Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
797/18.1T8FNC.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
MORTE DE TITULAR INSCRITO
DECLARAÇÃO DE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Os sujeitos activos da relação jurídica indemnizatória são os titulares dos interesses patrimoniais lesados com a expropriação.
II – Da conjugação do disposto nos artigos 9º, n.º 3, 37º, n.º 5 e 40º do Código das Expropriações resulta que, quanto aos intervenientes processuais no processo de expropriação, vigora o princípio da legitimidade aparente, de modo que a entidade expropriante pode dirigir-se às entidades constantes das respectivas inscrições prediais e fiscais, ainda que estas não sejam as verdadeiras e actuais titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar.
III – Em face do princípio da celeridade e do interesse público e atento o estatuído no artigo 41º, n.º 1 do Código das Expropriações, o falecimento de algum interessado antes da adjudicação da propriedade à entidade expropriante não implica a suspensão da instância; só depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse é que se ordenará a suspensão da instância, nos termos do art 270º CPC, para se fazer a habilitação de herdeiros.
IV – Falecido o titular inscrito e sendo desconhecidos os seus sucessores, será nomeado curador provisório para os representar, que apenas cessará a sua intervenção quando «passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificava a curadoria» (cf. artigo 41º, n.º 4 do Código das Expropriações).
V – Daqui decorre que o juiz do processo de expropriação, após a adjudicação da propriedade e posse à entidade expropriante, quando tenha conhecimento do óbito de algum interessado, não pode limitar-se a suspender a instância, até que se mostre notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida, desinteressando-se em absoluto do conhecimento destes sucessores.
VI – O juiz deverá proceder às diligências que se afigurem pertinentes para lograr obter a identificação de quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado, precisamente porque se trata de um processo com cariz publicista e em que os interessados são privados da propriedade e/ou da posse do imóvel quando não receberam ou não foi ainda fixada a indemnização definitiva a que têm direito.
VII – Deve também, existindo interessados já conhecidos no processo, determinar tudo o que for necessário para a sua notificação pessoal, ou seja, uma notificação com as características da citação.
VIII – Verificado o óbito do titular inscrito ainda antes da abertura do processo de expropriação, não é caso para a suspensão da instância, justificando-se a realização de diligências que permitam a identificação dos interessados/expropriados, em princípio herdeiros do titular inscrito, pois, de acordo com o princípio da legitimidade aparente, já eram então interessados na expropriação, não o falecido, mas os seus herdeiros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
Em 14 de Fevereiro de 2018, a REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA veio requerer, em processo de expropriação litigiosa sujeito a regime especial, a adjudicação da propriedade de uma parcela de terreno, com a área de 1 607,70 m2, identificada com o n.º 119 na planta parcelar do projecto da obra de “Estabilização da ER231 – Quinta Grande”, a destacar do prédio rústico com a área de 2 315,00 m2, localizado no Sítio da Igreja, Estrada Regional 231, freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 119 da Secção “NN”, confrontando, a parcela a destacar, a Norte com Estrada, a Sul com Elisa ….. e outros, a Leste com João …. e outros e a Oeste com João Pinto …… e não descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos.
Alegou que a obra mencionada e a parcela identificada foram incluídas no âmbito da previsão do artigo 2° da Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de Junho, conforme fundamentado na Resolução n.º 874/2015, de 01 de Outubro, renovada pela Resolução n.º 252/2017, de 20 de Abril, de modo que o processo expropriativo se regeu pelo regime especial de expropriação previsto no art.º 19º daquela Lei, o que lhe confere a posse administrativa imediata, com dispensa de qualquer formalidade prévia, seguindo-se, sem mais diligências, o processo de expropriação litigiosa.
Remeteu a juízo o acórdão arbitral que fixou o montante indemnizatório; a ficha de identificação da parcela objecto de expropriação; a certidão matricial emitida pelo Serviço de Finanças competente; o pedido de designação de árbitros e sua notificação ao expropriado, o comprovativo de depósito do valor da indemnização arbitrada e demais elementos que integram o processo (cf. Ref. Elect. 2525747).
Após intercorrências processuais com vista à junção de certidão do registo predial dando conta da descrição ou omissão da parcela na respectiva Conservatória do Registo Predial, foi proferida sentença, em 12 de Setembro de 2018, que adjudicou à Região Autónoma da Madeira o direito de propriedade incidente sobre a parcela de terreno acima identificada (Ref. Elec. 46035421).
Foi expedida carta para citação do expropriado – identificado como “José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de” – que veio devolvida, na sequência do que foram ordenadas diversas diligências para a sua notificação, vindo a ser solicitada informação junto da Autoridade Tributária sobre o representante da herança de José Pinto (cf. despacho de 22 de Outubro de 2018 com a Ref. Elect. 46 222198).
Na sequência da informação sobre o óbito de José Pinto e seu cônjuge, Josefa ….., foi requerida a junção aos autos da certidão de óbito relativa àquele (cf. despacho de 28 de Janeiro de 2019 com a Ref. Elect. 46643930), o que teve lugar em 20 de Maio de 2019, através de requerimento apresentado por A [ Conceição …..] , ora recorrente (cf. Ref. Elect. 3240985).
Em 5 de Setembro de 2019 foi então proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 47529809):
“Fls. 127:
Atento o teor do assento de óbito do expropriado e tendo a entidade expropriante sido notificada da adjudicação do imóvel, declaro suspensa a presente instância (artigo 41.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código das Expropriações e artigos 276.º, n.º 1 e 277.º, n.º 1, ambos do Código do Processo Civil), sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o art. 281.º, n.º 1 do CPC.
Notifique.”
É desta decisão que a interessada Conceição Pinto recorre, concluindo assim as respectivas alegações:
I - Na sequência da intempérie de Fevereiro de 2010, a Região Autónoma da Madeira, pela Secretaria do Plano e Finanças, Direcção Regional do Património e de Gestão dos Serviços Partilhados do Governo Regional, ao abrigo da Lei Orgânica n.º 2/2010 de 16 de Junho e dos arts. 38º e seguintes do Código das Expropriações, tomou posse administrativa imediata da parcela 119, localizada na freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, necessária à “obra de estabilização da E.R. 231-Quinta Grande”.
II- Tal como resulta do oficio nº 464, com a remessa do processo ao tribunal (fls. 1 e 1 v), não ocorreram as fases processuais quanto à tentativa de aquisição – proposta de aquisição por via de direito privado e possíveis contrapropostas – e demais trâmites relacionados com a expropriação amigável e posse administrativa.
