 24 de dezembro de 2017, pelas 17 horas, quando circulava em R. , o arguido cruzou-se com o veículo automóvel em que seguia a ofendida. De imediato, o arguido realizou manobra de inversão de marcha e passou a seguir a ofendida. Receando pela sua segurança, ao chegar ao centro de A. a ofendida solicitou ajuda a uma patrulha da Guarda Nacional Republicana.
1.89.- No dia 15 de janeiro de 2018, pelas 14h30, ao passar junto do parque de estacionamento do "Intermarché", na localidade de M., o arguido avistou o veículo da ofendida.
1.90.  Aí, o arguido abordou a ofendida, dizendo-lhe que se pretendia reconciliar com a mesma e que tinha muitas saudades, tendo a ofendida respondido que não pretendia reatar a relação.
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d)-   A dada altura a ofendida, os filhos e a família aperceberam-se então que o arguido não estava bem psicologicamente.
Depoimento da ofendida- minutos 2.00 c 6.23 do depoimento prestado em 03.05.18.
Depoimento dos filhos do arguido - MG e RG  - prestados no dia 17.05.18 entre as 11.59 horas e 12.03 horas e 12.03 horas e 12.08 horas, respectivamente.
Atestados médicos juntos aos autos em 21.05.18 e 20.06.18.
Depoimento da sogra LC — minuto 32.24 do seu depoimento prestada na data e hora supra indicada.

O acórdão recorrido, ao contrário do que alega o recorrente, quanto a esta matéria considerou provado que:
1.109. O arguido reconhece um desgaste gradual na relação marital que terá sido originado pelo tempo excessivo que dedicava ao trabalho em detrimento do relacionamento familiar. A alegada infidelidade conjugal é apontada como o principal fator para que EG (vítima) pretendesse o divórcio, o que não terá sido bem aceite pelo arguido.
1.113.O arguido reconhece que teve dificuldades em aceitar a separação, bem como de se desvincular afetivamente da ex-mulher. No entanto, segundo refere, essas dificuldades foram ultrapassadas, o divórcio está consumado desde o passado dia 09/04/2018 e, presentemente, mostra-se consciente da necessidade de ambos seguirem vidas autónomas.
1.114.- JMG  parece reconhecer o desvalor e a gravidade dos crimes pelos quais está acusado, embora aparente um certo distanciamento emocional. Refere constrangimentos pessoais por se encontrar privado do afeto dos filhos e dos pais e receia um desfecho gravoso no âmbito do presente processo.
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e)A ofendida chamava nomes ao arguido tais como "burgesso" e "três dentinhos", na frente dos empregados.
Tal facto resulta do depoimento das testemunhas PG, ouvida na data já indicada ao minuto 4.32 do seu depoimento, e do depoimento da testemunha AM ouvida na data indicada ao minuto 3.22 do seu depoimento.
Porém, a decisão recorrida não deu credibilidade a tais depoimentos, fundamentando a sua convicção:
«As testemunhas de defesa do arguido JG, seu irmão, PG e AM, amigos e empregados do arguido, e MC, amiga do arguido desde criança, produziram depoimentos parciais, denotando evidente animosidade para com a ofendida, salientando-se, porém, a reveladora expressão usada pela testemunha AM (após ter-se referido às discussões entre o casal): “ela, a dada altura, quis separar-se e ele não quis; nunca quis; ele não aceitava de maneira nenhuma”».
*

