Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
121/19.6YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: MARCAS
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Marca fraca é o sinal que, apesar de ter um mínimo de capacidade distintiva, seja originária ou subsequente, é constituído quase em exclusivo por elementos de uso comum ou trivial, ou de uso muito vulgarizado.
II. A distintividade da marca, como resulta do que acima se expôs, não pode ser determinada em abstracto, antes tendo ser apreciada em relação aos produtos e serviços que se destina assinalar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa,

I. RELATÓRIO.
“Edições Vintage, Lda.”, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 39.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial (CPI), interpor recurso do despacho do Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por subdelegação de competências do Conselho Directivo do mesmo Instituto, que recusou o registo da marca nacional nº.597698 .
Alegou, em síntese, que:
- Requereu ao INPI o registo da referida marca nacional, tendo o mesmo sido recusado por ser similar à marca prioritária nº 2330942 “WATTS”, da recorrida;
- O pedido da marca em análise foi impugnado pela “EUROSPORT”;
Concluiu pedindo a revogação do despacho recorrido e a substituição por outro que admita o registo da marca n.º 597698.
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Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 43º do CPI, tendo o INPI apresentado a pronúncia de 16 de maio de 2019.
A Recorrida Eurosport apresentou resposta ao recurso através do requerimento de 26 de junho de 2019, pugnando pela manutenção do despacho do INPI.
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Veio então a ser proferida sentença que julgou improcedente o recurso.
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Inconformada com tal decisão, veio a sociedade “Edições Vintage, Lda.” dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
1. A marca registanda (“WATTS ON”) não incorre em imitação da marca registada (“WATTS”) uma vez que não se encontram preenchidos dois dos requisitos aludidos no artigo 238.º, n.º 1 do CPI, ou seja, ambas as marcas não visam assinalar serviços idênticos ou afins (critério da alínea b), do n.º 1 do artigo 238.º do CPI), nem induzem “() facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto” (critério da alínea c), do n.º 1 do artigo 238.º do CPI).
2. O Tribunal a quo desconsiderou que a marca registada (“WATTS”) constitui uma marca fraca com um âmbito de protecção reduzido, uma vez que, a mesma é constituída por um vocábulo comum – in casu, um termo técnico-científico reconhecido mundialmente, inclusivamente, por leigos – e, logo, tal como defendido por jurisprudência oportunamente citada nas presente alegações, um termo insusceptível de apropriação exclusiva.
3. Atendendo a que não se encontram preenchidos, cumulativamente, todos os pressupostos de imitação de uma marca aludidos no n.º 1 do artigo 238.º do CPI, ao que acresce a inexistência de carácter distintivo da marca registada (“WATTS”), não se afigura legal obstar ao registo de marca nacional n.º 597698 da marca “WATTS ON”.
Terminou pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a admissibilidade do registo da marca nacional n.º 597698 WATTS ON.
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A Apelada contra-alegou, apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões:
A) Contrariamente ao que a Apelante alega, a douta sentença do Tribunal a quo, que confirmou a decisão do INPI e recusou o registo da marca nacional N.º 597698 WATTSON e desenho, fez uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais;
B) O pedido de registo de marca nacional No. 597698 WATTSON e desenho destina-se a proteger os serviços de "publicações online de carácter noticioso ", na Classe 41ª da Classificação Internacional (Acordo de Nice).
C) O registo de marca da União Europeia No. 2330942 WATTS da Apelada designa, entre outros, os seguintes serviços na Classe 41ª: “edição e publicação de textos; de ilustrações, de livros, de revistas, de jornais, de periódicos, de revistas, de publicações de todos os géneros e sob todos os formatos, incluindo publicações electrónicas e digitais (…); produção e montagem de filmes, de filmes em fitas de vídeo, de programas audiovisuais e multimédia (organização informática de textos e/ou de imagens fixas ou animadas e/ou de sons musicais ou não, para uso interactivo ou não); (…); produção e realização de programas de informações, de divertimentos radiofónicos e televisivos, de programas audiovisuais e multimédia para uso interactivo ou não; (…) serviços de edição de programas multimédia, de uso interactivo ou não.”, bem como os seguintes erviços na Classe 38ª: “(…) transmissão de informações por redes de telecomunicação de empresas multisserviços; (…) agências de imprensa e de informações; serviços de comunicações radiofónicas, telefónicas e telegráficas, bem como por todos os meios teleinformáticos, por videografia interactiva e, em especial, em terminais, periféricos de computadores ou equipamentos electrónicos e/ou digitais, por videofone, visiofone e videoconferência; (…) transmissão de programas de televisão por satélite e cabos; difusão de programas de televisão e, em geral, de programas multimédia (montagem informática de textos e/ou de imagens, fixas ou animadas, e/ou de sons musicais ou não), para uso interactivo ou não emissões radiofónicas e televisivas e, em geral, programas audiovisuais e multimédia de uso interactivo ou não; (…).”
