Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8014/15.0T8LSB-A.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: VALOR DA ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

“I – São ações sobre interesses imateriais aquelas cujo objeto não tem valor pecuniário, visando a declaração ou efetivação de um direito extrapatrimonial.
II – Não reporta a interesses imateriais o pedido de que o Condomínio seja condenado a não voltar a incluir as lojas das autoras no leque de condóminos que estão obrigados a contribuir para suportar despesas existentes ou futuras com um determinado sistema de fornecimento de ar/água quentes e frios, quer em termos de manutenção quer de qualquer outro tipo de reparação ou substituição, por não possuírem aquelas lojas tal instalação nem qualquer tipo de pré-instalação para o efeito.
III – Tal pedido deve aliás considerar-se formulado em cumulação aparente com o de anulação da deliberação da assembleia de condóminos que incluiu as lojas de que as Autoras são proprietárias, como contribuintes das despesas emergentes do referido sistema e que aprovou uma quota-extraordinária para suportar despesas que se prendem com a substituição de tubagem do predito sistema, “por violação do disposto no artigo 1424º do Código Civil””.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação



I – “A, Lda.”, e BS – condóminas das frações autónomas – lojas – que referenciam, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, que igualmente identificam, intentaram ação declarativa, com processo sob a forma comum, contra os também condóminos do mesmo imóvel, AF e FB; BM, JP; FC; AF; LP; JL; SF; MA; JR; JM; PO; PR; ER; AS; FP; AW; AA; VA e AD; ALD; OM; MR; FF, e LP, pedindo:

a) “A anulação da deliberação” – tomada em Assembleia Geral do Condomínio da AO, Lote …, sito na Alameda…, em Lisboa, realizada no dia 26.01.2015 – “por violação do disposto no artigo 1424º do Código Civil, na parte em que inclui as lojas de que as Autoras são proprietárias, como contribuintes das despesas emergentes do sistema Climaespaço, pelo que os valores das respetivas contribuições de condomínio deverão ser recalculadas sem a inclusão daquelas quantias.”.

b) A anulação da deliberação por violação do disposto no artigo 1424º do Código Civil, na parte em que aprovou uma quota-extraordinária para suportar despesas que se prendem com a substituição de tubagem do predito sistema Climaespaço, porquanto inclui as lojas como contribuintes das despesas emergentes do sistema Climaespaço, pelo que os valores dessa quota-extraordinária não se afigura como legalmente devida, e por isso deverão as mencionadas lojas ser excluídas da obrigação de pagamento daquelas quantias.

c) Por força de tal anulação deverão as contribuições que eventualmente tenham sido pagas, fruto da aprovação da referida deliberação cuja anulação se requer, ser devolvidas na parte que se refere àquelas despesas;

d) Que o Condomínio seja condenado a não voltar a incluir as lojas no leque de Condóminos que estão obrigados a contribuir para suportar despesas existentes ou futuras com o predito sistema Climaespaço, quer em termos de manutenção quer qualquer outro tipo de reparação ou substituição;”.

Tendo atribuído à ação o valor de € 1.000,00.

Contestou a “Administração do Condomínio…”, na qualidade de representante dos condóminos RR., desde logo impugnando o valor atribuído à causa pelos AA. e propondo em sua substituição, o de € 30.000,01.

E, assim, considerando que “os pedidos formulados pelas AA. correspondem a interesses imateriais”, cobrando pois aplicação o disposto no artigo 303º, do Código de Processo Civil.

Rematando, para além da alteração do valor da causa, com a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Em subsequente despacho, reproduzido a folhas 92 e 93, foi fixado à causa o valor de € 3.664,52, “valor esta correspondente à soma das contribuições ordinárias e extraordinárias devidas pelas AA. de acordo com as deliberações que aquelas pretendem anular na presente acção.”.

