Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
755/18.6T8CSC-A.L1-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARRESTO
DEPENDÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PAULIANA
RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
PERICULUM IN MORA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENDENTE DE RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O receio de perda de garantia patrimonial, enquanto elemento individualizador do arresto em relação às outras medidas cautelares de direito creditício, alicerça-se num circunstancialismo fáctico que permita, em juízo antecipatório, prefigurar o perigo de se tornar difícil ou inviável a ulterior cobrança coerciva.
2.No arresto em dependência da acção de impugnação pauliana julgada procedente não se representa o periculum in mora, na circunstância de o titular do direito ter a seu favor a garantia da penhora dos bens (suficientes para a realização coerciva do crédito) efectivada na execução da sentença instaurada contra o devedor, no uso da faculdade consignada no artigo 704º, nº1 do CPC.  
3.Ao permitir a instauração de execução com base numa sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, permanecendo em aberto a possibilidade de revogação ou alteração do título, o legislador estabeleceu um equilíbrio entre os interesses do credor e do devedor através dos limites e condicionalismos prevenidos nos nº 3, 4º e 5º daquele preceito legal.
4. Da interpretação do artigo 704º, nº2 (2ªparte) do CPC é possível extrair, que o Acórdão do Tribunal da Relação intermédio no desenvolvimento da instância declarativa e no qual se determinou a anulação da sentença em razão de vício formal, não conhecendo do mérito do direito do credor, não implica a extinção ou suspensão da execução de sentença. 
5. Mal se acomodaria à perfeição do sistema, admitir a instauração de execução pelo credor que tem a seu favor uma sentença não transitada em julgado, e em contrassenso, inviabilizá-la, desde logo, por uma decisão intermédia que não se pronunciou sobre o objecto do dissídio e, portanto, do direito dado à execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.RELATÓRIO
1.Dos autos de arresto  
M… instaurou contra MG..., ambos com os sinais dos autos, Procedimento Cautelar de Arresto dos imóveis que identifica, para garantir a satisfação do seu crédito no montante de 193.197,76 €, juros de mora e despesas.
Em síntese, alegou que na acção de impugnação pauliana que impetrou contra A…e MG foi julgada procedente e, reconhecido o direito da requerente executar o crédito que detém sobre a Ré A…[1] no património do Réu, ora requerido, até ao montante dos valores recebidos na venda a terceiro dos imóveis que  adquiriu através de doação daquela Ré. [2]  
Mais alegou que tendo instaurado contra o requerido execução daquela sentença e na qual foram penhorados os imóveis  que  indica para arresto,[3] dado que aquele  interpôs recurso da sentença nos autos principais, admitindo a  procedência do vício invocado, receia o levantamento das penhoras realizadas.
Concluindo que, face à conduta do requerido e na procedência do recurso e revogação da sentença proferida na acção paulina, verifica-se receio da perda da garantia patrimonial em relação ao requerido que justifica a necessidade e utilidade do arresto.
Foi proferida sentença que tem o seguinte dispositivo - «Julgo parcialmente procedente, o presente procedimento cautelar especificado e, em consequência: A) RECONHEÇO O DIREITO DE CRÉDITO DA REQUERENTE SOBRE O REQUERIDO NO VALOR GLOBAL DE 193.197,76 €, A QUE ACRESCEM JUROS DE MORA, DESPESAS E HONORÁRIOS DE AGENTE DE EXECUÇÃO. B) EM GARANTIA DO DIREITO DE CRÉDITO REFERIDO NA ALÍNEA ANTERIOR: DECRETO O ARRESTO DO SEGUINTE IMÓVEL: casa de 2 pisos para habitação e garagem e logradouro, sita na Ria ..., n!! 12, Encarnação, descrita na Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de Encarnação com o n!! ... e inscrita na respetiva matriz predial urbana ... – AP. 2710 de 2020/10/02, cfr. certidão permanente com o Código de Acesso GP- 2125-44853-110904-00.... Proceda-se ao arresto através de agente de execução a indicar pela requerente em 2 dias. Apenas após execução da providência, cite o requerido, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 366.º do NCPC, com a cominação prevista no n.º 5, do mesmo normativo e do art.º 372.º, n.º 1, als. a) e b), do NCPC, todos aplicáveis por via do art.º 376.º do NCPC. Custas pela Requerente, nos termos do 539.º do NCPC.»
O arresto do imóvel identificado foi efectivado em 2.3.2021 e, o Requerido subsequentemente citado.
2. Do recurso
Inconformado, o Requerido interpôs recurso, pugnando pela revogação da decisão.   Finalizou as alegações com as conclusões que se transcrevem:
«1º O procedimento cautelar visa obviar o perigo da demora da declaração e execução do direito, afastando o receio do dano jurídico por meio das medidas que limitam os poderes ou imponham obrigações àqueles que se encontram em conflito com o requerente.
2º O traço típico do arresto reside na espécie de perigo ou na modalidade do dano que pretende afastar, e meios facultados, para atingir o fim visado; destinando-se à aplicação de medidas que limitam os poderes ou impõem obrigações, àqueles que, se encontram em conflito com o requerente da providência.
3º Dada a sua natureza urgente, porque conexa com o afastamento do perigo da decisão definitiva para a procedência basta um juízo sumário da verosimilhança e aparência do direito.
4º São requisitos do procedimento cautelar especificado de arresto: o direito de crédito e o justo receio da perda de garantia patrimonial – art. 406.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
5º O Profº Alberto dos Reis, CPC Comentário VOL II, afirmou que , "O traço típico do processo cautelar está por um lado na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade de dano que pretende evitar, e por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado que visa."