III- Em 12-09-2018 foi proferida decisão a adjudicar à Região Autónoma da Madeira - Secretaria Regional do Plano e Finanças - Direção Regional do Património e de Gestão dos Serviços Partilhados, o direito de propriedade sobre a parcela 119 da Quinta Grande. (Cfr. fls. 91).
IV- A parcela em causa estava omissa na Conservatória do registo predial de Câmara de Lobos. (Cfr. fls. 91 e 91verso).
V- Actualmente encontra-se descrita sob o nº 3008, a favor da Direcção Regional do Património e de Gestão dos Serviços Partilhados. (Vd. fls…).
VI- Na matriz encontrava-se inscrita em nome de “José Pinto – cabeça de casal da herança” -, à qual foi atribuído, pelo serviço de finanças de Câmara de Lobos, o NIF oficioso nº 701499796 (cfr. fls. 24 e 120 dos autos).
VII- Embora figurasse como o titular inscrito na matriz aquando da posse administrativa, “José Pinto - cabeça de casal da herança”, o prédio em questão não pertencia à referida herança, mas à recorrente.
VIII- Facto que foi levado ao conhecimento do Douto Tribunal a quo, através do requerimento com data de entrada em 17/12/2018, junto a fls. 115 e 116 dos autos, onde, além do mais, se comprometeu a juntar aos autos a prova do seu direito de propriedade, logo que legalizasse o respectivo direito. (Cfr. fls.115 e 116).
IX- O douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento de fls. 115 e 116.
X- Por requerimento junto a fls. 126 a 131 a ora apelante juntou a certidão de óbito de José Pinto e a fotocópia da escritura, exarada no dia 12/04/2019, a fls. 15 a 16 v. do L.º 128, do Cartório Notarial Privativo da Ponta do Sol, que titulou o seu direito de propriedade sobre a parcela já expropriada e requereu, na qualidade de expropriada, o pagamento do valor indemnizatório fixado pela arbitragem. (Cfr. fls. 126 a 131)
XI- Foi então, sem mais, proferido o despacho de suspensão da instância, do qual ora se recorre.
XII- Embora a Apelante não tenha beneficiado da presunção derivada do registo do prédio (art. 7º do CRPredial), que sempre esteve omisso;
XIII- E que nunca tenha sido a titular inscrita na matriz, ainda que a finalidade da inscrição matricial seja essencialmente de ordem fiscal.
XIV- O certo é que a Apelante dispõe de um documento autêntico, a escritura junta a fls. 128 a 130 dos autos para a qual se remete e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, donde decorre, de forma cristalina, que possuiu, como proprietária, desde 1975 o prédio em causa até à data da sua expropriação, tendo sido até essa data sua dona e legítima proprietária. (Cfr. fls. 128 a 130).
XV- A referida escritura que foi publicada por extracto do dia 17/04/2019, no jornal “Diário de Noticias”, não foi impugnada ou por qualquer meio posta em crise, por quem quer que seja. (art. 372º nºs 1 e 3 do C.C).
XVI- Além de que, embora não tenha procedido ao registo a seu favor, agora por impedimento legal, o certo é que não restam dúvidas que a apelante, beneficiou ate à data da expropriação, da presunção da posse e de uma presunção da titularidade do direito, nos termos definidos pelo art. 1268º nº1 do C.C.
XVII- Ora, atendendo a que os factos abrangidos pela força probatória de documento autêntico ficam por ele plenamente provados (arts. 371ºnº 1 do C.C), afigura-se pacífico que a ora recorrente logrou fazer prova do seu direito de propriedade sobre a parcela nº 119 da Quinta Grande (art. 342º nº 1 do C.C), de que foi expropriada, cabendo-lhe o direito de receber, sem mais delongas, o valor da indemnização.
XVIII- Ao desconsiderar a prova do direito de propriedade da recorrente sobre a parcela em causa, afigura-se, com o devido respeito, que o Douto Tribunal a quo não estava autorizado a proferir despacho de suspensão a instância.
XIX- Ao fazê-lo incorreu, com o devido respeito, em erro de interpretação do art. 41º n.º1 do Código das Expropriações e dos arts. 276º nº 1 e 277º nº 1 ambos do C.C., por não aplicação in casu.
XX- Tendo, outrossim, violado os arts. 342º nº1; 371º nº 1; 372º nº 1; 1251º e 1268º nº 1, todos do C.C.
Nos termos expostos, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho de suspensão da Instância, substituindo-o por outro que mande proceder ao pagamento do valor indemnizatório fixado pela arbitragem à expropriada, ora Apelante.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a) Da falta de pressupostos para a declaração de suspensão da instância, por violação do disposto no art. 41º, n.º 1 do Código das Expropriações.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra, sendo ainda de considerar, por resultar dos documentos juntos aos autos, o seguinte:
1. Na Iª Série do Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, N.º 154, de 7-10-2015 foi publicada a Resolução n.º 874/2015, de 1 de Outubro com o seguinte teor:
“Considerando o preceituado na Lei Orgânica número 2/2010, de 16 de junho, conjugada com o artigo 258.° da Lei número 82-B/2014, de 31 de dezembro, que fixou os meios que definem o financiamento das iniciativas de apoio e reconstrução na Região Autónoma da Madeira, na sequência da intempérie ocorrida em 20 de fevereiro de 2010;
Considerando que a Região Autónoma da Madeira, através das entidades públicas com competências nas áreas do ordenamento, das obras públicas, das acessibilidades e das comunicações, pode adotar o regime especial de expropriação, instituído no artigo 19.° da citada Lei Orgânica;
Considerando que no âmbito da recuperação a efetuar decorrente do mencionado temporal, a Região Autónoma da Madeira, através da Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, tem prevista a execução da obra de “Estabilização da ER 231 - Quinta Grande”;
Considerando que a referida obra, integra-se no conjunto de intervenções que o Governo Regional vem implementando na sequência do evento climático extremo de 20 de fevereiro de 2010;
Considerando que alguns dos terrenos circundantes à estrada apresentam fendas e assentamentos significativos, agravando-se com a ocorrência das chuvas e originando constrangimentos ao tráfego rodoviário;
Considerando que a solução desenvolvida em projeto consiste na realização de uma estrutura de contenção da plataforma rodoviária da ER 231, concretizada pela execução de uma cortina de estacas de betão armado, ancorada no substrato vulcânico e confinada nas extremidades com muros de suporte em betão armado, apoiados no maciço rochoso através da execução de estacas com 0,80 metros de diâmetro;
Considerando que a execução da infraestrutura em causa visa garantir a manutenção da via, sua operacionalidade, bem como, obter melhores condições de segurança rodoviária na ER 231, repondo as normais condições de circulação aos terrenos circundantes à mesma; […]
Considerando a dimensão dos prejuízos provocados pela intempérie na rede viária regional, emerge a necessidade e urgência na execução da referida obra, com a afetação de meios financeiros extraordinários na recuperação e reposição das vias de comunicação, disponibilizados através da referida Lei Orgânica;
Considerando o exposto, a obra em apreço visa a recuperação de um troço da referida ER, enquadrando-se, assim, na alínea a) do n.º 2 do artigo da citada Lei Orgânica, conjugada com o artigo 258° da Lei número 82- -B/2014, de 31 de dezembro;
Considerando que para a área afeta a esta intervenção encontra-se em vigor o Plano Diretor Municipal do Concelho de Câmara de Lobos, existindo compatibilidade do projeto de “Estabilização da ER 231 - Quinta Grande”, com os instrumentos de gestão territorial em vigor aplicáveis na área afeta à intervenção, não colidindo com espaços sujeitos a qualquer regime especial de proteção;
Considerando que a referida obra enquadra-se, em termos de localização, nesse instrumento de gestão territorial, por se inserir em “Espaços Agrícolas” e “Espaço Urbanos de Expansão e Colmatagem”, como tal delimitado na Planta de Ordenamento, sendo o seu uso funcional compatível como preconizado para este tipo de espaços e tratando-se esta intervenção de uma garantia das condições de segurança de pessoas e bens na ER 231;
Considerando que os imóveis identificados e assinalados na lista com a indicação dos proprietários e demais interessados, e na planta parcelar que define os limites da área a expropriar, se encontram em zona determinante para a obra e que o início dos trabalhos nestas parcelas se toma urgente.