Inconformado recorreu o R., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“A) As AA. instauraram a presente acção judicial, requerendo a anulação de deliberação, na parte em que inclui as lojas como contribuintes das despesas emergentes do sistema Climaespaço, a anulação da deliberação, na parte em que aprovou uma quota-extraordinária para suportar despesas que se prendem com a substituição de tubagem do predito sistema Climaespaço, porquanto inclui as lojas como contribuintes das despesas emergentes do sistema Climaespaço, a devolução de contribuições que eventualmente tenham sido pagas, fruto da aprovação da referida deliberação cuja anulação se requer, e, ainda, que “o Condomínio seja condenado a não voltar a incluir as lojas no leque de Condóminos que estão obrigados a contribuir para suportar despesas existentes ou futuras com o predito sistema Climaespaço, quer em termos de manutenção quer qualquer outro tipo de reparação ou substituição”.
B) As AA. atribuíram à acção o valor de € 1.000,00, valor este que veio a ser impugnado em sede de contestação pelos RR.
C) O Tribunal decidiu que, nos termos do artº 301º, nº1 do CPC, o valor da acção corresponderia apenas ao valor das deliberações tomadas, no que respeita às AA., pelo que fixou à causa o valor de € 3.664,52, correspondente à soma das contribuições ordinárias e extraordinárias devidas pelas AA., de acordo com as deliberações que aquelas pretendem anular na presente acção.
D) Tal decisão é, nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 629º e al. a) do n.º 1 artigo 644.º do CPC, susceptível de recurso imediato
E) Na fixação do valor da causa, Tribunal a quo não atendeu à totalidade dos pedidos formulados pelas AA.
F) Na fixação do valor da causa, Tribunal a quo não atendeu, nomeadamente, ao pedido formulado pelas AA. no sentido de “o Condomínio seja condenado a não voltar a incluir as lojas no leque de Condóminos que estão obrigados a contribuir para suportar despesas existentes ou futuras com o predito sistema Climaespaço, quer em termos de manutenção quer qualquer outro tipo de reparação ou substituição”.
G) Na fixação do valor da causa há que atender aos vários pedidos formulados pelas AA..
H) Tratando-se de pedidos cumulativos, o valor da acção há-de corresponder à soma dos valores de cada um.
I) O pedido de “o Condomínio seja condenado a não voltar a incluir as lojas no leque de Condóminos que estão obrigados a contribuir para suportar despesas existentes ou futuras com o predito sistema Climaespaço, quer em termos de manutenção quer qualquer outro tipo de reparação ou substituição” não tem utilidade económica definida.
J) Estamos perante despesas futuras, de montante e por tempo desconhecido e indeterminado, com efeitos perante as AA., os RR. e todos os demais condóminos.
K) Para efeitos de atribuição do valor à acção, deve entender-se estarmos perante uma situação que visa a salvaguarda de interesses imateriais.
L) Aplicando-se o disposto no artigo 303º, nº 1 do CPC, o valor da presente acção deve ser fixado em € 30.000,01.
M) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação, não apenas da pretensão dos AA., mas das normas constantes dos artigos 297º, número 2, 301.º e 303.º, todos, do CPC que, interpretados e aplicados correctamente, levariam à fixação do valor da acção em € 30.000,01.”

Termina com a substituição da decisão proferida sobre o valor da causa, por outra, que fixe tal valor em € 30.000,01.

Contra-alegaram as Recorridas, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se o pedido formulado em d) da conclusão da petição inicial, “visa a salvaguarda de interesses imateriais”.

***
Com interesse, emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra, em sede de relatório.
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Vejamos.

1. “As acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01.”, cfr. art.º 303º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Referindo-se José Alberto dos Reis[1] às ações sobre interesses imateriais como aquelas “cujo objecto não tem valor pecuniário (…) visam à declaração ou efectivação dum direito extra-patrimonial.”.
Entrando “certamente neste grupo a inibição do poder paternal ou de funções tutelares (…) as providências relativas a filhos e cônjuges (…), o processo para a deliberação do conselho de família e de tutela (…), a verificação da gravidez 8…), as relativas a propriedade industrial, literária, científica ou artística.”.

Consonantemente tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, em Acórdão de 08-10-1992,[2] que “As acções sobre interesses imateriais são, para os efeitos do artigo 312 – lugar paralelo, no Código de Processo Civil de 1961, do sobredito artigo 303 – do Código de Processo Civil, aquelas em que se façam valer direitos a que não seja possível atribuir valor pecuniário.”.

E, em Acórdão de 20-05-1992,[3]          que “II - As acções sobre interesses imateriais, a que se refere o artigo 312 (no novo Código de Processo Civil, artigo 303º) são aquelas cujo objecto não tem valor pecuniário, isto é, que se destinam à declaração ou efectivação dum direito extra-patrimonial. Trata-se de acções a que se não pode atribuir valor pecuniário.”.

Porém, o pedido de que “o Condomínio seja condenado a não voltar a incluir as lojas no leque de Condóminos que estão obrigados a contribuir para suportar despesas existentes ou futuras com o predito sistema Climaespaço, quer em termos de manutenção quer qualquer outro tipo de reparação ou substituição;”, tem claramente um valor pecuniário, correspondente, precisamente, ao das tais despesas existentes ou futuras.

As quais, na economia das disposições do Código de Processo Civil relativas à fixação do valor da causa, e diversamente do pretendido pela Recorrente, não são reportadas a interesses imateriais.

2. Para além disso, e desde logo, a formulação do referido pedido não implica uma cumulação real com os demais pedidos das alíneas a) a c).

Aquela, como refere Alberto dos Reis,[4] citando o Prof. Paulo Cunha,[5] ocorre “quando se formula mais do que um pedido de carácter substancial, isto é, mais do que um pedido a respeito de relação jurídica material ou substancial.”.

Havendo “cumulação aparente quando a multiplicidade de pedidos é de carácter processual.”.

E exemplifica, quanto à segunda hipótese:

“A pede que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre um prédio de que B está de posse e que este seja condenado a entregar-lhe o mesmo prédio (…) a acumulação é aparente. Sob o ponto de vista substancial o pedido é um só num e noutro caso. A acção de reivindicação é uma acção de condenação; mas toda a condenação pressupõe uma apreciação prévia, de natureza declarativa. De maneira que, ao pedir-se o reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a condenação na entrega (efeito executivo), não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, unicamente se indicam as duas operações ou as duas espécies de actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da acção.”.

Também, “Para se ter como certo que (…) a cumulação de pedidos é aparente, basta considerar que o autor conseguiria precisamente o mesmo resultado se houvesse formulado um único pedido. Imagine-se que o autor tendo alegado o seu direito de propriedade sobre o prédio, se limitava a pedir que o réu seja condenado a entregar-lho. As coisas passar-se-iam exactamente da mesma maneira; o tribunal; para proferir a condenação pedida, teria necessariamente de apreciar se o direito de propriedade pertencia ao autor”.

Referindo Anselmo de Castro que[6] “há um elemento comum às acções de simples apreciação, condenação e constitutiva: o carácter total ou parcialmente declarativo da actividade do tribunal. Em qualquer destes tipos de acções há sempre a necessidade de verificação e declaração judicial de uma situação jurídica anteriormente existente. Nalgumas – típicas são as de simples declaração – o poder jurisdicional esgota-se aí; noutras, porém, a referida declaração é pressuposto de certa providência (condenatória, constitutiva, ou preventiva), assumindo, assim, a declaração um sentido meramente instrumental.” (sublinhado nosso)

De modo afinal convergente, ensinando Castro Mendes[7] que “Do ponto de vista económico, que domina a matéria de fixação do valor da causa (artº 305º; n.º 1) é necessário distinguir a cumulação real de pedidos da cumulação aparente. Na primeira o autor pretende utilidades económicas diversas; na segunda, embora tenha de formular várias pretensões correspondentes a vários estádios jurídicos da tutela do seu interesse a utilidade económica imediata derivada da procedência do pedido é uma só (cfr. art.ºs 26º, n.º 2, e 305º, n.º 1)”.

