Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3410/12.7TCLRS-A.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: CONTRADITA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O incidente da contradita visa questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e a fé que possa merecer, ou seja a fonte do seu conhecimento e não directamente a veracidade do seu depoimento.
A pretensão do A. de junção de documentos, finda uma sessão de audiência de julgamento, alegando, como fundamento dessa junção, a “contra prova do invocado” na sequência do depoimento de testemunha que depusera nessa sessão, não se integra no incidente de contradita, ainda que este fosse temporalmente admissível.
A junção de documentos é admissível nos prazos previstos no artº 423 do C.P.C., que permite a junção em três momentos distintos: a) com o articulado respectivo, sem cominação de qualquer sanção; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
Cabe à parte que pretende a junção de documento alegar e demonstrar que a sua apresentação não foi possível até àquele momento, ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior.
Os meios de prova, qualquer que seja a sua natureza, destinam-se à instrução da causa, a qual “tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.”
O depoimento de testemunhas arroladas nos autos não constitui ocorrência posterior para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do nº3 do artº 423 do C.P.C.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:

           
Correm termos pelo Juízo Central Cível de Loures, autos de acção ordinária, em que é A. J... e RR. J..., S... Lda., T... Lda., A... Lda. e C... Lda.

Designada audiência de julgamento nesses autos, no dia 28/03/2017, realizou-se a 4ª sessão da audiência de discussão e julgamento, tendo nessa sessão deposto a testemunha arrolada pelos 1º e 2ª RR., P..., filho do R. J...

Em 06/04/2017, pelo A. e recorrente J..., foi apresentado requerimento nos autos com o seguinte teor:
“C) Da junção de documentos na sequência do depoimento de uma testemunha
Em sede de audiência de julgamento, a testemunha P... afirmou que quem liquidou a totalidade dos valores devidos pela compra e venda, a que se reporta o documento n.º4 em anexo à Réplica, foram os ora RR´s (e nunca o aqui A.). Nesse seguimento, afirmou também que o documento n.º3 em anexo à Réplica não corresponde a nenhum pagamento efetuado pelo A., e muito menos no âmbito da referida compra e venda.