O Conselho do Governo reunido em plenário em 1 de outubro de 2015, resolveu:
1 No uso das competências atribuídas pelos artigos 12°, 17° e 90°, todos do Código das Expropriações, pelo artigo 19° da Lei Orgânica número 2/2010 de 16 de junho, conjugado com o artigo 258º da Lei número 82-B/2014 de 31 de dezembro, declarar a utilidade pública da expropriação dos bens imóveis, suas benfeitorias e todos os direitos e ónus a eles inerentes, identificados no anexo 1, com os números das parcelas a expropriar, a área total a expropriar, bem como o nome e morada dos interessados aparentes e conhecidos, no anexo II através das plantas parcelares que definem os limites das áreas a expropriar, os quais fazem parte integrante da presente Resolução, por os bens imóveis em causa serem necessários à obra de “Estabilização da ER 231, Quinta Grande", cujo procedimento expropriativo desencadeia-se na Direção Regional do Património e de Gestão dos Serviços Partilhados;
2 Em cumprimento ao disposto no n.° 1, do artigo 19.° da Lei Orgânica número 2/2010, de 16 de junho, conjugado com o artigo 258.° da Lei número 82-B/2014, de 31 de dezembro, autorizar a posse administrativa imediata das parcelas identificadas nos anexos I e II à presente Resolução, atendendo ao interesse e utilidade pública da obra, bem como à necessidade de assegurar a sua execução célere e eficaz. […]” (cf. documento de fls. 71 a 73 dos autos).
2. Do Anexo I à Resolução n.º 874/2015, de 1 de Outubro consta a lista com os dados de identificação das parcelas a expropriar onde consta a Parcela n.º 119, figurando como titular aparente José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de, com morada à Estrada Padre António Silvino de Andrade, n.º 58, freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, sendo a área a expropriar de 1 607,70 metros quadrados.
3. Na Iª Série do Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, N.º 75, de 26-04-2017 foi publicada a Resolução n.º 252/2017, de 20 de Abril com o seguinte teor:
!Considerando o preceituado nos artigos 2.º e 19.º da Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, repristinados pelo n.º 1 do artigo 59.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que fixou os meios que definem o financiamento das iniciativas de apoio e reconstrução na Região Autónoma da Madeira, na sequência da intempérie ocorrida em 20 de fevereiro de 2010; […]
Considerando que através da Resolução n.º 874/2015, de 01 de outubro, publicada no JORAM, I Série, n.” 154, de 01 de outubro, foi declarada de utilidade pública e autorizada a posse administrativa imediata dos bens imóveis, suas benfeitorias e todos os direitos e ónus a eles inerentes, necessários à execução da obra em apreço;
Considerando que os constrangimentos de natureza processual referente às parcelas constantes da Declaração de Utilidade Pública acima referida, não tornou possível dar por concluído os processos expropriativos, antes de ocorrer a sua caducidade;
Considerando que, atento aos princípios do interesse público, eficiência e eficácia económica, é determinante que a entidade expropriante diligencie pela continuidade e conclusão do procedimento expropriativo especial relativo â obra em apreço, sem prejuízo da efetivação da posse administrativa imediata; […]
Considerando o exposto, e por se manterem atuais os fundamentos da Declaração de Utilidade Pública invocada na referida Resolução n.º 874/2015, de 01 de outubro, torna-se necessário proceder à renovação daquele ato declarativo de utilidade pública, nos termos do disposto dos n.ºs 3 e 5 do artigo 13º do Código das Expropriações.
O Conselho do Governo reunido em plenário em 20 de abril de 2017, resolveu:
1 No uso das competências atribuídas pelos n.ºs 3 e 5 do artigo 13.º e 90.º, ambos do Código das Expropriações, pelo artigo 19.º da Lei Orgânica n.“ 2/2010, de 16 de junho, repristinado pelo n.º 1 do artigo 59.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, renovar a Declaração dc Utilidade Pública da expropriação dos bens imóveis, suas benfeitorias e todos os direitos c ónus a eles inerentes, identificados nos anexos I e II, os quais fazem parle integrante da presente Resolução, por os mesmos serem necessários à execução da obra dc “Estabilização da ER 23 I - Quinta Grande”, cujo procedimento expropriativo desencadeia-se na Direção Regional do Património c de Gestão dos Serviços Partilhados.
2 Em cumprimento ao disposto no n.“ I, do artigo 19.” da Lei Orgânica n.“ 2/2010, dc 16 dc junho, repristinado pelo n.º 1 do artigo 59.” da Lei n.º 42/2016, dc 28 dc dezembro, autorizar a posse administrativa imediata das parcelas identificadas nos anexos I e II à presente Resolução, atendendo ao interesse e utilidade pública da obra, bem como à necessidade de assegurar a sua execução célere e eficaz.” (cf. documento de fls. 64 a 69 dos autos).
4. Do Anexo I à Resolução n.º 252/2017, de 20 de Abril consta a lista com os dados de identificação das parcelas a expropriar onde consta a Parcela n.º 119, já referida no ponto 2..
