Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
227/14.8T8PDL-A.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EMPRESÁRIO EM NOME INDIVIDUAL
RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Sumário: A fixação, na sentença declaratória de insolvência, de residência aos devedores insolventes pressupõe que estes residam efetivamente em território português, não bastando para tanto que também tenham morada neste território.
Estando assente que os requeridos estão a residir e a trabalhar no Canadá, a fixação de residência em Ponta Delgada redundaria na imposição do regresso dos requeridos a esta cidade e o abandono do seu atual projeto de vida, efeitos claramente desproporcionados aos fins que a fixação de residência pretende assegurar.
Esses fins visados hão-se ser tendencialmente assegurados com a indicação, pelos requeridos, da morada, no Canadá, ou em território português, onde devam ser contactados no âmbito do processo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

O Banco, SA., (…) veio requerer, ao abrigo do disposto nos art.s 3º, 20º e 25º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, (doravante designado por CIRE), a declaração de insolvência de Paulo e de C., ambos residentes no Canadá, mas com morada em (…), Ponta Delgada.
Alegou, para o efeito, em síntese:
No âmbito da sua atividade emprestou aos requeridos, no dia 19-06-2008, a quantia de € 172.500,00, a reembolsar em 528 prestações mensais de capital e juros.
Essas prestações deixaram de ser pagas desde o dia 08-12-2012, pelo que, no dia 26-09-2014, estava em dívida o capital de € 163.362,65 e € 8077,57 de juros e imposto de selo.

No dia 20-07-2009 emprestou aos requeridos o montante de € 49.169,56, a reembolsar em 460 prestações mensais de capital e juros.
Essas prestações deixaram de ser pagas no dia 08-03-2012, pelo que, no dia 26-09-2014, estava em dívida o capital de 47.183,32 e € 6.260,61de juros e imposto de selo.

No mesmo dia 20-07-2009 emprestou aos requeridos o montantes de € 48.000,00, a reembolsar em 460 prestações mensais de capital e juros.
Essas prestações deixaram de ser pagas no dia 08-07-2011, pelo que, no dia 26-09-2014, estava em dívida o capital de 46.526,69 e € 8.018,50 de juros e imposto de selo.

No dia 10-05-2011 emprestou aos requeridos o montantes de € 25.000,00, a reembolsar em 360 prestações mensais de capital e juros.
Não foi paga qualquer prestação, pelo que está em dívida todo o capital e juros e imposto de selo que, no dia 26-09-2014, somavam € 9221,99.

A requerente é legítima portadora de três livranças subscritas pelos requeridos, nos montantes de, respetivamente, € 29.223,97, € 20.470,82 e21.087,19, todas com vencimento no dia 07-03-2014.

Os requeridos são titulares de duas contas bancárias que apresentam saldos devedores nunca regularizados, que, nas datas de 10-12-2012 e 06-04-2013, eram de, respetivamente, € 119,62 e €23,41.

Contra os requeridos foram intentadas diversas ações executivas, para cobrança de créditos que somam o montante de € 46.252,35, e uma execução para cobrança de contribuições para a Segurança Social no montante de € 6.086,71.

Juntou documentos e solicitou que os requeridos fizessem as indicações legais, nomeadamente a relação de credores.

Citados, os requeridos opuseram, em síntese:
Não põem em causa o valor dos créditos do requerente sobre eles.
Mas esses créditos estão garantidos por hipotecas constituídas sobre imóveis que foram avaliados pelo requerente em € 387.000,00.
A requerida C., na sua qualidade de empresária em nome individual com a marca X, é credora de uma quantidade enorme de pessoas individuais e coletivas, de que há a considerar o valor total de € 30.678,42.
Os dois requeridos são sócios da sociedade Y, Lda., a qual detém créditos no valor total de € 74.523,58.
A requerida C. e a sociedade Y têm materiais para venda no valor de cerca de e 35.000,00, e mobiliário e equipamento no valor de cerca de € 10.000,00.
O recheio da casa dos requeridos vale cerca de € 15.000,00.
E os requeridos, para além do que estão a auferir no Canadá, recebem a quantia mensal de € 1180,00 do arrendamento de quartos, numa das suas casas, montante que dão para o sustento dos seus dois filhos menores, que vivem com os avós em S. Miguel, e que cresce bastante
Não estão a cumprir as suas obrigações por falta de informação, que pediram, sobre as quantias em dívida. E porque, sempre que depositavam dinheiro nas suas contas nos bancos credores, estes apropriavam-se das mesmas sem qualquer explicação, nem sequer informando qual a dívida que estava a ser paga.
O que se passou com o ora requerente.
Concluíram pela improcedência da ação, e, se assim não for entendido, pediram a exoneração do passivo restante.
Juntaram documentos e relacionaram os credores.

Após os autos prosseguiram para julgamento, que culminou na sentença documentada a fls. 141 e seguintes, onde foi declarada a insolvência dos requeridos Paulo e C.

Inconformados, os requeridos apelaram do assim decidido, tendo apresentado alegações rematadas por conclusões, onde impugnam a decisão de facto e de direito, pedindo a sua revogação e a absolvição do pedido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre decidir.
O que se fará a partir do texto das próprias alegações, tendencialmente agrupado pelas questões suscitadas, por se afigurar ser essa a forma mais fácil de identificar os fundamentos do recurso, vista também a simplicidade das alegações.
Vejamos:
Alegaram os apelantes:
1.º - A douta sentença da 1.ª instância que declara a insolvência dos requerentes deixou-os inconformados por, na ótica dos mesmos, se basear em factos que não podiam ser dados como provados, e mesmo tendo-o sido, não preenchem todos os requisitos para uma eventual declaração de insolvência;
Dito isto,
2.º - Não podem concordar os insolventes com os factos dados como provados na 2.ª parte do número 22 da Fundamentação da douta sentença recorrida, a saber “a segunda avaliação efetuada e os respetivos valores”.
3.º - Foi esta avaliação efetuada pelo requerente da insolvência ou a seu pedido, sem qualquer base técnica, declarada pelas testemunhas, funcionários do banco requerente, L. e C.
4.º - Essa avaliação, além de absurda, carece de uma base independente e séria, pese embora os ora recorrentes terem consciência da baixa do preço dos imóveis.
5.º - Mas essa baixa do preço dos imóveis, não é, nem nunca poderia ser aquela que se repercute na matéria dada como provada.
6.º - E, diga-se, a experiência do homem comum, assim o entenderia.
7.º - Não podia, pois, o Tribunal recorrido dar como provado um facto com base em meras declarações ou avaliações de uma das partes ou dos seus funcionários, claramente interessados em responder aos “apetites” da sua entidade empregadora, não por falta de seriedade, mas por dever de ofício e por receio de perda do emprego.
8.º - Aliás, esse é o facto mais importante para a decisão ora recorrida, pelo que se deveria estribar numa avaliação independente e séria, sem o que se deverá considerar o valor das avaliações inicialmente efetuadas.
9.º - Portanto, os valores que foram dados como provados, são-no com base na avaliação de uma das partes.
10.º - Não se percebe como é possível dar como provado um facto que contraria o alegado pela outra parte em sede de contestação.
(…)
19.º - Na realidade, e como acima foi dito, o Tribunal deu como provado, a nosso ver mal, que o património imobiliário dos devedores era de cerca de € 180.000,00 com base numa avaliação feita pelo próprio requerente da insolvência.
20.º - O património dos devedores é muitíssimo superior a isto, conforme a própria avaliação feita pela requerente quando concedeu o empréstimo: € 387.000,00.

No primeiro artigo das alegações, os apelantes limitam-se a afirmar que o recurso abrange decisão de facto e a decisão de direito, remetendo para os artigos seguintes o desenvolvimento dessa afirmação. Não chegando a suscitar ali a apreciação de qualquer questão.
Nos restantes artigos acima transcritos, os apelantes questionam, por referência ao ponto 22 da matéria de facto provada, a segunda avaliação dos imóveis ali referida e os respetivos valores, pretendendo ver reconhecido que os dois imóveis aí referidos têm valor muito superior aos cerca de € 180.000,00 que foram atribuídos nessa avaliação, conforme resultaria da primeira avaliação, onde foi atribuído o valor de € 387.000,00.
Com todo o respeito, julga-se que a questão assim enunciada não tem fundamento.
Está em causa a segunda parte, destacada a negrito, do ponto 22 do elenco da matéria de facto, do seguinte teor:
«22. Os imóveis referidos em 5. a 8. foram avaliados por iniciativa do requerente em duas ocasiões, a primeira aquando da celebração dos contratos e pelo seguintes valores:
a) O prédio referido em 5., sito à (….): €195.200,00 (cento e noventa e cinco mil e duzentos euros);
b) O prédio referido em 6. a 8., sito(…): €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
A segunda mais recentemente e pelos seguintes valores:
c) O prédio referido em 5.,(…): €101.459,00 (cento e um mil quatrocentos e cinquenta e nove euros);
d) O prédio referido em 6. a 8., sito(…), nos Arrifes: €78.850.00 (setenta e oito mil oitocentos e cinquenta euros).

Mas neste ponto da matéria de facto, o tribunal limitou-se a julgar provado que os imóveis em causa foram avaliados duas vezes, sempre por iniciativa do ora recorrente, com os resultados ali indicados. Não julgou provado o valor dos referidos imóveis, nem se pronunciou sobre a validade, ou o valor probatório, de qualquer das avaliações.
Assim, a decisão ora impugnada não julgou provado que o valor dos dois imóveis fosse de apenas cerca de € 180.000,00. Tal como não julgou provado que esse valor fosse de € 387.000,00. Esse valor ficou por apurar, tal como ficaram por apurar outros valores alegados pelos ora recorrentes.
Ora, tendo apenas sido julgado provado que existiu uma segunda avaliação dos imóveis, também promovida pelo requerente, esse facto parece estar reconhecido pelos próprios apelantes, que apenas questionam a validade e os resultados dessa avaliação, alegando a falta de independência e de base técnica. Mas não recusam a existência dessa avaliação.
Devendo, assim, concluir-se que aquilo que foi efetivamente julgado provado não vem impugnado.
De qualquer modo, se os recorrentes pretendiam ver fixado o valor dos imóveis, tinham de indicar, justificadamente, o valor que pretendiam ver reconhecido, e a respetiva prova, promovendo, designadamente, a realização de uma avaliação, posto que os próprios admitem que, entretanto, ocorreu uma baixa nos preços dos imóveis, para além de que se desconhece inteiramente o seu estado de conservação. Na falta de melhores elementos, não se vê como poderia ser fixado o valor atual dos ditos imóveis.
Não havendo fundamento para alterar este ponto da decisão sobre matéria de facto.

Voltando ao texto das alegações, prosseguem os recorrentes:
11.º - Que os recorrentes tinham dificuldades para pagar as suas dívidas não se pode escamotear, mas daí a dizer que nunca o comunicaram ao Banco.
12.º - Aliás, os requerentes não abandonaram os Açores conforme é referido na douta sentença.
13.º - Os requerentes apenas se ausentaram temporariamente para o Canadá a fim de resolverem as suas “dificuldades de liquidez”.
14.º - Mas mantêm os seus filhos nos Açores, e têm um procurador.
15.º - Portanto, toda a matéria controvertida dada como provada, foi baseada no depoimento das duas testemunhas, funcionários do banco requerente, os quais, em caso algum, poderiam demonstrar isenção como acima se disse.

Nestes artigos das alegações está em causa saber se não deve ser considerado assente que os recorrentes não comunicaram as suas dificuldades financeiras ao Banco requerente, e que abandonaram os Açores.
Trata-se de matéria instrumental, sem interesse direto para a apreciação da questão da insolvência, e que nem sequer foi incluída no elenco da matéria de facto fixada, tendo sido apenas referida no âmbito da apreciação da questão de direito.
Para além disso, resulta já da fundamentação da decisão de facto que, no ano de 2012, os requeridos se dirigiram ao Banco requerente para renegociar a dívida, que já vinham a cumprir de forma deficitária, e que essa renegociação resultou numa reestruturação da dívida. E que, a partir desse reescalonamento, os requeridos nunca mais entregaram qualquer valor por conta da dívida.
Assim, a afirmação feita na parte final da sentença, de que os requeridos não comunicaram ao requerente as suas dificuldades económicas deverá ser reportada ao período posterior às referidas negociações, em que se verificou a suspensão total dos pagamentos e os requeridos se ausentaram dos Açores para o Canadá. E a referência ao “abandono dos Açores”, que consta do mesmo passo da sentença, parece significar apenas que os ora recorrentes, quando se ausentaram para o Canadá, abandonaram as atividades que exerciam nos Açores. E não que fugiram às suas responsabilidades.
E, com esse sentido, a afirmação está certa, não se justificando a sua alteração.

Prosseguem as alegações:

16.º - Quanto ao preenchimento dos requisitos para a declaração de insolvência, dir-se-á o seguinte:
17.º - A situação de insolvência tem como requisito essencial “a impossibilidade do devedor satisfazer as suas obrigações” (cfr. artigo 3.º do C.I.R.E.).
18.º Ora, não nos parece, de forma nenhuma clara, que se possa concluir por tal desiderato.
19.º - Na realidade, e como acima foi dito, o Tribunal deu como provado, a nosso ver mal, que o património imobiliário dos devedores era de cerca de € 180.000,00 com base numa avaliação feita pelo próprio requerente da insolvência.
20.º - O património dos devedores é muitíssimo superior a isto, conforme a própria avaliação feita pela requerente quando concedeu o empréstimo: € 387.000,00.
21.º - Além disso, e conforme resulta do número 23 dos factos assentes, a recorrente C. “é credora de uma quantidade enorme de pessoas individuais e coletivas por montante não apurado.
22.º - Só não se percebe porque não dá o Tribunal como provado o valor apresentado pelos ora recorrentes nos 2 (dois) documentos juntos com a Contestação relativos às duas empresas dos recorrentes, os quais não foram impugnados pelo requerente banco, no valor total de € 114.638,27.
23.º - Ainda foi dado como provado (número 26 dos factos assentes) que “no Canadá, os requeridos têm um rendimento mensal resultante do seu trabalho cujo montante se desconhece e na ilha de São Miguel, o resultante do arrendamento de quartos num dos seus imóveis, de € 1.180,00”.
24.º Ora, da conjugação destes elementos resulta claro que os requerentes não se encontram impossibilitados de cumprir as suas obrigações.
25.º - Alegaram apenas que tinham deixado de pagar as mesmas, porque contactando com os funcionários da requerente – aqueles mesmos que testemunharam nos autos – estes não lhes explicavam o que deviam exatamente.
26.º - Não estão, pois, preenchidos os requisitos para a declaração de insolvência por parte dos ora recorrentes.

Nestes artigos, dois dos quais já repetidos, está em causa o esclarecimento do valor do património dos recorrentes, que estes pretendem ser suficiente para garantir o pagamento de todo o seu passivo.
A este respeito, importa, antes de mais, reafirmar que era sobre os ora recorrentes que recaía o ónus de provar o valor dos seus bens. Ao recorrido bastava provar algum dos factos-índices de insolvência, enunciados nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 20.º do CIRE, prova que ficou feita logo no termo dos articulados, como é evidenciado pela matéria de facto então considerada assente, ora enunciada nos pontos 1 a 16 do elenco da matéria de facto provada. Que evidenciam uma generalizada situação de incumprimento, desde finais de 2012, de todas as obrigações vencidas dos ora recorrentes perante o recorrido, de dimensão bem considerável, conforme resulta da síntese da petição inicial acima feita.
Tendo admitido, ou não tendo impugnado eficazmente, os fundamentos do pedido de declaração de insolvência, incumbia aos requeridos, nos termos do preceituado nos n.ºs 3 e 4 do art. 30.º do CIRE, alegar e provar que, apesar disso, não se encontravam em situação de insolvência. E, com esse objetivo, os mesmos alegaram, essencialmente, que os seus bens e rendimentos garantiam o pagamento de todo o passivo reconhecido, pelo que não haveria insolvência.
Pretendendo, agora, que devem ser atendidos os valores que alegaram.
Mas, em relação aos dois imóveis, já acima se concluiu que não lhes assiste razão e que a prova disponível, limitada ao resultado de duas avaliações realizadas por iniciativa do Banco requerente, não permite julgar provado qualquer valor. Nem que esse valor seja de apenas cerca de € 180.000,00, nem qualquer outro. Parecendo seguro que os próprios recorrentes admitem que esse valor será inferior a € 387.000,00.
Prosseguindo, os recorrentes pretendem ver julgados provados os valores dos créditos que alegaram, relativos a duas empresas de que são titulares, por não terem sido impugnados pelo Banco requerente.
Esquecem que o processo de insolvência apenas comporta a petição inicial e a oposição, não sendo admitidos mais articulados. Pelo que o Banco requerente não dispôs da oportunidade de impugnar os valores alegados na oposição, não podendo ocorrer aqui o efeito da admissão por acordo desses valores. Antes recaindo sobre os requeridos o ónus de fazer a prova dos mesmos.
E essa prova não foi feita, parecendo seguro que as listagens juntas com a oposição, por si sós, nada provam, e não foi invocada outra prova.
O mesmo se diga quanto aos rendimentos que os requeridos estarão a auferir no Canadá, em relação aos quais nem sequer indicaram qualquer valor. E o rendimento obtido com o arrendamento de quartos de uma das casas, na ilha de S. Miguel, no montante mensal de € 1180,00, estará, segundo os requeridos, a ser utilizado no sustento de dois filhos ainda menores.
E, seja desse rendimento, seja da eventual cobrança de qualquer crédito dos ora recorrentes, ou da sociedade de que são titulares, nenhuma parcela foi destinada, desde finais do ano de 2012, à amortização da dívida dos requeridos perante o requerente, o que, por si só, evidencia a fragilidade de tudo o que os recorrentes alegaram e a situação de insolvência em que os mesmos se encontram.
Julga-se, assim, que não poderá ser alterado o que foi julgado provado sob os pontos 21 a 26 da matéria de facto, do seguinte teor:
21.
O património dos requeridos integra, além dos imóveis referidos em 5., 6., 7. e 8., a viatura automóvel Peugeot 308 cujo valor não se apurou.
22.
Os imóveis referidos em 5. a 8. foram avaliados por iniciativa do requerente em duas ocasiões, a primeira aquando da celebração dos contratos e pelo seguintes valores:
a) O prédio referido em 5., sito(…): €195.200,00 (cento e noventa e cinco mil e duzentos euros);
b) O prédio referido em 6. a 8., sito(…): €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
A segunda mais recentemente e pelos seguintes valores:
c) O prédio referido em 5., sito(….): €101.459,00 (cento e um mil quatrocentos e cinquenta e nove euros);
d) O prédio referido em 6. a 8., sito(…): €78.850.00 (setenta e oito mil oitocentos e cinquenta euros).
23.
A requerida C. é credora de uma quantidade enorme de pessoas individuais e coletivas por montante não apurado.
24.
Ambos os requeridos são sócios em partes iguais da sociedade comercial por quotas Y, Ld.ª, a qual detém créditos sobre terceiros em montante não apurado.
25.
As casas dos requeridos têm recheio cujo valor não se apurou.
26.
No Canadá, os requeridos têm um rendimento mensal resultante do seu trabalho cujo montante de desconhece e na ilha de São Miguel, o resultante do arrendamento de quartos num dos seus imóveis, de €1.180,00 (mil cento e oitenta euros).
E que essa matéria não permite afastar a conclusão, fundada nos pontos n.ºs 1 a 20 da matéria de facto, de que os ora recorrentes se encontram numa situação de insolvência.
Devendo, pois ser confirmada a declaração dessa insolvência nos autos.

Voltando às alegações, o último artigo é do seguinte teor:

27.º - Encontrando-se os recorrentes ausentes no Canadá há já alguns meses, não pode ser fixada residência aos mesmos conforme o artigo 2.º da decisão inserta na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Está aqui em causa saber se, estando assente que os requeridos estão a residir e a trabalhar no Canadá, não lhes pode ser fixada residência em Ponta Delgada.
Muito brevemente, admite-se que deva ser reconhecida razão aos recorrentes neste ponto.
É certo, nos termos do art. 36.º, n.º 1, al. b) do CIRE, a sentença declaratória da insolvência deve fixar a residência do devedor, o que tem por objetivo assegurar que o mesmo esteja sempre contactável para o cumprimento das obrigações para ele decorrentes da declaração de insolvência, em particular no que respeita aos deveres de apresentação e de colaboração. Mas a aplicação desta norma pressupõe, segundo se julga, que os devedores declarados insolventes residam efetivamente em território português, não bastando para tanto que também tenham morada neste território. E, no caso, está assente que os requeridos estão a residir e a trabalhar no Canadá. Pelo que a fixação de residência em Ponta Delgada se traduziria na imposição do regresso dos requeridos a esta cidade, e o abandono do seu atual projeto de vida, efeitos claramente desproporcionados aos fins que a fixação de residência pretende assegurar.
Deste modo, julga-se que não pode ser mantida a fixação de residência, posto que também não se justifica manter a morada de Ponta Delgada como a morada para efeitos de notificação dos requeridos, que ali não se encontram habitualmente. E os fins visados com a fixação de residência hão-se ser tendencialmente assegurados com a indicação, pelos requeridos, da morada, no Canadá, ou em território português, onde devam ser contactados no âmbito do processo.

Termos em que acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se o a decisão recorrida na parte em que fixou residência aos devedores insolventes, determinando-se que estes indiquem nos autos a morada onde devem ser contactados no âmbito do processo.
E, em confirmar, no mais, o decidido.
Custas pela massa insolvente, considerando-se que a parcial procedência do recurso não assume valor autónomo.

Lisboa, 15-10-2015

(Farinha Alves)

(Tibério Silva)

(Ezagüy Martins)