Face à factualidade apurada dúvidas inexistem que a actuação do arguido preenche os elementos objectivo e subjectivo do crime de violência doméstica, p. e p. nos números 1, alínea, b), e nº 2, ambos do art. 152° do Código Penal, porquanto, dos elementos coligidos face aos factos dados como provados, dos mesmos pode-se aferir da intensidade da ofensa corporal, do medo sentido, das ameaças e perseguições sofridas pela ofendida, o que nos leva a concluir que se considera violado o bem jurídico protegido pela norma em causa, e, por outro, provaram-se as consequências, directas ou indirectas, da conduta do denunciado, resultando demonstradas as lesões corporais e os danos psíquicos, deveras relevantes para a ofendida, bem como que aquele comportamento se repercutiu, de forma acentuada na saúde física, psíquica, emocional e moral, da ofendida, de forma a abalar a sua auto-estima, inferiorizando-a ou atemorizando-a e  coarctando a sua capacidade de determinação e de acção (vejam-se os depoimentos prestados e que constam dos autos), o que permitiria imputar ao denunciado o de violência doméstica.

Do mesmo modo, a actuação do arguido preenche os elementos objectivo e subjectivo do crime de introdução em lugar vedado ao público previsto e punido no artigo 191.º do Código Penal, porquanto o arguido, após ter sido advertido pela ofendida LC  de que não o autorizava a entrar na sua propriedade, delimitada no seu perímetro com muro e portão, saltou o referido muro, assim logrando aceder ao pátio, e fê-lo dolosa e conscientemente imediatamente após ter questionado a proprietária de tal espaço vedado ao público sobre quem é que o ia impedir, na sequência da recusa expressa da mesma em deixá-lo entrar, conforme acima já foi referido, a propósito da apreciação quanto à impugnação ao facto 1.51.

O Tribunal recorrido não teve qualquer dúvida em considerar como provado a participação do arguido recorrente, nos termos dados como provados, e este Tribunal de recurso também não tem dúvidas quanto ao acerto da decisão recorrida na análise que fez da factualidade e nos juízos de valor que efectuou acerca das provas produzidas.

Não colhe assim, a argumentação do recorrente, designadamente quando refere que, no caso em apreço, temos num primeiro momento uma situação de rutura da vida conjugal alegadamente motivada por adultério, em que o cônjuge mulher pedia explicações e o cônjuge marido reagia a esses pedidos, dando-se assim início às discussões conjugais e em que cônjuge marido ainda assim não tinha perfil de agressor, e que o comportamento da ofendida por sua vez não era o comportamento de uma vítima, mas de uma mulher com atitude, de tal modo que confrontava o arguido nos lugares públicos, na presença dos funcionários e dos filhos do casal e da própria alegada amante, chegando a ter atitudes agressivas, nomeadamente tendo-lhe partido o carro com um ferro, a que o mesmo não reagia, demonstrando esta reacção da ofendida, que a mesma não era nem foi vítima de uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano. E estas concretas circunstâncias em que ocorreram os factos deveriam ter sido valoradas pelo tribunal na atenuação da conduta do arguido, o que não aconteceu.

A argumentação do recorrente não se mostra minimamente credível, como atrás ficou amplamente demonstrado.

E, o tribunal a quo, como foi já referido, fundamentou devidamente a decisão sobre esta matéria, designadamente quanto à credibilidade que lhe mereceu o depoimento da ofendida, considerando que relatou detalhadamente, e de forma credível, como era a vivência com o arguido, e o comportamento deste mesmo após terem terminado o relacionamento, bem como várias situações concretizadas, tendo resultado do seu depoimento corroborada a acusação quanto à descrição desses factos, excetuando alguns pormenores acerca dos quais, mesmo confrontada, a depoente não confirmou, o que acrescentou credibilidade ao relato feito pela mesma, merecendo inteira credibilidade, pela forma vivida, impressiva e até triste como depôs, evidenciando um relato detalhado, ainda mais consistente pelo facto de admitir que ela própria teve um comportamento de confrontação com o arguido, referindo claramente na motivação da decisão de facto que:

Ressaltou do seu depoimento que a sua atitude no decurso da relação marital, perante o arguido, não era, de facto (como a própria defesa do arguido salientou em alegações para concluir pela inexistência de uma situação de violência doméstica), de submissão ou subserviência. Porém, também o comportamento do arguido para com a ofendida se alterou profundamente, reagindo aquele agressivamente perante a confrontação que a ofendida lhe fazia, quer a ele quer à terceira pessoa envolvida quanto à relação extraconjugal. E o arguido alterou mais ainda o seu comportamento, quer em relação à ofendida EG, sua mulher, quer em relação à ofendida LC, sua sogra, passando a reagir de uma forma completamente obsessiva relativamente à ofendida EG, quando se apercebeu que esta, não conseguindo ultrapassar a humilhação e mágoa que tal situação da relação extraconjugal lhe trazia, resolveu separar-se definitivamente de si, requerendo o divórcio.
 
Pelas razões que acabam de expor-se, entendeu o Tribunal validar o relato feito pela ofendida EG, por credível, dando, em consequência como provados os factos descritos na acusação relativos às expressões injuriosas e ameaçadoras proferidas pelo arguido, aos puxões e empurrões desferidos contra a mesma, às diversas situações de esperas, perseguições de carro, de constantes telefonemas e mensagens, que representaram e ainda representam para a ofendida uma enorme limitação da sua liberdade de ação, da sua autonomia, numa teia de pressão psicológica constante, que afeta inevitavelmente a sua tranquilidade e o seu bem estar psíquico e físico, como resulta das suas declarações, das declarações das testemunhas de acusação que optaram por falar e das regras da experiência comum.

Aliás, tal perturbação psicológica e instabilidade emocional da ofendida EG resulta claramente caracterizada no relatório clínico constante de fls. 355-356, datado de 11-12-2017, elaborado pela Dr.ª TV, Psicóloga Clínica que acompanha a ofendida desde 14-05-2014, do qual transcrevemos o seguinte trecho:
“Na consulta realizada a 3 de outubro de 2017, a D. EG referiu que em julho decidiu ir para a casa dos pais e avançar com o processo de divórcio, devido à instabilidade na relação conjugal. Afirmou que desde então o marido se tem mostrado muito descontrolado, relatando situações de humilhação na presença de outras pessoas e em locais públicos, perseguição para controlar os seus movimentos, “esperas” junto ao seu local de trabalho, telefonemas diários constantes, com ameaças à sua integridade física e à sua vida… Esta conduta do marido condiciona de forma significativa a vida diária e o bem-estar emocional da D. EG, observando-se um agravamento do estado de ansiedade (presença de indicadores gerais como agitação, nervosismo, tensão, perturbação do sono e sinais cognitivos de ansiedade) e o surgimento de sintomatologia depressiva reativa (sintomas de afeto e humor disfórico e sinais de isolamento), mostrando preocupação persistente com a sua segurança e em relação ao seu futuro e evidenciando sentimentos de desesperança relativamente a poder viver de forma livre, mesmo após o divórcio.”

Já quanto aos restantes factos constantes da acusação que não foram confirmados pela própria ofendida (o que ainda mais credibiliza o seu depoimento), ou que tivessem resultado provados por outro meio, foram dados como não provados.

Assim, da conjugação dos depoimentos da ofendida e das testemunhas resultou claro para o Tribunal recorrido que os factos se passaram da forma como as mesmas os relataram, porquanto tais depoimentos mereceram inteira credibilidade, pela forma consistente e pormenorizada, como as testemunhas depuseram, sem denotar uniformidade de depoimentos ou versões combinadas, mas sim complementares, razão pela qual entendeu o Tribunal a quo validar o relato feito pelas mesmas, por credível, dando, em consequência como provados os factos da forma como o foram, por se mostrarem igualmente consentâneos com os elementos de prova pericial e documental, designadamente:
- Relatório de exame médico da ofendida EG, de fls. 81-83;
- Relatório clínico da ofendida EG, de fls. 355-356;
- Certidões do registo civil e comercial de fls. 32-33, 104-107 e 490-491;
- Auto de visionamento e transcrição de fls. 279-281;
- Auto de extração de dados de fls. 809-837;
- Relatórios de incidentes da equipa de vigilância eletrónica da DGRSP de fls. 387-387v.º, de 28-12-2017, de fls. 391-392, de 12-01-2018, de fls. 395-396, de 17-01-2018, de fls. 763-764, de 24-05-2018 e de fls. 784-784v.º, de 07-06-2018. 
*