5. Em 14 de Fevereiro de 2018, a Região Autónoma da Madeira remeteu a juízo o processo de expropriação litigiosa sujeito a regime especial, requerendo a adjudicação da propriedade da parcela n.º 119, juntamente com a guia de conhecimento de depósito com a quantia de € 108 466,86 (cento e oito mil quatrocentos e sessenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), acórdão arbitral, ficha de identificação da parcela, certidão matricial, notificação aos árbitros e expropriados, notificação da publicação das Resoluções (cf. Ref. Elect. 2525747).
6. Com data de 15 de Dezembro de 2017 foi lavrado auto de arbitragem em que os árbitros nomeados pelo Tribunal da Relação de Lisboa acordaram por unanimidade atribuir o valor de € 108 466,86 (cento e oito mil quatrocentos e sessenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos) como indemnização devida pela expropriação da parcela n.º 119 – a destacar do prédio rústico com o artigo matricial n.º 119 da secção NN da freguesia de Quinta Grande, com a área total de 2 315 m2, localizada no Sítio da Igreja, estrada regional 231, freguesia de Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, sendo a área a expropriar de 1607,70 m2, a confrontar a Norte com o próprio prédio, Sul com Elisa …. e outros, Leste com João …. e outros e Oeste com João Pinto ….. - necessária à obra “Estabilização da ER 231 – Quinta Grande” (cf. Ref. Elect. 45153817).
7. O prédio rústico referido em 6. encontrava-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 119 da secção NN, ano de inscrição na matriz – 2010, figurando como titular José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de, com a identificação fiscal 701499796, morada: Estrada Padre António Silvino de Andrade, n.º …, Quinta Grande 9300-262 (cf. Ref. Elect. 45153817).
8. Em 9 de Abril de 2018 foi junta aos autos certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos dando conta que o prédio inscrito na matriz sob o artigo 119 da secção NN da freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos não se encontra ali descrito (cf. Ref. Elect. 2615537).
9. No rosto da requisição da certidão negativa figura como requisitante Andrea ……, tendo sido aposto sob a menção «Possuidores» os nomes de Francisco …., Gilda ….., casados no regime da comunhão geral de bens e sob a menção Ante-possuidores: 1ºs ante-possuidores – José Pinto, casado com Josefa …., sob o regime da comunhão geral de bens e 2ºs ante-possuidores – António Pinto, casado com Delfina ….., em comunhão geral de bens (cf. Ref. Elect. 2615537).
10. Adjudicado o direito de propriedade da parcela acima identificada à entidade expropriante, por sentença proferida em 12 de Setembro de 2018, foi ordenada a notificação do expropriado, identificado como José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de, por via postal registada com aviso de recepção, com cópia da decisão, do auto de arbitragem e da guia de depósito, com menção da faculdade de interposição de recurso, nos termos do art. 51º, n.º 2 do Código das Expropriações (Ref. Elec. 46035421).
11. A carta expedida para notificação do expropriado, dirigida a José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de – Estrada Padre Silvino de Andrade, n.º …., Quinta Grande 9300-262 foi devolvida com a menção “objecto não reclamado” (cf. Ref. Elect. 2872471).
12. Foi ordenada a notificação mediante contacto pessoal com o notificando, nos termos do art. 231º, n.º 1 do CPC, o que se inviabilizou, conforme certidão negativa junta aos autos em 17 de Outubro de 2018, com o seguinte teor: “Certifico que não levei a efeito a citação Expropriado José Pinto -Cabeça de Casal da Herança De, NIF - 701499796, domicílio: Estrada Padre Silvino de Andrade, N. …., Quinta Grande, 9300-262 Ribeira Brava, em virtude de o não ter encontrado. Mais informo que neste endereço vive a Maria Lúcia Gomes Pinto com o BI 6307720 e que informa que José Pinto Pai e José Pinto Avó, já faleceram. Comunica aos autos que a parcela expropriada que lhe diz respeito, já foi realizada. Mais informa que tem mais 6 irmãos, mas é desconhece, se até a presente data, tenha sido realizado o Inventário” (cf. Ref. Elect. 46215856).
13. Em 17 de Dezembro de 2018, A remeteu aos autos um requerimento em que dá conta que é neta de José Pinto, titular inscrito do prédio rústico a expropriar e que tal prédio lhe ficou a pertencer, por o ter adquirido por partilha verbal, por óbito de sua mãe, Maria …., filha de José Pinto e de Josefa de Jesus, que por sua vez o adquiriu por partilhas verbais por óbito destes; mais informa que está a legalizar o prédio com recurso a escritura de justificação notarial e requer que se não proceda ao pagamento do valor da indemnização arbitrada enquanto não juntar o documento comprovativo do seu direito de propriedade (cf. Ref. Elect. 3003250).
14. Por ofício de 27 de Dezembro de 2018, o Serviço de Finanças de Câmara de Lobos informou que por óbito de José Pinto, casado, NIF 247929190, ocorrido a 18 de Março de 1960 – processo sucessório n.º 5512 desempenhou as funções de cabeça-de-casal o cônjuge sobrevivo: Josefa de Jesus, entretanto falecida a 14 de Fevereiro de 1962 – processo sucessório n.º 5764, mais referindo que dos herdeiros, à data, não há qualquer registo de óbito relativamente a Francisco Pinto NIF 238754880, com residência fiscal à Rua João Augusto Teixeira n.º …., na Ponta do Sol (cf. Ref. Elect. 3014204).
15. Em 28 de Janeiro de 2019 e 2 de Maio de 2019 foram proferidos despachos no sentido de ser junta aos autos certidão de óbito relativa a José Pinto (cf. Ref. Elect. 46643930 e 47085173).
16. Por requerimento de 20 de Maio de 2019, A  juntou aos autos certidão de óbito relativa a José Pinto e escritura de justificação notarial lavrada, em 12 de Abril de 2019, a folhas 15 a 16 verso do livro de escrituras diversas número 128 do Cartório Notarial Privado da Ponta do Sol. mediante a qual aquela declarou ser dona e possuidora, até à expropriação abaixo referida, com exclusão de outrem, do prédio rústico, composto por terra de cultivo, localizado na Igreja, freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, com a área de 1 607,70 metros quadrados, inscrito na matriz em nome de José Pinto – cabeça-de-casal da herança de, sob parte do artigo 119, secção NN, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos, sob o número 3008, com aquisição registada a favor da Direcção Regional do Património e de Gestão dos Serviços Partilhados, pela apresentação 3231, de 14-09-2018 e que tal prédio veio à sua posse no ano de 1975, por partilhas verbais feitas em vida por Maria de Jesus, viúva de José ….., que adquirira o prédio por partilhas verbais feitas por volta do ano de 1965, por óbito de José Pinto (titular inscrito na matriz) e mulher Josefa de Jesus, estando na sua posse de modo ininterrupto, sem oposição de ninguém, requerendo que fosse ordenado o pagamento à requerente do valor indemnizatório fixado pela arbitragem (cf. Ref. Elect. 3240985).