6º Acautela-se o efeito útil da ação destinada ao reconhecimento do direito, ou seja, impede-se que, durante a pendência daquela, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela - art. 2º do Cód.Proc.Civil combate o "periculum in mora" (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne inexequível.
7º Com função instrumental em relação ao processo principal - não satisfaz o interesse da justiça, não resolve definitivamente o litígio, apenas assegura a eficácia do processo definitivo.
8º Trata-se de situação de exceção em que as prioridades de tempo e realização eficaz avançaram relativamente às habituais garantias residentes na hétero composição do processo.
9º A definição do direito de crédito da requerente em termos certos e definitivos, far-se-á se na ação principal, no entanto nos autos cautelares deverá existir alegação que uma vez provada seja bastante para permitir juízo sumário de verosimilhança e aparência do direito, o que é quanto basta para a sua validação, em ordem a provocar reação na ordem jurídica.
10º Se o arresto visa assegurar, como assegura, a satisfação do direito de crédito isto é assegurar a eficácia da execução da decisão definitiva, o Tribunal dará como provado tal requisito sempre que, face aos factos alegados e sumariamente provados, se convença da existência de um direito de crédito e de tornar-se consideravelmente difícil a sua realização.
 11º Por outro lado é ao requerente que cabe o ónus dessa de demonstração (artº 342º nº 1 do CC).
12º Salvo melhor opinião, deveria o Mº Juiz “a quo” ter indeferido liminarmente o requerimento inicial do procedimento cautelar com o fundamento de o pedido ser manifestamente improcedente, o que não fez.
13º Os recorrentes discordam, entendendo que o procedimento cautelar não deveria prosseguir.
14º É evidente a inexistência do direito na titularidade do requerente, ora apelado
15º É pressuposto ou requisito essencial para o decretamento da providência cautelar de arresto que o requerente da mesma seja credor do requerido, tenha sobre ele um crédito.
16º Direito de crédito que o Apelado não detém.
17º O direito no processo civil quando trazido aos Tribunais é um direito concreto ou concretizável, não constituindo, pois, uma abstração jurídica que num momento e ponderável num sentido e no momento seguinte alheando-se este de toda a contenda das partes faculta um novo processo decisório assente em pressupostos teóricos cuja dialética ignora o já feito.
18º Não está demonstrado que os factos invocados pelos Requerentes no arresto não os constituem, por ora, credores do aqui Apelante, então, há desde logo e com prejuízo de quaisquer outras diligências improcedência manifesta da pretensão cautelar a ser decretada oficiosamente como não fez o Tribunal à quo.
19º Falta, portanto, o aludido requisito de crédito dos requerentes sobre a requerida – essencial ao arresto.
20º A inexistência do crédito da requerente prejudica o conhecimento da existência ou não do justo receio de perda da garantia patrimonial (artº 660º, nº 2).»       
*
A Requerente apresentou contra-alegações, refutando o argumentário do apelante e defendendo o acerto da decisão recorrida.
*
Corridos os Vistos, nada obsta ao conhecimento de mérito.
3.O Objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), caberá decidir se, no quadro factual apurado não estão verificados os pressupostos legais do arresto decretado, justificando a sua revogação.  
Desiderato que convoca a apreciação dos seguintes tópicos:
- da provável existência do crédito da requerente e a acção de impugnação pauliana subjacente;
- do periculum in mora e, a penhora dos bens na execução de sentença;  
- a decisão intermédia proferida pelo TRL e os efeitos na lide executiva;
- do justo receio de perda da garantia patrimonial e a factualidade apurada.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A.Os Factos
a) A factualidade provada e relevante para a decisão é a constante da sentença, com excepção dos seus pontos 14. e 17, por integrarem juízos valorativos conclusivos espúrios à fundamentação de facto. [4]
«1. Por sentença de 5 de setembro de 2020, proferida nos autos principais foi julgada procedente por provado o pedido de Impugnação pauliana peticionado pela Requerente contra e o Requerido, e, consequentemente, foi declarado o direito da Requerente receber os valores e créditos que A… é devedora, reconhecidos nos processos judiciais n.ºs 1316/06.8TBOER – Juiz 2- Juízo Central Cível de Cascais, que deu origem em execução nos próprios autos, ao processo executivo n.º 2902/17.6T8OER-Juiz 2- Juízo de Execução de Oeiras e processo n.º 1276/14.1TBOER – Juiz 1, Juízo Central Cível de Cascais, todos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, mais se reconhecendo o direito de a Requerente executar tais direitos e créditos no património do ora Requerido até aos montantes por ele recebidos na venda a terceiro dos bens doados.