D) O pedido de registo de marca nacional No. 597698 WATTSON e desenho constitui imitação do registo de marca da União Europeia No.2330942 WATTS, nos termos do artigo 232, nº 1, alínea b) e 238.º do Código da Propriedade Industrial (CPI).
E) Verificam-se todos os requisitos cumulativos do art. 238º do CPI, uma vez que os serviços em causa são idênticos e afins e as marcas são fonética e graficamente muito semelhantes.
F) O registo de marca da União Europeia no. 2330942 WATTS, da Apelada, é prioritário;
G) Os serviços assinalados pela marca da Apelante são, sem margem para dúvida, IDÊNTICOS e AFINS dos serviços protegidos pela marca da Apelada, uma vez que são serviços de publicação online de serviços noticiosos, os quais encontram-se incluídos na lista de serviços da marca da Apelada na Classe 41ª, bem como são afins dos mesmos serviços na Classe 38ª.
H) A apreciação de conjunto de ambas as marcas, aquela que deve ser efectuada, não deixa dúvidas quanto às suas semelhanças, uma vez que o elemento relevante da marca da Apelante é igual à marca da Apelada – WATTS!
I) No seu conjunto, as marcas são muito semelhantes pelo que o que as diferencia não é suficientemente relevante para evitar a possibilidade de confusão;
J) Verificam-se, entre a marca WATTS da Apelada e a marca WATTSON e desenho que a Apelante pretende registar, todos os requisitos cumulativos da figura jurídica de imitação de marca;
K) Logo, a marca WATTSON e desenho não possui a necessária eficácia distintiva para ser registada;
L) Para além do que, a coexistência no mercado dos direitos marcários em confronto possibilitaria ainda ocorrência de situações de concorrência desleal ao abrigo do Art. 232.º, nº 1, alínea h), do CPI.
M) Ao contrário do pretendido pela Apelante, a marca da Apelada não é uma marca fraca, nos termos do disposto no artigo 209º, nº 1, alínea d), do CPI, porquanto WATTS não é um vocábulo usado na linguagem comum para designar serviços de notícias;
N) A sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 232º, nº 1, alíneas b) e h) e 238º, do CPI.
Terminou pedindo que seja julgado improcedente, mantendo-se a sentença que recusou o registo da marca nacional N.º 597698 WATTSON e desenho.
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II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir se não deve ser revogada a decisão que recusou o registo da marca em causa nos autos, com fundamento na existência de risco de confusão com o sinal de que é titular a ora Recorrida.
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III. Fundamentação
III.1. Os factos
A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
a) Em 06/03/2018 a Recorrente pediu o registo da marca nº 597698 ;
b) Tal marca visa assinalar na classe 41 da Classificação Internacional de Nice, «publicações online de carácter noticioso»;
c) Por despacho de 15/01/2019, a Senhora Directora da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, procedeu à recusa dessa marca, por existência do registo da marca prioritária nº 2330942 “WATTS”, destinando-se a assinalar os seguintes produtos das classes 16, 38 e 41 da Classificação Internacional de Nice:
«16: Papel; cartão; artigos de cartão; produtos de impressão; jornais; livros; manuais; brochuras promocionais; brochuras; publicações; revistas (publicações periódicas); papel higiénico; guardanapos e lenços em papel; fraldas-calça em papel ou em celulose (excepto para incontinentes), pinturas (quadros) e gravuras; papel de embalagem; sacos, saquinhos e folhas para embalagem em papel ou em matérias plásticas; matérias plásticas para embalagem, nomeadamente sacos, saquinhos, películas e folhas; brasões (sinetes em papel); sinalizadores em papel ou em cartão, etiquetas não em tecido, bandeiras (em papel); cartazes; bilhetes postais, decalcomanias; adesivos (matérias colantes) para papelaria ou para uso doméstico; artigos para encadernação; fotografias; material para artistas; pincéis; máquinas de escrever; artigos de escritório (com excepção dos móveis); desenhos; gravuras; imagens; fotogravuras; fitas em papel ou cartões para o registo de programas de computador; material de ensino sob a forma de jogos (livros, cartas de jogar); produtos de impressão; cartas de jogar; caracteres de imprensa; clichés (estereótipos); material de instrução ou de ensino (com excepção dos aparelhos); papelaria.