17. Em 6 de Junho de 2019 foi proferido despacho que remeteu para momento posterior a apreciação do requerimento referido em 16. (cf. Ref. Elect. 47215304).
18. José Pinto, nascido em 1885, filho de António … e Delfina ….., casado com Josefa ……, faleceu no dia 18 de Março de 1960 (cf. assento de óbito com o n.º 70, ano 1960 junto com o requerimento de 20-05-2019 com a Ref. Elect. 3240985).
19. Em 23 de Outubro de 2018 foi remetida aos autos pela entidade expropriante fotocópia do processo de reclamação administrativa submetido junto do Serviço de Finanças do Funchal relativo ao prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo 119 da secção NN, freguesia de Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos solicitando o reconhecimento das novas áreas prediais, a resultar da reclamação administrativa, a fim de se integrar no património da Região Autónoma da Madeira a área a desanexar: 1 607,70 m2, a confrontar a Norte com Estrada, Sul com Elisa …. e outros; Leste com João …. e outros e Oeste com João Pinto ……(cf. Ref. Elect. 2909861).
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A apelante insurge-se contra o despacho proferido em 5 de Setembro de 2019 que, em face da junção de óbito atinente a José Pinto, casado que foi com Josefa de Jesus, declarou a suspensão da instância do presente processo de expropriação, visando a revogação de tal decisão e a sua substituição por outra que ordene o pagamento da quantia arbitrada a título de indemnização, a ser efectuado à própria.
A apelante argumenta que foram violadas as normas vertidas no art. 41º, n.º 1 do Código das Expropriações e nos artigos 276º, n.º 1 e 277º do CPC, por estas não colherem aplicação na situação decorrente dos autos.
Fá-lo alegando que apesar de figurar como titular inscrito na matriz aquando da posse administrativa “José Pinto - cabeça de casal da herança de”, tal prédio não pertencia à referida herança, mas sim à recorrente, que o adquiriu por partilhas verbais das heranças de seus pais, Maria de Jesus e José Rodrigues Pinto, feitas em 1975, sendo que, por sua vez, Maria de Jesus havia adquirido o prédio por partilhas, também verbais, por óbito de seus pais, José Pinto (titular inscrito) e mulher Josefa de Jesus, avós da recorrente, feitas por volta do ano de 1965.
Refere também que juntou a fotocópia da escritura de justificação notarial que comprova o seu direito de propriedade e requereu que lhe fosse pago o valor indemnizatório por ser a titular da parcela expropriada, sendo que o senhor juiz a quo, ao invés de apreciar tal requerimento, proferiu despacho de suspensão da instância, quando a junção daquele documento comprova o seu direito de propriedade.
Depreende-se da alegação da recorrente que esta pretende a revogação do despacho que ordenou a suspensão da instância para que os autos de expropriação prossigam os seus trâmites normais e, por consequência, seja ordenado que lhe seja pago o valor indemnizatório, por ter demonstrado a titularidade do prédio expropriado.
Em primeiro lugar – e porque é essa a decisão colocada em crise – importa aferir se a comprovação do óbito de José Pinto justificava a suspensão da instância, tal como entendeu o tribunal recorrido, e então, obtendo-se resposta negativa a esta questão, ponderar se pode esta Relação apreciar a pretensão da recorrente de ver aquela decisão substituída por outra que ordene o pagamento da indemnização depositada nos autos.
Após enunciar e criticar os conceitos de expropriação fornecidos por parte da doutrina, José Osvaldo Gomes define a expropriação como “a sequência de actos e formalidades de natureza administrativa e jurisdicional, de que resulta, em conformidade com a lei e por causa de utilidade pública, a extinção de direitos reais sobre bens imóveis com a concomitante constituição de novos direitos reais na titularidade do beneficiário, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.” – cf. Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, Lisboa 1997, pág. 13.
No acto de expropriação ocorrem, em simultâneo, um momento de privação, com a extinção do direito real e um momento expropriativo do direito real sobre imóveis.
Tem sido entendido que na aquisição por expropriação não ocorre uma transmissão ou transferência de propriedade ou de direitos subjectivos constituídos sobre imóveis, dando antes origem a uma aquisição originária, porque os direitos reais não são adquiridos de anteriores proprietários, mas independentemente destes, e a posição do expropriante é absolutamente independente da posição do anterior titular dos direitos reais sobre o imóvel expropriado – cf. J. Osvaldo Gomes, op. cit., pág. 18.
O processo expropriativo desenvolve-se em duas fases distintas: a fase inicial; essencialmente administrativa (que abrange a tentativa de aquisição por via do direito privado; a aprovação da proposta de expropriação, a declaração de utilidade pública da expropriação, a posse administrativa dos bens expropriados e a expropriação amigável); e a fase judicial, em que o processo expropriativo surge integrado no exercício da função jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis os princípios gerais reguladores do processo civil.
Na situação sub judice, contudo, o processo de expropriação segue o regime especial previsto no art. 19º, n.º 1 da Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de Junho, que fixou os meios que asseguram o financiamento das iniciativas de apoio e reconstrução na Região Autónoma da Madeira na sequência da intempérie de Fevereiro de 2010, de acordo com o qual “Durante a vigência da presente lei, as entidades públicas na Região Autónoma da Madeira com competências nas áreas do ordenamento, das obras públicas, das acessibilidades e das comunicações podem tomar posse administrativa imediata dos bens destinados a prover as necessidades decorrentes da intempérie de 20 de Fevereiro de 2010, desde que se incluam no âmbito do artigo 2.º, com dispensa de qualquer formalidade prévia, seguindo-se sem mais diligências o estabelecido no Código das Expropriações, no que respeita à fixação da indemnização em processo litigioso.”
Por essa razão, não foram cumpridos os trâmites previstos para a fase administrativa do processo expropriativo, tendo tido lugar a arbitragem, cujo laudo fixou o valor indemnizatório a atribuir e subsequente remessa dos autos a tribunal para adjudicação do direito de propriedade à entidade expropriante.
Os sujeitos activos da relação jurídica indemnizatória são os titulares dos interesses patrimoniais lesados com a expropriação.