Assim, para contra prova do invocado e, simultaneamente, para prova dos temas 2º e 8º, requer-se a junção aos autos dos seguintes documentos:
Documento n.º1 que é uma certidão judicial, através da qual resulta, com relevo para a presente acção, que (i) foi pedido o depoimento de parte de P..., no âmbito do processo que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa, sob o número 33101/96.8TVLSB, tendo este depoimento vindo a concretizar-se; (ii) que em 1997 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda com o “Grupo ...” (através da sociedade L...) com a aqui 3º R (que funcionou nesse contrato como sociedade instrumental), tendo o respetivo contrato sido resolvido em 28 de Novembro de 1997 e sendo chamado o verdadeiro proprietário, J..., a pagar, através de cheque pessoal, o valor da respectiva resolução; (iii) na acção que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa, sob o número 33101/96.8TVLSB, os únicos que contestaram (fls 13 e 34), pagaram e levaram o processo até ao fim foram J... e M...; (iv) que foi através do cheque n.º 2856794405, emitido em 02 de Novembro de 1995, sobre a Caixa Geral de Depósitos, que o Réu J... pagou à Autora (sociedade S...), por conta da primeira prestação devida, a importância de Esc. 8.800.000$00 (oito milhões e oitocentos mil escudos), fls 18, 42 e 43; (v) foram os Réus contestantes (J... e M...) que efectuaram obras no respetivo armazém, no valor de 38.000.000.00 escudos, cf fls 29 e 43 e de 16.700.346.00 escudos, cf. fls 3 e 43 (vi) foi o aqui A. e esposa que prestaram garantia bancária no âmbito da condenação nesse processo, no valor de €148.706,64 (euros), cf. fls 55 e 56.
Documento n.º2 que é uma certidão judicial, através da qual resulta, com relevo para a presente ação, que: (i) na sequência do processo supra referido, foi instaurado um processo de consignação em depósito, que correu termos na 2ª Secção da 12º Vara Cível sob o n.º 757/11.3TVLSB, cf lfs 2; (ii) nesse processo o aqui A. prestou caução, mediante garantia bancária, cf fls2 e seguintes; (iii) como sempre, foi o aqui A. que pagou as custas processuais (fls 5); (iv) em 27/05/2011 foi o aqui A que depositou na Caixa Geral de Depósitos o montante de €148.821,37 (euros), fls 27 a 33; (v) que o processo da compra e venda, a que se refere o documento n.º 4 em anexo à Réplica, culminou com uma transacção através do qual foi o aqui A que pagou a quantia de €148.821,37, acrescida de juros de mora no valor de €5245,34 e de custas de parte no valor de €1542, 75 tendo essa transacção sido homologada por Sentença, fls 34 a 40.
Requer-se a junção aos autos do documento n.º3 da autoria da sociedade S... SA.”
Após, foi proferido despacho na 5ª sessão da audiência de julgamento, realizada em 19/04/2017, com o seguinte teor, na parte que ora interessa: “Já no que concerne ao ponto C) desse requerimento afigura-se-nos que o mesmo se cinde em duas realidades: a primeira delas destina-se claramente, e como ali expresso pelo Autor, a fazer contraprova das referências feitas por P... em sede de depoimento testemunhal, a tanto se destinando um conjunto de documentos que para tal fim o Autor apresenta.
Ora, tal como refere o Réu J... a fls. 645 dos autos, a contraprova de um depoimento testemunhal alcança-se processualmente por um único meio, que é a contradita, tal como a mesma se encontra prevista no artigo 521.º do Código de Processo Civil, tratando-se de incidente que tem as especificidades quanto ao seu processamento consignadas no artigo 522.º, o qual expressamente estabelece no seu n.º 1 que a contradita é deduzida quando o depoimento termina.
Tal significa que a pretensão do Autor vertida naquele ponto do seu requerimento de fls. 542 é inadmissível no momento em que foi apresentada, por extemporânea, e por conseguinte os documentos a tanto destinados, cuja junção apenas é possível no contexto daquele incidente, igualmente se mostram inadmissíveis uma vez que apenas no âmbito daquele incidente da contradita poderiam ser deferidos.
No tocante ao outro segmento vertido no ponto C) daquele requerimento, qual seja o da junção de um conjunto de documentos para prova dos temas 2.º e 8.º da base instrutória, igualmente terão os mesmos que ser indeferidos face ao que prescreve o artigo 423.º CPC, maxime nos seus números 2 e 3.
Assim, determina-se o desentranhamento da planta de síntese que se encontra a fls. 540, bem como o desentranhamento dos documentos de fls. 545 a 642, e a sua entrega ao Autor.
Custas do incidente pelo Autor, que se fixam em 3 (três) U.C.s.
Notifique.”