O recorrente pode não concordar com a decisão do tribunal recorrido, contudo a respectiva fundamentação do acórdão permite-nos compreender a razão pela qual o tribunal decidiu naquele sentido, e não noutro, o que satisfaz as exigências do citado art. 374º nº 2 do CPP.

O recorrente indicou depoimentos que pretendem contrariar o decidido, limitando-se a referir circunstâncias genéricas, bem como extratos aleatórios e desenquadrados de todo o raciocínio lógico e do discurso integral das declarações da ofendida, escolhendo de acordo com a dinâmica que lhe é mais favorável, os trechos dos depoimentos prestados pela ofendida e pelas testemunhas, adaptando-os às partes dos factos dados como provados, que se lhe afiguram dissonantes com tal passagem, como acima foi já explicitado.

Porém, não demonstrou que impõem decisão diversa da versão dos factos que o Tribunal acolheu.

Assim, da conjugação e ponderação de todos os elementos probatórios disponíveis era inevitável se dessem como provados os factos constantes do Acórdão condenatório.

Na verdade, o tribunal recorrido, além de enumerar os factos que considerou provados e não provados, expôs de forma clara e lógica os motivos de facto e de direito que justificaram a sua decisão, assim como o exame crítico que fez das provas produzidas e que serviram para alicerçar a sua convicção.

A motivação relativamente aos factos considerados provados é clara, na medida em que tribunal recorrido formou a sua convicção com base na análise e valoração de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento de forma conjugada com as regras da experiência comum.

Mais se observa que a divergência que o recorrente invoca entre a prova produzida, na sua pessoalíssima interpretação, e a matéria dada como provada, de modo explicado e fundamentado, efectuado após criterioso exame crítico da prova pelo tribunal recorrido, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º do CPP, não deixa qualquer dúvida em relação aos factos provados, que justifique apelo ao princípio in dúbio pro reo.

Assim, deve-se ter por fixada a matéria de facto e, por conseguinte, assente que foi o arguido-recorrente autor material, e em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b) e n.º 2 do Código Penal; um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelos artigos 191.º do Código Penal, e de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal.
Em suma: o recurso não merece provimento.
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5.–Quanto à qualificação jurídica dos factos.

Questiona o recorrente a subsunção da sua conduta ao crime por que foi condenado, na medida em que entende que, na hipótese de se provar a conduta de agressão, a sua acção é insusceptível de integrar a prática de um crime de violência doméstica, previsto no art. 152º do CP, porquanto o crime de violência doméstica não exige a prática reiterada dos actos objectivos previstos na norma por parte do agente, mas exige que os mesmos se traduzam na humilhação da vítima ou numa especial desconsideração e, da prova produzida não resultou num primeiro momento a prática de actos que se traduzam numa especial humilhação da vítima ou desconsideração pela mesma.

