Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3517/15.9T8CSC.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: DIRIGENTE SINDICAL
CRÉDITO DE HORAS
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: Da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 6 do art. 55º da Constituição da República Portuguesa com o estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do art. 408º e n.º 1 do art. 468º, ambos do Código do Trabalho – sendo que a implementação destas normas mais não visa do que concretização dos direitos e garantias que daquela decorrem – resulta haver o legislador pretendido que os trabalhadores que simultaneamente exerçam funções de dirigentes sindicais tenham precisamente os mesmos direitos que os seus colegas de trabalho, enquanto no uso do crédito de horas legalmente conferido para o exercício das suas funções sindicais, de tal forma que a utilização desse crédito de horas corresponde a trabalho efetivamente prestado, sem que, portanto, dele resulte qualquer prejuízo para o trabalhador/dirigente sindical, seja a nível retributivo, seja a qualquer outro nível patrimonial.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, residente na Estrada de Mafra, n.º 2 - 2.º Esquerdo, 2710-374 Lourel, instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a sociedade BBB, Lda. com sede na (…), pedindo que a ação seja julgada procedente e que, como consequência, deve:
a)-Ser anulada a sanção disciplinar de repreensão registada, aplicada ao Autor no processo disciplinar n.º 76/2014;
b)-Ser anulada a sanção disciplinar de suspensão sem vencimento por 2 dias, aplicada ao Autor no processo disciplinar n.º 82/2014, devendo considerar-se abusiva;
c)-Ser a Ré condenada a restituir ao Autor a quantia de € 58,80 indevidamente descontada no processo disciplinar n.º 82/2014, e;
d)-Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante de € 588,00;
e)-Ser anulada a sanção disciplinar de suspensão sem vencimento por 10 dias, aplicada ao Autor no processo disciplinar n.º 17/2014, devendo considerar-se abusiva;
f)-Ser a Ré condenada a restituir ao Autor a quantia de € 294,00 indevidamente descontada no processo disciplinar n.º 17/2014, e;
g)-Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante de € 2.940,00;
h)-Ser anulada a sanção disciplinar de suspensão sem vencimento por 2 dias, aplicada ao Autor no processo disciplinar n.º 29/2015, devendo considerar-se abusiva;
i)-Ser a Ré condenada a restituir ao Autor a quantia de € 58,80 indevidamente descontada no processo disciplinar n.º 29/2015, e;
j)-Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante de
€ 588,00;
k)-Ser anulada a sanção disciplinar de suspensão sem vencimento por 2 dias, aplicada ao Autor no processo disciplinar n.º 69/2015, devendo considerar-se abusiva;
l)-Ser a Ré condenada a restituir ao Autor a quantia de € 58,80 indevidamente descontada no processo disciplinar n.º 69/2015, e;
m)-Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante de € 588,00;
n)-Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 511,20 a título de subsídios de refeição não pagos, no período de Maio de 2014 a Outubro de 2015, referente aos dias de crédito de horas que o Autor tem direito por ser dirigente sindical;
o)-Ser a Ré condenada no pagamento de juros legais, desde a data das respetivas retenções até integral pagamento;
p)-Ser a Ré condenada no pagamento das custas e demais encargos legais.

Como fundamento e em síntese, alega que foi admitido ao serviço da Ré e 9 de março de 1999 para, sob a sua autoridade, orientação e fiscalização, lhe prestar a atividade profissional de motorista de serviço público, auferindo, presentemente, uma remuneração mensal de € 627,00, acrescida de € 42,00 a título de diuturnidades e € 7,10 diários a título de subsídio de refeição.
Alega ainda que, em relação ao processo disciplinar n.º 76/2014, no âmbito do qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de repreensão registada, não praticou a infração que aí lhe foi imputada de no dia 14 de setembro de 2014 ter embatido numa viatura ligeira da marca Audi que circulava à sua frente, porquanto nesse dia não se encontrava ao serviço da Ré, já que se encontrava a gozar o seu dia de descanso semanal.
Na decisão disciplinar a Ré limita-se a dizer que não seria no dia 14 mas no dia 15 de setembro de 2014 sem, contudo dar qualquer possibilidade ao Autor de se defender. Tal sanção é abusiva.
Não cometeu a infração disciplinar que lhe foi imputada no processo disciplinar n.º 82/2014, no âmbito do qual foi punido com a sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento e em que foi acusado de no dia 21 de outubro de 2014 realizar, no exercício das suas funções, a chapa 130, ter cometido três infrações aos seus deveres, ou seja, ter iniciado a carreira com 17 minutos de atraso, ter alterado o percurso dessa mesma carreira e não ter efetuado uma circulação da carreira 445. Tal sanção é abusiva.
Também não cometeu a infração imputada no processo disciplinar n.º 17/2015, no âmbito do qual foi punido com a sanção disciplinar de dez dias de suspensão sem vencimento, sendo acusado de se encontrar a realizar a chapa 130 e, durante a sua execução, ter imobilizado a viatura e contactado o serviço de expedição informando que iria permanecer no local, paragem do (…), alegando desconhecimento do resto do percurso e exigindo a presença da chefia para que lhe indicasse o percurso em causa.

Tal sanção é abusiva.
Também não cometeu a infração disciplinar imputada no processo n.º 29/2015, no âmbito do qual foi punido com dois dias de suspensão sem vencimento, tendo sido acusado de, no dia 26 de fevereiro de 2015, ter desempenhado a chapa 130 com términus em Adroana, não tendo procedido ao depósito dos valores das vendas realizadas nesse dia, retendo os mesmos em sua posse. Tal sanção é abusiva.
Não cometeu a infração disciplinar imputada no processo n.º 69/2015, no âmbito do qual foi punido com a sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento por, no dia 25 de julho de 2015, se não ter apresentado ao serviço quando estava escalado para realizar o serviço da chapa 473 uma vez que, nesse dia, estava em exercício de funções de dirigente sindical do Sindicato (…) ao qual pertence. Tal sanção é abusiva.
Sempre foi um trabalhador competente, dedicado ao serviço e com uma enorme seriedade, sendo os processos disciplinares que impugna um sintoma da atitude persecutória da Ré para com o Autor por este exercer legitimamente as funções de dirigente sindical, adotando aquela constantemente medidas e ações discriminatórias em relação aos demais trabalhadores da empresa, optando por retirar funções profissionais ao Autor, não lhe ministrando a formação profissional necessária ao desempenho das suas funções, procedendo à instauração de sucessivos processos disciplinares sem que, para tal, tenha qualquer fundamentação, realidade que, inclusive, já suscitou pedidos de intervenção por parte do Sindicato onde se encontra filiado, além de ter causado ao Autor um síndrome de depressão reativa a problemas laborais, encontrando-se a receber apoio psicológico quinzenal.
Alega ainda que durante o período compreendido entre maio de 2014 e outubro de 2015 usufruiu do crédito de horas correspondente a quatro dias por mês por ser dirigente sindical do (…). Contudo, a Ré optou por proceder ao desconto do valor dos subsídios de refeição relativos a esses quatro dias.

Realizada a audiência das partes a que se alude no art. 54º do CPT, frustrou-se a tentativa de conciliação então realizada, motivo pelo qual foi a Ré notificada para contestar a presente ação, o que fez alegando, em síntese que o Autor cometeu as infrações que deram origem aos mencionados processos disciplinares, sendo que a decisão de qualquer deles, mormente no que concerne à sanção aplicada, se encontra completamente fundamentada.

Alega ainda que não discrimina negativamente o Autor mas também se recusa a discriminá-lo positivamente por ser dirigente sindical, considerando que, no desempenho das suas funções laborais, este tem os mesmos deveres e obrigações que os restantes trabalhadores.
O subsídio de refeição não integra a retribuição, pelo que a Ré não paga esse subsídio nos dias em que os trabalhadores dão faltas justificadas com direito a retribuição.
Concluiu que deve a presente ação ser julgada improcedente e a Ré absolvida de todos os pedidos deduzidos pelo Autor.