Nos termos do art. 9º, n.º 1 do Código das Expropriações[2] (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro), “consideram-se interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos”.
O n.º 3 do mencionado normativo legal esclarece que “são tidos por interessados os que no registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova que exibam figurem como titulares dos direitos a que se referem os números anteriores ou, sempre que se trate de prédios omissos ou haja manifesta desactualização dos registos e das inscrições, aqueles que pública e notoriamente forem tidos como tais”.
Por sua vez, dispõe o art. 40º do CE:
1 - Têm legitimidade para intervir no processo a entidade expropriante, o expropriado e os demais interessados.
2 - A intervenção de qualquer interessado na pendência do processo não implica a repetição de quaisquer termos ou diligências.”
O falecimento, na pendência do processo, de algum interessado só implica a suspensão da instância depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse, esta no caso de não ter havido investidura administrativa – cf. art. 41º, n.º 1 do CE.
No caso de existirem interessados incapazes, ausentes ou desconhecidos, sem que esteja organizada a respectiva representação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, nomeia-lhes curador provisório, devendo para o efeito, no caso de o processo de expropriação ainda não se encontrar em juízo, ser ordenada a sua remessa imediata, para nomeação do curador – cf. art. 41º, n.ºs 2 e 3 do CE.
Decorre do estatuído no art. 53º, n.ºs 1 e 2 do CE que a dúvida sobre quem são os titulares da indemnização fixada não obsta ao respectivo depósito, ficando apenas o seu recebimento dependente de decisão provisória a proferir no processo, em incidente que correrá por apenso.
Enquanto não estiver definitivamente resolvida a questão da titularidade do crédito indemnizatório, não se procede a nenhum pagamento que dela dependa sem prestação de caução; a caução prestada garantirá também o recebimento da indemnização por aquele a quem, na respectiva acção, seja reconhecido definitivamente ter direito à mesma (artigos 53º nº 3 e 71º nº 3 do CE).
Nos termos do art.º 51º, n.º 1 do CE, a entidade expropriante deve remeter o processo de expropriação ao tribunal da comarca da situação do bem expropriado acompanhado de “certidões actualizadas das descrições e das inscrições em vigor dos prédios na conservatória do registo predial competente e das respectivas inscrições matriciais, ou de que os mesmos estão omissos”.
Assim, como refere José Osvaldo Gomes, no que diz respeito aos intervenientes processuais no processo de expropriação, vigora o princípio da legitimidade aparente, pelo que a expropriante pode dirigir-se às entidades constantes das respectivas inscrições prediais e fiscais (cf. art.ºs 9º, n.º 3, 37º, n.º 5 e 40º do CE), ainda que estas não sejam as verdadeiras e actuais titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar. Acrescentando:
“Da consagração deste princípio emergem como corolários lógicos:
a) A não intervenção do verdadeiro titular dos direitos em causa não determina, em regra, a anulação dos actos já realizados;
b) Se o proprietário já tiver falecido ou falecer entretanto, desconhecendo-se os seus herdeiros, não é necessário fazer-se a habilitação daqueles, continuando o processo os seus termos legais e a instância só se suspenderá depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse […];
c) Se o verdadeiro titular do direito em causa só aparecer após o processo ter terminado, tendo a indemnização sido paga ao titular aparente, o verdadeiro titular só poderá demandar o titular aparente para reivindicar a indemnização recebida.” – cf. op. cit., pág. 371.
Prevalecem, pois, razões de celeridade processual e, sobremaneira, de interesse público na prossecução do processo expropriativo, em detrimento dos interesses privados concretos que estejam em causa, daí que a entidade expropriante não está obrigada a averiguar exaustivamente quem são os autênticos titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar, podendo dirigir-se tão-somente a quem como tal figure nas inscrições predial e fiscal, sem prejuízo de, ao longo do processo expropriativo, se se constatar desconformidade com a realidade, se proceder à correspondente correcção – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-02-2008, relator Jorge Leal, processo n.º 10390/2007-2 acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt[3].
Ademais, o falecimento de algum interessado antes da adjudicação da propriedade à entidade expropriante não implica a suspensão da instância. Antes desse momento processual, precisamente pelas mencionadas razões de celeridade e interesse público, o processo continua os seus termos legais.
Só depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse é que se ordenará a suspensão da instância, nos termos do art 270º CPC, para se fazer a habilitação de herdeiros do falecido.
Da conjugação das normas legais acima referidas e, sobremaneira, em face do falecimento de um interessado na expropriação e do disposto no art. 41º do CE, deve entender-se, tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-07-2015, relatora Maria Teresa Albuquerque, processo n.º 886/06.5TBMFR.L1-2, que:
“[…] perante o conhecimento da morte de algum dos expropriados e, suspensa a instância depois da referida adjudicação da propriedade e posse à entidade expropriante, terá querido o legislador que mantendo-se o desconhecimento dos sucessores do falecido, seja nomeado curador provisório para os representar, determinando que o mesmo só cessa a sua intervenção quando «passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificava a curadoria».
Isto significa, salvo melhor opinião, que o juiz do processo de expropriação, após a adjudicação da propriedade e posse à entidade expropriante, quando tenha conhecimento do óbito de algum interessado, não pode passivamente limitar-se a suspender a instância nos puros termos da al a) do nº 1 do art 269º e do art 270º CPC, até que se mostre «notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida», desinteressando-se em absoluto do conhecimento destes sucessores.
Deverá questionar os restantes interessados no processo relativamente à respectiva identidade, diligenciando, se necessário, em função dessas informações para vir a concretizar tal identidade, pois que, em última análise, se tais sucessores continuarem «desconhecidos», ter-lhes-á que nomear curador provisório e fazer prosseguir o processo, só cessando este a respectiva intervenção quando passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificou a curadoria.
O que implica, por um argumento de maioria de razão, que dispondo nos autos dos elementos necessários deva oficiosamente proceder à habilitação dos herdeiros do expropriado falecido.”
Pretende-se, deste modo, que o juiz participe activamente na fase judicial da expropriação assumindo a realização das diligências que se afigurem pertinentes para lograr alcançar a identificação de quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado, o que se justifica, desde logo, no âmbito de um processo que assume um cariz publicista e que contém a especificidade de os interessados serem privados da propriedade e/ou da posse do imóvel, quando não receberam ou não foi ainda fixada a indemnização definitiva a que têm direito – cf. art.ºs 15º, n.º 2, 51º, n.º 5 e 52º do CE
Por essa razão, tem sido entendido que o juiz pode oficiosamente ordenar notificações para intervenção no processo dos interessados que não tenham sido chamados, face aos interesses relevantes que estão em causa, o que atenua a exigência do impulso processual que normalmente está associado ao demandante – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-04-1995, relator Mário Pereira, CJ 1995, II, 270 – “O juiz pode, pois, oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, designadamente no que respeita à fixação da indemnização, assim suprindo a inércia, erro ou negligência do expropriante e evitando que, por incompleta indicação por este dos interessados, a instância seja julgada extinta, por preterição do litisconsórcio necessário passivo.”; no mesmo sentido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-07-2015, processo n.º 886/06.5TBMFR.L1-2, já referido.