2. na sentença da ação de impugnação pauliana foram dados como provados os seguintes factos: “1. M… instaurou a ação especial de prestação de contas contra A… com o n.9 1316/06.8TBOER-Juiz2- Juízo Central Cível de Cascais, desta Comarca, na qual a R. foi condenada a pagar à A. a quantia de €68.709,23, que juntamente com a Nota de Custas de Parte, foram dados à execução pela autora contra a ré, no processo executivo pendente sob o n.92902/17.6t8oer, distribuído em 23 de Junho de 2017 no Juiz 2 do Juízo de Execução de Oeiras, com o valor de execução de €104.778,34(cfr. docs. 1 e 2 juntos com a PI); 2.M .. instaurou a ação de processo comum contra A..com o n.º 1276/14.1TBOER-Juiz 1-Juízo Central Cível de Cascais a R. foi condenada a pagar à A. a quantia de 63.600,00€ acrescida de juros de mora desde a citação e a quantia de 2.000,00€ acrescida de juros de mora desde a sentença, no total de 65.600,00€ e custas a cargo da R. na proporção de 90% (cfr. sentença judicial junta como doc. 3 com a PI). 3.A Autora apresentou no processo n.º 1276/14.1tboer-Juiz 1-do Juízo Central Cível de Cascais a nota de custas de parte no valor de 1.605,50€ (cfr. doc. 4 junto com a PI). 4.A R. não pagou à A, o valor constante das referidas sentenças em que foi condenada. 5.A R. recorreu das sentenças referidas em 1 e 2 tendo, quanto ao processo 1316/06.8TBOER, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente o recurso, transitando em julgado a sentença cfr. fls. 181 a 170 e, quanto ao processo 1276/14.1tboer, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente o recurso, transitando em julgado a sentença cfr. fls. 219 a 230. 6.O segundo R. é filho único da autora e de MH, tendo nascido a 16 de Maio de 1976. 7.Mostra-se descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras com o n.º 999/20080625 a fracção autónoma correspondente ao décimo segundo andar habitação com três terraços e uma arrecadação no sótão (cfr. certidão de registo predial junta com a PI como doc. 7 de fls. 56 e ss). 8.A fracção fica situada na A…. foi inscrita a favor da 1.ª R. a aquisição por sucessão por morte deferida em partilha, tendo como sujeito passivo (…) …, que foi casado com a 1.ª R. no regime de comunhão de adquiridos. 10.Pela Ap. 11 de 2007/03/09 mostra-se inscrita a hipoteca voluntária tendo como máximo assegurado 9.771,55, a favor do BPI, SA. 11. Pela Ap. 12 de 2007/03/09 mostra-se inscrita a hipoteca voluntária tendo como máximo assegurado 53.258,72, a favor do BPI, SA. 12.A 1.ª R. chegou a arrendar o imóvel referido em 7. no ano 2000 que durou cerca de 2 anos. 13.Por escritura de doação celebrada no Cartório Notarial de Penalva do Castelo no dia 18 de Maio de 2015 a Primeira R. doou ao Segundo Réu por conta da quota disponível a fracção autónoma destinada a habitação, correspondente ao 12.º andar, designada pelas letras “BT” e a fracção destinada a garagem correspondente a segunda cave, garagem 18, designada pela letra “S”, fracções que fazem parte do prédio urbano situado na…., concelho de Oeiras e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 999/Algés (cfr. doc. 6 junto com a PI). 14.O R. aceitou a doação da fracção para habitação designada pelas letras “BT” e registou a seu favor a aquisição sob a Ap. 1788 de 10/07/2015 (doc.7 junto com a PI). 15.O R. aceitou a doação da fracção destinada a garagem designada pela letra “S” e registou a seu favor a aquisição (doc.8 junto com a PI). 16.No dia 22 de Maio de 2017 o segundo Réu outorgou documento particular de compra e venda pelo qual vendeu a … e marido … as referidas duas fracções, pelo preço global de 515.000,00 correspondendo 490.000,00€ fracção de habitação e 25.000,00€ fracção de garagem (doc. 11 junto com a PI). 17.O R. recebeu o preço da venda das duas fracções. 18.Os terceiros adquirentes registaram a aquisição a seu favor pela Ap. 3732 de 22/05/2017 (docs 7 e 8 junto com a PI). 19.Na mesma altura foi registado o cancelamento das hipotecas referidas em 10 e 11 pelas Aps. 3734 e 3735. 20.O 2.º R. tem conhecimento da dívida da R. para com a A... 21.O 2.º R. foi testemunha no processo de prestação de contas n.º 1316/06.8TOER, tendo prestado testemunho nas audiências realizadas no dia 19 de maio de 2009 e 10 de março de 2015 (cfr. docs. 12 a 15 juntos com a PI). 22.A escritura de doação da R. para com o R. seu filho foi realizada de modo concertado para subtrair os bens doados do património da devedora R. e impossibilitar ou agravar a satisfação do seu crédito. 23. A 1.ª R. durante anos teve a sua residência na fracção doada ao 2.º R. 23.A Autora sofreu de doença oncológica. 25. O marido da R. faleceu no ano de 1999 vítima de doença oncológica. 26.Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Gouveia Freguesia de Melo com o n.º 89/19871124 o prédio misto situado em Matadouços ou Cerejeiro, com área total de 70.720 m2, área coberta de 659,3m2 e descoberta de 70060,7m2, com valor tributável de €156.200,14, inscrito na matriz com os n.ºs 610, 593, 810 e 811, composto por (Doc. 3 de fls. 117 e ss) : a) terra de centeio, pastagem em oliveiras (art.º 610) -70.039 m2; b) casa de habitação composta por cave e r/chão s.c 373,30m2 e logradouro 21,70m2-artigo 593; c) anexo – 198m2 – artigo 810; d) casa de caseiro destinada a habitação de rés-do-chão e sótão-artigo 811,27.Consta da certidão de registo predial que confronta do norte com estrada, nascente com caminho, sul com caminho particular e poente com Guilherme Coito. 28.Pela Ap. 3 de 2006/05/17 mostra-se inscrita a sua aquisição por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária em nome de A… de quantia exequenda no valor de €270.178,54. 