38: Serviços de telecomunicações; transmissão de informações por redes de telecomunicação de empresas multisserviços; serviços de telecomunicação, de correio electrónico pela rede Internet, extranet, intranet; serviços de correio seguro; agências de imprensa e de informações; serviços de comunicações radiofónicas, telefónicas e telegráficas, bem como por todos os meios teleinformáticos, por videografia interactiva e, em especial, em terminais, periféricos de computadores ou equipamentos electrónicos e/ou digitais, por videofone, visiofone e videoconferência; expedição, transmissão de telegramas e de mensagens; serviços de transmissão de dados, em especial de transmissão por pacote, expedição, transmissão de documentos informatizados, serviços de correio electrónico; serviços de transferência de chamadas telefónicas ou de telecomunicações; comunicação por telemóvel; transmissão de programas de televisão por satélite e cabos; difusão de programas de televisão e, em geral, de programas multimédia (montagem informática de textos e/ou de imagens, fixas ou animadas, e/ou de sons musicais ou não), para uso interactivo ou não; emissões radiofónicas e televisivas e, em geral, programas audiovisuais e multimédia de uso interactivo ou não; serviços de telex, telegramas; transmissão de informações por telescritor; comunicação por terminais de computadores; serviços de transmissão de informações por via telemática, tendo em vista obter informações contidas em bancos de dados e bancos de imagens; serviços de comunicação em redes informáticas em geral; serviços de consulta de mensagens em transmissão de dados em redes e terminais específicos e/ou portáteis; consultadoria e aconselhamento técnico no domínio das telecomunicações; transmissão de informações no domínio audiovisual.
41: Serviços de ensino e de formação, de educação e de divertimento; actividades desportivas e culturais; cursos por correspondência; edição e publicação de textos; de ilustrações, de livros, de revistas, de jornais, de periódicos, de revistas, de publicações de todos os géneros e sob todos os formatos, incluindo publicações electrónicas e digitais, de suportes sonoros e/ou visuais, de suportes multimédia, (discos interactivos, discos compactos audiodigitais de memória morta), de programas multimédia, de jogos e nomeadamente de jogos televisivos, audiovisuais, jogos em disco compacto e disco compacto audiodigital, em suporte magnético; ensino e educação para iniciação e aperfeiçoamento de qualquer disciplina de interesse geral; organização de seminários, estágios e cursos; organização de conferências, organização de acontecimentos desportivos, organização de competições desportivas, organização de fóruns, congressos e colóquios; produção e montagem de filmes, de filmes em fitas de vídeo, de programas audiovisuais e multimédia (organização informática de textos e/ou de imagens fixas ou animadas e/ou de sons musicais ou não, para uso interactivo ou não); organização de concursos, de jogos e de campanhas de informação e de manifestações profissionais ou não; produção e realização de programas de informações, de divertimentos radiofónicos e televisivos, de programas audiovisuais e multimédia para uso interactivo ou não; organização de espectáculos; produção e aluguer de filmes e cassetes, incluindo cassetes de vídeo e, em geral, de todos os suportes sonoros e/ou visuais e de suportes multimédia (discos interactivos, CD-ROM); empréstimo de livros e outras publicações; serviços de ludotecas, serviços prestados por quem concede uma franquia, nomeadamente formação de base do pessoal; montagem de fitas de vídeo; organização de lotaria e de jogos; aluguer de estádios; campos de aperfeiçoamento desportivo; aluguer de equipamento para desporto (à excepção de veículos); serviços de campos de férias; organização de exposições para fins culturais ou educativos; serviços destinados à recreação do público (divertimento); serviços de edição de programas multimédia, de uso interactivo ou não. »
d) Tal indeferimento baseou-se no facto de a marca registanda reproduzir foneticamente integralmente o sinal prioritário e de tal ser susceptível de induzir em erro ou confusão o consumidor.
e) O registo da marca da Recorrida nº 2330942 foi requerido em 07/08/2001 e foi concedido em 25/10/2002.  
