Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
89/16.0NJLSB-B.L2-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: MILITARES
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIMENTO
Sumário: A decisão do CEME de excluir os recorrentes de missão militar não reveste a natureza de uma medida de coacção, as quais estando sujeitas ao princípio da legalidade e tipicidade e não constando das enumeradas no Código de Processo Penal, como decisão de natureza administrativa deve ser tratada nos tribunais administrativos, através dos vários graus e instâncias de recurso.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


Nos autos de Instrução Criminal (Proc. Nº 89/16.0NJLSB) que correm termos na Comarca de Lisboa, Instância Central de Lisboa, 1ª Secção de Instrução Criminal, J6, após requerimento efectuado pelos arguidos A..., B..., C…,e D...,para que se “Determine, se os arguidos devem, ou não, ser excluídos da Participação na Missão …, para a qual estiveram em preparação e aprontamento nos últimos…meses, visando render os … militares …, que ali se encontram, desde …”, a Exma. Juiz de Instrução Criminal a fls. 86 dos presentes autos, proferiu o seguinte despacho: (transcrição)

Fls. 4662 a 4664:
Os arguidos A...,, B...,, C...,e D...,vêm requerer que se determine se os arguidos devem ou não ser excluídos da participação na Missão…, para a qual estiveram em preparação nos últimos seis meses visando render os … militares… que ali se encontram desde  ….
Alegam, em síntese, que o MP, na acusação deduzida, promoveu que os arguidos ficassem proibidos se se ausentarem do país e, consequentemente, de integrarem as missões de paz e humanitárias.
Mais alegam que o JIC indeferiu o agravamento das medidas de coação por inadequadas, desproporcionais e desnecessárias.
Porém, e com base no agravamento das medidas de coação nos termos promovidos pelo MP, o Chefe de Estado-Maior do Exército emitiu despacho que determinou a não integração dos arguidos na missão de paz e humanitárias considerando que a posição do MP impede o exercício da profissão dos militares.
Alegam, por fim, que os arguidos sofrem os efeitos de uma medida de coação que não foi decretada pelo Tribunal.
O MP pronunciou-se sobre o requerido.
Vejamos.
Os arguidos encontram-se, presentemente, sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência, com o fundamento constante dos despachos judiciais que apreciaram tal medida de coação.
Como bem alegaram os arguidos, a decisão do Chefe do Estado-Maior do Exército é uma decisão interna e que só ao Exército diz respeito.
Assim, entende-se que não deve o Tribunal interferir nas decisões tomadas pela hierarquia do Exército.
Assim, nada há a ordenar quanto ao requerido.
Notifique.” (fim da transcrição)
***

Inconformados os arguidos A..., B..., C...,e D...,vieram interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: (transcrição).
a)Os Arguidos foram excluídos da participação da Missão …, por despacho do CEME.
b)Esta exclusão configura uma sanção promovida pelo MP e indeferida pelo Tribunal.
c)Nos termos do artigo 7° do CPP, a jurisdição penal prevalece sobre as demais jurisdições.
d)Assim, não podem ser aplicadas aquelas medidas restritivas e sancionatórias do âmbito da jurisdição disciplinar, enquanto não existir decisão do Tribunal recorrido.
e)Desta forma, deve o despacho supra referido ser revogado e substituído por decisão que suspenda o despacho do CEME, sob pena de Violação do princípio da separação de poderes e esvaziado o princípio da prevalência.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e consequentemente, ser este despacho revogado,
Assim se fazendo sã e serena Justiça.” (fim de transcrição)
***

Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu ao mesmo nos termos constantes de fls. 7 a 9 dos presentes autos concluindo, nos seguintes termos: (transcrição)
1.O despacho de sua Excelência Chefe do Estado-Maior do Exército determinando a substituição dos Militares na …, na missão da …, tem natureza administrativa, logo, extra-penal. Assim sendo e face à Directiva nº DPKO/OMA7FGS/2016/0053, cuja cópia se junta para melhor compreensão, outro não podia ser o entendimento do CEME.
2.Nesta conformidade os arguidos sabem que se tratam de medidas gestionárias, pelo que do despacho do CEME só poderão recorrer para os Tribunais Administrativos ou interpor recurso tutelar.
3.Não se compreende é que, inexistindo despacho judicial impedindo os arguidos de sair do país em cumprimento de qualquer missão pretendam os arguidos que tal despacho se estenda á esfera militar.
4.Assim, outra não poderia ter sido a decisão senão a que foi proferida.
Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelos arguidos, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, com o que se fará a costumada
Justiça” (fim de transcrição)
***

A Meritíssima Juiz de Instrução, em cumprimento do disposto no artigo 414º, nº 4 do Código de Processo Penal, manteve o despacho (fls. 89).      
Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 92, manifestando-se pela improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não houve resposta.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II.Fundamentação

1.É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.[2]
Da leitura das conclusões dos recorrentes os mesmos pretendem que o despacho recorrido seja revogado e substituído por uma decisão que suspenda o despacho do CEME.
Vejamos.
2.O Tribunal a quo entendeu que o despacho do CEME é uma decisão interna do Exército e que só ao mesmo diz respeito, não devendo o Tribunal interferir nas decisões tomadas pela hierarquia do Exército.

Tem inteira razão o tribunal recorrido.

Como resulta do, nº 1 do artigo 111º, da Constituição da República Portuguesa “Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecida na Constituição”.

O Governo enquanto órgão de soberania é o órgão superior da administração pública e o órgão responsável pela condução da política geral do país (artigo 182º), cabendo aos Tribunais administrar a justiça em nome do povo (artigo 202º), ambos da Constituição da República Portuguesa.

De entre os vários Tribunais, cabe aos Tribunais administrativos e fiscais apreciar e fiscalizar a legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública, onde se incluem as Forças Armadas e os respectivos comandantes, incluindo, obviamente, os respectivos Chefes de Estado-maior dos ramos (artigo 4º e 1º da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro).

Na verdade, a decisão de excluir os recorrentes da Missão…, é uma decisão de natureza administrativa e deve ser tratada nos tribunais administrativos, através dos vários graus e instâncias de recurso.

A decisão de excluir os recorrentes da referida missão não reveste a natureza de uma medida de coacção, as quais são sujeitas ao princípio da legalidade e tipicidade e não consta, que seja do nosso conhecimento, das enumeradas no Código de Processo Penal.

Ora, revestindo a decisão uma natureza administrativa e provindo de um órgão da administração, não cabe a tribunal penal sindicar a mesma.

Em resumo e sem necessidade de mais considerandos, por despiciendos, não têm razão os recorrentes improcedendo recurso.

III.Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos A..., B..., C..., e D…, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, por cada um deles, em 3 (três) UC’s - artigo 513.º, n.º 1, do CPP.
Notifique nos termos legais.



(o presente acórdão, integrado por cinco páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)



Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018.



(Antero Luís)
(João Abrunhosa)
(José Alberto Martins Ferreira)



[1]Neste sentido e por todos, ac. do STJ de 20/09/2006 Proferido no Proc. Nº O6P2267.
[2]Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.