34.Consta da caderneta predial urbana junta a fls. 87 e 88 que o artigo 879 (anterior 593 referido em 25) é constituído em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, afeto a habitação, sito na Quinta …, Melo, da freguesia de União das Freguesias de Melo e Nabais, concelho de Gouveia, distrito da Guarda, e tem o valor patrimonial de € 130.406,62 (cento e trinta mil, quatrocentos e seis euros e sessenta e dois cêntimos) – cfr. doc. 1 junto com a contestação; 35.Na perícia realizada a fls. 34 o Sr. Perito considerou que o valor do artigo referido no ponto que antecede é de €174.550,00. 36.Consta da caderneta predial urbana junta a fls. 88v e 89 que o artigo 1086 (anterior 810 referido em 25) é constituído em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, afeto a estacionamento coberto tem o valor patrimonial de € 17.437,78 – cfr. doc. 2 ora junto; 37. Na perícia realizada a fls. 38 o Sr. Perito considerou que o valor do artigo referido no ponto que antecede é de €33.200,00. 38.Consta da caderneta predial urbana junta a fls. 89v e 90 que o artigo 1087 (anterior 811 referido em 25) é constituído em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, afeto habitação tem o valor patrimonial de € 20.225,68– cfr. doc. 2 ora junto com a contestação; 39. Na perícia realizada a fls. 34 o Sr. Perito considerou que o valor do artigo referido no ponto que antecede é de €29.400,00. 40.Consta da caderneta predial rústica junta a fls. 90v que o artigo 1145 (anterior 610 referido em 25) que o prédio rústico composto por terra de centeio e pastagem com figueiras, sito na Quinta do Cerejeiro, da freguesia de União das Freguesias de Melo e Nabais, concelho de Gouveia, distrito da Guarda, inscrito na …Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de …Processo de Execução n.° 9/06.0TBGVA. 46.Mostra-se inscrito na caderneta predial urbana em nome de …a, cabeça de casal da herança, o prédio constituído em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, afeto a armazéns e actividade industrial, sito na Rua do …, n° 3, Lugar de Melo, da freguesia de União das Freguesias de Melo e Nabais, concelho de Gouveia, distrito da Guarda, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 715º (proveniente da matriz 493), com o valor patrimonial de € 74.292,21 (setenta e quatro mil, duzentos e noventa e dois euros e vinte e um cêntimos) – cfr. doc. 5 ora junto com a contestação a fls. 91; Figueiredo (cfr. doc. 10 junto a fls. 58v e 59); 52.Correram termos na Instância Central da Guarda secção cível e criminal-J3 os autos de proc. 131/10.9JAGRD em que foram arguidos A…e J… no qual foi proferida a sentença junta a fls. 138 a 158, da qual foi interposto recurso e pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi proferido o Acórdão junto a fls. 158 v a 177.”, cujo teor se dá aqui por totalmente reproduzido e integrado e efeitos se reproduzem na integra.”
3.O crédito da Requerente resulta das decisões condenatórias e da execução de sentença em que se reclama: - o pagamento do crédito de 104.778,34 € conforme processo executivo 2902/17.6T8OER a que deu origem o processo 1316/06.8TBCSC; - sentença no processo 1276/14.1TBOER com condenação no pagamento de 63.600,00 €, acrescidos de juros de mora desde a citação, acrescidos de 2.000,00 € com juros de mora desde o transito - sentença transitada dia 24/09/2018 conforme certidão judicial junta Req. 30476332 em 23/10/2018; - acrescidos de 1.605,55 € respeitantes a custas de parte, tudo conforme factos Provados 1, 2 e 3 cujo teor se dá por reproduzido juntamente com as decisões, no valor líquido de 171.983,89 €.
4.Ao valor da execução 297/17.6T8OER acrescem os juros de mora legais nos termos indicados e relativamente à sentença transitada no proc. 1276/14.1TBOER, acrescem a título de sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A nº 4 do CC, juros à taxa de 5% ao ano. a)fração autónoma correspondente ao terceiro andar esquerdo – Piso três, destinado a habitação, com estacionamento nº 13 na cave – piso menos um, arrecadação nº 12 e estendal e nº 2 no piso quarto, sita na Rua….., cfr. doc. 6; eb)casa de 2 pisos para habitação e garagem e logradouro, sita na …, nº 12, Encarnação, descrita na Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de Encarnação com o nº ... e inscrita na respetiva matriz predial urbana ... – AP. 2710 de 2020/10/02, cfr. certidão permanente com o Código de Acesso GP- 2125-44853-110904-00..., cfr. doc. 7.
5. No dia 24 de setembro a Requerente deduziu contra a Requerida execução nos próprios autos da douta sentença ainda não transitada em julgado, ex vi art. 626º e 704º do CPC, cfr doc. 1.
6. A quantia exequenda é de 193.197,76 -f, a que acrescem juros de mora, despesas e honorários de Agente de Execução.
7. A execução foi distribuída dia 08/10/2020 sob o nº 2932/20.0T8OER – Juiz 2 – Juízo de Execução de Oeiras – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, cfr. doc. 2.
8. No âmbito da execução e para garantia do pagamento do valor condenatória na sentença foram penhorados os seguintes prédios do Requerido, ver Notificação, Auto de Penhora e Códigos de acesso Doc. 3, 4 e 5:a)fração autónoma correspondente ao terceiro andar esquerdo – Piso três, destinado a habitação, com estacionamento nº 13 na cave – piso menos um, arrecadação nº 12 e estendal e nº 2 no piso quarto, …., cfr. certidão permanente com o Código de Acesso GP- 2125-44853-111003-005973, cfr. doc. 6; e b) casa de 2 pisos para habitação e garagem e logradouro, sita na Ria ..., nº 12, Encarnação, descrita na Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de Encarnação com o nº ... e inscrita na respetiva matriz predial urbana ... – AP. 2710 de 2020/10/02, cfr. certidão permanente com o Código de Acesso GP- 2125-44853-110904-00..., cfr. doc. 7.
9. Sobre o imóvel referido em 8 a) está inscrita hipoteca cujo valor máximo garantido são -€28.900,00.
10. Consta da caderneta predial do imóvel id. em 8. a) que o VALOR PATRIMONIAL ACTUAL é de -f112.827,89 determinado no ano: 2018.