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A decisão da matéria de facto não foi objeto de impugnação em conformidade com o prescrito no artigo 640º do Código de Processo Civil, mantendo-se consequentemente inalterada.
É pois, em face dos factos apurados na decisão recorrida, que cumpre apreciar e decidir as supra identificadas questões suscitadas pela Apelante.
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III.2. Fundamentação de direito.
O artigo 61º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da liberdade de iniciativa económica privada, nos termos do qual o exercício da atividade económica privada, e por isso, da atividade comercial, é livre, desde que respeite os limites impostos pela Constituição e pela lei.
Tal princípio pressupõe a existência de uma pluralidade de sujeitos económicos diferenciados que atuam em direção a um mercado - pois à liberdade de iniciativa de um, contrapõe-se a liberdade de iniciativa dos demais - e assim, uma multiplicidade indiscriminada de sujeitos económicos atuando no mercado - a concorrência.
O modelo económico de mercado que as regras da concorrência visam preservar é caracterizado por ser um mercado aberto, no qual as modificações da oferta e da procura se reflitam nos preços, a produção e a venda não sejam artificialmente limitadas e a liberdade de escolha dos fornecedores, compradores e consumidores não sejam postas em causa.
A liberdade que enforma as atuações dos vários agentes económicos não significa que as mesmas se processem de uma forma desordenada e se atropelem umas às outras.
A existência de uma pluralidade de agentes que convergem em relação a um mesmo mercado impõe a necessidade de ordenar essas atuações para que os mercados funcionem regularmente.
A propriedade industrial corresponde a essa necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, que se processa essencialmente por duas formas:
- através da atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais;
- pela imposição de determinados deveres no sentido de os vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente.
A primeira das referidas formas abrange os direitos privativos da propriedade industrial.
A segunda refere-se à repressão da concorrência desleal.
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O regime jurídico das marcas enquanto direito de propriedade industrial, subsistindo estratificado em diversos níveis territoriais de proteção, encontra-se atualmente harmonizado a nível da União Europeia, o que releva no caso dos autos, em que um dos sinais em confronto, o de que é titular a Recorrida é uma marca comunitária.
Assim, o Regulamento (UE) n.º 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16-12-2015 (que entrou em vigor em 23 de março de 2016), alterou o Regulamento (CE) n.º 207/2009, de 26/2/2009, sobre a marca comunitária, atualmente designada por marca da União Europeia ou marca da EU”, este último, por sua vez já revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (RMUE).
A marca da UE é um sinal de carácter unitário, ou seja, produz os mesmos efeitos em toda a União, sendo o seu registo concedido pelo agora designado Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) (cf. artigos 1º e 2º dos aludidos Regulamentos).
Qualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo entidades públicas, pode ser titular de uma marca da UE; a marca da UE adquire-se por registo. - artigos 5.º e 6.º do Regulamento (CE) n.º 207/2009 e do Regulamento (CE) n.º 2017/1001.
Nos termos do disposto no art. 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do Regulamento (CE) n.º 207/2009, a que corresponde atualmente o artigo 9º do Regulamento (CE) n.º 2017/1001, o registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos e (sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE) o titular da marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:
a) idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;
b) idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;
c) idêntico ou semelhante à marca da UE, independentemente de ser utilizado para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, sempre que esta última goze de prestígio na União e que a utilização injustificada do sinal tire indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca da UE ou lhe cause prejuízo.”
Através do registo adquire, pois, o interessado o direito privativo da propriedade industrial, que tem por conteúdo a exploração económica exclusiva desse sinal, com vista a distinguir a proveniência empresarial de determinado produto ou serviço, conforme resulta dos preceitos citados.
A disciplina jurídica da marca da união europeia, no que respeita aos respectivos efeitos, é autónoma das leis nacionais: contudo, em matéria de infracções a tais marcas, regem as normas de direito nacional, sendo competentes os Tribunais Nacionais (cf. artigos 17º e 123 e ss. do RMUE).
No âmbito do direito interno, dispõe o artigo 224º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Dec. Lei n.º 36/2003, de 5 de março (CPI), aplicável ao caso dos autos, por via do disposto no artigo 15º, al. a) Dec. Lei n.º 118/2018, de 10.12 - como actualmente dispõe o artigo 210º do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo referido Dec. Lei n.º110/2018 - que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina.
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. o artigo 222º do CPI/2003, e actualmente o artigo 208º do CPI/2018).