Foi proferido despacho saneador no qual foi dispensada a realização de audiência prévia, a identificação do objeto de litígio e a enunciação dos temas de prova em virtude da matéria de facto revestir simplicidade.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que culminou com a seguinte decisão:
«Face ao exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
IRevogo a sanção disciplinar de repreensão registada proferida no processo disciplinar 76/2014;
IIRevogo a sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento proferida no processo disciplinar 69/2015, devendo ser restituída a quantia descontada;
IIIConfirmo as sanções disciplinares, de dois dias de suspensão sem vencimento, dez dias de suspensão sem vencimento e dois dias de suspensão sem vencimento proferidas, respectivamente, processos disciplinares 82/2014, 17/2015 e 29/2015.
IVAbsolvo a ré dos demais pedidos formulados pelo autor.
Custas pelas partes na proporção de 40% para a ré e 60% para o autor – art. 527º do Código de Processo Civil
Valor da causa: € 30.000,01– art. 297º, nº1 e 2, Código de Processo Civil ex vi art. 1º, nº2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.».

Inconformado com esta sentença, na parte em que lhe foi desfavorável, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
1.-Vem o presente recurso interposto da douta sentença que absolve, parcialmente, a R. dos pedidos realizados pelo A., ora Recorrente, isto é na parte em que confirma as sanções disciplinares de dois dias de suspensão sem vencimento, dez dias de suspensão sem vencimento e dois dias de suspensão sem vencimento proferidas, respetivamente, nos processos disciplinares 82/2014, 17/2015 e 29/2015, e, ainda, na parte que considera improcedente o pedido decorrente do desconto realizado do valor dos subsídios de refeição no período compreendido entre Maio de 2014 e Outubro de 2015 relativamente aos quatro dias mensais em que Recorrente usufruiu do crédito de horas por ser dirigente sindical;
2.-Considerou a Mma. Juiz em confirmar as sanções aplicadas pela Recorrida ao Recorrente nos processos disciplinares 82/2014, 17/2015 e 29/2015 e ainda considerar improcedente o pedido decorrente do desconto realizado do valor dos subsídios de refeição no período compreendido entre Maio de 2014 e Outubro de 2015 relativamente aos quatro dias mensais em que Recorrente usufruiu do crédito de horas por ser dirigente sindical;
3.-Não pode o ora Recorrente, salvo o devido respeito, concordar com tal decisão, pois a Douta sentença recorrida, conclui, no que diz respeito ao processo 82/2014, ser possível imputar ao Recorrente, objetiva e subjetivamente, a infracção disciplinar tal como constante da decisão disciplinar tomada, de aplicação de 2 dias de suspensão sem vencimento;
4.-Perante os descritos e a prova produzida em sede de julgamento, será de concluir que o Recorrente não violou de forma culposa ou dolosa os deveres profissionais previstos nas alíneas c), e), g) e h) do n.º 1 e 2 do artigo 128º do Código do Trabalho, tal com foi imputado pela Recorrida;
5.-No que concerne ao processo 17/2015, a Douta sentença recorrida, conclui, que ser possível imputar ao Recorrente, objetiva e subjetivamente, a infracção disciplinar tal como constante da decisão disciplinar, que procedeu à aplicação de 10 dias de suspensão sem vencimento;
6.-Também aqui, com o devido respeito, não pode o Recorrente partilhar da mesma opinião, por perante os descritos e a prova produzida em sede de julgamento, ser de concluir que o Recorrente não violou de forma culposa ou dolosa os deveres profissionais previstos nas alíneas c), e) e h) do n.º 1 do artigo 128º do Código do Trabalho;
7.-Relativamente ao processo 29/2015, a Douta sentença recorrida, conclui ser possível imputar ao Recorrente, objetiva e subjetivamente, a infracção disciplinar tal como constante da decisão disciplinar, que procedeu à aplicação de 2 dias de suspensão sem vencimento;
8.-Perante os factos apresentados pelo Recorrente, será de concluir que não violou os deveres profissionais previstos nas alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, de cumprir o seu trabalho com zelo e diligência, cumprir ordens e instruções do empregador no que concerne à execução e disciplina no trabalho, e de guardar lealdade ao empregador;
9.-Finalmente, relativamente ao pedido decorrente do desconto realizado do valor dos subsídios de refeição no período compreendido entre Maio de 2014 e Outubro de 2015 relativamente aos quatro dias mensais em que Recorrente usufruiu do crédito de horas por ser dirigente sindical, decidiu o Tribunal que deveria improceder o pedido realizado pelo Recorrente;
10.-Sem razão, contudo, pois, o Recorrente é dirigente Sindical do (…), usufruindo, legitimamente, de um crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês, nos termos previstos no artigo 468º n.º 1 do Código do Trabalho, contando, de acordo com o previsto no artigo 408º do Código do Trabalho este crédito de horas como tempo de serviço efetivo, inclusivamente para efeito de retribuição, ou seja, englobando todos os valores que que o Recorrente receberia se estivesse na prática a laborar para a Recorrida;
11.-Sendo, assim, devido ao Recorrente pela Recorrida, no período compreendido entre Maio de 2014 e Outubro de 2015, a quantia de € 511,20, conforme se discriminou;
12.-Verifica-se, no que concerne aos três processos disciplinares em crise que os factos e a prova produzida vai de encontro à posição assumida pelo Recorrente;
13.-Não se deu na sentença como provado qualquer facto que impute ao Recorrente a violação dolosa e gravosa dos seus deveres profissionais que justifiquem a aplicação das sanções aplicadas, concluindo-se, assim, não ter qualquer comportamento do Recorrente matéria por si só susceptível de consubstanciar a aplicação das penas de suspensão em causa, tornando tal sanção desproporcionada, violando o disposto no artigo 330º do Código do Trabalho;
14.-Concluindo-se não ter existido fundamento para a aplicação das sanções disciplinares aplicadas nos processos disciplinares 82/2014, 17/2015 e 29/2015, tornando-as, por essa razão, ilícitas;
15.-Em momento algum se provou e demonstrou que, de facto, o Recorrente tenha praticado os factos expostos nas nota de culpa apresentadas, factos que serviram para consubstanciar a aplicação da pena disciplinar de suspensão nas três situações;
16.-Não se deu na sentença como provado qualquer facto que impute ao Recorrente a violação dolosa e gravosa dos seus deveres profissionais que justifiquem a aplicação das sanções aplicadas;
17.-Tendo sido incorretamente ajuizado também o pedido decorrente do desconto realizado do valor dos subsídios de refeição no período compreendido entre Maio de 2014 e Outubro de 2015 relativamente aos quatro dias mensais em que Recorrente usufruiu do crédito de horas por ser dirigente sindical.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida e lavrar-se Acórdão que declare a procedência da acção, no que à mesma parte respeita, assim se fazendo Justiça.

Contra-alegou a Ré/apelada, deduzindo as seguintes conclusões:
A.Como se refere na douta sentença recorrida, na sua fundamentação, “A quase totalidade dos factos dados como provados encontra-se admitida por acordo das partes, sendo que o próprio autor admite ou confessa os factos imputados na sua vertente objectiva impugnando apenas o elemento subjectivo ou pretendendo justificar a sua actuação e assim excluir ou atenuar a sua culpa, como resulta dos articulados”;
B.Perante os factos provados 11º, 12º, 13º, 14º, 17º, 18º e 19º, tem de concluir-se que o A. praticou as infracções de que foi acusado no processo disciplinar 82/2014 e pelas quais foi sancionado com dois dias de suspensão, devendo esta sanção ser considerada proporcional e adequada à sua gravidade;
C.Perante os factos provados 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º e (sobretudo) 29º, tem de concluir-se que o A. praticou as infracções de que foi acusado no processo disciplinar 17/2015 e pelas quais foi sancionado com dez dias de suspensão, devendo esta sanção ser considerada proporcional e adequada à sua gravidade;
D.Perante os factos provados 33º, 34º, 35º e 36º, tem de concluir-se que o A. praticou as infracções de que foi acusado no processo disciplinar 29/2015 e pelas quais foi sancionado com dois dias de suspensão, devendo esta sanção ser considerada proporcional e adequada à sua gravidade;
E.Não sendo legalmente consideradas retribuições as importâncias recebidas a título de subsídio de alimentação, tais quantias não são devidas nos dias em que o trabalhador não presta trabalho ainda que justificadamente.
Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso do A. e confirmada a douta sentença recorrida.

Admitido o recurso interposto pelo Autor, na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito devolutivo, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.

Mantido o recurso em causa, foi determinado se desse cumprimento ao disposto no art. 87º n.º 3 do CPT, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido o douto parecer de fls. 462 a 464, no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto e da consequente confirmação da sentença recorrida.

Este parecer não foi alvo de resposta de nenhuma das partes.

Pelas razões que constam de fls. 467 foram dispensados os vistos dos Exmos. Adjuntos, pelo que cumpre apreciar e decidir do mérito do recurso em causa.

Apreciação
Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto perante o Tribunal ad quem, em face das que são formuladas no recurso em causa, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes:

Questões de recurso:
Saber se se deve ou não concluir haver o Autor/apelante violado, de forma culposa (por dolo ou negligência), deveres profissionais suscetíveis de justificar a aplicação das sanções disciplinares de suspensão decididas pela Ré/apelada no âmbito dos processos disciplinares n.ºs 82/2014, 17/2015 e 29/2015 que lhe moveu e quais as consequências daí decorrentes face à sentença recorrida;
Saber se podia ou não a Ré/apelada proceder ao desconto do valor dos subsídios de refeição no que concerne aos quatro dias mensais que Autor/apelante usufruiu a título de crédito de horas por ser dirigente sindical no período compreendido entre Maio de 2014 e Outubro de 2015 e consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.

Fundamentação de facto.

Em 1ªinstância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 09 de Março de 1999, para sob a orientação, fiscalização, e autoridade desta, lhe prestar a sua atividade profissional de motorista de serviço público;
Aufere, atualmente, uma remuneração mensal de € 627,00, acrescida de € 42,00 a título de diuturnidades e € 7,10 diários a título de subsídio de refeição;
O Autor é sócio do Sindicato (…);
Em 23 de Outubro de 2014, no âmbito do processo disciplinar n.º 76/2014 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele notificado da nota de culpa onde, em síntese, lhe são imputados os seguintes factos:
(…)
2–No dia 14 de Setembro de 2014, o arguido encontrava-se ao serviço da empresa, conduzindo o autocarro com o número de frota (…) e matrícula (…).
3Por volta das 18h40m daquele dia, ao realizar uma das circulações da carreira 443, ao percorrer a Avenida Dr. (…), em Sintra, o arguido foi embater num veículo ligeiro de marca Audi que circulava à sua frente.
(…)
O Autor na resposta à nota de culpa defendeu-se alegando que no dia 14 de Setembro de 2014 não estava ao serviço da empresa, concretamente encontrava-se a gozar o seu dia de descanso semanal, concluindo assim pela impossibilidade de ter procedido da forma de que é acusado na nota de culpa;
A Ré, após resposta à nota de culpa, não realizou qualquer outra diligência de prova, nem elaborou nota de culpa corrigida ou complementar e encerrou a instrução proferindo decisão onde fez constar que “(…) II- Da instrução do processo resultaram provados todos os factos constantes da nota de culpa e imputados ao arguido, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, à excepção da data do sinistro, que ocorreu a 15 de Setembro do corrente e não a 14 de Setembro de 2014.(…)
Não foi dada ao Autor oportunidade de apresentar a sua defesa quanto ao alegadamente ocorrido no dia 15 de Setembro de 2015;
No dia 18 de Novembro de 2014, na sequência do processo disciplinar n.º 76/2014 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele punido com a sanção disciplinar de Repreensão Registada, conforme decisão de fls. 36 a 39 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo os factos imputados na nota de culpa, que consta a fls. 41 a 42 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Em 24 de Novembro de 2014, no âmbito do processo disciplinar n.º 82/2014 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele notificado da nota de culpa onde, em síntese, lhe são imputados os seguintes factos:
(…)
2 –No dia 21 de Outubro de 2014, o arguido encontrava-se ao serviço da arguente a realizar a chapa (…).
4Ora a chapa (…), (…) tem início às 10H45 horas, na (…).
5Devendo o motorista escalado para esta iniciar a circulação da carreira (…) às 11 horas.
6Ocorre que, no dia 21 do corrente, o arguido iniciou a referida circulação com 17 minutos de atraso.
7Atraso este de que o arguido não deu conhecimento à arguente, nem através da sua folha de motorista, onde deve registar a hora real de partida, nem directamente à sua chefia.
8 –(…) o arguido, por sua iniciativa, alterou o percurso da referida carreira.
9(…) o arguido optou por não servir a paragem do centro de saúde da (…) nas duas circulações.
14Ainda nesse mesmo dia, o arguido, ao invés de efectuar a circulação das 12H10 da carreira (…), contemplada na sua chapa, realizou mais uma circulação da carreira (…).
15Facto que o arguido transmitiu à sua chefia directa (…)
18(…) apesar de lhe ter sido solicitado pela sua chefia que procedesse ao registo do facto supra mencionado, uma vez mais o arguido negligenciou de o referir na sua folha de controlo diário.
(…)

10ºNo dia 24 de Dezembro de 2014, na sequência do processo disciplinar n.º 82/2014 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele punido com a sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento, conforme decisão de fls. 46 a 48 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo os factos imputados na nota de culpa, que consta a fls. 50 a 22 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11ºNo dia 21 de Outubro de 2014, o Autor encontrava-se a realizar a chapa 130 e iniciou a circulação da carreira (…), às 11H17, com cerca de 17 minutos de atraso, e não deu conhecimento do atraso à Ré, nem através da folha de motorista onde deve registar a hora real da partida, nem diretamente à chefia; (retificada nos termos referidos infra)
12ºAinda nesse dia o Autor alterou o percurso da carreira 444 não servindo a paragem do centro de saúde da (…) nas duas circulações; (retificada nos termos referidos infra)
13ºAinda nesse mesmo dia, o Autor, ao invés de efetuar a circulação das 12H10 da carreira (…), contemplada na sua chapa, realizou mais uma circulação da carreira (…);
14ºO Autor deu conhecimento deste último facto à chefia mas apesar de lhe ter sido solicitado por esta que procedesse ao registo do facto na sua folha de controlo diário não o fez;
15ºO Autor esteve um período de tempo de cerca de 2 anos sem realizar carreiras, estando de reserva ao parque;
16ºDurante muitos anos a carreira (…) não serviu a paragem do centro de saúde da (…);
17ºNo dia 12 de Setembro de 2013 foi transmitido ao Autor e demais motoristas a alteração do percurso da carreira (…) através da Informação ao Pessoal de Movimento (…);
18ºIPM esta que foi enviada ao Autor por email e foi afixada na sede da Ré, estando ainda disponível para consulta junto do serviço de expedição;
19ºO equipamento informático denominado Powerful Sales Unit (PSU) existente em todos os autocarros indica aos motoristas as paragens a efetuar aquando da realização das carreiras;

20ºEm 27 de Fevereiro de 2015, no âmbito do processo disciplinar n.º 17/2015 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele notificado da nota de culpa onde, em síntese, lhe são imputados os seguintes factos:
(…)
2- No dia 29 de Janeiro de 2015, o arguido encontrava-se ao serviço da arguente a realizar a chapa 130.
3- Este serviço constava da escala de serviço que foi afixada com 3 dias de antecedência (…).
4- Durante a execução da segunda parte da supra identificada chapa, ao efectuar a circulação das 16H00 da carreira (…), com destino ao Cacém, ao chegar à paragem do (…), o arguido imobilizou a viatura com o número de frota (…) que conduzia e contactou o serviço de expedição.
5- Durante o contacto telefónico, o arguido informou o chefe que aí se encontrava, senhor (…), que iria permanecer no local, alegando para tanto desconhecimento do resto do percurso.
6- Mais exigiu o arguido que, nesse momento, uma chefia de movimento da arguente se deslocasse até ao referido local, pois ali permaneceria parado até que uma chefia chegasse para lhe indicar o percurso dessa carreira.
9- (…) permaneceu junto à paragem supra citada durante 41 minutos, contrariando as normas emanadas pela arguente.
10- Retendo dentro do autocarro mais de 20 passageiros (…).
11- Mais ao permanecer com o autocarro ali imobilizado, com o motor ligado, (…) impediu ainda a realização da circulação daa 16H45 da carreira 448, sentido (…).
(…)

21ºNo dia 22 de Abril de 2015, na sequência do processo disciplinar n.º 17/2015 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele punido com a sanção disciplinar de dez dias de suspensão sem vencimento, conforme decisão de fls. 254 a 260 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo os factos imputados na nota de culpa, que consta a fls. 283 a 285e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
22ºNo dia 29 de Janeiro de 2015, o Autor encontrava-se a realizar a chapa (…), conforme escala de serviço que foi afixada com 3 dias de antecedência e durante a execução da segunda parte da supra identificada chapa, ao efetuar a circulação das 16H00 da carreira (…), com destino ao Cacém, ao chegar à paragem do Atlético (…), o Autor imobilizou a viatura com o número de frota (…)que conduzia, com vários passageiros lá dentro e deixando o motor ligado efetuou uma série de telefonemas para o serviço de expedição, alegando desconhecer o resto do percurso, aí tendo permanecido parado durante 41 minutos, o que, além do mais impediu ainda a realização da circulação da 16H45 da carreira 448, sentido (…);
23ºPelo menos no dia 29 de Janeiro, de manhã, o Autor contactou o serviço de expedição com o chefe de estação (…) perguntando se havia alguém disponível para lhe ensinar o percurso da carreira, tendo este, após contacto “com quem de direito”, informado o Autor que não havia ninguém disponível para ir lá ensinar-lhe;
24ºCerca das 14H00 desse dia o Autor voltou a contactar com o chefe de estação (…), alegando não saber fazer parte do percurso e para alguém lhe ensinar a carreira tendo este contactado o chefe de movimento que lhe disse que a carreira era da zona operacional do Autor e este tinha obrigação de conhecer o percurso, o que foi por aquele (…) transmitido ao Autor;
25ºO autor iniciou a carreira (…) e ligou, durante esta, por várias vezes, ao chefe de expedição (…), alegando desconhecer parte do percurso, tendo este contactado o Sr. (…) que informou não poder ajudar naquele momento, o que foi transmitido ao Autor, tendo aquele (…) confirmado com o Autor o percurso nos vários telefonemas;
26ºO autor contactou a Drª (…) alegando não saber fazer o resto do percurso e ter passageiros dentro do autocarro, tendo esta respondido que a carreira era da zona operacional deste e tinha obrigação de conhecer o percurso;
27ºO Autor acabou por completar o percurso da carreira;
28ºA viatura tinha PSU onde constavam todas as paragens da carreira;
29ºNo dia 21 de Outubro de 2014 o Autor tinha realizado a mesma chapa 130, com o mesmo percurso, e realizou a mesma carreira (…), duas vezes em cada sentido, sem que tenha levantado dúvidas quanto ao percurso a efetuar e sem erros na realização do mesmo;
30ºA carreira em questão era da zona operacional do Autor;

31ºEm 27 de Março de 2015, no âmbito do processo disciplinar n.º 29/2015 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele notificado da nota de culpa onde, em síntese, lhe são imputados os seguintes factos:
(…)
8- Ocorre que, no passado dia 26 de Fevereiro do corrente, o arguido desempenhou a chapa 130, cujo término é na (…).
10- (…) o arguido (…) deliberadamente (…) retendo em sua posse o valor das vendas desse dia.
11- (…) as seguintes faltas de depósito do produto da venda de bilhetes efectuada pelo arguido: Turno (…) valor € 10,00, Turno 406 valor € 46,80 (…).
12- (…) o arguido não depositou o produto da venda dos dois turnos de trabalho realizados no dia 26 de Fevereiro de 2015, no próprio dia (…).
(…)

32ºNo dia 05 de Maio de 2015, na sequência do processo disciplinar n.º 29/2015 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele punido com a sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento, conforme decisão de fls. 301 a 304 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo os factos imputados na nota de culpa, que consta a fls. 319 a 320 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com exceção do depósito dos valores referentes às vendas do turno 817;
33ºO Autor no dia 26 de Fevereiro de 2016 efetuou o depósito do produto da venda de bilhetes efetuado no turno 817, no valor de 10,00€, pelas 13h30m56s e não efetuou o depósito do produto da venda do turno 406 no valor de 46,80€ no final do turno, apenas o tendo feito no dia seguinte; (retificada nos termos referidos infra)
34ºNa folha de registo diário do dia 26 de Fevereiro de 2015 o Autor fez constar “tal como informei esta chapa 130 não contempla horário para prestar contas no final do serviço. Alerto ainda que, 6ª feira dia 27 de Fevereiro será véspera de folga e que estarei com dispensa sindical no dia 2 de Março, pelo que aguardo instruções para fazer depósito de valores sem que fique à minha guarda os montantes que venha a realizar pela venda dos bilhetes a bordo”;
35ºNa resposta à nota de culpa o Autor alegou que não efetuou o depósito da quantia de € 46,80, em virtude de, no final do turno apenas possuir uma nota de € 50,00, obtida em consequência de troco efetuado a um passageiro com a venda de bilhetes, não dando as máquinas de depósito troco;
36ºAs máquinas de depósito não dão troco mas geram movimentos de conta corrente, e em 24 horas o motorista recebe o excesso que haja depositado, dispondo os motoristas de um fundo de maneio da empresa;

37ºEm 18 de Agosto de 2015, no âmbito do processo disciplinar n.º 69/2015 movido ao Autor pela gerência da Ré, foi aquele notificado da nota de culpa onde, em síntese, lhe são imputados os seguintes factos:
(…)
2- No dia 25 de Julho de 2015, o arguido encontrava-se escalado para realizar o serviço da chapa 473, com início previsto às 10H00, na Portela de Sintra.
3- Contudo o arguido não se apresentou ao serviço e, quando contactado pelo serviço de expedição, alegou que se encontrava a gozar cédito de horas para o exercício das suas funções de dirigente sindical.
4- Ocorre porém que o arguido não tinha comunicado tal facto à sua entidade patronal.
7- E a presente escala de serviço não foi excepção, tendo sido afixada no dia 22 de Julho de 2015.
(…)

38ºNo dia 24 de Setembro de 2015, na sequência do processo disciplinar n.º 69/2015 movido ao Autor pela administração da Ré, foi aquele punido com a sanção disciplinar de dois dias de suspensão, conforme decisão de fls. 342 a 345 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo os factos imputados na nota de culpa, que consta a fls. 364 a 365;
39ºNo dia 25 de Julho de 2015, o Autor se encontrava escalado para realizar o serviço da chapa (…), com início previsto às 10h, na (…) e não se apresentou ao serviço nesse dia;
40ºO Sindicato a que o Autor pertence, Sindicato (…), em 22 de Julho, procedeu ao envio à Ré de solicitação de dispensa do dirigente sindical AAA, ora Autor, nos termos do artigo 409º do Código do Trabalho, para os dias 27 e 28 de Julho de 2015;
41ºO Sindicato (…), no dia 27 de Julho, 2ª feira procedeu ao envio de uma anulação de pedido de dispensa, solicitando a anulação da anterior, para os dias 27 e 28 de Julho, e a sua correção para o dia 25 de Julho;
42ºNos 27 e 28 de Julho o Autor encontrava-se por indicação da Ré, a cumprir a pena disciplinar de dois dias de suspensão sem remuneração, no âmbito do processo disciplinar n.º 29/2015;

43ºAlém dos processos disciplinares supra referidos e no registo disciplinar do Autor constam ainda:
- sanção de três dias de suspensão sem vencimento no âmbito do Processo disciplinar 37/2008, por factos de 11/07/2008;
- sanção de advertência verbal, por factos de 23/04/2006, sem processo disciplinar;
- sanção de repreensão escrita, por factos de 17/06/2007, sem processo disciplinar.

44ºO Autor é dirigente sindical desde 2006;
45ºO Sindicato onde o Autor se encontra filiado e do qual é dirigente realidade já suscitou Pedidos de Intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho, que mereceram a instauração de procedimentos contraordenacionais por parte desta entidade, tendo a Ré sido, em sede de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa absolvida, por sentenças transitadas em julgado;
46ºDesde Abril de 2015 o Autor iniciou apoio psicológico quinzenal em consulta de psicologia para onde foi encaminhado pelo médico de família por apresentar “Depressão reativa a problemas laborais”;
47ºO Autor é dirigente Sindical do (…);
48ºDurante o período compreendido entre Maio de 2014 e Outubro de 2015 o Autor usufruiu do crédito de horas correspondente a quatro dias por mês;
49ºTendo a Ré procedido ao desconto do valor dos subsídios de refeição relativos aos quatro dias do crédito de horas que o Autor usufruiu.
Conforme decorre da matéria de facto constante dos pontos 11º e 12º quando conjugada com a matéria que consta dos pontos /5 13º, 16º e 17º, verifica-se que a referência naqueles primeiros pontos à “carreira (…)” deve resultar de mero lapso de escrita, já que, seguramente, se terá pretendido escrever “carreira (…)”.
Assim decide-se proceder a essa retificação de forma que nos aludidos pontos 11º e 12º onde se lê “… carreira (…)”passe a ler-se “… carreira (…)”.
Também do confronto da matéria de facto que consta dos pontos 31º a 34º, verifica-se que a data de 26 de Fevereiro de 2016 que consta do ponto 33º não pode deixar de decorrer de mero erro de escrita já que se terá pretendido escrever 26 de Fevereiro de 2015.
Assim, decide-se retificar a data que consta do referido ponto 33º de forma que, onde se lê “… 26 de Fevereiro de 2016…” passe a ler-se “… 26 de Fevereiro de 2015…”.
Quanto ao mais, dado que a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal a quo, não foi objeto de impugnação nem se vê motivo para uma alteração oficiosa da mesma, considera-se aqui como definitivamente assente.

Fundamentação de direito.

Como referimos, a primeira questão suscitada no recurso interposto pelo Autor/apelante, consiste em saber se se deve ou não concluir haver este violado, de forma culposa (na versão de dolo ou mera negligência), deveres profissionais suscetíveis de justificar a aplicação das sanções disciplinares de suspensão com perda de retribuição, decididas pela Ré/apelada no âmbito dos processos disciplinares n.ºs 82/2014, 17/2015 e 29/2015 que lhe moveu e quais as consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.

Na apreciação desta questão de recurso e tendo em consideração que a mesma se reporta a factos ocorridos entre outubro de 2014 e fevereiro de 2016, teremos de levar em consideração, quer o estabelecido no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02, quer o previsto no Acordo de Empresa (AE) celebrado entre a Stagecoach Portugal-Transportes Rodoviários, Lda. e o (…), publicado no BTE nº9, de 8/03/1997, com as alterações publicadas no BTE nº13, de 8/04/1999 e BTE nº19, de 22/05/2000, uma vez que em relação a este ambas as partes estão de acordo em que o mesmo seja aplicável ao caso em apreço (v. artigos 5º da petição e 1º da contestação).

Posto isto, estabelece o art. 98º do Código do Trabalho que «[o] empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho», sendo que de acordo com o estipulado pelo n.º 1 do art. 328º do mesmo diploma «[n]o exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções: a) Repreensão; b) Repreensão registada; c) Sanção pecuniária; d) Perda de dias de férias; e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade; f) Despedimento sem indemnização ou compensação», embora algumas destas com os limites previstos no n.º 3 do mesmo preceito.

Para além disso importa referir que, dispondo o n.º 2 do referido art. 328º que «[o]instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras sanções disciplinares, desde que não prejudiquem os direitos e garantias do trabalhador», verifica-se que no mencionado AE aplicável ao caso em apreço, depois de na sua Cláusula 13ª se preverem como deveres dos trabalhadores o de: «a) Cumprir as disposições do presente AE; b) Comparecer ao serviço com pontualidade e assiduidade; c) Cumprir com zelo e diligência o trabalho que lhes esteja confiado, dentro do exercício da sua actividade profissional; d) Acompanhar com interesse os trabalhadores que iniciem a sua carreira profissional; e) Informar com verdade, isenção e espírito de justiça a respeito dos outros trabalhadores da empresa; f) Velar pela conservação e pela boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho que lhes forem confiados pela empresa, bem como da documentação com eles relacionada; g) Prestar pontualmente contas das importâncias e valores de cuja cobrança forem incumbidos ou que estejam confiados à sua guarda; h) Participar, pontual e detalhadamente, os acidentes ocorridos em serviço; i) Não tomar parte em jogos de fortuna ou azar ou outros nas instalações da empresa ou dentro do material circulante; j) Sujeitar-se às análises a efectuar pelos serviços de medicina do trabalho da empresa para avaliação do grau de alcoolemia no sangue, durante o tempo de trabalho; k) Respeitar e fazer-se respeitar nos locais de trabalho, nomeadamente nas relações com outros trabalhadores e com o público; l) Não negociar, por conta própria ou alheia, em concorrência com a empresa; m) Cumprir as demais obrigações emergentes deste AE», se prevê na sua Cláusula 60ª, como sanções disciplinares aplicáveis aos trabalhadores em caso de inobservância das normas constantes desse AE a repreensão, a repreensão registada, a suspensão sem vencimento até 10 dias, não podendo em cada ano civil exceder o total de 30 dias e o despedimento, sendo que no n.º 2 desta Cláusula se estipula que «[a]s sanções referidas nas alíneas b), c) e d) do número anterior só podem ser aplicadas na sequência de processo disciplinar» e no n.º 4 da mesma Cláusula se dispõe que «[a] sanção disciplinar deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais que uma pela mesma infracção», em consonância, aliás, com o disposto no n.º 1 do art. 330º do Código do Trabalho ao estabelecer que «[a] sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção».

Importa também referir que, para além dos deveres laborais estabelecidos na mencionada Cláusula 13ª, existem os deveres gerais de qualquer trabalhador que se mostram previstos no n.º 1 do art. 128º do Código do Trabalho. 

Emerge, pois, do disposto nas referidas normas legais e convencionais a existência de dois tipos de sanções disciplinares aplicáveis no âmbito do exercício do poder disciplinar por parte do empregador, as conservatórias da relação laboral – a repreensão, a repreensão registada, a sanção pecuniária, a perda de dias de férias e a suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade – e as não conservatórias da relação laboral – o despedimento sem indemnização ou compensação.

Para o caso dos autos só relevam as primeiras, sendo que constituem pressupostos de aplicação das mesmas: (i) a ocorrência de infração grave pelo trabalhador de qualquer norma legal ou convencional que devesse observar no âmbito da relação laboral estabelecida com o empregador; e que (ii) tal infração resulte de comportamento culposamente (na vertente de dolo ou negligência) assumido pelo trabalhador.

Quer a culpa, quer a gravidade da infração de tais regras ou deveres laborais, na falta de critério legalmente estabelecido, devem ser apreciadas segundo a diligência ou entendimento de um empregador normal, médio, colocado na posição do real empregador em face do caso concreto, utilizando-se, para o efeito, critérios de objetividade e de razoabilidade.

Contudo, importa ter presente que, como se refere na sentença recorrida, o Tribunal não pode substituir-se ao empregador, cabendo-lhe apenas confirmar ou invalidar a sanção aplicada, mas não modificá-la. É que, como ali também se refere citando-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/11/2012, proferido no processo nº03S2731, publicado em www.dgsi.pt, «[s]e o trabalhador recorrer ao tribunal para impugnar a sanção que lhe foi cominada, a este cabe apenas revogar ou confirmar a sanção, não podendo substituir-se ao empregador na determinação da medida da sanção, pois que o exercício da acção disciplinar é uma prerrogativa da entidade patronal e depende designadamente de critérios valorativos de gestão que o juiz não está em condições de avaliar».

Vejamos, pois, se no caso em apreço e em relação às sanções disciplinares de suspensão de funções com perda de retribuição aplicadas pela Ré ao Autor no âmbito dos procedimentos disciplinares n.ºs 82/2014; 17/2015 e 29/2015 que lhe moveu e que agora são objeto de impugnação mediante o recurso em apreciação, se verificam os mencionados pressupostos.

Assim, no que concerne à sanção de dois dias de suspensão sem vencimento que foi aplicada ao Autor no âmbito do processo disciplinar n.º 82/2014 que lhe foi movido pela Ré, verifica-se que, tendo aquele sido acusado, em sede de nota de culpa, dos factos descritos no ponto dos considerados como assentes e que aqui se dão por reproduzidos, demonstrou-se que o Autor no dia 21 de Outubro de 2014 encontrava-se a realizar a chapa 130 e iniciou a circulação da carreira 440, às 11h17, ou seja, com cerca de 17 minutos de atraso, não tendo dado conhecimento desse atraso à Ré, quer através da folha de motorista onde deve registar a hora real da partida, quer diretamente à chefia, assim como, ainda nesse mesmo dia, alterou o percurso da carreira (…), não servindo a paragem do Centro de Saúde da Várzea de Sintra nas duas circulações e, por outro lado, ao invés de efetuar a circulação das 12h10 da carreira (…) contemplada na sua chapa, realizou mais uma circulação da carreira (…).

É certo haver-se provado que o Autor deu conhecimento deste último facto à sua chefia. Contudo, apesar de lhe ter sido solicitado por esta que procedesse ao registo desse facto na sua folha de controlo diário, o Autor não o fez.

Ora, devendo ao Autor o cumprir com zelo e diligência o trabalho que lhe esteja confiado dentro do exercício da sua atividade profissional, bem como cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do seu trabalho, verifica-se que aquele nada logrou demonstrar que, de algum modo, pudesse justificar a adoção de tais comportamentos violadores de deveres laborais.

É certo haver-se provado que o Autor esteve um período de tempo, cerca de 2 anos, sem realizar carreiras estando de reserva ao parque e que durante muitos anos a carreira 440 não serviu a paragem do Centro de Saúde (…). Contudo, também se provou que no dia 12 de Setembro de 2013 foi transmitida ao Autor e aos demais motoristas ao serviço da Ré a alteração do percurso da carreira (…) através da Informação ao Pessoal de Movimento (IPM) 155, IPM que foi enviada ao Autor por email e foi afixada na sede da Ré, estando ainda disponível para consulta junto do serviço de expedição, assim como se demonstrou que o equipamento informático denominado Powerful Sales Unit (PSU) existente em todos os autocarros indica aos motoristas as paragens a efetuar aquando da realização das carreiras, razão pela qual o Autor não podia deixar de ter conhecimento daquela IPM e de saber qual o percurso que tinha que efetuar nas várias carreiras da chapa a que estava adstrito, sendo que o mesmo não logrou demonstrar, como lhe incumbia, ter agido sem culpa.

Ora, perante todos estes factos provados, não se pode deixar de imputar objetiva e subjetivamente ao Autor, pelo menos a título de negligência, a prática de infração dos mencionados deveres laborais ocorrida no aludido dia 21 de Outubro de 2014 e que levou à instauração do referido procedimento disciplinar n.º 82/2014, no âmbito do qual lhe viria a ser aplicada pela Ré a sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento.

No que respeita à sanção disciplinar de dez dias de suspensão sem vencimento que foi aplicada ao Autor no âmbito do processo disciplinar n.º 17/2015 que lhe foi movido pela Ré, verifica-se que, tendo aquele sido acusado, em sede de nota de culpa, dos factos descritos no ponto 20º dos que foram considerados como assentes e que aqui se dão por reproduzidos, demonstrou-se que no dia 29 de Janeiro de 2015 o Autor encontrava-se a realizar a chapa 130, carreira 448, conforme escala de serviço que fora afixada com três dias de antecedência e que, da parte da manhã, o mesmo contactou o serviço de expedição, tendo por chefe de estação (…), perguntando se havia alguém disponível para lhe ensinar o percurso da carreira, tendo este, após contacto “com quem de direito” informado o Autor que não havia ninguém disponível para ir lá ensinar-lhe.

Provou-se também que, cerca das 14h00 desse mesmo dia, o Autor voltou a contactar com o chefe de estação (…), alegando não saber fazer parte do percurso e para alguém lhe ensinar a carreira, tendo ainda contactado o chefe de movimento que lhe disse que a carreira era da sua zona operacional pelo que tinha obrigação de conhecer o percurso, o que também lhe foi transmitido por (…).

Provou-se ainda que o Autor iniciou a carreira 448 e que, durante o percurso desta, ligou por várias vezes, ao chefe de expedição (…), alegando desconhecer parte do percurso, tendo este contactado o Sr. (…) que informou não poder ajudar naquele momento, o que foi transmitido ao Autor, tendo o referido (…) confirmado com o Autor o percurso nos vários telefonemas.

Demonstrou-se, para além disso, que o Autor, durante a execução da segunda parte da aludida chapa, ao efetuar a circulação das 16h00 da carreira 448 com destino ao Cacém, ao chegar à paragem do (…) imobilizou a viatura com o número de frota (…) que conduzia com vários passageiros lá dentro e que, deixando o motor ligado, efetuou uma série de telefonemas para o serviço de expedição, alegando desconhecer o resto do percurso, ali tendo permanecido parado durante 41 minutos, circunstância que, além do mais, impediu a realização da circulação das 16h45 da carreira 448, sentido (…).

Provou-se ainda que o Autor contactou também a Dr.ª (…) alegando não saber fazer o resto do percurso e ter passageiros dentro do autocarro, tendo esta respondido que a carreira era da zona operacional deste e tinha obrigação de conhecer o percurso.
Ora, também se demonstrou que no dia 21 de Outubro de 2014 ou seja, cerca de três meses antes daqueles factos, o Autor tinha realizado a mesma chapa 130 com o mesmo percurso e que realizou a mesma carreira (…) duas vezes em cada sentido, sem que, então, tenha levantado dúvidas quanto ao percurso a efetuar e sem erros na realização do mesmo, sendo que a carreira em questão era da zona operacional do Autor e, para além disso, o equipamento informático denominado Powerful Sales Unit (PSU) existente em todos os autocarros indica aos motoristas as paragens a efetuar aquando da realização das carreiras.

Perante estes factos provados e como se afirma na sentença recorrida parece estarmos perante uma teimosia ou picardia entre o Autor e o serviço de expedição da Ré, ao invés de uma atuação condigna de quem serve o público que tem de usar transportes públicos e que, por isso mesmo, não tem de estar sujeito às dúvidas de motoristas que dizem não saber o percurso e à posição dos chefes de expedição que dizem não ajudar por ser obrigação dos motoristas conhecer o percurso.

Para além disso e como ali também se refere, é muito duvidoso que o Autor não soubesse fazer o percurso da carreira em causa, sendo certo que mesmo que tal se verificasse, isto é, mesmo que o Autor tivesse dúvidas na execução do percurso da aludida carreira 448, devia tê-las esclarecido logo que saiu a escala desse serviço, o que se verificou com três dias de antecedência relativamente ao dia da sua execução e não apenas, como fez, no próprio dia da realização do mesmo.

A assunção de tais comportamentos por parte do Autor mostra-se violadora dos deveres laborais de cumprimento com zelo e diligência do trabalho que lhe estava confiado dentro do exercício da sua atividade profissional, do cumprimento das ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do seu trabalho e da promoção ou execução de atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, razão pela qual também não se pode deixar de imputar objetiva e subjetivamente ao Autor, pelo menos a título de negligência, a prática de infração aos mencionados deveres laborais ocorrida no aludido dia 29 de Janeiro de 2015 e que levou à instauração do referido procedimento disciplinar n.º 17/2015, no âmbito do qual lhe viria a ser aplicada pela Ré a sanção disciplinar de dez dias de suspensão sem vencimento.

No que concerne à sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento que foi aplicada ao Autor no âmbito do processo disciplinar n.º 29/2015, que lhe foi movido pela Ré, verifica-se que, tendo aquele sido acusado, em sede de nota de culpa, dos factos descritos no ponto 31º dos que foram considerados como assentes e que aqui se dão por reproduzidos, demonstrou-se que no dia 26 de Fevereiro de 2015, pelas 13h30m56s o Autor, tendo procedido o depósito do produto da venda de bilhetes efetuado no turno(…) , no valor de €10,00, não efetuou o depósito do produto da venda do turno 406 no valor de €46,80 no final deste turno, tendo-o feito apenas no dia seguinte, tendo feito constar na folha de registo diário do dia 26 de Fevereiro de 2015 que “tal como informei esta chapa 130 não contempla horário para prestar contas no final do serviço. Alerto ainda que, 6ª feira dia 27 de Fevereiro será véspera de folga e que estarei com dispensa sindical no dia 2 de Março, pelo que aguardo instruções para fazer depósito de valores sem que fique à minha guarda os montantes que venha a realizar pela venda dos bilhetes a bordo”.

É certo haver-se provado que na resposta à nota de culpa o Autor alegou não ter efetuado o depósito da quantia de € 46,80, em virtude de, no final do turno apenas possuir uma nota de € 50,00, obtida em consequência de troco efetuado a um passageiro com a venda de bilhetes, não dando as máquinas de depósito troco. Contudo, para além deste facto não ter resultado demonstrado, o certo é que também se provou que, embora as máquinas de depósito não deem troco, geram movimentos de conta corrente e, em 24 horas, o motorista recebe o excesso que haja depositado, dispondo, para além disso, os motoristas de um fundo de maneio da empresa.

Nada resultou demonstrado que pudesse justificar a assunção pelo Autor de um tal comportamento de não efetivação do depósito do produto da venda do turno 406 no valor de €46,80 no final desse turno e contrariamente ao dever laboral que lhe impunha que procedesse ao depósito dessa importância no final desse turno e de cuja cobrança fora incumbido pela Ré, sendo que tal comportamento também revela falta de cumprimento zeloso e diligente por parte do Autor de ordens ou instruções da sua entidade empregadora no âmbito da relação laboral mantida com a Ré.

Ora, perante tais factos provados, também não se pode deixar de imputar objetiva e subjetivamente ao Autor, pelo menos a título de negligência, a prática de uma infração aos mencionados deveres laborais ocorrida no aludido dia 26 de fevereiro de 2015 e que levou à instauração do referido procedimento disciplinar n.º 29/2015, no âmbito do qual lhe viria a ser aplicada pela Ré a sanção disciplinar de dois dias de suspensão sem vencimento.

Quanto à proporcionalidade das concretas sanções disciplinares aplicadas pela Ré ao Autor pela prática das mencionadas infrações laborais, afigura-se-nos inquestionável, atendendo à gravidade de cada uma das mencionadas condutas e à culpa manifestada pelo Autor na assunção das mesmas em violação dos mencionados deveres laborais, sendo que este podia e devia atuar de forma diversa em relação a cada uma dessas condutas, para mais sendo, como era, dirigente sindical, com as responsabilidades decorrentes do desempenho de tais funções face à generalidade dos trabalhadores por si representados.

Não merece, pois, censura a sentença recorrida nesta parte.

A segunda questão de recurso colocada à apreciação deste Tribunal da Relação, consiste em saber se podia ou não a Ré proceder ao desconto do valor dos subsídios de refeição no que concerne aos quatro dias mensais de que Autor usufruiu, a título de crédito de horas por ser dirigente sindical, no período compreendido entre maio de 2014 e outubro de 2015 e consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.

Na verdade, insurge-se também o Autor/apelante contra a sentença recorrida pelo facto de a Mma. Juíza do Tribunal a quo não haver considerado serem-lhe devidas a as importâncias descontadas pela Ré a título de subsídios de refeição atinentes àquele período de maio de 2014 e outubro de 2015 e relativos aos quatro dias mensais em que usufruiu de crédito de horas por ser dirigente sindical.

Vejamos se nesta parte lhe assiste razão!

A este propósito, escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:
«É aceite pela ré que nos dias em que o autor usufruiu do crédito de horas não pagou o subsídio de refeição, por considerar que o mesmo (não é devido, presume-se) nos termos do AE aplicável à relação laboral.
No que a crédito de horas e faltas de membro de direcção de associação sindical diz respeito, dispõe o art. 468º, nº1, do Código do Trabalho, que “para o exercício das suas funções, o membro de direcção de associação sindical tem direito a crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês e a faltas justificadas, nos termos dos números seguintes”.

Por seu turno o art. 408º, nº1, do Código do Trabalho estabelece relativamente a crédito de horas de representantes dos trabalhadores que “beneficiam de crédito de horas, nos termos previstos neste Código ou em legislação específica, os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva dos trabalhadores” estabelecendo o nº2 desse normativo que “o crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efectivo, inclusivamente para efeito de retribuição”.

Assim a questão passa por determinar da natureza retributiva, ou não, do subsídio de refeição.
Ora, relativamente à questão da natureza não retributiva do subsídio de refeição, subscreve-se a posição e respectiva fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3/04/2014, Processo nº 601/13.7TTVIS.C1, publicado em www.dgsi.pt, que decidiu que “I- Só deve ter-se por retribuição aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida da sua disponibilidade para o trabalho.
II–Não se consideram retribuições as importâncias recebidas a título de subsídio de alimentação, salvo quando essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador (presunção legal elidível sobre o carácter não retributivo do subsídio de alimentação)”.
Nos termos do art. 258º, nº1, do Código do Trabalho “considera -se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.”

Assim só deve ter-se por retribuição aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida da sua disponibilidade para o trabalho.
Por outro lado nos termos da Cláusula 52º, nº1, do AE entre a entre a (…) Lda. e (…), publicado no BTE nº9, de 8/03/1997, com as alterações publicadas no BTE nº13, de 8/04/1999 e BTE nº19, de 22/05/2000, sob a epígrafe “Subsídio de refeição” estabelece-se que “Os trabalhadores abrangidos pelo presente AE, ressalvando os referidos nos números seguintes terão direito a um subsídio por cada dia em que haja prestação de trabalho, (…)”.

Tal cláusula significa, por exemplo, que tal prestação não é devida na retribuição de férias, durante a suspensão do contrato de trabalho, ou durante as situações de faltas ao trabalho, justificadas ou não.

E como se pode ler na fundamentação do Acórdão supra referido “Justamente por isso, nos termos das disposições conjugadas dos nº 1, al. a), e 2 do art. 260º do Código do Trabalho, não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de subsídio de alimentação, salvo quando essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
Do conteúdo normativo acabado de invocar pode seguramente extrair-se uma presunção legal elidível sobre o carácter não retributivo do subsídio de alimentação.
Como escreve Monteiro Fernandes, “Embora o abono seja, na maioria dos casos, uma importância fixa e regularmente paga, ele não deve, em princípio, incluir-se na retribuição, para efeitos de periodicidade e irredutibilidade. O art. 260º, nº2 do Código do Trabalho admite, no entanto, que lhe seja atribuído carácter retributivo se e na medida em que o seu valor exceder um montante considerado normal, ou quando, pelo contrato ou pelos usos, seja tido como elemento integrante da retribuição. O Código do Trabalho toma posição idêntica perante o subsídio de refeição que muitas convenções colectivas consagram em benefício dos trabalhadores abrangidos. Este subsídio pode assumir carácter retributivo nas condições acima indicadas – ter um valor superior ao normal, ou ser qualificado como parte da retribuição pelo contrato ou pelos usos – sem por isso ser devido nos dias em que o trabalhador, por qualquer razão, não compareça ao trabalho.”. - Direito do Trabalho, 13ª edição, p. 474.
Flui do exposto, assim, que o subsídio de refeição não tem, por regra, a natureza de retribuição em sentido jurídico.

No caso concreto dos factos dados como provados não resulta que os montantes pagos pela ré a título de subsídio de alimentação excedessem o normal, nem que tal subsídio estivesse qualificado como retribuição pelo contrato ou pelos usos, sendo certo que, nesta matéria, o ónus de alegação e prova impendia sobre o autor, enquanto pessoa que se arrogou ao direito de ver considerado o subsídio de alimentação como fazendo parte integrante da retribuição legal, em conformidade com o disposto no art. 342º, nº1, do Código do Trabalho».

Posto isto e sem que se pretenda pôr em causa (até porque com elas se concorda) as considerações feitas neste excerto da sentença recorrida, com particular ênfase em relação ao que aí se refere por citação feita de douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em torno da questão de saber se o subsídio de refeição deve, ou não, constituir elemento integrante da retribuição face ao que se estabelece nas disposições conjugadas do art. 258º n.ºs 1 a 3 com o nº 1, al. a), e n.º 2 do art. 260º, ambos do Código do Trabalho bem como com a Cláusula 52ª, nº1, do AE celebrado entre a (…). e o (…), publicado no BTE nº9, de 8/03/1997, com as alterações publicadas no BTE nº13, de 8/04/1999 e BTE nº19, de 22/05/2000, afigura-se-nos, todavia, que a questão colocada à nossa apreciação e que se prende com o direito ao crédito de horas concedido por lei aos trabalhadores que também exerçam funções de dirigentes sindicais, implica que tais considerações se não limitem ao conceito de retribuição, devendo a suscitada questão ser analisada tendo em mente o escopo ou o fim visado pelo legislador com a atribuição de tal crédito de horas aos referidos trabalhadores.

Assim e no que aqui releva, estabelece, desde logo, o n.º 1 do art. 55º da Constituição da República Portuguesa que «[é] reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para a defesa dos seus direitos e interesses.», enquanto no n.º 6 do mesmo preceito fundamental se estipula que «[o]s representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções» (realce e sublinhado nossos).

É, pois, a partir desta base legal e com a amplitude de direitos que dela emerge que, a nosso ver e com o maior respeito por opinião diversa, deve ser apreciada a questão de saber se a Ré podia ou não proceder ao desconto do valor dos subsídios de refeição no que concerne aos quatro dias mensais de que Autor usufruiu a título de crédito de horas por ser dirigente sindical, no período compreendido entre maio de 2014 e outubro de 2015, avançando-se, desde já, que, a nosso ver, a resposta a esta questão não pode deixar de ser em sentido negativo.
Vejamos porquê!
Está provado que o Autor é sócio do (…) e, para além disso, é dirigente sindical desde 2006.
Dispõe o n.º 1 do art. 408º do Código do Trabalho que «[b]eneficiam de crédito de horas, nos termos previstos neste Código ou em legislação específica, os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva dos trabalhadores», enquanto no n.º 2 do mesmo preceito legal se determina que «[o] crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efectivo, inclusivamente para efeito de retribuição».
Por seu turno, estabelece o art. 468º n.º 1 do mesmo Código que «[p]ara o exercício das suas funções, o membro de direcção de associação sindical tem direito a crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês e a faltas justificadas, nos termos dos números seguintes».

Da conjugação do referido preceito constitucional com estas normas legais – sendo que a implementação destas mais não visa do que concretização dos direitos e garantias que daquele decorrem – resulta haver o legislador pretendido que os trabalhadores que simultaneamente sejam dirigentes sindicais tenham precisamente os mesmos direitos que os seus colegas de trabalho, enquanto no uso do crédito de horas legalmente conferido para o exercício das suas funções sindicais, de tal forma que a utilização desse crédito de horas corresponde a trabalho efetivamente prestado, sem que, portanto, dele resulte qualquer prejuízo para o trabalhador/dirigente sindical, seja a nível retributivo, seja a qualquer outro nível patrimonial.

Neste mesmo sentido se pronunciou já o douto Acórdão da Relação do Porto de 30-01-2012 proferido no processo n.º 45/11.5TTOAZ.P1 e acessível em www.dgsi.pt ao afirmar, a dado passo, que «[p]retendeu, assim, o legislador que os dirigentes sindicais tenham em concreto os mesmos direitos que os seus companheiros de trabalho, apesar de – e enquanto – utilizarem o crédito de horas para o exercício das suas funções sindicais, de forma que tal exercício corresponda a trabalho efetivo, a todos os níveis, isto é, tanto retributivos como outros, mesmo que não tenham tal natureza. Vale dizer, pretende-se evitar que o dirigente sindical, pelo facto de exercer as respetivas funções durante o crédito de horas, possa ser por isso prejudicado por qualquer forma, inclusive a nível patrimonial. Tratar-se-ia de fazer atuar o que a jurisprudência espanhola «denominou “princípio de omniequivalência ou de igualdade absoluta” entre os representantes dos trabalhadores e os seus companheiros...». Daí que a utilização, no quadro legal, do crédito de tempo por parte dos dirigentes ... sindicais não dê “... lugar à subtração de qualquer parcela da remuneração que lhes seria devida se estivessem a prestar serviço efetivo, nem podia implicar qualquer efeito inerente a uma não prestação de serviço...”, ou, dito de outro modo, “... não pode ter qualquer efeito prejudicial na sua esfera jurídica”.», referindo ainda, noutro passo, que «[t]em-se também entendido que o crédito de horas tem uma natureza salarial, abrangendo “... todas as prestações, em dinheiro ou em espécie, que o trabalhador teria normalmente direito: o salário e os complementos salariais, tais como o subsídio de turno, o prémio de risco, de insalubridade, de assiduidade e outros, que não podem ser objeto de qualquer redução, tudo se passando, pois, como se, durante ele, o trabalhador tivesse estado a trabalhar. O princípio parece ser o de que o uso do crédito não pode implicar qualquer prejuízo para o trabalhador, designadamente no que respeita à remuneração… Em suma, o crédito de horas, até 4 dias por mês, atribuído aos dirigentes sindicais para o exercício das respetivas funções, traduz uma medida de proteção da liberdade sindical, constitucionalmente imposta e cumprida pelo legislador ordinário e visa fazer com que os empregadores não prejudiquem, por qualquer forma, os trabalhadores eleitos para as respetivas estruturas representativas, por causa do exercício das correspondentes funções, fazendo equivaler a utilização do crédito a trabalho efetivo, para todos os efeitos, inclusive o da retribuição».

Acresce referir que, sendo a “ratio” do não pagamento de subsídio de refeição pela entidade empregadora em algumas circunstância do relacionamento laboral com o trabalhador, designadamente durante o gozo de período de férias ou durante os períodos de faltas dadas por este ao serviço, a desnecessidade de o trabalhador se ausentar da sua residência para cumprir a sua obrigação contratual de prestação de trabalho, com os inerentes custos associados em termos de aquisição de alimentação, tal, por regra, não se verifica aquando do uso de crédito de horas pelo trabalhador/dirigente sindical no exercício das suas funções sindicais na defesa dos interesses dos seus representados, as quais, por regra, implicam igualmente a saída do seu domicílio para prestação dessas funções com inerentes custos associados em termos de aquisição de alimentação.

Não podia, pois, a Ré proceder aos descontos do valor dos subsídios de refeição no que concerne aos quatro dias mensais de que Autor usufruiu, a título de crédito de horas por ser dirigente sindical, no período compreendido entre maio de 2014 e outubro de 2015, assistindo, nesta parte razão ao Autor/apelante, devendo a sentença recorrida ser alterada em conformidade.

Decisão:
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, decidem alterar a sentença recorrida condenando a Ré BBB, Lda. a pagar ao Autor AAA as importâncias devidas a título de subsídios de refeição não pagos no período de maio de 2014 a outubro de 2015, referente aos dias de crédito de horas por este usufruídos no exercício das suas funções de dirigente sindical, acrescidas de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento, tudo a apurar em sede de incidente próprio por carecermos de elementos suficientes para procedermos neste momento ao respetivo cálculo.
Quanto ao mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida.
Custas a cargo de Autor e Ré na proporção do respetivo decaimento, sendo que nesta fase essa proporção é de ½ a cargo de cada uma das partes



Lisboa, 2017/09/27



José António Santos Feteira (relator)
Filomena Maria Moreira Manso
José Manuel Duro Mateus Cardoso