11. Consta da caderneta predial do imóvel id. em 8. b) que o VALOR PATRIMONIAL ACTUAL é -€263.611,03, determinado no ano: 2018.
12. Dia 9 de outubro de 2020 o Requerido interpôs recurso de apelação, a que atribuiu efeito meramente devolutivo, da sentença de 05/09/2020, que veio a ser admitido por douto despacho de 03/12/2020, cujos termos se dão por reproduzidos.
13. A fundamentação do recurso resulta, exclusivamente, do insurgimento contra a douta decisão relativa à invocação pelo Ilustre Mandatário de justo impedimento, comunicada na audiência de julgamento realizada no dia 20/01/2020, cujo adiamento foi indeferido e foi determinada a realização da audiência, sendo, a final, pedida declaração de nulidade da audiência de julgamento ocorrida dia 20/01/2020 e de todos os atos subsequentes.
14. E não se pronunciando, nem mesmo subsidiariamente, sobre o mérito da sentença que julgou procedente por provado o pedido de impugnação pauliana nos negócios celebrados entre mãe e filho
15. Das buscas realizadas em outubro de 2020 no âmbito da execução pela AE .., Cédula 3201, o Requerido tinha registados em seu nome os seguintes bens: I uma viatura automóvel marca Rover, matrícula XX-XX-XX, do ano de 2004, II. Uma viatura automóvel marca Volvo, matrícula YY-YY-YY do ano de 2001, III. Uma viatura motorizada marca Honda, matrícula ZZ-ZZ-ZZ do ano de 2017 IV. os dois prédios que se encontram penhorados à ordem da execução.
16. Não se conhecem outros bens ao requerido que garantam o pagamento da divida que se mantém para com a Requerente.
17. A requerente receia que o Requerido venha a alienar ou a onerar os bens imóveis registados em seu nome.
18. Até à data o Requerido de nenhuma forma contactou com a Requerente, para proceder ao pagamento de qualquer quantia.»
b) Resulta da consulta dos autos na plataforma e da informação junta:
- O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 8.4.2021 na acção principal transitou em julgado, e está agendada a sessão de audiência de julgamento;
- Nos autos de execução de sentença mantém-se a penhora dos imóveis realizada; o requerido deduziu embargos, seguida de renúncia do seu mandatário.    
B. O Direito
1. Da aparência do direito; a acção de impugnação pauliana 
1.1. Considerações gerais
Constitui na actualidade ponto assente que no arresto não se mostra necessária a prova da certeza da dívida, nem que esteja reconhecida por decisão judicial.[5]
Consensual parece também a asserção, segundo a qual, no arresto não existe uma exigência específica no tocante à fonte da obrigação creditícia invocada pelo credor, podendo, além de outras, ter por fonte directa a lei.[6] 
O presente arresto foi deduzido por apenso à acção pauliana que a aqui requerente instaurou contra a devedora e o aqui requerido, visando a declaração de ineficácia da doação em favor deste último do prédio identificado e consequente restituição, na medida e para satisfação do seu interesse-crédito.
 Importará, por isso, para o caso sub judice, analisar a natureza do crédito/obrigação invocado pela requerente à luz da impetrada acção de impugnação pauliana.         
A impugnação pauliana insere-se no âmbito dos meios conservatórios da garantia patrimonial do credor previstos no Código Civil -artigo 610º do Código Civil.
O instituto em causa consiste na faculdade que a lei concede aos credores de impugnarem judicialmente certos actos válidos, ou mesmo nulos, celebrados pelos devedores que possam propiciar a sua insolvabilidade.[7]
A procedência da impugnação produz em relação ao credor os efeitos previstos no artigo 616º do Código Civil, i.e, o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e, praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.[8]
Por seu turno, dispõem os artigos 619º, nº 2, do Código Civil e 392º, nº2, do Código de Processo Civil que o arresto poderá ser deduzido como preliminar ou como incidente de acção de impugnação pauliana, tendo então o credor o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor.   
Na situação da prévia propositura daquela acção, o requerente do arresto tem apenas que alegar e provar a factualidade relativa à probabilidade do crédito e ao justo receio de perda da garantia; se a mesma não tiver sido ainda instaurada, caberá alegar e provar além destes requisitos (próprios do arresto), também os pressupostos da impugnação pauliana.
O artigo 610º alínea a) do Código Civil exige ainda que o crédito que fundamenta a impugnação pauliana seja anterior ao acto impugnado, quando não se coloque a questão da prática dolosa deste último. Esta prévia existência, na concepção que se perfilha, deve ser entendida no sentido de que tenha passado a haver a obrigação de prestar na esfera jurídica do devedor. [9] 
Citando Cura Mariano- «Sendo o interesse no cumprimento das obrigações mais valioso que o interesse na proteção e conservação de atos de liberalidade, quando se verifica a alienação de um bem, sem recebimento de qualquer contrapartida, não se justifica que os interesses de quem deu e de quem recebeu se sobreponham, em qualquer situação, aos interesses de quem deixa de ter garantido o cumprimento do seu crédito sobre o benemérito.»[10]
1.2. Nos autos; o terceiro adquirente 
Na acção pauliana apensa, o requerido - adquirente dos imóveis- foi demandado conjuntamente com a devedora, tendo a sentença declarado a ineficácia da transmissão impugnada e reconhecido o direito da autora a executar no património daquele o crédito sobre a devedora.
Por outro lado, coexistindo a obrigação primeva da “devedora principal”, o requerente alegou e comprovou que na execução de sentença que lhe moveu, apenas logrou a penhora do valor da pensão, circunstância que legitima a pretensão de garantir o pagamento do seu crédito, de valor relativamente elevado, através do património do requerido, tendo presente o princípio geral do artigo 601º do Código Civil e o disposto nos artigos 519º, nº1 e  619º do mesmo diploma legal.[11]
Por último, compreendendo-se que estejam em causa obrigações de natureza conjunta, a responsabilidade parcelar no arresto será aferida em função da medida da sua responsabilidade definida na sentença de impugnação pauliana e a garantia patrimonial requerida.  