*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“B. Conclusões
i. Através de requerimento, que deu entrada em juízo em 06/04/2017, e na sequência do depoimento de uma testemunha, no âmbito da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 28/03/2017, o A. (aqui Recorrente) peticionou a junção de três documentos.
“para contra prova do invocado e, simultaneamente, para prova dos temas 2º e 8º”.
ii. O Recorrente explicitou os motivos dessa junção e, designadamente, quais os pontos desses documentos que contraditavam o depoimento em causa.
iii. Sucede que o Tribunal a quo proferiu despacho através do qual determinou o desentranhamento de três documentos (determinou o desentranhamento dos documentos de fls 545 a 642) porquanto entendeu que a sua junção foi “extemporânea”, na medida em que “a contradita é deduzida quando o depoimento termina”
iv. Ora, é com este despacho que o A (aqui Recorrente) não se conforma e, por isso, dele recorre.
v. Nos termos do disposto no n.º3 do artigo 522º do CPC, “os documentos (sobre a matéria da contradita) podem ser oferecidos até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa”
vi. No caso, os documentos foram juntos antes de “ser proferida decisão sobre os factos da causa”.
vii. Assim, visando a junção dos documentos referidos supra a contradita do depoimento de uma testemunha, no âmbito da audiência de discussão e julgamento, que teve lugar no dia 28/03/2017, dúvidas não existem sobre a tempestividade da sua junção (contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo) e, por isso, deve revogar-se a decisão de que se recorre, por violação dos artigos 521º e n.º3 do artigo 522º do CPC.
viii. Nesta linha de raciocínio, importa realçar que os documentos em causa não só “contraditam” o depoimento da testemunha em causa como, especificamente quanto aos documentos n.º1 e n.º2, são um meio de prova manifestamente relevante para contraditar esse mesmo depoimento.
ix. Efetivamente, dizendo esses documentos respeito a um pagamento que foi liquidado diretamente no âmbito de um processo judicial, a prova desse pagamento pode ser efectuada através da junção da respetiva certidão judicial (não podendo sequer configurar-se o comprovativo desse pagamento como uma prova extra processual).
x. Assim, tendo a “contradita” sido tempestivamente deduzida e sendo os documentos cuja junção se requereu relevantes para a boa decisão de causa, deve revogar-se o despacho de que se recorre, por violação do disposto nos artigos 3º, n.3, 4º, 521º, 522º, n.º1 e 2 do CPC, e, nessa sequência, permitir a junção dos documentos em causa aos autos.
xi. Quanto à relevância dos documentos em causa, importa ainda notar que o Tribunal a quo – numa decisão, no mínimo, insólita – minutos depois de ter proferido o despacho de que se recorre (e de ter condenado o aqui A./Recorrente a pagar 3 UC´s pelo desentranhamento dos documentos), decidiu, “oficiosamente”, confrontar a parte com um dos documentos que (minutos antes) mandara desentranhar e ordenar a sua junção aos autos!
xii. Ou seja, documentos que minutos antes foram mandados desentranhar (e levaram a uma condenação do aqui A/Recorrente a pagar 3 UC´s), foram seguidamente juntos aos autos, de forma oficiosa, algo que demonstra que os mesmos eram pertinentes para a boa decisão da causa (e, por isso, não deviam ter sido mandados desentranhar) e que jamais deviam ter levado à condenação em multa, devendo por isso revogar-se a decisão do Tribunal a quo também quanto a esta condenação em multa.
xiii. A este propósito, registe-se que o desentranhamento dos documentos cuja junção foi requerida pelo A./Recorrente, contrasta com a atitude processual do Tribunal a quo perante os RR´s que, em todas as audiências, foram admitidos a juntar diversos documentos e, relativamente aos quais bastava o Tribunal “aperceber-se” que havia documentos “na posse dos mandatários dos Réus”, relativos a matérias em discussão nos autos, para logo “determinar oficiosamente” a sua junção aos autos,
xiv. Assim, importa igualmente concluir que o despacho de que se recorre também viola o princípio da igualdade das partes, preceituado no artigo 4º do CPC.
xv. Por mera hipótese, caso não se entendesse que o despacho de que se recorre violou o instituto da contradita, então devíamos ser levados a concluir que o mesmo violou a parte final do nº 3 do artigo 423º do CPC e, nessa medida, deve ser revogado.
xvi. Conforme se pronunciou recentemente o Tribunal da Relação de Guimarães, “nada obsta à junção dos documentos, cuja razão de ser é a de retirar credibilidade às declarações prestadas (…) e, por isso, só se torna necessária depois do depoimento prestado (…) em tais circunstâncias, estamos perante a ocorrência posterior a que alude a parte final do nº 3 do art. 423º do CPC.”
xvii. Assim, tendo em conta o teor do requerimento de 6 de Abril de 2017, visando os documentos cuja junção se requer “retirar credibilidade” às declarações prestadas pela Testemunha Paulo Rosa (e por isso, só se tornando necessária a sua junção depois do depoimento prestado) deve revogar-se o despacho de que se recorre, por violação do disposto nos artigos 3º, n.3, 4º, e na parte final do nº 3 do artigo 423º do CPC e, nessa sequência, permitir a junção aos autos dos documentos n.º1 e n.º2 em anexo ao aludido requerimento, só assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA”
Pelos RR. foram interpostas contra-alegações, pugnando pelo indeferimento do recurso.

QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Tendo este preceito em mente, a questão a decidir versa sobre a admissibilidade e tempestividade da junção de documentos na pendência da audiência de discussão e julgamento, mormente para abalar a credibilidade do depoimento de uma testemunha.

MATÉRIA DE FACTO.
A matéria de facto a considerar é a descrita em relatório já elaborado.
 
DO DIREITO.
Alega o recorrente que os documentos cuja junção requereu em 06/04/2017, se destinavam a contraditar o depoimento de uma testemunha que prestara depoimento em audiência de julgamento realizada em 28/03/2017, sendo assim relevante e tempestiva a sua junção, por os documentos respeitantes à contradita poderem ser juntos até ao momento em que foi proferida decisão na causa e ainda por tais docs. serem admissíveis ao abrigo do disposto no artº 423 nº3 do C.P.C., uma vez que, visando retirar credibilidade às declarações prestadas, apenas se ter tornado necessária a sua junção, após a prestação deste depoimento.

Decidindo
a)- da admissibilidade e tempestividade da junção de documentos na pendência da audiência de discussão e julgamento.

Invoca o recorrente como primeiro fundamento do recurso que, visando a junção destes documentos a contradita do depoimento de uma testemunha, no âmbito da audiência de discussão e julgamento, que teve lugar no dia 28/03/2017, a tempestividade da sua junção, uma vez que os documentos no incidente de contradita podem ser juntos até à decisão sobre os factos da causa.

Sobre o incidente da contradita dispõe o artº 521 do C.P.C., o qual dispõe que “A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer”

A propósito deste incidente, em comentário ao então artº 640 do C.P.C., referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Pág. 459) que no incidente de contradita, “faz-se um ataque, não ao depoimento propriamente dito, mas à pessoa do depoente; não se alega que o depoimento é falso, que a testemunha mentiu; alega-se que, por tais e tais circunstâncias, exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito. Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha, é que as declarações desta são postas em causa; mas ainda aqui não se atacam directamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta.”

Ou seja, visa este incidente questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e não directamente a veracidade do seu depoimento (embora indirectamente, pois que procedendo este incidente, esta possa ficar inquinada pela falta de credibilidade ou isenção da testemunha em causa).

Como refere Luis Filipe Pires de Sousa in a “Prova Testemunhal”, a págs. 269, “pode invocar-se como fundamento da contradita qualquer circunstancionalismo que afecte a razão de ciência invocada pela testemunha (…) ou afecte a credibilidade que a testemunha mereça. Entre os factores capazes de afectarem a fé ou a credibilidade da testemunha encontram-se: o estado; a vida e costumes da pessoa; o interesse no pleito; o parentesco ou relacionamento com as partes.”    
               
Sobre o momento temporal para a sua dedução, estipula o artº 522 nº1 do C.P.C. que este incidente deve ser deduzido quando o depoimento termina.

Ora, tendo deposto a testemunha P... em audiência de julgamento realizada no dia 28/03/2017, do teor da respectiva acta, resulta que pelo A. não foi deduzida a contradita desta testemunha. Não tendo deduzido a contradita da referida testemunha no momento próprio, não se percebe a pretensão de junção de documentação ao abrigo de um inexistente incidente.

Por outro lado, o A., no seu requerimento de 06/04/2017, requereu a junção destes documentos alegando fazê-lo “na sequência do depoimento de uma testemunha”, mormente a testemunha P..., uma vez que esta teria afirmado que “quem liquidou a totalidade dos valores devidos pela compra e venda, a que se reporta o documento n.º4 em anexo à Réplica, foram os ora RR´s (e nunca o aqui A.). Nesse seguimento, afirmou também que o documento n.º3 em anexo à Réplica não corresponde a nenhum pagamento efetuado pelo A., e muito menos no âmbito da referida compra e venda.”, mais requerendo a junção destes documentos para “contra prova do invocado e, simultaneamente, para prova dos temas 2º e 8º”

É esta pretensão bem diversa da contradita.