Alega o recorrente que reagia no âmbito de uma discussão conjugal motivada pela infidelidade conjugal mas sempre da iniciativa do cônjuge mulher como a própria reconheceu, e reagia numa atitude defensiva, excessiva em alguns momentos, mas não se pode olvidar por um lado a personalidade do mesmo e o meio social em que se inseria; mas ainda assim, em muitos casos, muito aquém do que seria expectável fase à provocação da ofendida, e que o tribunal ignorou totalmente, que o procurava junto dos funcionários, junto da alegada amante, acompanhada com o filho, e usava da força para, como a própria reconhece, o fazer abanar e, mesmo assim o arguido não reagia, o que sucedeu no dia em que a ofendida na frente de um empregado lhe partiu o carro com um ferro e o arguido se limitou a afastar-se. Logo, na opinião do recorrente, tudo isto impede o prenchimento do tipo de crime de violência doméstica, contrariamente ao que foi decidido. E, num segundo momento, após a separação do casal, e mesmo depois de lhe ter sido alterada a medida de coacção, o arguido veio a revelar um estado anímico de perturbação psicológico-obssessivo pelo regresso do cônjuge ao lar mas, ainda assim, alega que não houve registos de agressões finitas ou psicológicas, mas outrossim de juras de amor, que efectivamente perturbavam o sossego da ofendida e revelavam a perturbação do arguido a carecer de tratamento médico, e de medidas injuntivas nesse sentido, e não de medida privativa da liberdade.

Apreciando:

Estabelece o art. 152º do Código Penal:
1– Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a)- Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b)- A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c)- A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d)- A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2– No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. (...).

Tal como se refere no Ac. TRP, de 10-07-2013, disponível in www.dgsi.pt.:
I.– No crime de violência doméstica está em causa a protecção da pessoa individual, da sua dignidade humana, podendo dizer-se, com Taipa de Carvalho, que «o bem jurídico protegido é a saúde - bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos».
II.– Trata-se de crime específico (pressupõe uma determinada relação entre os sujeitos activo e passivo), cuja prática pode ser ou não reiterada no tempo (tudo depende das circunstâncias do caso concreto).
III.– O tipo objectivo de ilícito, no caso em apreço, preenche-se com a acção de infligir «Maus-tratos físicos» (que se traduzem em ofensas á integridade física, incluindo simples) ou «Maus-tratos psíquicos» (que podem consistir, como diz Taipa de Carvalho, em «humilhações, provocações, molestações, ameaças, mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça») ao ex-cônjuge do agente. Por sua vez, o tipo subjectivo de ilícito exige o dolo (nesta particular situação, trata-se de crime de mera actividade - está em causa o infligir de «maus-tratos psíquicos» - bastando o dolo de perigo de afectação da saúde, aqui o bem estar psíquico e a dignidade humana do sujeito passivo).
IV.– Todos os episódios e actos, praticados dolosamente pelo arguido contra a sua ex-mulher (que consistiram em lhe infligir maus-tratos psíquicos, através de repetidas injúrias e ameaças, algumas presenciadas por terceiros, idóneas a afectar o seu bem estar psicológico), eram humilhantes e rebaixavam quem fosse vítima deles, ofendendo a dignidade de qualquer pessoa, como sucedeu neste caso igualmente com a assistente, integrando o crime de violência doméstica que lhe foi imputado.