Em consonância, o arresto pode também incidir sobre outro bem pertencente ao requerido, de acordo com o estabelecido nos nºs 2 e 3 do artigo 616º do Código Civil.
Posto o que, haverá de concluir-se, que no tocante à alegada inexistência (provável) do direito obrigacional da requerente sobre o apelante, nenhum obstáculo legal se levanta no decretado arresto.
Soçobra nessa parte a argumentação do apelante.
2. Do periculum in mora no arresto
2.1. Considerações gerais
A questão jacente reconduz-se ao ajuizamento do segundo pressuposto do arresto -  o risco de perda da garantia patrimonial.
O apelante sustenta que a requerente também não logrou provar a exigida dificuldade de satisfação do crédito.
O Tribunal a quo considerou evidenciado o justo receio de perda de garantia patrimonial alicerçando-se na matéria de facto sob os pontos 6.13.16.17 e 20.21. e 22, correspondente à factualidade provada na sentença proferida na acção de impugnação pauliana e não transitada em julgado. 
O arresto enquanto providência cautelar, à semelhança das demais, visa obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, removendo o receio de dano jurídico.
A sua procedência depende da alegação e prova perfunctória pelo requerente da provável existência do crédito e, do justificado receio de perda da garantia patrimonial para a sua satisfação, que no arresto preenche o designado periculum in mora, conforme o disposto nos artigos 391º e 392º do Código de Processo Civil e artigo 619º do Código Civil.
Na situação em que o arrestado é o terceiro adquirente do bem, em especial quando a apreensão incide sobre bem diverso daquele que foi objecto do impugnado acto translativo, divergem a doutrina e a jurisprudência quanto à exigência cumulativa de alegação e prova do perigo da insolvabilidade do respectivo património.[12]
Nos autos a requerente pugnou pelo arresto simultâneo do prédio objecto da doação impugnada na acção pauliana e de outro imóvel da propriedade do requerido, tendo a decisão recorrida reduzido o pedido a este último bem (dado o seu valor e a ausência de ónus registados).
De todo o modo, o debate enunciado não assume repercussão na situação judicanda, pois que a matéria não integra a argumentação do apelante, situando-se, além do mais, a montante do substracto básico da verificação do periculum in mora do arresto em geral.
Surpreende-se então como elemento individualizador do arresto em relação às outras medidas cautelares de direito creditício, o justo receio de perda de garantia patrimonial, expresso num circunstancialismo fáctico que permita em juízo antecipatório, prefigurar o perigo de se tornar difícil ou inviável a cobrança do crédito pelo demandante da cautela do arresto.    
Alberto dos Reis expendia a propósito deste requisito do arresto- «Não basta qualquer receio; é necessário, segundo a lei, que seja justo. Isto significa que o requerente há de alegar e provar factos positivos que, apreciados no seu verdadeiro valor, façam admitir como razoável a ameaça de insolvência próxima.»[13]
A respeito do regime previsto no anterior artigo 406º, nº1 do Código de Processo Civil,  correspondente à previsão do artigo 391º do NCPC, refere Abrantes Geraldes que o justo receio da perda da garantia patrimonial- «pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito.»[14]
A mesma linha doutrinária se constata defendida por Antunes Varela e também por Menezes Leitão.[15]
A jurisprudência vem igualmente adoptando o sentido exposto no tocante ao critério de avaliação do requisito do justo receio no arresto.[16]
 Parece então clarificado que o arresto apenas se justificará nas circunstâncias em que o credor não detenha garantia patrimonial ou garantia suficiente que suporte a satisfação do crédito, temendo a frustração da sua concretização.  
2.2.  A execução de sentença e o justo receio 
No contexto específico em que o credor lança mão da tutela da acção pauliana, refere Cura Mariano - «Obtida a sentença autorizando o credor a executar os bens alienados no património do seu adquirente, pode este instaurar a execução para cobrança do seu crédito, se este já for exequível, ou prosseguir execução já instaurada.»[17]
Nos termos do artigo 616º, nº1, do Código Civil “o impugnante pode executar os bens alienados como se eles não tivessem saído do património do devedor”.
Conjugando este preceito com os artigos 817º e 818º do Código Civil, “não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património”, por regra do devedor, mas podendo “o direito de execução incidir sobre bens de terceiro … quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja precedentemente impugnado”.
Pelo que, não sobram dúvidas de que tendo a acção pauliana sido julgada procedente e, o crédito não seja satisfeito, o arresto poderá incidir sobre bens de terceiro, não devedor do requerente, desde que provados os pressupostos do artigo 392º, nº2, Código de Processo Civil.
Na situação judicanda.
A requerente instaurou o procedimento cautelar em dependência e como incidente da acção de impugnação pauliana que foi julgada procedente por sentença datada de 5.09.2020.
Não aguardando o trânsito em julgado da sentença proferida, a aqui arrestante, ao abrigo da faculdade prevista no artigo 704º, º2, do Código de Processo Civil, promoveu de imediato a execução da sentença, na qual ficou reconhecido o direito de executar no património do ora arrestado o valor do crédito que detém sobre a devedora.          
Significando que por esta via a arrestante já acautelou a garantia do direito reconhecido contra o aqui requerido e que se consumou com a penhora dos dois imóveis identificados no auto de 29.10.2020 dos autos de execução de sentença que correm termos no Juízo de Execução de Oeiras sob o nº2902/17.6T8OER.    