Não pretende o A. com a junção destes documentos, alegar que por razões não mencionadas pela testemunha (parentesco, amizade, inimizade, interesse na causa ou outro), esta não é uma testemunha isenta, nem credível, não devendo o seu depoimento merecer qualquer fé ao tribunal.

Pretendeu antes o A. juntar aos autos documentos que, na sua óptica contrariassem o teor do depoimento desta testemunha, o que não é o mesmo que a contradita da testemunha, não sendo pois de manter o despacho proferido pela Mmª Juiza “ad quo” quando refere que “a contraprova de um depoimento testemunhal alcança-se processualmente por um único meio, que é a contradita.”

A contradita não se destina de todo à contraprova de um depoimento testemunhal, destina-se a abalar a credibilidade e a fé que a testemunha possa merecer ao tribunal, podendo por esse meio por em causa o teor do seu depoimento, por se demonstrar não ser esta isenta ou credível.

Assim a pretensão do A. de junção de documentos, alegando, como fundamento dessa junção, “contra prova do invocado” na sequência do depoimento de testemunha que depusera em anterior sessão de julgamento, não se integra no incidente de contradita, ainda que este fosse temporalmente admissível.  

Assim sendo, tais documentos nunca poderiam ser admitidos no âmbito do incidente de contradita, independentemente da sua tempestividade, só podendo ser admitidos, nos termos previstos no artº 423 do C.P.C.

Nestes termos e após considerar intempestivos porque não deduzidos nos termos e prazos da contradita, considerou ainda a Sr. Juiza que “No tocante ao outro segmento vertido no ponto C) daquele requerimento, qual seja o da junção de um conjunto de documentos para prova dos temas 2.º e 8.º da base instrutória, igualmente terão os mesmos que ser indeferidos face ao que prescreve o artigo 423.º CPC, maxime nos seus números 2 e 3.”

Estabelece este preceito legal um regime mais restritivo, no que se reporta ao momento da apresentação da prova por documentos, do que o definido no anterior Código de Processo Civil de 1961, mormente no seu artº 523, no qual se permitia a junção de documentos até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, sujeito a multa, se a parte não demonstrasse que os não tinha podido oferecer em momento anterior.

Como decorre dos Considerandos da Proposta de Lei 113/XII, “Em consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final, visando disciplinar a produção de prova documental, é estabelecido que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, assim se assegurando o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios.”, sabido que a junção de documentos em audiência de julgamento e a necessidade de assegurar o exercício do contraditório, conduz muitas vezes ao seu adiamento e introduz um factor de morosidade e complexidade nos autos, sendo por vezes estes documentos juntos já após a produção de prova testemunhal, com a necessidade da sua eventual reinquirição.

Pretendeu-se assim introduzir, “uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final” - vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, Vol. I, Almedina, 2013, pág. 340. (Vide ainda J. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pág. 250 e Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, Ediforum, Lisboa, 2013, pág. 158, este, salientando que os actuais n.ºs 2 e 3 correspondem, com um grau de exigência bastante superior, ao n.º 2 do art.º 523º, do CPC de 1961.)

Assim, no âmbito do artº 423 do N.C.P.C. introduzido pela lei 41/2013, consignam-se três momentos possíveis para a junção de documentos pela parte, sendo o primeiro a regra e os seguintes excepções:
a)- com o articulado respectivo, sem cominação de qualquer sanção;
b)- até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes;
c)- até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.

Ou seja, quando a parte não apresenta o documento com o respectivo articulado, se a apresentação for feita dentro do limite temporal traçado no artigo 423.º, n.º 2, primeira parte do Código de Processo Civil e a parte nada disser quanto à razão por que não juntou os documentos com o articulado em que alegou os factos respectivos, nem provar que não os pôde oferecer com tal articulado, sujeita-se ao pagamento da multa ali prevista, mas os documentos são admitidos (salvo caso de impertinência para a instrução da causa).

No nº 3 deste preceito, estes documentos só são admitidos alegadas e demonstradas as circunstâncias excepcionais aí referidas.