No caso, perante o factualismo provado, teremos de concluir que o arguido praticou o crime de violência doméstica por que foi condenado (art. 152º nº 1 al. b) e c) e nº 2 do CP.
Como atrás foi já demonstrado, apura-se que dos elementos coligidos face aos factos dados como provados, dos mesmos pode-se aferir da intensidade da ofensa corporal, do medo sentido, das ameaças e perseguições sofridas pela ofendida, o que nos leva a concluir que se considera violado o bem jurídico protegido pela norma em causa, e, por outro, provaram-se as consequências, directas ou indirectas, da conduta do recorrente, resultando demonstradas as lesões corporais e os danos psíquicos, deveras relevantes para a ofendida, bem como que aquele comportamento se repercutiu, de forma acentuada na saúde física, psíquica, emocional e moral, da ofendida, de forma a abalar a sua auto-estima, inferiorizando-a ou atemorizando-a e coarctando a sua capacidade de determinação e de acção, o que permitiria imputar ao denunciado o de violência doméstica.
Nestes termos, da matéria de facto dada como assente, resulta de um modo inequívoco e indubitável que o arguido praticou o tipo legal de crime pelo qual está condenado em sede de primeira instância, não oferecendo dúvidas o preenchimento do respectivo tipo legal, quer ao nível dos elementos objectivo, quer subjectivo.
Mostram-se, assim, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de violência doméstica, p. e p. nos números 1, alínea, b), e nº 2, ambos do art. 152° do Código Penal.
E não é a circunstância de alguns dos factos ocorrerem em contexto de desentendimentos e discussões recíprocas com a ofendida, como, aliás, é usual suceder, que as mesmas deixam de revelar crueldade, desprezo e vontade de a humilhar, bastando atentar na carga pejorativa e ameaçadora de tais expressões, sendo certo, como acima foi já referido, que grande parte do comportamento do arguido não teve como causa qualquer discussão a propósito da relação extraconjugal, pois, o comportamento do arguido para com a ofendida se alterou profundamente, reagindo agressivamente e de uma forma completamente obsessiva relativamente à ofendida, quando se apercebeu que esta, não conseguindo ultrapassar a humilhação e mágoa que tal situação da relação extraconjugal lhe trazia, resolveu separar-se definitivamente de si, requerendo o divórcio, ocorrendo então os factos descritos na acusação relativos às expressões injuriosas e ameaçadoras proferidas pelo arguido, aos puxões e empurrões desferidos contra a mesma, às diversas situações de esperas, perseguições de carro, de constantes telefonemas e mensagens,  ou seja, um conjunto de atos e afirmações por parte do arguido, claramente violadores da tranquilidade, segurança e bem-estar da ofendida, quer enquanto viveu com o arguido, quer e sobretudo após a separação e onde quer que se encontrasse (em sua casa, de familiares, no restaurante, com amigas, ou no trabalho, ou em espaços comerciais, ou na via pública), sendo certo que o conjunto de todo o comportamento do arguido (a reiteração, o propósito, os reflexos na ausência de liberdade de atuação da ofendida, no seu constrangimento diário, na pressão psicológica, na intranquilidade), traduz uma gravidade expressiva, sobretudo após ter ocorrido a separação do casal, e por isso sem causa em qualquer discussão anterior.

Aliás, já depois da separação e, apesar de sujeito às medidas de coação de proibição de contactos com a ofendida e de se aproximar da mesma, aplicadas em sede de Interrogatório Judicial de Arguido Detido, o arguido continuou a remeter mensagens à ofendida e a fazer telefonemas para a ofendida, pressionando-a, importunando-a, entre o dia 19-11-2017 e o dia 15-01-2018.

Como bem salienta a Digna Magistrada do MºPº, nada justifica (nem mesmo que a ofendida já não quisesse ter qualquer vida em comum com o arguido) a actuação do arguido perante a sua, então, companheira há mais de 20 anos, sua mulher, mãe dos seus dois filhos., que se viu obrigada a refugiar-se em casa dos pais, levando consigo os filhos, situação que durou inúmeros meses, sendo que o arguido a injuriava,  ameaçando-a, estando presentes os filhos de ambos, em inúmeras situações (que e aperceberam de todo o alvoroço gerando pelo seu progenitor), bem como na presença dos pais da ofendida e das suas amigas e colegas de trabalho; se o arguido considerava que a sua mulher o havia ofendido ou humilhado, deveria ter dialogado com aquela ou, no limite, devia ter-se separado, mas nunca deveria ter tido tais atitudes.