Alegou, ainda assim, no requerimento de arresto que subsiste o seu receio de perda da garantia do crédito face à intercorrência do recurso da sentença interposto e as vicissitudes que possam conduzir à extinção da execução.
Acerca do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8.04.2021, que, entretanto, recaiu sobre o recurso interposto da sentença proferida na acção pauliana, a decisão sindicada circunscreveu a sua análise ao requisito da aparência do direito da requerente, tendo em conta o sentido decisório de anulação da sentença por vício formal, não conhecendo do mérito da causa.
Conforme exposto no ponto 1., também em nosso entender, a sentença de impugnação pauliana, anulada em razão dos fundamentos constantes do Acórdão do TRL, continua a valer enquanto princípio de prova do requisito da aparência do direito creditício da requerente.    
Certo é que, na dinâmica deste quadro processual, a prognose do receio da perda da garantia patrimonial implica que se ampliem à instância executiva os efeitos jurídicos do aresto prolatado na acção pauliana.   
Ora, consistindo o arresto numa apreensão judicial de bens e com aplicação das disposições relativas à penhora (artigo 622º, n. º2, do Código Civil), evidencia-se algo incompreensível a pretensão do arresto dos bens (suficientes para o pagamento do crédito) penhorados na execução de sentença que anteriormente instaurou contra o requerido.
Isto porquanto, a requerente detém garantia antecedente que assegura que os bens se irão manter na esfera jurídica do devedor aqui requerido em ordem à realização do direito de crédito que invoca. 
Não despiciendo, haverá também a mencionar que a garantia da penhora alcançada na execução tem anterioridade em relação à que obteria pela conversão do arresto decretado.
Dessa avaliação teremos então que concluir que, na pendência da execução de sentença com penhora efectivada e, a neutralidade da anulação da sentença porfiada no aresto intermédio, não se representa o alegado periculum mora que justifique o arresto.
Factor que, salvo o devido respeito, potenciaria desde logo o indeferimento liminar do arresto.
2.3. O recurso interposto e os efeitos na lide executiva
Perspetivemos agora a questão no desenvolvimento processual que os autos de impugnação pauliana apresentam.     
Em 1ªinstância foi proferida sentença no processo principal de impugnação pauliana e interposto recurso pelo requerido ali Réu, ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo.
A interposição do recurso não produz efeito imediato nos termos da execução da sentença, tal como preceitua o artigo 704º, nº1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo dos pressupostos do pagamento ao credor que estão estabelecidos nos nº3º, 4º e 5º daquele normativo. 
Proferido e transitado em julgado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que acolheu o invocado justo impedimento do mandatário, determinando a repetição da sessão de audiência julgamento e anulando a sentença subsequente, de igual modo, a nosso ver, a situação não sofre alteração.
Sublinhe-se que o douto acórdão anulou a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, mas não revogou a sentença no sentido de julgar não reconhecido o crédito.[18]
Duas hipóteses se abriam: ou a execução desta sentença era julgada extinta; ou na resposta negativa, como sucedeu, não se verifica periculum in mora.     
2.4. Decisão intermédia; vício formal
Dispõe o artigo 704º, nº2, do Código de Processo Civil - «A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser.»
Ao permitir a instauração de execução com base numa sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, permanecendo em aberto a possibilidade de revogação ou alteração do título, o legislador visou estabelecer um equilíbrio entre os interesses do credor e do devedor, através dos limites e condicionalismos prevenidos  nos nº3, 4º e 5º daquele preceito legal.[19]
Na interpretação do artigo 704º, nº2, do Código de Processo Civil terá de concitar-se a distinção entre decisões dos Tribunais superiores que decidem do mérito da causa, seja confirmando a sentença recorrida, seja absolvendo o réu do pedido, seja condenando em valores diversos, e as decisões que não decidem do mérito, antes anulam a sentença recorrida, determinando a repetição total ou parcial do julgamento.
A decisão considera-se transitada em julgado, “logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação” -  artigo 628º do Código de Processo Civil.
Transitam em julgado quer as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, quer a decisão referente ao mérito da causa.
O caso julgado formal restringe-se por regra às decisões que apreciam  matéria de direito adjectivo -  artigo 620º do Código de Processo Civil.[20]
A respeito do alcance do caso julgado o artigo 621º do Código de Processo Civil preceitua que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, ou seja, em princípio, o caso julgado só se forma sobre a decisão contida na sentença.
Outro vector a atender prende-se com a extensão e limites do caso julgado (cfr. Artigo 91º do CPC), tarefa que se assume dificultosa na aplicação prática e cujo debate na doutrina e na jurisprudência não se apresenta unívoco.
Ao que se recolhe, a posição dominante aponta para a aplicação de um critério eclético, propugnando que a eficácia do caso julgado não seja extensível a toda e qualquer questão debatida na decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.[21]    
Revertendo esses postulados à situação da execução de sentença pendente.    
Evidencia-se que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não conheceu do mérito na acção principal.
Os seus fundamentos são claros quanto à razão do pronunciamento anulatório da sentença – nulidade do despacho que ordenou prosseguimento da audiência de julgamento e não acolheu o justo impedimento do mandatário faltoso (a última sessão destinada a alegações finais) e, em consequência, determinou a repetição do acto e subsequente repetição da sentença.
Do que se extrai que a decisão proferida pelo tribunal superior, intermédia no desenvolvimento posterior da instância, não tem a virtualidade de efeito extintivo ou limitativo da penhora dos bens realizada na execução da sentença.   
Mal se afeiçoaria à perfeição do sistema admitir a instauração de execução pelo credor que tem a seu favor uma sentença não transitada em julgado, e em contrassenso, inviabilizá-la, desde logo, por uma decisão intermédia que não se pronunciou sobre o objecto do dissídio e, portanto, do direito dado à execução.