Da conjugação de tais preceitos com os que enumeram os sinais insusceptíveis de ser registados como marca e os fundamentos absolutos de recusa de registo (cf. artigos 223º e 238º CPI/2003, 209º e 231º CPI/2018 e artigos 7º e 8º do RMUE) resulta que para que um sinal possa constituir uma marca o mesmo tem de possuir carácter distintivo.
A marca tem, assim:
- uma função distintiva, na medida em que distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma procedência empresarial,  que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso;
- uma função de garantia de qualidade dos produtos na medida em que, não obstante não garanta directamente, a qualidade dos produtos ou serviços marcados, o faz indirectamente por referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa;
- uma função publicitária, já que, em complemento da função distintiva, pode contribuir, por si mesma, para a promoção dos produtos ou serviços que assinala.
Ela pode, nos termos do disposto no artigo 222º do CPI/2003 (cf. artigos 208º CPI/2018 e 4º do RMUE), ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros (ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, admitindo-se designadamente a cor única).
Em matéria de composição das marcas vigora, pois, o princípio da liberdade.
Este princípio sofre, porém, limitações de vária ordem.
Dada a função que exerce de identificar o produto ou serviço por referência à sua origem, a marca tem de ser protegida por um direito privativo absoluto em benefício dessa origem. Por isso, a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada é proibida, nos termos que melhor se explicitarão.
Assim, nos termos dos artigos 239º e 245º do CPI/2003 (cf. artigos 231º e ss. do CPI/2018 e 7º e 8º do RMUE) a marca não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, devendo ser constituída por forma a não se confundir com outra anteriormente adotada e registada para os mesmos ou semelhantes produtos.
Da conjugação de tais preceitos resulta que deve ser recusado o registo da marca quando esta constitua imitação de uma outra, sendo requisitos dessa imitação:
i. que a marca imitada esteja registada com prioridade;
ii. que ambas as marcas se destinem a assinalar bens ou serviços idênticos ou afins;
iii. que entre elas exista uma semelhança (gráfica, fonética ou outra) que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou risco de associação, de forma que o consumidor as não possa distinguir senão após exame atento ou confronto.
Do carácter e da função distintivos da marca decorre a insusceptibilidade de registo como marca, de sinais meramente descritivos, usuais ou necessários, por serem desprovidos de distintividade; tais sinais devem manter-se disponíveis para serem livremente utilizados por todos os agentes económicos.
No caso de sinais que possuam capacidade distintiva residual, ou mínima, que lhes permite beneficiar do registo – as marcas fracas – constituídas quase exclusivamente por elementos de uso comum ou vulgarizado, “o juízo sobre a confundibilidade deverá ser menos severo, já que a comparação com outras marcas deverá limitar-se à parte que seja original”.
Com relevo para o caso importa ainda mencionar a proibição das marcas genéricas, constituídas exclusivamente por sinais descritivos, usuais ou necessários (artigos e 223º, n.º 1 CPI/2003 e 209º, n.º 1 CPI/2018 e 7º, n.º 1 RMUE).
Ressalvados estão os casos em que na prática comercial, tais sinais tiverem adquirido eficácia distintiva (cf. artigos 7º, n.º 3 do RMUE, 223º, n.º 2 do CPI/2003 e 209º, n.º 2 do CPI/2018) – é a regra conhecida por “secondary meaning”, que admite a capacidade distintiva de um sinal, originariamente privado da mesma, que “se converte, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas, num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário”.
Tais elementos genéricos podem ser integrados (com outros) na composição dos sinais, mas nesse caso não serão considerados de uso exclusivo do requerente (cf. os artigos 223º do CPI/2003, 209º do CPI/2018).
E sendo certo que, nos termos do n.º 3 de tais artigos se permite que a pedido do requerente ou do reclamante, o INPI indique no despacho de concessão do registo, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente (disclaimer), mesmo que tal não seja feito, daí não deriva que todos os elementos integrantes da marca sejam de uso exclusivo.
Constituem ainda fundamentos de recusa, a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja actividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, a infracção de outros direitos de propriedade industrial, e quando invocado em reclamação, a reprodução ou imitação de firma, de denominação social e de outros sinais distintivos, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão (cf. als b) e c) do n.º 1 e a) do n.º 2 do artigo 239º do CPI/2003).
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Há risco de confusão sempre que a identidade ou semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro e ainda sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam, ou que existe uma relação, que na realidade não se verifica, entre a proveniência desses produtos ou serviços. Fala-se então de risco de associação ou risco de confusão em sentido lato.
Na realização do juízo de comparação entre sinais para aferir da possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos fatores.
Assim, em face das características do caso em apreço, importa considerar a natureza e o tipo de necessidades que os produtos visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços - os produtos ou serviços terão de situar-se no mesmo mercado relevante, isto é, tendo a mesma utilidade e fim, permitindo dessa forma, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público.
O risco de afinidade aumenta nos casos em que pode mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços.
Na apreciação do risco de confusão entre os sinais em confronto, há que atender à estrutura dos mesmos, havendo que distinguir entre marcas nominativas, gráficas e mistas (sendo estas as que combinam elementos nominativos e gráficos).
Deve ter-se em consideração que o consumidor, em regra, não se depara com as duas marcas simultaneamente – a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. Nessas circunstâncias, é a imagem de conjunto da marca que, normalmente, mais sensibiliza o consumidor, pelo que, a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem as marcas em comparação.
Também devem ser considerados irrelevantes no conjunto, as componentes genéricas ou descritivas, pois esses, como supra se referiu, não têm carácter distintivo, nem são passíveis de apropriação exclusiva.
Nas marcas complexas deve ser privilegiado o elemento dominante, desvalorizando os pormenores.
O juízo de verificação deve ser formulado na perspetiva do público relevante – atuais e potenciais clientes, adquirentes ou utilizadores dos bens e serviços a que respeitam as marcas em confronto, que tanto pode consistir no público em geral, como ser um público constituído por profissionais e/ou especialistas no sector, devendo ainda atender-se ao território em que é protegida a marca prioritária.
O consumidor que releva no contexto do direito de marcas deve, pois, ser uma figura flexível e variável, em função da natureza, características e preços dos produtos diferenciados pelas marcas respetivas.
O público relevante presume-se normalmente informado e razoavelmente atento e circunspecto; porém, o grau de atenção pode variar em função do tipo bens ou serviços e do grau de conhecimento e experiência dos respetivos adquirentes, sendo que tenderá a ser mais baixo nos comportamentos de consumo quotidiano, mais alto quando estão em causa bens dispendiosos, tecnicamente sofisticados, perigosos, produtos farmacêuticos, serviços financeiros ou imobiliários, e nos casos de lealdade à marca.
Os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.
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Atribuindo a marca o direito de exclusivo de uso do sinal ao seu titular, as circunstâncias em que o mesmo pode proibir ou impedir o uso do mesmo por terceiros (ius prohibendi, que compreende o direito de se opor ao pedido de registo de sinal conflituante, de invalidar registo concedido, ou de proibir o uso de marca posterior por terceiro sem o seu consentimento), encontram-se indicadas no artigo 258º do CPI/2003 (cf. os artigos 249º a 252º do CPI/2018 e 9º do RMUE), que prevê, designadamente, as situações de dupla identidade[1] – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos idênticos aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo – e as de risco de confusão ou associação no espirito do consumidor – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos afins aos abrangidos pelo registo, ou em que o sinal é semelhante à marca e é usado em relação a produtos idênticos ou afins relativamente aos abrangidos pelo registo.
Exige-se ainda que tal uso ocorra “no decurso de operações comerciais” (ou no exercício de actividades económicas, como se refere nos artigos 258º CPI/2003 e 249º do CPI/2018).
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No caso dos autos, entende a Apelante que a marca registanda não constitui imitação do sinal de que é titular a Recorrida, não existindo evidente possibilidade de confusão entre uns e outros.
Vejamos.
Importa começar por constatar que o registo invocado pela Apelada é prioritário, tendo sido solicitado em data prévia à do pedido de registo formulado pela ora Apelante.
Verifica-se ainda identidade e afinidade entre os serviços que se pretende identificar com a marca registanda na classe 41 “publicações online de caracter noticioso” e os serviços atrás identicados que a marca anterior assinala nas mesmas classes 38 e 41.
Acresce que os sinais ostentam semelhanças suscetíveis de levar a que o consumidor os associe à mesma origem empresarial
Recordemos, desde logo, os sinais em confronto.

Sinal Registando
Sinal Registado
WATTS

No que concerne à comparação dos sinais em conflito, importa observar desde logo no que respeita ao misto, que o juízo de comparação não pode limitar-se a tomar em consideração apenas um elemento, antes tendo de considerar o sinal como um todo, no seu conjunto, o que não exclui que a impressão de conjunto produzida na memória do público pertinente por uma marca complexa possa, em determinadas circunstâncias, ser dominada por um ou vários dos seus componentes.