Assim sendo, a junção de documentos após a fase prevista no nº1 e 2 do C.P.C., é admissível apenas quando a sua apresentação não tenha sido possível nos dois momentos anteriores, ou se tornem necessários apenas por virtude de ocorrência posterior.

Neste caso, a parte que pretende a junção de documentos fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do C.P.C. deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior. (neste sentido vidé Acs. do T.R.C. de 24/03/2015, proc. nº 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1; Ac. R. Porto de 15/02/2016, Proc. nº 96/14.8TTVFR-A.P1 e Ac. do STJ de 23/06/2016, proferido no Proc. nº 359/07.9TBOPR.P1.S1).

Ora, no seu requerimento o A. não cumpriu este ónus que lhe era imposto, uma vez ultrapassados os prazos previstos nos nºs 1 e 2 do referido preceito legal. Alegou apenas que pretendia a junção destes documentos na sequência do depoimento da testemunha Paulo ... ... ..., para “contra prova do invocado e, simultaneamente, para prova dos temas 2º e 8º”. Não invocou, nem a contradita que agora apenas em sede de recurso invoca e que é inadmissível, nem que a oportunidade de junção destes documentos surgira apenas por via de ocorrência posterior, ou sequer que considerava como ocorrência posterior o depoimento da referida testemunha.

Formulou um requerimento de junção de documentos, sem fundamentar nem as concretas razões da sua junção, nem as normas legais que lhe permitiriam essa junção excepcional.

Ora, se tal era admissível em sede do disposto no artº 523 do C.P.C. de 1961, não o é no actual código de processo civil. 

Por outro lado, ao contrário do que invoca o recorrente em sede de alegações de recurso, o depoimento de uma testemunha não constitui a ocorrência posterior que torna necessária a junção de documentos, nem tal foi invocado ou sequer foi objecto de despacho judicial.

Os meios de prova destinam-se à instrução da causa, a qual “tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.”

A necessidade de junção ou não de documentos reporta-se sempre aos factos integrados nos temas de prova e visa a sua prova ou contraprova.

O depoimento de uma testemunha, arrolada nos autos, não constitui nunca ocorrência posterior que possibilite a junção de documentos. Considerar o contrário, seria permitir que a cada testemunha, fosse possível à parte a junção de mais documentos, fora dos momentos temporais consignados na lei e ao arrepio da restrição que o legislador procurou estabelecer com esta norma.

Por outro lado, não se vê que esteja violado o princípio da igualdade entre as partes.

O facto de a Srª Juíza “ad quo” ter admitido a junção de documentos em sede de anterior sessão de julgamento, por parte dos RR., enquadrando-os (de forma errónea) em sede de contradita, deduzida quando o depoimento da testemunha terminara, não mereceu qualquer reacção por parte do A. que com ele se conformou e com base no qual lhe foi igualmente permitido proceder à junção de documentos.

Não pode tal despacho servir para admissão de outros documentos por parte do A., integrados numa contradita que não deduziu. Não pode igualmente servir para admissão destes documentos, posteriores despachos proferidos pela Srª Juiz “ad quo”, sendo certo que o princípio do inquisitório (art. 411 do CPC) não pode ser utilizado para introduzir no processo documentos que a parte não apresentou atempadamente nos termos do art. 423 do CPC.

Nem constitui fundamento de admissibilidade, posterior despacho da referida Srª Juiz “ad quo”, que determinou a junção oficiosa, alegadamente de um dos docs. integrados em sede de decisão recorrida, por o ter entendido necessário à boa decisão da causa (despacho esse impugnável afinal). Tal despacho, não determina a invalidade quer do despacho recorrido quer da sanção aplicada, que corresponde à sanção devida pelo incidente suscitado. Significa simplesmente que em relação a este documento, porque afinal não vencido pela posterior junção, perdeu o A. o direito de recorrer.
 
DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho recorrido mas com fundamentos parcialmente diferentes.
Custas do recurso pelo apelante.



Lisboa 6 de Dezembro de 2017


                                  
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A.A. Carvalho
Decisão Texto Integral: