Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17435/18.5T8LSB.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SUB-ROGAÇÃO PELO SEGURADOR
RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR
DANOS RESSARCÍVEIS
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– O conhecimento das excepções peremptórias integra-se na apreciação do mérito da causa e só é possível ter lugar no despacho saneador, nos termos previstos no artigo 595º, n.º 1, b), in fine do Código de Processo Civil desde que não exista a esse respeito matéria de facto controvertida ou que, sendo necessária apenas prova documental, tenha a parte sido convidada a proceder à sua junção.
2– Um dos efeitos do princípio indemnizatório é a sub-rogação pelo segurador que tiver pago a indemnização, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro, conforme previsto no artigo 136º, n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o que pressupõe o pagamento da indemnização pelo segurador por força do contrato de seguro e a existência de um crédito do segurado contra o terceiro responsável.
3– Por via da sub-rogação do segurador no mesmo crédito do segurado, incumbe-lhe a prova e delimitação da responsabilidade do terceiro responsável.
4– Embora o artigo 594º do Código Civil determine a aplicabilidade à sub-rogação apenas das normas dos art.ºs 582º a 584º desse diploma legal relativas à cessão de créditos e nelas não inclua a norma do art. 585º (“O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”), esta deve considerar-se analogicamente aplicável à sub-rogação, porquanto só assim o devedor não ficará prejudicado, face à identidade do crédito em que o sub-rogado se encontra investido.
5– O regime especial da responsabilidade do produtor constante do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro protege todo e qualquer lesado que tenha sofrido danos com um produto defeituoso. Trata-se de uma responsabilidade objectiva do produtor, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação, definindo o defeito como falta da segurança legitimamente esperada, partindo da existência de uma obrigação de segurança a cargo do fabricante em benefício da protecção de qualquer pessoa vítima do produto defeituoso circulante do mercado.
6– Tal regime não protege apenas o comprador do produto, posto que são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal causados em toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor, contratante ou terceiro e os danos verificados em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.
7– No que diz respeito aos danos materiais só são indemnizáveis os danos causados em bens de consumo. O bem defeituoso que causa o dano não tem de ser um bem de consumo, podendo ser um bem destinado a uso profissional. Por outro lado, não tem de ser um dano causado ao consumidor que adquiriu o bem defeituoso, podendo ter sido causado a um terceiro, lesado, sem qualquer relação com o bem defeituoso.
8– O prazo de caducidade para o exercício do direito ao ressarcimento conta-se a partir da data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano, tal como previsto no artigo 12º do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, e apenas se interrompe com a entrada em juízo da petição inicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO


A  [ ….. COMPANHIA DE SEGUROS S. A. ] intenta contra B [ …… INDÚSTRIA DE MÁQUINAS, S.A. ] (anteriormente denominada SOIMA – Sociedade Industrial de Máquinas, S. A.) a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, formulando o seguinte pedido:
a)- A condenação da demandada no pagamento à autora da quantia de € 313 850,29 (trezentos e treze mil oitocentos e cinquenta euros e vinte e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alega, para tanto, muito em síntese, o seguinte:
– No exercício da sua actividade seguradora celebrou com a HCI Construções SA, com sede na Av. A........ nº …. – 1... – 029 Lisboa, o contrato de seguro do Ramo Obras e Montagens, com a Apólice nº 34.06.00.9055599, para garantia dos riscos e capitais discriminados nas suas Condições Particulares, em especial, “o pagamento das indemnizações que possam ser exigidas por lei no âmbito da responsabilidade civil extra - contratual, por prejuízos ou danos acidentais causados a terceiros desde que estejam directamente relacionados com os trabalhos seguros e que esses danos tenham ocorrido no Local da sua execução ou na vizinhança imediata e durante o período de vigência contratado”, tendo como local de risco a Avenida D........ nº ... a ... – Lisboa e o período de vigência contratado de 07-09-2015 a 07-09-2016;
– No dia 15 de Junho de 2016 deu-se a queda da parte superior da grua utilizada na obra, tendo a lança dessa grua e os seus destroços provocado danos na obra e atingido quatro edifícios e viaturas estacionadas nos arruamentos adjacentes;
– Feitas as averiguações e apurados os danos, a autora indemnizou vários terceiros e a própria segurada por danos na obra e danos de terceiros, pelo montante global de € 257 918,68, acrescido de despesas com a regularização do sinistro no montante de € 55 931,61, tendo ficado sub-rogada em todos os direitos destes;
– A grua era de marca SOIMA, modelo SGT 6012 TL e nº série 6226/2008 e fabricada pela demandada, sendo propriedade da APA – Importação e Exportação, Lda., que a alugou ao segurado, HCI Construções SA, para a sua utilização na obra;
– A grua montada em obra tinha 60 metros de altura, 45 metros de lança e 15 toneladas de contrapeso e apresentava defeito de concepção, por não ter sido acautelada a sua estabilidade dinâmica em condições de operacionalidade para o fim a que se destinava, tendo em conta as exigências da obra;
– No dia 15 de Junho de 2016, a grua colapsou por falência dos 48 parafusos da união flangeada da cremalheira, que foram sujeitos a processos cíclicos de fadiga, com origem na própria configuração da grua;
– As operações de trabalho diárias faziam oscilar a grua com amplitudes de ressonância geradoras de cargas dinâmicas, que provocaram danos internos e estruturais nos seus elementos de ligação, o que se deveu ao facto de a grua ter uma robustez dimensionada para alturas máximas de 48 metros;
– O movimento do colapso da lança e contra lança decorre do facto de o primeiro e segundo modo de vibração da grua ser caracterizado pela elevação e torção do seu troço horizontal (lança e contra lança) aliado ao facto de o centro de massa da grua se situar na contra lança;
– Tal erro é imputável à demandada, fabricante da grua, na medida em que validou a configuração da grua utilizada na obra em curso.
Declarada a insolvência da demandada, foi citado o administrador da respectiva massa insolvente.

A Massa Insolvente da B deduziu contestação suscitando a caducidade do direito que a autora pretende exercer, porquanto a grua foi construída em 2008, pelo que, tendo decorrido mais de dez anos, qualquer direito sobre o construtor já caducou e, bem assim, a ilegitimidade activa da autora e passiva da ré, porque esta, tal como resulta da relação material controvertida descrita na petição inicial, não estabeleceu qualquer relação contratual com o segurado daquela, sendo a autora também parte ilegítima quanto ao pedido atinente à quantia de € 134 506,03, que terá sido suportada pela própria segurada; mais impugnou a matéria de facto alegada na petição inicial.

Concluiu pela procedência das excepções invocadas e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção.

A autora apresentou resposta em que se pronunciou sobre as excepções deduzidas referindo que à data do sinistro – 15 de Junho de 2016 – a grua SGT 1062-TL ainda se encontrava coberta pela garantia, para além do que o art. 13º do DL 383/89, de 6 de Novembro não afasta a responsabilidade decorrente de outras disposições legais, pelo que o seu direito de regresso não caducou; mais sustentou a legitimidade activa e passiva das partes na acção invocando a responsabilidade extracontratual abrangida pelo contrato de seguro e o facto de ter pago à segurada a quantia que esta despendeu, pelo que ficou sub-rogada nos direitos desta.

Por requerimento de 21 de Janeiro de 2019, a autora deduziu incidente de intervenção principal provocada pretendendo fazer intervir na acção a sociedade APA Gruas – Importação Exportação, Lda. alegando subsistirem dúvidas quanto ao verdadeiro responsável pelo colapso da grua, pelo que importa chamar a respectiva proprietária, sobre quem impendiam os deveres de montagem, desmontagem, inspecções e manutenções do equipamento.

A ré pronunciou-se no sentido de não se opor à intervenção não reconhecendo, porém, qualquer fundamento para esta ou uma situação de litisconsórcio, necessário ou voluntário (cf. requerimento de 18 de Fevereiro de 2019 a fls. 191 e 192).

Em 21 de Fevereiro de 2019 foi proferido despacho que indeferiu a intervenção requerida (cf. fls. 193 e 194 dos autos).

Em 25 de Março de 2019 a autora interpôs recurso dessa decisão que não foi admitido, conforme despacho proferido em 13 de Maio de 2019 (cf. fls. 199 a 207).

No âmbito da audiência prévia que teve lugar em 12 de Junho de 2019, o tribunal recorrido informou as partes que se afigurava possível vir a julgar procedente a excepção de caducidade, tendo em consideração que a grua foi montada em 19 de Fevereiro de 2008, pelo que estaria transcorrido o prazo de 10 anos previsto no art. 12º do DL n.º 383/89, de 6 de Novembro, tendo sido concedido à autora o prazo de dez dias para se pronunciar sobre a matéria (cf. fls. 208 dos autos).

Por requerimento de 19 de Junho de 2019, a autora opõe-se a tal entendimento referindo que o DL 383/89, de 6 de Novembro não é aplicável no caso dos autos porque a autora não é considerada consumidora para os efeitos desse diploma legal; o fornecimento da ré à sociedade APA, Lda., que por sua vez alugou a grua à segurada, destinava-se ao exercício de uma actividade profissional, só sendo ressarcíveis os danos em coisa destinada ao uso ou consumo privado; convocou ainda o disposto no DL 67/2003, de 8 de Abril para afastar a qualificação de consumidor para as pessoas colectivas e a inaplicabilidade do art. 12º do DL 383/89, de 6 de Novembro.

Em 27 de Junho de 2019 foi proferida decisão que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva e procedente a excepção de caducidade, absolvendo a ré do pedido.

É desta decisão que a autora recorre concluindo do seguinte modo as suas alegações:
1– A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve uma apreciação correta dos pressupostos de direito constantes dos presentes autos.
2– Nos termos do art.º 594º do Código Civil é aplicável à sub-rogação, o disposto nos artsº 582º a 584º do Código Civil.
3– Nos termos do art.º 582º nº 1 do C.C, porque inseparáveis da pessoa do cedente, considera a Recorrente que as garantias e outros acessórios do direito transmitidos, nomeadamente o regime do Decreto-Lei 383/89 de 6 de Novembro, ou seja, a Responsabilidade Civil do Produtor por Coisas Defeituosas, não são transmissíveis à Recorrente.
4– A Recorrente não pode ser considerada como consumidora lesada no âmbito daquele decreto-lei.
5– O Dec. Lei 383/89 de 6/11 não é aplicável ao caso concreto, porque a A. não é considerada como consumidora para os efeitos previstos naquele diploma legal.
6– O prazo de caducidade estabelecido no art.º 12º do Dec. Lei 383/89 de 6 de Novembro, não pode ser oponível à Recorrente.
7– Apenas se considera consumidor para efeitos do Dec.-Lei 383/89 todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caracter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
8– A proprietária da Grua, APA- Importação e Exportação Lda., conforme contrato de aluguer, dedica-se com caracter profissional à atividade de importação, exportação, comércio e aluguer de equipamentos, aluguer de equipamento de construção e demolição, com operador, e outras atividades de construção civil, tendo adquirido a grua à R., no âmbito de uma actividade profissional.
9– De harmonia com o preceituado no art.º 8 do DL 383/89 de 6/11 só são ressarcíeis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinado ao “uso ou consumo privado” e o lesado, lhe tenha dado este destino.
10– De acordo com, o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 13.01.2005, relativo ao processo 04B4057, assim como, o Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 26.03.2019, no âmbito do processo 13132/16.4T8LRS.L1-7, a ratio do DL 383/89 de 6/11 é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa defeituosa para um fim privado, pessoal, familiar ou domestico, que não para um fim profissional ou uma actividade comercial.
11– O conceito de consumidor não se aplica a pessoas coletivas, porquanto apenas pode estar em causa o uso privado dos bens adquiridos.
12– Ignorou por completo o tribunal a quo que, nos termos das condições gerais da proposta de aluguer (doc nº 3 junto com a P.I) a conservação da máquina competia à sua proprietária APA-Importação e Exportação Lda. o que, aliado ao facto de a empresa tomadora do seguro só ter contacto com a grua a partir de 25 de Março de 2015, data em que foi apresentada a proposta do contrato de aluguer, conforme documento nº 3 junto com a P.I, não pode ser imputável ao tomador de seguro, e à A. por direito de sub-rogação, o prazo de caducidade.
Pretende, assim, a recorrente obter a revogação da sentença recorrida.
A ré/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão impugnada.
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II–OBJECTO DO RECURSO

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões das alegações da autora/apelante há que apreciar da aplicabilidade do prazo de caducidade previsto no art. 12º do DL 383/89, de 6 de Novembro ao direito que a autora aqui pretende exercer e, sendo esse o caso, aferir se tal prazo já transcorreu integralmente.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.– FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1.- A A. propôs a presente acção contra a R., invocando defeito de fabrico de grua por esta produzida, com o n.º de série 6226/2008.
2.- Do doc. 14 junto pela A. consta a fls. 29 do mesmo e 47 dos autos a propósito desta mesma grua:
19/fev/08 – montagem na Martifer – Tavira Plaza
21/abr/08 – revisão da Soima em garantia
23/jun/08 – revisão – inspecção periódica
29/ago/08 – revisão – inspecção periódica
1/out/08 – revisão – inspecção periódica
3.- A presente acção foi proposta em 23-7-2018 (corrigido este ponto quanto à referência do dia 24, porquanto resulta dos autos que a acção foi remetida a juízo em 23 de Julho de 2018).
Este Tribunal introduz os seguintes aditamentos à matéria factual assente quer em função da respectiva admissão decorrente do conteúdo dos articulados das partes, quer em função dos elementos documentais existentes nos autos, considerando que nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto - cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 245; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 468:
4.- A autora dedica-se à actividade seguradora.
5.- No exercício da sua actividade, a autora celebrou com a HCI Construções, S. A., com sede na Av. A........ nº ... – 1... – 029 Lisboa, o contrato de seguro do Ramo Obras e Montagens, conforme Apólice com o nº 34.06.00.9055599, a que se aplicam as Condições Particulares que constam do documento junto aos autos a folhas 9 verso e a 15, sendo-lhe ainda aplicáveis as Condições Gerais e Especiais constantes do documento junto a folhas 16 a 19 dos autos.
6.- O contrato de seguro referido em 5. garantiu os riscos e capitais discriminados nas suas Condições Particulares, e, em concreto no que aqui releva, conforme alínea B) Subsecção II da Secção II, “o pagamento das indemnizações que possam ser exigidos por lei no âmbito da responsabilidade civil extra - contratual, por prejuízos ou danos acidentais causados a terceiros desde que estejam directamente relacionados com os trabalhos seguros e que esses danos tenham ocorrido no Local da sua execução ou na vizinhança imediata e durante o período de vigência contratado”.
7.- O local de risco definido nas Condições Particulares foi: Avenida D........ nº ... a ..., Lisboa.
8.- O período de vigência contratado, constante das Condições Particulares, foi de 08-09-2015 a 07-09-2016.
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3.2.– APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

A autora/apelante insurge-se contra a sentença recorrida por, enquanto seguradora, pretender exercer o direito de sub-rogação contra o terceiro responsável pelo sinistro, considerando que o regime do DL 383/89, de 6 de Novembro não lhe é aplicável, porque para os efeitos deste não pode ser considerada consumidora lesada, pois que o seu direito é um direito novo, não lhe sendo, por essa razão, oponível o prazo de caducidade, que apenas poderia ser oposto à tomadora do seguro.

Mais refere que a proprietária da grua, a APA – Importação e Exportação, Lda., conforme decorre do contrato de aluguer, dedica-se, com carácter profissional, à actividade de importação, exportação, comércio e aluguer de equipamentos de construção e demolição, tendo adquirido a grua no âmbito dessa actividade profissional, o que se verifica também quanto à tomadora do seguro, que se dedica à execução de empreitadas, em cujo contexto alugou a grua, sendo que, nos termos do art. 8º do DL 383/89, de 6 de Novembro, só são ressarcíveis os danos causados em bens destinados ao uso privado.

Mais aduziu que a tomadora do seguro só teve contacto com a grua a partir de 25 de Março de 2015, data da proposta do contrato de aluguer, não lhe sendo aplicável, nem à seguradora, o prazo de caducidade.

Nas suas contra-alegações a ré/recorrida sustentou que a seguradora, sub-rogada nos direitos dos lesados, fica colocada na exacta situação em que estes se encontravam e aderiu à posição assumida na decisão recorrida.

Entendeu a senhora juíza a quo que os autos reuniam todas as condições para proferir, em sede de despacho-saneador, decisão de mérito, conhecendo da excepção de caducidade deduzida pela ré/recorrida.

Para o efeito, estribou-se no regime da responsabilidade civil do produtor previsto no DL 383/89, de 6 de Novembro, valendo-se do prazo de caducidade previsto no respectivo art. 12º, o que fez, considerando provados os factos acima descritos e aduzindo a seguinte fundamentação:
“A questão que se perfila nos autos consiste em determinar se aquando da propositura da acção o invocado direito da A. persistia ou se, ao invés, já se havia extinto pelo decurso do tempo.
A caducidade é uma forma de extinção dos direitos que actua quando estes, devendo ser exercidos em determinado prazo específico, o não sejam. Trata-se de uma figura que gera a cessação dos efeitos negociais, sem carácter retroactivo. Prende-se com o direito de acção judiciária. A caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica; por isso, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação (Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107, p. 24).
É uma excepção peremptória que importa a absolvição do pedido (art.º 576.º/1/3 do C.P.C.).
O art.º 342.º/2 do C.P.C. dispõe que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
O art.º 331.º do C.C. estabelece com carácter taxativo as causas impeditivas da caducidade, a saber, a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (n.º 1). Tratando-se de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (n.º 2).
Nos termos do disposto no art.º 12.º do decreto-lei 383/89 de 6 de Novembro, decorridos 10 anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano, caduca o direito ao ressarcimento, salvo se estiver pendente acção intentada pelo lesado.
Dando-se como assente que a grua data do ano de 2018, e que a respectiva montagem ocorreu em Fevereiro de 2008, resulta dos autos que em Abril de 2008 estava ser sujeita a revisão. Essas revisões repetiram-se nos meses subsequentes. É, pois, claro que aquando do início da instância a grua já estava em circulação há mais de 10 anos. O direito de acção havia, por conseguinte, caducado.
Objecta a A. com a alegação de que a lei 67/2003, de 8 de Abril veio introduzir um conceito de consumidor que afasta as pessoas colectivas, porquanto apenas pode estar em causa o uso privado dos bens adquiridos.
Uma vez que a grua que terá dado origem ao sinistro em discussão nos autos se destinava a uma actividade comercial, que não ao mero consumo privado de um dado consumidor concreto, não se lhe aplicaria o diploma aludido.
A lei 67/2003, de 8 de Abril transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.
Prevê o art.º 1.º-A/1 que o decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.
«Consumidor» é aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (art.º 1.º-B/a) do diploma).
O tribunal não pretende fazer uso do diploma ora invocado pela A., que, efectivamente, se afigura não ter aplicação à situação vertente.
No que tange à jurisprudência assinalada pela A., o invocado ac. do STJ de 13-1-2005 refere, efectivamente, que de harmonia com o preceituado no art.º 8.º/1 do decreto-lei 383/89, de 6-11 só são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao "uso ou consumo privado" e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.
A "ratio essendi" dessa estatuição normativa é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, que não para um fim profissional ou um actividade comercial.
E conclui, tomando em consideração o bem em discussão naqueles autos: Na realidade, os gelados transportados destinavam-se a uma actividade comercial da firma destinatária (tratava-se de 33 paletes com 5940 embalagens de gelados "magnum double" destinadas à firma E - Distribuição de Gelados e Ultracongelados, Lda."), que não ao mero uso ou consumo privado de uma dado consumidor concreto, tudo em conformidade com a noção de "uso ou consumo privado" acima enunciada, na esteira de Calvão da Silva, in "Compra e Venda de Coisas Defeituosas - Conformidade e Segurança", 2004, págs. 212-213.
O ac. citado em nada permite sustentar a tese da A. de que o prazo de caducidade de 10 anos apenas se aplica aos consumidores entendidos enquanto privados, reportando-se a uma configuração fáctica sem similitude com o caso dos autos.
Atentou-se ainda nos demais acórdãos referidos pela A., mas, tudo visto, salvo o devido respeito, a legislação e jurisprudência invocadas, pela forma como o foram, em nada permitem sustentar a tese daquela de que a excepção de caducidade não se aplica ao caso vertente.
Nestes termos, julga-se a excepção de caducidade procedente, em consequência do que se absolve a R. do pedido.”
O art. 595º, n.º 1, b) do CPC possibilita que no despacho saneador se conheça imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
O conhecimento do mérito da causa no despacho saneador depende de estarem adquiridas para o processo provas bastantes para tal apreciação e só deve ter lugar quando este contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo presente aquele que é o entendimento do juiz da causa – cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 659.

A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe, assim, que, independentemente de estar em causa matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite essa decisão, o que sucederá, designadamente, quando:
a)- Toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento;
b)- Quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que restam controvertidos (por exemplo, se os factos alegados pelo autor não preenchem as condições de procedência da acção, é indiferente a sua prova);
c)- Quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental;
d)- Quando os factos alegados pelo autor sejam inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência);
e)- Quando todos os factos integradores de uma excepção peremptória se encontrem já provados, com força probatória plena, por confissão, admissão ou documento.
O juiz deve guiar-se, na sua opção entre a prolação de decisão de mérito da causa ou o prosseguimento desta com a realização de audiência final, por um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 697; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pág. 204.
Neste enquadramento, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito, ou seja, não há que antecipar qualquer solução jurídica e desconsiderar factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção (a dificuldade será maior face à perspectiva de a questão de direito poder ter mais do que uma solução, caso em que a relevância dos factos alegados, ainda que controvertidos, variará em função desta ou daquela solução jurídica) – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-07-2017, relator Pedro Damião e Cunha, processo n.º 114815/16.8YIPRT.G1 acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt[1].
O conhecimento das excepções peremptórias, como é sabido, integra-se na apreciação do mérito da causa e só é possível ter lugar no despacho saneador, desde que não exista a esse respeito matéria de facto controvertida ou que, sendo necessária apenas prova documental, tenha a parte sido convidada a proceder à sua junção – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 696.
Não se desconhece a divergência de entendimentos quanto à natureza prejudicial ou preclusiva das excepções peremptórias e admissibilidade do seu conhecimento no despacho saneador.
O Prof. Miguel Teixeira de Sousa, admitindo que o tribunal pode conhecer de uma excepção peremptória no despacho saneador sempre que tenha os necessários elementos de facto e de direito para tal, considera que esta afirmação não abrange todas as situações que podem ocorrer.

Assim, questiona o aludido professor:
“O que importa analisar é, por exemplo, se o tribunal pode conhecer da excepção de pagamento antes de ter reconhecido o crédito do autor, da excepção de nulidade antes de ter reconhecido a existência do contrato celebrado entre as partes ou da excepção de caducidade do direito à anulação do contrato antes de ter reconhecido o respectivo fundamento de anulação. […]
No fundo, o que se questiona é se o tribunal pode conhecer de uma excepção peremptória antes de conhecer do direito do autor que essa excepção visa impedir, modificar ou extinguir. Noutros termos: é possível uma decisão de procedência de uma excepção peremptória -- e, portanto, uma decisão de absolvição do pedido (cf. art. 576.º, n.º 3, CPC) -- que deixa em aberto a existência do direito que esta excepção pretende impedir, modificar ou extinguir?
E responde:
“Por vezes, entende-se que a excepção peremptória é uma questão prejudicial em relação à apreciação do direito invocado pelo autor […]
A concepção da excepção peremptória como uma questão prejudicial não é aceitável. […] a excepção se destina a obstar à procedência da causa apesar do reconhecimento do direito do autor (ou apesar da veracidade dos factos alegados pelo autor). "A E.[xceptio] é [...] uma condição negativa da condenação […] por isso, o tribunal só pode proferir uma decisão condenatória se a excepção não for considerada procedente […]
Ao contrário do que entende a concepção que configura a excepção peremptória como uma questão prejudicial, esta excepção não pode constituir um objecto autónomo na apreciação do mérito da causa. A excepção peremptória é sempre relativa (ou, talvez mesmo, relacional): só há excepção se houver uma situação jurídica a que ela se possa opor […]
É claro que a situação não é problemática quando, no despacho saneador, se pode conhecer em simultâneo da pretensão e da excepção. […]
A situação problemática é aquela em que, no momento da elaboração do despacho saneador, o tribunal já se pode pronunciar sobre a excepção sem ainda se poder pronunciar sobre a pretensão. […]
Afastada que foi a concepção de que a excepção peremptória é uma questão prejudicial da apreciação de outros aspectos atinentes ao mérito da causa, a resposta parece evidente: o tribunal não pode pronunciar-se no despacho saneador sobre a excepção antes de se pronunciar sobre a pretensão, ou seja, não pode considerar a acção improcedente com base na excepção peremptória antes de reconhecer a existência do direito alegado pelo autor. Dito de outra forma: o tribunal não pode justificar o julgamento de procedência da excepção com o argumento de que não interessa analisar a pretensão do autor, porque, ainda que esta viesse a ser reconhecida, a acção sempre haveria de improceder com fundamento na excepção. […]
O que, no fundo, se entende é que o tribunal não pode criar o paradoxo de considerar procedente o pedido assente no facto impeditivo, modificativo ou extintivo antes de julgar procedente o pedido baseado no facto constitutivo a que aquele facto se opõe. […]
Do exposto decorre que o tribunal não pode conhecer de uma excepção peremptória no despacho saneador e absolver o réu do pedido com base nessa excepção antes de reconhecer a pretensão que essa excepção visa impedir, modificar ou extinguir. […]
Resumindo o essencial: a excepção peremptória não é uma questão prejudicial da apreciação do mérito da causa; é antes uma questão prejudicada quando não for reconhecida a pretensão do autor, pois que então não pode operar o seu efeito impeditivo, modificativo ou extintivo.” - Conhecimento de excepções peremptórias no despacho saneador? Depende!..., 22-04-2015, Blog IPPC, acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=conhecimento+excep%C3%A7%C3%A3o+saneador.
No entanto, a admissibilidade do conhecimento da excepção peremptória no saneador, ainda que sem apreciação da pretensão vertida na acção tem sido reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência.
J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que na apreciação das excepções peremptórias o juiz deve começar pelas que têm natureza preclusiva, ou seja, aquelas que assentam em factos preclusivos cujo efeito é o de precludir toda a indagação sobre a situação jurídica controvertida, dispensando averiguar a sua existência. Integram nesta situação a prescrição e a caducidade, referindo, quanto a esta, que uma vez invocada, o direito a ela sujeito não pode mais ser exercido, o que torna inútil a discussão sobre a sua existência anterior – cf. op. cit., págs. 577 e 659 e 660 – “Na apreciação das exceções perentórias, o juiz deve começar pelas que têm natureza preclusiva […]: a ocorrência da prescrição, da usucapião ou da caducidade dispensa a indagação sobre a existência do direito.”
Independentemente da adesão ou não à tese da inviabilidade do conhecimento da excepção peremptória em sede de despacho saneador quando ainda não é possível conhecer da pretensão deduzida pelo autor, o que se torna relevante é aferir da reunião dos pressupostos para esse conhecimento nesse momento, ou seja, verificar se estavam reunidos os elementos de facto e de direito que permitiam ao tribunal recorrido conhecer, de imediato, da excepção de caducidade, sendo certo que não sobram dúvidas que o despacho saneador se destina também a apreciar, total ou parcialmente, o pedido deduzido ou alguma excepção peremptória.
Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-04-2016, relator Jaime Carlos Ferreira, processo n.º 349/14.5T8CLD-A.C1 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2015, relator Tomé Gomes, processo n.º 1847/08.5TVLSB.L1.S1, onde se refere:
“As exceções perentórias traduzem-se em fundamentos da defesa suscetíveis de delimitar, negativamente, a pretensão deduzida pelo autor.

Conforme o doutrinado por Castro Mendes:
«Causa de pedir e excepções representam delimitações do pleito a decidir. Em todo o caso, há aqui uma diferença: é que a causa de pedir representa uma delimitação externa da matéria a decidir, as excepções uma delimitação interna. A causa de pedir delimita o assunto que o tribunal vai decidir, e ficará coberto pelo caso julgado; as excepções delimitam, dentro do assunto que o tribunal vai decidir, os pontos a ter em conta. E assim, produzido o caso julgado, podem-se fazer valer em nova acção outras causas de pedir não invocadas no pleito, relativas ao mesmo thema decidendum; mas não as excepções não invocadas contra a pretensão do autor.»
Nas palavras do mesmo Autor, “a alegação pelo réu de uma excepção peremptória suscita no processo uma questão fundamental, preliminar em relação ao thema decidendum.” E, tendo o réu “o ónus da fundamentação exaustiva da sua defesa, em caso de rejeição desta, preclude-se a possibilidade de invocar outros meios de defesa (salvo, e em medida limitada, meios supervenientes”. Tal efeito preclusivo “apresenta-se portanto (…) como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo.”
Nessa linha de pensamento, a procedência de uma exceção perentória determina a consequente decisão de improcedência da ação, sobre a qual se forma o caso julgado material, tendo por alcance objetivo o fundamento de procedência dessa exceção”
A 1ª instância entendeu aplicável à situação sub judice o prazo de caducidade de 10 anos previsto no art. 12º do DL 383/89, de 6 de Novembro, mas não explicou a razão para assim ter decidido, o que importa esclarecer.
Para o efeito, impõe-se atentar nos factos que a 1ª instância considerou provados e contra os quais a recorrente não se insurgiu, não os tendo impugnado, pelo que os aceitou tal como foram dados como provados, não existindo motivos para esta Relação neles introduzir qualquer alteração (para além da referida no ponto 3.), porquanto resultam quer da posição assumida pelas partes, quer do conteúdo dos documentos que se mostram juntos aos autos.
Tal como resulta do ponto 1. dos factos provados, a causa de pedir da autora assenta no defeito de fabrico da grua com o número de série 6226/2008, sendo certo que a seguradora considera a demandada responsável pelo sinistro precisamente por, como fabricante, ter validado a configuração da grua tal como foi utilizada na obra onde a queda ocorreu (conforme alegado no artigo 38º da petição inicial).
Nos artigos 9º a 46º da petição inicial a autora/apelante identifica o dia em que ocorreu o sinistro, o modo como este ocorreu (queda da parte superior da grua, tendo a lança e os seus destroços provocado danos na obra e atingido quatro edifícios e viaturas estacionadas nos arruamentos adjacentes), refere que a grua foi fabricada pela apelada (artigo 14º da petição inicial), sendo propriedade da APA – Importação e Exportação, Lda. (artigo 15º), que a alugou à sua segurada, a HCI – Construções, S. A. para utilização na obra (artigo 16º); descreve a estrutura da grua, a causa do colapso (falência dos 48 parafusos da união flangeada da cremalheira), que imputa a erro de concepção que a tornava dinamicamente instável e enuncia os pagamentos que efectuou, identificando as entidades cujos bens (edifícios e viaturas de terceiros) foram afectados pelo colapso, adicionando ainda as despesas em que incorreu com averiguações e honorários de advogados (a liquidar posteriormente).
A final, conclui a autora que a demandada deve ser responsabilidade seja por via do incumprimento de uma obrigação, seja por facto ilícito ou pelo risco (artigo 48º da petição inicial), sem que tenha explicado em qual destas figuras jurídicas integra a causa de pedir que deduziu.
Para além de suscitar as excepções de caducidade e ilegitimidade activa e passiva, a ré impugnou expressamente os factos alegados nos artigos 9º a 45º da petição inicial (cf. artigo 51º da contestação).
Não obstante a ré invocar a caducidade com base no prazo de dez anos durante o qual o direito a obter o ressarcimento dos prejuízos deve ser exercido sobre o construtor e ainda que sem expressamente invocar, nessa sede, o disposto no art. 12º do DL 383/89, de 6 de Novembro, acaba aquela por entrar em contradição em sede de impugnação, quando sustenta que o regime decorrente desse diploma legal não é aqui aplicável (artigos 69º a 73º da contestação), para depois concluir, novamente, que ainda que o fosse, sempre o direito da autora teria caducado, nos termos do mencionado art. 12º daquela lei.
Para afastar a caducidade excepcionada, também a autora sustentou o afastamento do regime do DL 383/89, de 6 de Novembro considerando que este apenas se aplica quando estejam em causa bens que se destinam a uma utilização privada, alheia à actividade profissional ou comercial, sendo que neste caso estaria em causa a prática da actividade profissional da empresa APA, Lda. que através do contrato de aluguer cedeu a grua fabricada pela ré à segurada da autora.
Por outro lado, impugnando expressamente o facto de ter sido a fabricante da grua (alegado no artigo 14º da petição inicial), a ré acaba, porém, por admitir essa realidade ao referir, no artigo 16º da sua contestação: “Assim, qualquer direito sobre o construtor, aqui Ré, já caducou.”
Como se retira do acima relatado, a autora/apelante não identificou, em concreto, as razões de direito com base nas quais dirige contra a ré o seu pedido (como lho impunha o estatuído no art. 552º, n.º 1, d) do CPC), ou seja, não indicou a norma legal em que fundamenta a responsabilidade da ré pela ocorrência do sinistro, embora tal responsabilidade tenha necessariamente de estar conexionada com o facto alegado como sendo aquele que esteve na sua génese, isto é, o defeito ou erro na concepção da grua.
Na verdade, a recorrente conformou-se com a causa de pedir tal como foi identificada pelo tribunal recorrido na 1ª instância, o que, aliás, não poderia deixar de ser, dado que, analisada a sua petição inicial, resulta evidente que a responsabilidade que a autora imputa à ré/recorrida radica na circunstância de, conforme alega, a grua ter colapsado por erro ou defeito no seu fabrico, erro que atribuiu à demandada enquanto fabricante da grua e que nessa qualidade validou a sua configuração tal como estava implantada na obra – cf. artigos 37º e 38º da petição inicial.
A autora/recorrente parece não saber bem em que regime integrar o defeito da construção da grua, convocando quer a responsabilidade contratual (que, sem que se compreenda como, faz radicar na celebração do contrato de seguro com a HCI Construções, S. A.), quer a responsabilidade por facto ilícito e ainda pelo risco – cf. artigo 48º da petição inicial.
Todavia, transcorrida a petição inicial nenhum facto foi alegado susceptível de integrar os diversos pressupostos que integram a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, nomeadamente, nenhum facto foi alegado para demonstrar a culpa da ré quanto ao defeito verificado (sendo este um pressuposto necessário dessa responsabilidade, nos termos do art. 483º do Código Civil).
Assim, para além da celebração do contrato de seguro que justifica o alegado pagamento das indemnizações devidas a terceiros lesados (entendidos como entidades distintas da segurada) e, por via deste, o exercício do direito em sub-rogação, a pretensão que a autora formula assenta num defeito de fabrico do produto, pelo que apenas poderia ser apreciada sob a perspectiva da responsabilidade civil do produtor, porquanto os factos alegados não permitem subsumi-la a qualquer outra via de responsabilidade.
E que assim é decorre até da tomada de posição que a autora vem deduzindo nos autos, designadamente, quando em resposta à excepção de caducidade, começa por considerar que à data do acidente ainda estava em vigor a garantia (dos mencionados 10 anos), referindo também que, mesmo que se mostrasse caduco o direito, atento o disposto no art. 12º do DL 383/89, de 6 de Novembro, sempre se teria de atentar na responsabilidade da ré decorrente de outras disposições legais, mas sem que, realce-se, tenha sequer indicado a que normativos legais se referia e menos ainda tenha alegado quaisquer factos que permitissem enquadrar o seu pedido sob o mencionado regime da responsabilidade por facto ilícito ou contratual.
Ademais, note-se não foi alegada a celebração de qualquer contrato entre a sua segurada e a ré, entre a proprietária da grua e a ré e menos ainda entre a autora e a demandada (não fazendo qualquer sentido, ou não se lobrigando o alcance da menção constante de tal resposta, no sentido de que o ressarcimento dos danos decorrentes do sinistro pode ser imputado à ré e não está caducado porque o pedido emerge de um contrato de seguro, como infra se explicará).
Já em sede de alegações de recurso a recorrente não se insurge propriamente contra a aplicação do regime da responsabilidade objectiva do produtor mas antes pretende afastar a oponibilidade do prazo de caducidade nele previsto, entendendo que o seu é um direito novo, distinto do do tomador do seguro, pelo que não lhe é oponível tal excepção, para além de invocar o facto de a grua se destinar a uso profissional, o que afastaria a ressarcibilidade dos danos causados ao abrigo desse regime (esquecendo-se, contudo, que o está em causa não são os danos causados na coisa defeituosa mas em coisas de terceiros).
Assim, não se vê, face ao modo como a autora configurou a acção e aos factos que alegou, que outro regime poderia ser convocado para aferir da responsabilidade da ré pelo ressarcimento à autora dos valores que despendeu para indemnizar terceiros.
Recorde-se que a autora/recorrente demanda a ré, a quem imputa a qualidade de fabricante da grua que caiu e provocou danos em coisas de terceiros (por referência às partes no contrato de seguro invocado), com vista a dela obter, enquanto terceira responsável pelo sinistro, o reembolso das quantias que despendeu para ressarcir os lesados.
No art. 123º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL 72/2008[2], de 16-04 é enunciado o objecto do seguro de danos em sentido amplo, abrangendo os seguros de coisas e os seguros de património, onde se integram, usualmente, os de responsabilidade civil, crédito, caução e o resseguro.
Todos os seguros de danos têm carácter indemnizatório, estando, por essa razão, sujeitos ao princípio indemnizatório, tal como consagrado no art. 128º do RJCS, ou seja, a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.
Trata-se de regra primordial no âmbito dos seguros de danos traduzindo “um princípio de ordenação social; ao atalhar o enriquecimento do segurado com o sinistro está afinal a precaver a ocorrência de sinistros, a fraude, portanto a desordenação social”, cuja justificação radica na finalidade ressarcitória da responsabilidade civil, com vista a inviabilizar o enriquecimento do lesado e prevenindo a provocação voluntária de danos – cf. Pedro Romano Martinez et al., Lei do Contrato de Seguro Anotada, pág. 412.
Um dos corolários do princípio indemnizatório é a sub-rogação pelo segurador que tiver pago a indemnização, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro, conforme previsto no art. 136º, n.º 1 do RJCS, impossibilitando que o segurado possa cumular as indemnizações devidas por terceiro, quer sejam delituais, quer contratuais, com aquela que houver sido paga pelo segurador.
As condições da sub-rogação pelo segurador são o pagamento da indemnização por força do contrato de seguro e a existência de um crédito do segurado contra o terceiro responsável, que, uma vez verificadas, fazem funcionar a sub-rogação ipso iure, por via do que o segurador adquire os poderes que ao segurado competiam contra o terceiro responsável – cf. art-. 593º, n.º 1 do Código Civil.
A sub-rogação é uma forma de transmissão do crédito, que tem por base o pagamento ou cumprimento da obrigação, feito por terceiro – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 604.
Distinta da sub-rogação é a figura do direito de regresso como bem se dá conta, a propósito da contagem do prazo de prescrição, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2003, relator Garcia Marques, processo n.º 02A4110:
“Com efeito, o direito de regresso assiste ao devedor solidário que houver satisfeito o direito do credor, além da parte que lhe competia no crédito comum, contra cada um dos condevedores pela quota respectiva - artigo 524º do Código Civil […]
Por sua vez, a sub-rogação pode ser definida como a transmissão do crédito em favor daquele que, substituindo-se ao devedor, cumpre a obrigação a que este se encontrava adstrito - artigo 589º. Supõe sempre um pagamento feito por terceiro ao originário credor, ingressando esse terceiro na posição jurídica que o primitivo credor ocupava na relação obrigacional.
Ou seja, a sub-rogação é uma forma de transmissão do crédito, enquanto o direito de regresso constitui um crédito novo, que nem sequer tem o mesmo objecto do direito extinto.
Abordando a problemática da natureza jurídica da sub-rogação, escreve Antunes Varela: “A doutrina tradicional considera a sub-rogação como uma modalidade de transmissão do direito de crédito. Embora a sub-rogação assente no facto do cumprimento e este constitua a causa extintiva da obrigação por excelência, a circunstância de a satisfação do interesse do credor ser operada, não pelo devedor, mas por terceiro, ou com meios por este facultados, tem como efeito que o crédito, em lugar de se extinguir, transita de armas e bagagens para esse terceiro”.
Quer isto dizer que a sub-rogação envolve a transmissão de todas as garantias e outros acessórios do crédito (artigos 594º e 583º). E não é esse o regime que quadra a um direito ex novo, como o direito de regresso, nem à natureza própria da obrigação solidária, que está na base do direito de regresso. […]
Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 593º, o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam. Quer isto dizer que a sub-rogação coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito, se bem que limitado pelos termos do cumprimento, que pertencia ao credor primitivo.”
No mesmo sentido, acompanhando o acima transcrito, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-01-2017, relator Gabriel Catarino, processo n.º 850/09.2TVLSB.L1.S1 e de 3-07-2018, relator Pinto de Almeida, processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 – “Como sublinha Brandão Proença, "o «direito de regresso» e o «direito de sub-rogação» mais não são do que, em circunstâncias diferentes, idênticos direitos de reembolso das quantias pagas, ex vi legis, a título provisório e por obrigados (não responsáveis) secundários, direitos esses a «construir» substancialmente de forma semelhante, com uma natureza que não é, nem deve ser a do direito do lesado ressarcido e com um conteúdo delimitado essencialmente pelo crédito satisfeito.”
Porque a seguradora fica sub-rogada no mesmo crédito, transfere-se para ela a prova e delimitação da responsabilidade do terceiro responsável.
No entanto, porque não se dá qualquer transferência ao nível da relação jurídica entre o segurador e o segurado, o terceiro responsável só poderá opor ao segurador, além da inexistência da sua responsabilidade, a inexistência do contrato de seguro ou do pagamento efectuado ao seu abrigo – cf. neste sentido, Pedro Romano Martinez et al., op. cit., pág. 438.
Assim como, atento o princípio indemnizatório, não seria admissível que o segurado recebesse duas indemnizações pelo mesmo dano - uma paga pelo terceiro responsável e outra pela seguradora -, enriquecendo-se injustificadamente e usando o seguro como forma de obter lucro, também não se pode admitir que o terceiro responsável pelo dano fique isento da sua responsabilidade só pelo facto de o lesado estar a coberto dum contrato de seguro.
A sub-rogação, transferindo para a seguradora o direito do segurado, obsta a que tal se verifique – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-02-2018, relator Freitas Vieira, processo n.º 613/13.0TVPRT.P1.
Tendo-se presente que a origem da sub-rogação reside no facto jurídico do cumprimento pela seguradora, é evidente que antes desse pagamento não há sub-rogação e, como tal, só com o pagamento o terceiro que paga recebe os direitos do credor, podendo exercê-los.
Importava, assim, questionar se podia a ré invocar, perante a seguradora que pagou aos lesados, o prazo de caducidade de dez anos previsto no DL 383/89, de 6 de Novembro que esta poderia opor aos credores primitivos.
Ainda que o art. 594º do Código Civil que determina a aplicabilidade à sub-rogação das normas dos art.ºs 582º a 584º desse diploma legal atinentes à cessão de créditos, nelas não inclua a norma do art. 585º (que dispõe expressamente sobre os meios de defesa oponíveis pelo devedor), tem-se entendido que essa norma é analogicamente aplicável à sub-rogação, porquanto só assim o devedor não ficará prejudicado.

A este propósito refere Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha:
“Este regime vem previsto a propósito da cessão de créditos (art.585.º), mas não aparece no regime da sub-rogação, nem na remissão que o art. 594.º faz para a disciplina da cessão. Contudo, seria prejudicial ao devedor que deixasse de poder invocar perante o novo credor os meios de defesa – excepções – que podia opor eficazmente perante o anterior credor, mesmo que os ignorasse: tal asserção funda-se ademais no princípio nemo plus iuris in aliud transferre potest quam ipse habet. Por essa razão, para que o devedor não seja prejudicado, scilicet por uma transmissão dum direito em que não participou, e porque o crédito transmisso se mantém tal qual era, o art. 585.º é analogicamente aplicável à sub-rogação. A razão da aplicação do art. 585.º à sub-rogação funda-se ainda, para alguns Autores, num princípio da equiparação entre as duas formas de transmissão de créditos (art. 594.º) […] O crédito aí transmitir-se-á não apenas com as garantias e acessórios, mas também com os vícios ou defeitos.
Assim sendo, o devedor continuará a poder opor ao sub-rogado as excepções que impedissem a constituição do crédito (v.g. invalidade do negócio), o extinguissem (v.g. resolução, cumprimento, prescrição, compensação ou outro facto extintivo) ou paralisassem o seu exercício (v.g. prazo da prestação, exceptio non adimpleti contractus ou exceptio non rite adimpleti contractus, direito de retenção).” – cf. Da Sub-rogação no Contrato de Seguro, pp. 79-80, disponível em https://www.asf.com.pt/NR/rdonlyres/E0A868B6-B492-413A-AC0C-BA5AE04CBFA2/0/FDULFranciscoRodriguesRochaDaSubroga%C3%A7%C3%A3onoContratodeSeguro.pdf.

Também neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4-05-2017, relator José Fernando Cardoso Amaral, processo n.º 572/16.8T8PTL.G1 onde se aduz:
“Já o legislador não mandou aplicar à sub-rogação o disposto no artigo 585°, preceito que, na cessão de créditos, define os meios de defesa oponíveis pelo devedor ao credor cessionário. Tal não significa, porém, que aqui não possa também ocorrer, em alguns casos, a falada equiparação.

Com efeito, escreve a propósito Antunes Varela: "No caso de sub-rogação legal ou de sub-rogação efectuada pelo credor, já o regime dos meios de defesa invocáveis contra o sub-rogado se aproxima bastante mais da disciplina da cessão. O crédito transmitir-se-á, nesses casos, não apenas com as garantias e acessórios que o fortalecem, mas também com os vícios ou defeitos que o enfraquecem". E, no caso, não faria sentido que, tendo ocorrido sub-rogação legal, a existência do contrato de seguro celebrado entre a autora e o dono da obra agravasse as condições de responsabilidade do empreiteiro, impedindo a oponibilidade ao credor sub-rogado de prazos de caducidade que se fundam no interesse da brevidade das relações jurídicas e visam evitar o protelamento de prazos de garantia que o legislador quis curtos e que, de outra forma, poderiam arrastar demasiado no tempo a responsabilidade daquele.”
Aderindo a esta posição, que é aquela que se mostra mais adequada perante a consideração de que o sub-rogado recebe o crédito tal qual ele existia na esfera jurídica do credor primitivo, deve considerar-se, ao contrário do propugnado pela recorrente, que lhe é oponível a excepção de caducidade que a ré, enquanto devedora a quem é imputada a responsabilidade pela ocorrência do sinistro, pudesse dirigir contra aquele.
Improcedem, assim, as conclusões 1. a 4. das alegações da recorrente.
Há, pois, que determinar se o prazo de caducidade previsto no art. 12º do DL 383/89, de 6 de Novembro se aplica à situação vertida nos autos.
O Código Civil não contém um regime próprio sobre a responsabilidade directa do produtor.
Tal regime foi introduzido no ordenamento jurídico através do DL n.º 383/89, de 6 de Novembro, que transpôs a Directiva 85/374/CE do Conselho de 25/7/85.
O referido diploma, tal como alegou a recorrente na sua resposta à excepção, não afasta a responsabilidade decorrente de outras disposições legais (cf. art. 13º[3]), pelo que não revogou o direito comum, vindo, pelo contrário, complementá-lo, assegurando uma maior eficácia na protecção do consumidor.
Contudo, esta maior protecção apenas existirá quando se esteja perante uma relação contratual directa entre o consumidor e o produtor, o que, não é o caso dos autos, como se verá.
Para além da protecção conferida pelo DL 383/89, há que ter em consideração a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril (Lei de Defesa do Consumidor), que confere ao consumidor o direito à reparação da coisa ou à sua substituição, mas que pressupõe uma relação contratual directa com o fornecedor remetendo a responsabilidade objectiva do produtor para os “termos da lei” (cf. art. 12º, n.º 2), isto, é, para o DL n.º 383/89.
Por sua vez, o DL n.º 67/2003, de 8 de Abril prevê, para além do direito à reparação ou substituição do bem, redução do preço ou resolução do contrato, em caso de falta de conformidade do bem (previsto no art. 4º, n.º 1), medidas jurídicas relativas às garantias voluntariamente assumidas pelo vendedor, fabricante ou por qualquer intermediário (art. 9º), bem como a responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição da coisa defeituosa (art. 6º), visando com isso estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, prevista no DL n.º 383/89 de 6 de Novembro, tal como é referido no preâmbulo daquele diploma legal.
Note-se, contudo, que o regime do DL 67/2003, de 8 de Abril, tal como resulta do seu art. 1º-A, n.º 1, se aplica a contratos de compra e venda de bens de consumo, considerando-se consumidor “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”[4].
A acção directa contra o produtor ou seu representante, prevista no art. 6º do DL 67/2003, de 8 de Abril, constitui uma excepção ao princípio da relatividade dos contratos e concede a certos credores o benefício de poderem demandar directamente os devedores dos seus devedores imediatos, estendendo a responsabilidade contratual do produtor face a vícios emergentes do contrato celebrado entre este e o primeiro adquirente, aos adquirentes sucessivos da coisa defeituosa.
Por essa razão, a responsabilidade civil do produtor perante terceiros assume uma dupla natureza, conforme os respectivos pressupostos: por um lado, a natureza de responsabilidade delitual objectiva, por outro, a natureza de responsabilidade contratual (acção directa) – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1-03-2016, relator Jorge Arcanjo, processo n.º 1684/08.7TBCBR.C1.

Jorge Morais Carvalho esclarece precisamente esta dicotomia dizendo ser possível distinguir dois planos diversos da responsabilidade do produtor:
“Em primeiro lugar, o produtor pode ser directamente responsável perante o consumidor pela reposição da conformidade num bem de consumo prestado em desconformidade com o contrato.
Em segundo lugar, o nosso ordenamento jurídico contém um regime específico relativo à responsabilidade objectiva do produtor que coloca em circulação uma coisa defeituosa pelos danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos causados em coisa diversa do bem defeituoso.” – cf. Manual de Direito do Consumo, 5ª Edição, 2018, pág. 343.
Assim, além de responder directamente perante o consumidor, ao abrigo do disposto no art. 6º do DL 67/2003, pela reposição da conformidade na coisa vendida pelo profissional, o produtor também é responsável pelos danos resultantes de morte ou lesão pessoal e pelos danos causados em coisa diversa do bem defeituoso, independentemente de culpa, nos termos do DL 383/89, de 6-11.
Este último é um caso de responsabilidade civil extracontratual, a que se aplicam os pressupostos gerais deste instituto, com a particularidade de se prescindir da culpa (art. 1º), consistindo o facto ilícito na colocação em circulação de um bem defeituoso, ou seja, que não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar (art. 4º, n.º 1)
O regime especial da responsabilidade do produtor em referência protege todo e qualquer lesado que tenha sofrido danos com um produto defeituoso.
Consagra, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-06-2004, relator Teles de Menezes, processo n.º 0433085 convocando a obra de João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosos, “uma responsabilidade objectiva do produtor pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação, definindo o defeito como falta de segurança legitimamente esperada, partindo da existência de uma obrigação de segurança a cargo do fabricante em prol da protecção de qualquer pessoa vítima do produto defeituoso circulante do mercado. Refere o autor citado, na obra mencionada, pág. 176, que não se trata de uma obrigação de segurança relativa, de natureza contratual, para proteger tão-somente o comprador do produto, visto que “são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal” - toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor, contratante ou terceiro - “e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e lesado lhe tinha dado principalmente este destino” (art. 8.º do DL 383/89). Por conseguinte, trata-se, aqui, da segurança pessoal, do respeito pela vida, pela integridade físico-psíquica e pela, saúde de toda e qualquer pessoa, vistos à luz dos direitos do homem. «Daí a unificação das responsabilidades contratual e extracontratual, com superação desta clássica summa divisio, ao regular-se a responsabilidade, tout court, do produtor, qualquer que seja a qualidade (contratante ou terceiro) da vítima, vista a obrigação absoluta (não relativa) de não atentar contra a pessoa humana, contra a segurança das pessoas - alterum non laedere -, não comercializando produtos que não ofereçam a segurança com que legitimamente se pode contar (art. 4.º do DL 383/89)».
Assim, o DL 383/89 tem dois âmbitos de aplicação distintos: por um lado, o que abrange os danos pessoais, aplicando-se a toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor, contratante ou terceiro; por outro, o atinente aos danos materiais, aplicando-se somente aos consumidores, ficando de fora os profissionais ou aqueles que usam o produto no âmbito de uma actividade comercial – cf. Vera Lúcia Paiva Coelho, Responsabilidade do produtor por produtos defeituosos “Teste de resistência” ao DL n.º 383/89, de 6 de Novembro, à luz da jurisprudência recente, 25 anos volvidos sobre a sua entrada em vigor, Revista Electrónica de Direito – Junho 2017 – N.º 2, pág. 8.
Logo, este regime não se destina a proteger somente os consumidores, mas também os profissionais, quando estejam em causa danos pessoais, como determina o art.º 8.º do DL n.º 383/89 ao preceituar: “são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino”.
Já quanto aos danos materiais, ficam excluídos do círculo de aplicação do regime todos aqueles que tenham adquirido um determinado produto para um fim profissional ou no âmbito de uma actividade comercial e não aqueles que tenham adquirido um produto para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico.
E que se trata de responsabilidade objectiva resulta do art. 1º do DL 383/89, que prescreve que o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos defeitos dos produtos que põe em circulação, sendo, contudo, uma objectividade relativa e não absoluta, atentas as causas de exclusão e de redução da responsabilidade (cf. art.ºs 5º e 7º), que visam alcançar uma justa repartição dos riscos entre o lesado e o produtor, incumbindo a este ilidir qualquer das presunções legais estabelecidas.
Atentas as regras de repartição do ónus da prova (cf. art.º 342º, n.º 1 do Código Civil), recairá, em princípio, sobre o autor, alegadamente lesado (ou quem se sub-roga no seu direito, como é o caso), o encargo de provar a existência de danos, o defeito do produto comercializado e o nexo causal entre o defeito e os alegados danos (cf. artº 4º do DL 383/89, de 6-11).
Ao produtor cabe a prova de alguma das causas de exclusão da responsabilidade previstas nas alíneas a) a f) do art. 5º daquele diploma legal – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-02-2008, relatora Rosa Tching, processo n.º 2635/07-1.
O art. 2º, n.º 1 do DL n.º 383/89 contém uma noção de produtor bastante abrangente, reportando-se tanto ao produtor real, “o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima” como ao produtor aparente, “quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo”.
Ainda que a ré/recorrida tenha impugnado o artigo da petição inicial onde foi afirmado que foi ela a fabricante da grua, certo é que admitiu essa qualidade quando se colocou, ela própria, na posição de construtor (cf. artigo 16º da contestação).
De todo o modo, ainda que assim se não deva entender, certo é que, tal como decorre do já acima explanado, a configuração da causa de pedir tal como se mostra factualmente vertida na petição inicial não autoriza a convocação de qualquer outro regime, que não o da responsabilidade objectiva do produtor, para a solução do presente litígio.
Como já se disse, a apelante não imputou qualquer conduta à ré enquanto reveladora de negligência ou dolo na produção da grua para que se pudesse entender que se pretendia prevalecer do regime da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, limitando-se a enunciar as características da grua, o seu modo de funcionamento e a identificar o defeito causador do colapso, defeito que imputou à ré, apenas e tão-somente enquanto fabricante do produto, ou seja, situou-se manifestamente dentro do campo de aplicação do DL 383/89, de 6 de Novembro.[5]
De referir que não colhe sequer a convocação do DL 67/2003, de 8 de Abril e a acção directa que o consumidor pode exercer perante o produtor, precisamente, porque os factos descritos contendem com a lesão verificada em bens pertencentes a terceiros, entidades diversas da segurada, com quem o produtor não estabeleceu qualquer relação contratual, assim como não a estabeleceu com a própria segurada.
É necessário ter presente que o campo de aplicação do art. 6º do DL 67/2003, de 8-04 se reporta aos danos na própria coisa defeituosa, enquanto o campo de aplicação do DL 383/89 se cinge aos danos resultantes de morte ou lesão pessoal e aos danos causados em coisa diversa da coisa defeituosa – cf. art. 8º.
Contudo, importa reter quanto a estes últimos que “a lei limita a sua ressarcibilidade, ao abrigo deste regime, aos casos em que a coisa (diversa do bem defeituoso) é “normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”. Portanto, só são indemnizáveis os danos causados em bens de consumo. Note-se que o bem defeituoso que causa o dano não tem de ser um bem de consumo, podendo ser um bem destinado a uso profissional. Acrescente-se que não tem de ser um dano causado ao consumidor que adquiriu o bem defeituoso, podendo ter sido causado a um terceiro, lesado, sem qualquer relação com o bem defeituoso.” – cf. Jorge Morais Carvalho, op. cit., pág. 348.
Daqui decorre que, contrariamente ao sustentado pela apelante é irrelevante se esta pode ou não ser considerada consumidora. O que importa é que os danos materiais cuja reparação se pretende obter perante o produtor tenham ocorrido em coisa distinta do produto defeituoso (como é o caso, dado que se reporta a danos em edifícios e viaturas de terceiros) e que tais bens sejam destinados a uso privado.
Ainda que não esteja demonstrado o uso a que se destinavam os bens danificados, o que é possível desde já afirmar é que, caso fossem destinados ao uso privado, estavam abrangidos pelo regime de reparação previsto no DL 383/89; e dado que a pretensão deduzida, atenta a factualidade invocada, apenas sob esse prisma pode ser ponderada, tem de entender-se ser aplicável o prazo de caducidade previsto no respectivo art. 12º, ou seja, o prazo de dez anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano.
A circunstância de a grua ter sido adquirida por uma sociedade para a destinar ao exercício do seu comércio e que esta a tenha alugado a uma outra sociedade que a utilizou também no âmbito da sua actividade comercial não releva, neste caso, para a ponderação da aplicabilidade do DL 383/89, de 6-11, pois que o que está em causa são os danos causados a bem distinto da coisa defeituosa sendo que esta, causadora do dano, pode ser ou não destinada a uso profissional.
Improcedem, assim, as conclusões 5. a 11..
Finalmente, sustenta a recorrente que o prazo de caducidade não pode ser oposto seja à tomadora do seguro, seja à seguradora sub-rogada pelo facto de aquela só ter tomado contacto com a grua a partir de 25 de Março de 2015, data em que foi apresentada a proposta de aluguer.
A matéria de facto atinente à celebração do contrato de aluguer encontra-se impugnada, não podendo por isso dar-se como provada a data em que terá sido apresentada a respectiva proposta.
De todo o modo, trata-se de matéria controvertida que não releva para a apreciação da excepção de caducidade.
Com efeito, como resulta do anteriormente expendido, exercendo a seguradora o seu direito em sub-rogação, tal direito transmitiu-se-lhe tal qual ele existia na esfera jurídica do primitivo credor, podendo a devedora opor-lhe os meios de defesa que poderia opor ao primeiro.
Sendo assim, como é, o que releva para efeitos de determinação de contagem do prazo de dez anos, prazo durante o qual pode ser exercido pelo lesado o direito ao ressarcimento perante o produtor, é a data em que este pôs o produto causador do dano em circulação.
A caducidade (do direito ou da acção) pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito ou de uma acção pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma natural circunstância que, naturalmente (como a morte), faz desencadear a extinção do direito.
Apenas a entrada da petição na Secretaria impediria a caducidade do direito – cf. art. 331º do Código Civil e art. 259º, n.º 1 do CPC.
Estando provado e não tendo sido impugnado que em Fevereiro de 2008 a grua foi objecto de montagem na Martifer – Tavira Plaza, tal significa que nessa data a grua – alegado produto defeituoso – já havia entrado em circulação, pelo que à data da instauração da presente acção (23 de Julho de 2018), estava transcorrido por completo o aludido prazo de dez anos e, como tal, extinto qualquer direito que a autora, sub-rogada na posição dos lesados, pudesse exercer contra a ré, enquanto fabricante da grua.
Improcede, pois, a conclusão 12. e improcede na íntegra a apelação, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que a pretensão recursória da recorrente claudicou em toda a sua extensão, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo, parte vencida no recurso.
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IV–DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo da apelante.
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Lisboa, 11 de Dezembro de 2019[6]



Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro



[1]Adiante designado pela sigla CPC
[2]Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se disponíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.
[3]Adiante designado pela sigla RJCS.
[4]“O presente diploma não afasta a responsabilidade decorrente de outras disposições legais.”
[5]Normativo que estatui: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
[6]Caso os danos não sejam ressarcíveis por via do regime previsto no DL 383/89, o lesado sempre poderá recorrer ao regime geral do art. 483º do Código Civil, situação em que, naturalmente, terá de provar a culpa do produtor – cf. Jorge Morais Carvalho, op. cit., pág. 349. No entanto, esta não foi uma questão suscitada pela recorrente nem por ela foram alegados factos integradores dessa via de responsabilidade.
[7]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.