O Tribunal Geral da União Europeia no Acórdão de 14.07.2005 (SELENIUM – ACE, T-312/03, parágrafos 37 a 40)[2] entendeu que quando o sinal é composto de elementos nominativos e figurativos, o componente nominativo tem, em princípio, um impacto mais forte no consumidor do que a componente figurativa, pois o público não tem tendência a analisar sinais e fará mais facilmente referência ao sinal em causa citando o seu elemento nominativo do que descrevendo os seus elementos figurativos.
No caso, apesar de certas diferenças, existe uma semelhança visual entre os mesmos, devido à reprodução da expressão “WATTS”, correspondente ao sinal da Apelada, que no sinal registando surge claramente distinto pela utilização de duas cores no elemento figurativo.
No elemento verbal verifica-se, como se referiu a identidade da mencionada expressão “WATTS”, sendo que no sinal registando apenas surge aditada a expressão “ON”, pelo que há uma clara semelhança verbal.
Existe ainda, semelhança fonética no que respeita ao referido vocábulo, pois que a expressão “ON” justaposta à expressão “WATT” tem uma sonoridade quase imperceptível, e a nível conceptual, ambos os sinais fazem apelo a uma expressão inglesa utilizada para questionar (as chamadas “Wh Question Words”) – a expressão “What” ou “What’s”, que surge muitas vezes associada à expressão “up” ou “on”, relevante no âmbito da actividade jornalística/noticiosa, através do “trocadilho” com a expressão “WATT” (símbolo: W) que corresponde a unidade de potência do Sistema Internacional de Unidades.
Verifica-se, pois, entre os sinais referidos uma semelhança visual, fonética e conceptual que as dissemelhanças não diluem – designadamente as verbais, que se referem apenas à junção do vocábulo de uso comum “on”- e que permite julgar verificada a aludida possibilidade de confusão e associação, tanto mais que, como se referiu, o consumidor não se confrontará com qualquer dos sinais em simultâneo e o que guarda na memória são os elementos dominantes referidos de cada um deles.
O público relevante é constituído pelo consumidor final médio nacional de publicações on-line de carácter noticioso, de serviços de natureza informativa e noticiosa, entre os quais se encontram, entre outros, os serviços de notícias desportivas, incluídos em ambas as marcas, destinando-se os produtos e serviços a assinalar com os sinais em confronto, pois, ao mesmo tipo de consumidor, tendo a marca registanda o mesmo âmbito nacional.
Ora, tendo em consideração os factores salientados, a prioridade do sinal da Recorrida, existe risco de que o público relevante possa crer que os produtos e serviços a assinalar com a marca registanda e os assinalados/comercializados pela ora Apelante com o sinal de que é titular provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente.
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Refere a Apelante que a marca da Apelada é “fraca” por utilizar um vocábulo de uso comum.
Mas não lhe assiste razão.
Marca fraca é o sinal que, apesar de ter um mínimo de capacidade distintiva, seja originária ou subsequente, é constituído quase em exclusivo por elementos de uso comum ou trivial, ou de uso muito vulgarizado.
Sucede que a distintividade da marca, como resulta do que acima se expôs, não pode ser determinada em abstracto, antes tendo ser apreciada em relação aos produtos e serviços que se destina assinalar.
Assim, pese embora a expressão “WATTS” possa ser usualmente utilizada para designar uma unidade de potência, no âmbito da actividade informativa/noticiosa, ela tem um elevado grau de arbitrariedade/distintividade, não sendo, pois, mais estreito o seu âmbito de proteção.
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Resta concluir.
Como se referiu na decisão recorrida, “numa apreciação global das marcas, a impressão de conjunto, produzida pelos seus elementos distintivos e dominantes, é a de que se trata de marcas muito semelhantes existindo um elevado risco de confusão e principalmente de associação, o que poderá levar, mesmo que não intencionalmente, à concorrência desleal, razão pela qual não se poderá dar provimento ao presente recurso”, juízo que se subscreve inteiramente.
Improcede, pois, a apelação.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 2020-04-14
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Carlos M.G. de Melo Marinho
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
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[1] Cf. Pedro Sousa e Silva, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, 2ª Ed. 2019, pg. 295 e .
[2]ECLI:EU:T:2005:289