Em suma, apuraram-se actos isolados e reiterados que, perspectivados em conjunto, se traduzem num comportamento global do arguido que afecta a dignidade e a integridade física e psíquica da assistente, sua ex-companheira, com efeitos destrutivos na sua vivência pessoal, familiar e social, termos em que a actuação do recorrente preenche na sua plenitude o conceito de maus tratos físicos e psíquicos, consagrado no artigo 152º, nºs 1 al. b) e c) do CP, estando, igualmente, preenchida a previsão do nº 2 desse mesmo preceito legal, já que os factos foram levados a cabo na residência comum e até diante dos filhos menores do casal, como bem se observa na decisão recorrida, que, também, nesta parte, nenhuma censura nos merece.
*

6.–Quanto à medida da pena

Sustenta o recorrente que dos factos provados resultou que o arguido tem duas empresas de transporte, foi sempre um bom chefe de família, durante o tempo em que esteve preso preventivamente teve a visita dos filhos e até contactos telefónicos da ofendida que lhe enviava livros, e que no decorrer do julgamento se abraçou ao mesmo, e que no seu depoimento reconheceu qualidades ao arguido e bem assim que o comportamento do mesmo foi ocasional - minutos 26.34 do seu depoimento de 03.05 e minuto 52.38 do seu depoimento prestado no mesmo dia, onde inclusivamente disse ao tribunal pretender desistir da queixa. Por conseguinte, considera o recorrente perfeitamente desajustada a pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada, mormente em resultado das alterações ao julgamento da matéria de facto que apresentou. Alega, ainda que, no caso concreto temos um arguido que é primário (única atenuante considerada pelo tribunal a quo), em que a alegada vítima confessou ser dela a iniciativa das discussões, não temos registos de agressões físicas, o tribunal apercebeu-se do estado anímico depressivo do arguido que o aconselhavam a tratamento psíquico ou psiquiátrico a que o mesmo se submeteu e foi interrompido pela circunstância da prisão preventiva, a alegada vítima inclusivamente informou o Tribunal pretender desistir da queixa, ora tudo isto são circunstâncias que deveriam ter contribuído para a aplicação de uma pena próxima do mínimo e suspensa na sua execução, contrariamente ao que sucedeu, ademais quando a própria sentença ora posta em crise reconhece : "que nenhum dos atos, de per se, envolve uma gravidade intensa, por comparação a situações de violência doméstica de descomunal subjugação da vítima por parte do agressor,". Ainda que as medidas de prevenção geral e especial justificassem a aplicação de uma pena ao arguido, tendo em conta toda a factualidade descrita, sempre deveria o tribunal ter tido em conta a diminuta culpa do mesmo e dar-lhe a possibilidade de se tratar, ainda com obrigação de prestar contas, ao invés de lhe ter aplicado a pena brutal de três anos privativa da sua liberdade, e efectiva.
 
Antes de mais, cumpre sublinhar que o recorrente faz depender o seu inconformismo quanto à pena aplicada (entendendo desajustada a pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada), da pretendida alteração à matéria de facto que apresentou, a qual, como acima se demonstrou, não teve provimento.

Mas vejamos:

A determinação da pena concreta faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes – binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correcta da pena.

Tal como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, 1993, p. 227 e ss, a culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro desses limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização. 

As exigências de prevenção geral dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente, que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes e têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade.

Por sua vez, as exigências de prevenção especial, que se prendem com a capacidade do arguido se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade.

No caso em apreciação:
Quanto à pedida redução da pena de prisão aplicada pelo tribunal recorrido é manifesta a improcedência do recurso, desde logo pelo elevado grau de gravidade dos factos, atento o período de tempo em que decorreram os comportamentos, e das suas consequências para a ofendida que sofreu lesões físicas e psíquicas, a forte intensidade criminosa revelada, agindo na modalidade mais intensa do dolo – dolo directo – como pela necessidade de dar uma resposta adequada à sociedade, decorrente da proliferação de comportamentos como os aqui em causa.
 
Com efeito, verifica-se, no caso em apreço, que, quanto às exigências de prevenção geral as mesmas são muito elevadas, atento o número elevado de verificação de crimes desta natureza e o sentimento de relativa impunidade que ainda hoje se faz sentir neste âmbito, por persistir, na actualidade, desconforto na denúncia de crimes que se prendam com a vida íntima alheia e, noutros casos, receio de denunciar crimes praticados no próprio seio familiar. Estamos, por isso, perante crime com forte estigma social e fortes exigências ao nível da prevenção geral que reclamam uma reacção vigorosa por parte dos tribunais.