E prossegue, “Assim, pedindo-se a anulação de um contrato de compra e venda cujo preço for de 40 contos é este o valor da causa (…) pedindo-se a anulação de um contrato de compre e venda cujo preço foi de 40 contos e a restituição da coisa vendida cujo valor é de 100 contos, é de 100 contos o valor da causa – a cumulação do pedido constitutivo de anulação com o pedido condenatório de restituição é, no plano económico, meramente aparente, não se aplicando o art.º 306º, n.º 2.”.

Ora ponto é que o pedido formulado em d) da conclusão da petição inicial, corresponde a um resultado prático que logo decorre da eventual procedência dos pedidos formulados em a) e b), da mesma conclusão.

Da “anulação da deliberação por violação do disposto no artigo 1424º do Código Civil, na parte em que inclui as lojas de que as Autoras são proprietárias, como contribuintes das despesas emergentes do sistema Climaespaço (…).”, e da “anulação da deliberação por violação do disposto no artigo 1424º do Código Civil, na parte em que aprovou uma quota-extraordinária para suportar despesas que se prendem com a substituição de tubagem do predito sistema Climaespaço, porquanto inclui as lojas como contribuintes das despesas emergentes do sistema Climaespaço (…)”, decorre já a ilicitude…da inclusão das referenciadas lojas dos AA. como “contribuintes das despesas emergentes do sistema Climaespaço”.

Sejam aquelas presentes ou futuras.

Certo a propósito que tal ilicitude é equacionada, na petição inicial, na alegada circunstância de “Nenhuma das referidas Lojas possui(r) qualquer tipo de equipamento ou pré-instalação de climatização que seja fornecida ou possa ser fornecida pela sociedade "Climaespaço” entidade que na zona da Parque Expo se dedica a prestar serviços de fornecimento de ar frio e quente, águas quentes e frias, etc.”.

Não sendo “As referidas lojas (…) servidas por qualquer tipo de pré-instalação ou instalação da Climaespaço.”, que, “Por esse motivo (…) não lhes poderá fornecer o que quer que seja por força da aludida inexistência da referida pré-instalação.”.

Sendo que “As AA. para além de não serem servidos por tal sistema não têm interesse no mesmo.”.

Possuindo “As fracções autónomas existentes nos Blocos - mais precisamente as habitações – (…) a referida pré-instalação, sendo por isso utilizadoras, ou pelo menos podendo ser utilizadoras do referido sistema de climatização denominado de forma abreviada como Climaespaço.”.

“Apesar de ser uma parte comum do condomínio, o referido sistema de climatização não existe nas fracções das Autoras, não existindo qualquer tipo de pré-instalação que permita às Autoras, caso assim o entendesse poder passar a utilizar ou beneficiar da aludida climatização.”.

Sendo abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença, como se decidiu, v.g., nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-06-1976,[8] com anotação concordante de Vaz Serra, na R.L.J, Ano 110º, pág. 232, e de 09-05-1996.[9]


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Improcedem assim as conclusões da R.

E, visto o disposto no art.º 301º, n.ºs 1 e 2, e 297º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nada há a censurar ao cômputo afinal efetuado na 1ª instância.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela R., que decaiu totalmente.


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Lisboa, 2016-04-28

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)


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[1] In “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 3º, pág.625.
[2] Proc. 082145, Relator: SAMPAIO DA SILVA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.  
[3] Proc. 003428, Relator:            BARBIERI CARDOSO, no mesmo sítio da internet.
[4] In “Comentário ao Código de processo Civil”, Vol. 3º, págs. 147-149.
[5] In “Processo de declaração”, 1º, 2ª ed., pág. 208.
[6] In “”Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, Almedina, 1981, pág. 110.
[7] In “Direito Processual Civil”, Vol. III, FDL, 1974, págs. 45-46.
[8] In B. M. J. 258º, 220.
[9] In CJAcSTJ, Ano IV, tomo II, págs. 55-58.