Visa-se, desse modo, alcançar a intervenção no processo expropriativo de todos os interessados, salvaguardando até o surgimento de novos interessados (cf. art.ºs 40º e 36º, n.º 4 do CE), o que reforça a necessidade da actuação oficiosa do juiz.
Acresce que – e isto não é uma especificidade do processo de expropriação –, existindo interessados já conhecidos no processo, o juiz tem de determinar que se faça tudo o que for necessário para a sua notificação pessoal, ou seja, uma notificação com as características da citação, pois, se assim não for, estará colocado em causa o direito de acesso à justiça – cf. José Osvaldo Gomes, op. cit., pág. 383.
Todavia, não obstante as particularidades do processo de expropriação e da intervenção especialmente relevante que é atribuída ao juiz no respectivo desenvolvimento processual, e ainda que tal questão não seja indiscutível, tem-se admitido a possibilidade de a inércia das partes vir a originar as habituais consequências, entre elas, a deserção da instância – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-07-2016, relator Correia Pinto, processos n.º 1058/08.0TBFLG.P1.
No caso dos autos, ainda que não tenham tido lugar os actos ulteriores à declaração de utilidade pública que integram a fase administrativa do processo expropriativo, certo é que a titularidade da parcela n.º 119 surge, desde aquela declaração e sua publicação, imputada a “José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de”, ou seja, desde que nasceu a relação jurídica de expropriação por utilidade pública era já anunciado que o titular inscrito – José Pinto – havia falecido – cf. ponto 1. e 2. da matéria de facto.
Aliás, de acordo com os elementos documentais remetidos a juízo, designadamente do teor da certidão matricial atinente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 119, secção NN da freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, decorre que figura como titular inscrito “José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de”, o que significa, como é óbvio, que os titulares desse direito são os herdeiros de José Pinto. – cf. ponto 7..
Mais do que isso, os elementos que os autos fornecem revelam que se apresentam, ou se intitulam como actuais possuidores do prédio expropriado, Francisco …. e Gilda ……, sendo indicados como primeiros ante-possuidores o falecido José Pinto, casado com Josefa de Jesus e como segundos ante-possuidores, António Pinto, casado com Delfina …. – cf. ponto 9..
Não obstante, adjudicado o direito de propriedade à entidade expropriante, a notificação da sentença de adjudicação e do auto de arbitragem e demais elementos foi dirigida a “José Pinto – Cabeça-de-casal da Herança de”, vindo tal carta a ser devolvida. Subsequentemente, revelou-se também ineficaz a notificação através de contacto pessoal com o citando (pessoa que, em concreto, em nenhum momento foi cabalmente identificada nos autos ou sequer se diligenciou pela sua identificação) – cf. pontos 10. e 11..
De todo o modo, a certidão negativa elaborada na sequência da inviabilização do contacto pessoal dava conta do falecimento quer do titular inscrito, José Pinto, casado com Josefa de Jesus (José Pinto, Pai), quer de José Pinto, casado com Delfina …… (José Pinto, Avô) – cf. ponto 12..
Foi ainda carreada para os autos a informação de que o titular inscrito – José Pinto, casado com Josefa de Jesus, falecidos em 18 de Março de 1960 e 14 de Fevereiro de 1962, respectivamente - teria deixado como herdeiro, ainda vivo, Francisco ….., tal como resulta da informação prestada pelo Serviço de Finanças de Câmara de Lobos – cf. ponto 14..
Não obstante isso, junta a certidão de óbito relativa ao titular inscrito, foi proferido o despacho que declarou a suspensão da instância, convocando-se para tanto o disposto no art. 41º, n.º 1, a contrario do CE e nos art.ºs 276º, n.º 1 e 277º do CPC, com expressa alusão ao decurso do prazo de deserção, previsto no art. 281º, n.º 1 do CPC, ou seja, depreende-se (e outro não pode ser o sentido a retirar do texto do despacho), que o tribunal recorrido entendeu que havia que ser deduzido incidente de habilitação e que tal estava a cargo da parte interessada no prosseguimento dos autos.
Ora, está provado nos autos que o óbito do titular inscrito ocorreu muito antes da pendência deste processo, pelo que, desde logo por esse singelo motivo, não se encontravam reunidos os pressupostos para a suspensão da instância, pois que tal suspensão apenas ocorre se se verificar na pendência do processo, o que não é o caso, tanto mais que ao momento da declaração de utilidade pública da expropriação era já conhecido o óbito do titular, figurando antes como inscritos os seus herdeiros (conclusão que se impõe face à menção: “cabeça-de-casal da herança de”).
Demonstrado que o óbito de José Pinto ocorreu antes da abertura do processo de expropriação, justificava-se a realização de diligências que permitissem a identificação dos interessados/expropriados, em princípio herdeiros do titular inscrito, sendo certo que já havia indicação de um herdeiro sobrevivo, que poderia ter sido notificado para informar da existência de outros herdeiros ou dar conta de eventuais partilhas que, efectivamente, houvessem sido realizadas.
Tais informações poderiam ainda ter sido solicitadas à ora recorrente, que se arroga a qualidade de neta e herdeira do titular inscrito já falecido, ainda que sustentando ser a única titular do prédio, por ter adquirido a sua posse em partilhas verbais e o respectivo direito de propriedade, por usucapião – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-02-2008, relator Jorge Leal, processo n.º 10390/2007-2.
Impunha-se nos autos a determinação dos herdeiros do alegado expropriado, José Pinto, enquanto titular que foi do prédio a que se reportam os autos, pois que em face do princípio da legitimidade aparente, antes caracterizada, já eram então interessados na expropriação, não o referido José Pinto, mas os seus herdeiros.
Acresce que, a notificação da herança não pode ser efectuada na pessoa de um cabeça-de-casal abstracto, não identificado concretamente. Nem, por sua vez, a notificação dos herdeiros dos interessados falecidos pode ser efectuada na pessoa de um cabeça-de-casal.
Com efeito, tal como de forma cristalina se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-01-2018, relator Pedro Martins, processo n.º 2546/16.0T8LSB-2:
“A notificação do “cabeça-de-casal da herança de fulano de tal” é um erro levado a cabo pelo expropriante ao longo do processo […], mas que não tem qualquer efeito jurídico. E como esse erro foi depois seguido pelo tribunal, os herdeiros daqueles interessados […] não se podem considerar notificados nos termos do art. 51/2 do CE.
É que a carta para citação de uma herança, deve ir endereçada a uma pessoa física concreta, devidamente identificada e para a morada do mesmo e não para a morada do falecido (arts. 12, alínea a, 26, 223/1, 228/1, 246/1, todos do CPC […]
Quanto aos herdeiros eles têm que ser notificados pessoalmente e não na pessoa de um cabeça-de-casal. E, de resto, são eles que têm de ser notificados e não a herança; […] De harmonia com o disposto no art. 2091/1 do CC, os direitos relativos à herança - salvo quanto às excepções contempladas no mesmo artigo, que não têm aqui aplicação – “só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros” […].
[…] não se sabe quem são os seus herdeiros, o que é necessário para notificação dos mesmos nos termos do art. 51/2 do CE. […] ainda não foram habilitados no seu lugar nem notificados nos termos do art. 51/2 do CE. E têm de o ser.”
Assim, não estando identificados nos autos os sucessores do expropriado que havia já falecido ainda antes da abertura do processo de expropriação, tal significa que aqueles nem sequer foram chamados ao processo para assegurar o respectivo direito à atribuição da indemnização devida pela expropriação do seu direito de propriedade, que constitui o fim da remessa do processo pela entidade beneficiária da expropriação ao tribunal, para que, com tal notificação dos expropriados para a acção seja definitivamente fixado aquele que venha a ser considerado o valor da justa indemnização devida pela expropriação por utilidade pública – cf. art. 62º da Constituição da República Portuguesa e art. 1310.º do Código Civil.
Comprovado o prévio óbito de José Pinto e atentas as especificidades do processo de expropriação, não podia ficar na disponibilidade da entidade expropriante o chamamento dos sucessores do expropriado falecido, o que a não ter lugar impediria que lhes fosse entregue a indemnização devida pela ablação do seu direito de propriedade, violando-se flagrantemente o seu direito constitucionalmente consagrado.
Como tal, como se refere, em situação similar mas não idêntica, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2019, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 435/17.0T8ORM.E1:
na fase judicial do processo de expropriação o juiz deve participar activamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado, não podendo essa responsabilidade ser transferida integralmente para a entidade expropriante, levando a que a instância se considere deserta se estiver a aguardar impulso há mais de seis meses, quando não exista indesculpável negligência desta nessa inércia processual».”
Em conformidade, e conforme resulta já de tudo quanto acima se expendeu, comprovado o óbito de José Pinto muito antes do ingresso dos autos em tribunal e muito antes ainda do início da relação jurídica expropriativa, impunha-se a determinação dos herdeiros do expropriado, enquanto titular que foi do prédio do qual se destacou a parcela expropriada, operando aqui o princípio da legitimidade aparente, na medida em que então já eram interessados na expropriação, não o falecido, mas os seus herdeiros, sendo que, por sinal, o Serviço de Finanças havia já comunicado a sobrevida de um deles – cf. ponto 14..
Conclui-se, concomitantemente, que não estavam reunidos os pressupostos do art. 41º, n.º 1 do CE para a declaração da suspensão da instância, ao momento em que o senhor juiz a quo proferiu a decisão ora colocada em crise, posto que nenhumas diligências foram efectuadas no sentido de apurar aqueles que se prefiguravam como os actuais interessados na expropriação, isto é, os herdeiros de José Pinto (sem prejuízo das diligências encetadas para identificar o cabeça-de-casal) – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 26-04-2018, relator Manuel Bargado, processo n.º 576/16.0T8ORM.E1; e de 22-11-2018, relator Tomé de Carvalho, processo n.º 412/17.0T8ORM.E1 –“ Na fase judicial do processo de expropriação o juiz deve participar activamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado, não podendo essa responsabilidade ser transferida integralmente para a entidade expropriante.”
Daí que tal decisão deva ser revogada de modo a que os autos prossigam os seus trâmites normais, com a realização das diligências que se revelem oportunas para identificação dos herdeiros de José Pinto, designadamente, com a notificação de Francisco ….., mencionado no ponto 14. da matéria de facto provada, para prestação de informações nesse âmbito.
Para além da revogação do despacho que decretou a suspensão da instância, a recorrente pretende que seja proferido, em seu lugar, despacho que ordene que lhe seja efectuado o pagamento do valor indemnizatório depositado nos autos, considerando que o tribunal recorrido não apreciou o requerimento que dirigiu aos autos em 20 de Maio de 2019 (cf. ponto 16.), alegando que a escritura de justificação notarial que juntou, enquanto documento autêntico, comprova a sua titularidade quanto ao prédio expropriado, ainda que não tenha beneficiado da presunção derivada do registo e nunca tenha sido titular inscrita.
Como se deixou consignado sob o ponto 17. dos factos provados, por despacho de 6 de Junho de 2019, a 1ª instância remeteu para momento posterior a apreciação do aludido requerimento, o que significa que quer a virtualidade da junção da escritura de justificação notarial para comprovar o direito de propriedade que a recorrente reclama e a consequente titularidade do direito à indemnização, quer a sua concreta pretensão de que lhe seja pago o montante depositado nos autos, constituem questões não apreciadas pela 1ª instância e, mais do que isso, questões que não foram ponderadas no despacho de que a apelante recorre.
Como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação
Com efeito, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os art.ºs 627.º, n.º 1, 631, n.º 1 e 639.º, do CPC) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2016, relator Gonçalves Rocha, processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1 – “[…] não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1”.
Por consequência, quanto a esta concreta questão suscitada pela apelante, não sendo de conhecimento oficioso, não pode esta Relação emitir um qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois que não constituiu objecto da apreciação da decisão recorrida, constituindo questão nova, nos termos acima caracterizados, não podendo ser aqui apreciada.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que a pretensão recursória da apelante merece provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam cargo da recorrida, parte vencida no recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em revogar a decisão impugnada, devendo os autos prosseguir os seus trâmites normais, com a realização das diligências que se revelem oportunas para identificar os herdeiros de José Pinto, designadamente, com a notificação de Francisco ….., identificado no ponto 14. da matéria de facto provada, para prestação de informações nesse âmbito.
Custas a cargo da apelada.
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Lisboa, 17 de Dezembro de 2019[4]
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Adiante designado pela sigla CE.
[3] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se disponíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.