Não descurando as necessidades de prevenção geral há que conciliá-las com as necessidades de prevenção especial, de forma a não instrumentalizar o arguido e evitar que a sua condenação sirva essencialmente de exemplo perante a sociedade e não vise a ressocialização do arguido.

Acontece que, neste caso, o arguido não demonstrou qualquer arrependimento, revelando uma falta de interiorização do desvalor das suas condutas o que dilata as necessidades de prevenção especial que o caso reclama.

Pese embora a ausência de antecedentes criminais e a aparente inserção social e profissional, o arguido não se absteve de praticar os factos dados como provados, tendo actuado ao longo de alguns anos, entre Novembro e 2014 e 30 de Janeiro de 2015, injuriando e ameaçando a assistente, estando o filho, de ambos, presente, tendo resultado do julgamento a convicção de que o ambiente familiar propiciado pelo arguido tem sido de índole autoritarista, impondo as suas vontades pela força e recusando o diálogo, num clima de guerra aberta, física e psicológica contra a ofendida.

Aliás, a atitude violenta do arguido, reforçou-se quando a ofendida optou por abandonar o lar conjugal, refugiando-se com os filhos em casa dos pais, por temer pela sua vida, por já lhe ser insuportável a violência que lhe era dirigida.

Em suma, e como foi já referido, as necessidades de prevenção especial, são algo elevadas e, considerando a gravidade, a extensão, a intensidade do dolo do recorrente, dúvidas não restam de que não há qualquer fundamento susceptível de alicerçar uma diminuição da medida da pena.

E, atento o crescendo de violência que o arguido empregou de Julho de 2017 a Janeiro de 2018 (e que levou á prisão preventiva do arguido), além de que o arguido não demonstrou arrependimento algum, tendo inclusive, adoptado no decorrer do julgamento uma postura de falta de arrependimento e de falta de autocrítica, considerando o seu comportamento justificável face às situações em causa nos autos, entendemos, tal como bem se refere no acórdão recorrido, que a pena de prisão aplicada não poderá deixar de ser efetiva, considerando a persistência e reiteração da conduta do arguido relativamente à ofendida, inclusivamente no decurso de todo o julgamento, mesmo após o Tribunal ter atenuado as medidas de coação, substituindo a prisão preventiva pelas medidas de coação a que já havia estado sujeito (e que havia violado reiteradamente), entre elas a de proibição de contactos e de aproximação da sua ex-mulher, dando oportunidade ao arguido de provar ao Tribunal que merecia o voto de confiança que lhe estava a ser dado, ensejo esse absolutamente gorado.

Em suma, é a revelada personalidade do recorrente, a sua persistência criminosa e a falta de interiorização da gravidade dos factos perpetrados que ditam a necessidade de cumprimento da pena de prisão efectiva em função das exigências de prevenção especial.
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7.– Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs.

 
   
Lisboa, 13 de Novembro de 2018


Cid Geraldo
Ana Sebastião


[1]Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, 1999, pg. 330
[2]Processo 639/08.6GBFLG.G1; Relator: FERNANDO MONTERROSO; disponível em www.dgsi.pt
[3]Proc. 91/14.7PCMTS.P1,  Relator: PEDRO VAZ PATO, pesquisável em www.dgsi.pt
[4]Proc. 113/10.0TAVVC.E1, Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA, pesquisável em www.dgsi.pt
[5]Comentário Conimbricense do Código Penal, pg. 342-343
[6]Citado por Leal-Henriques e Simas Santos, in Cód. Penal Anotado, pg. 184, ed.1997
[7]V. Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, pág. 234, e Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 356
[8]Cfr FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pp 227 ss

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