Olhando ao aresto prolatado, aliás já cumprido pelo Tribunal a quo, foi agendada nova sessão de julgamento para alegações; e não tendo lugar em princípio renovação de prova, só por fantasia se vislumbra que a sentença subsequente altere o sentido decisório de mérito.
Desta sentença naturalmente que o(s)RR e aqui requerido poderá ainda interpor recurso nos termos gerais e as instâncias superiores modificar ou manter em termos definitivos, mas tal efeito está expressamente consignado no artigo 704º, nº2, 1ª parte do Código de Processo Civil.       
Para concluirmos que não se verifica risco de perda da garantia do crédito e consequentemente não se justifica a providência de arresto.   
3. O receio de perda da garantia e os factos apurados
Finalmente, prevenindo diferente solução plausível de direito quanto à repercussão dos efeitos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na penhora dos imóveis e da garantia de satisfação do crédito da requerente, cremos, s. d.r. que a matéria sumariamente provada é insuficiente para o decretamento da providência.                                                
Ou seja, resultou provado que o imóvel objecto da impugnação da eficácia foi transmitido por doação em 2015; o qual, em 2017 alienou a terceiros, através de documento particular de compra e venda, recebendo o preço; e que o requerido tem conhecimento da dívida da devedora, sua mãe -  factos 3. do arresto em reprodução dos factos constantes da sentença de impugnação judicial apensa (13., 16,17, 18 e 20).
 Digamos que na decisão recorrida, o pressuposto específico do arresto- o juízo necessário do risco de perda de garantia da requerente- foi absorvido na íntegra pela factualidade que ditou a procedência da acção de impugnação pauliana e que corresponde à causa de pedir dessa acção.
 O julgador na apreciação do justificado receio da lesão terá de orientar-se por critérios que superam a mera apreciação subjectiva do requerente, e o levem a concluir que outro credor, prudente e cauteloso, perante a situação do devedor, recearia não satisfazer o seu crédito. 
Ora, a apreciação objectiva dos factos enunciados só por si, cremos que não permite estribar, em termos de probabilidade, a ameaça de perda próxima da garantia patrimonial do crédito, rectius que o receio da requerente é justificado, e que a providência é necessária face a dano apreciável (e da correspondente gravidade), inerente à mora da resolução definitiva da acção apensa.
 Nesta perspectiva, também a decisão recorrida não pode manter-se.
*
Em conclusão:
- Tendo a requerente instaurado o arresto em dependência e como incidente da acção de impugnação pauliana, cuja sentença condenatória e não transitada deu à execução, detém instrumento eficaz e apto a garantir a realização coerciva do seu direito através da penhora dos bens do devedor.
- O Acórdão do Tribunal da Relação que determinou a anulação da sentença por falta justificada do mandatário de uma das partes à audiência de julgamento não comporta efeito extintivo da execução ou o levantamento da penhora nos autos de execução. 
- O arresto visa apenas prevenir certos comportamentos susceptíveis de tornar ineficaz a decisão que venha a proferir-se, em virtude de o devedor tornar ou poder tornar difícil a realização coactiva do seu crédito, mas dificilmente poderá acautelar todas as vicissitudes inerentes ao decurso dessa causa.
- Ainda assim, ao requerente incumbia a alegação e demonstração perfuntória dos factos dos quais resulte o fundado receio de perda da garantia patrimonial e consequentemente a necessidade da providência, i.e, o justo receio de que o devedor inutiliza, oculte, se desfaça dos seus bens, o que não logrou alcançar nos autos.
III.DECISÃO
Pelo exposto e em conformidade, julgando procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o levantamento do arresto do imóvel identificado no auto junto. 
As custas na primeira instância e no recurso são a cargo da apelada. 
Lisboa, 6 de Julho de 2021
Isabel Salgado
Conceição Saavedra
Cristina Coelho
_______________________________________________________
[1] Crédito e juros de mora sobre a Ré que foi reconhecido por sentença de 23.10.2018 e transitada em julgado no processo 1274/14.1TBOER, acrescendo a sanção pecuniária compulsória.
[2] Á qual os autos de arresto estão apensos (A), com o nº 755/18.6T8CSC da Instância Central Cível de Cscais-J2, tendo sido proferida sentença em 5.09.2020.  
[3] Execução de Sentença que tem o nº 297/17.6T8OER que corre termos no Juízo de Execução de Oeiras-J2. 
[4] Em sede  de julgamento de facto não podem integrar  - “(…)asserções de natureza conclusiva porquanto as mesmas se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova e desde que a matéria se integre no thema decidendum, devendo, por isso, as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo ao Tribunal da Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no referido n.º 4 do artigo 646.º. (…)”- Cfr. Acórdão do STJ de 14-05-2014,- 260/07.6TTVRL.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.; a sua aplicação no NCPC  e visto o disposto no artigo 607º, nº4, mantém plena actualidade.
[5] Cf. Lebre de Freitas in CPC anotado, pág. 124; em contrário ao defendido por alguma doutrina pretérita, aquando da formulação inicial do artigo 409º do CPC de 1961-cfr. Alberto dos Reis in CPC anotado, II, pág., 11.
[6] «Pode provir de relações contratuais, fundar-se na responsabilidade por factos ilícitos ou pelo risco, radicar no instituto do enriquecimento sem causa ou na nulidade ou anulação de um determinado negócio, ou ter por fonte directa a própria lei.» cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV vol., 3ª, pág.185.
[7] Para maior desenvolvimento acerca da natureza do instituto, cfr. Cura Mariano, in “Impugnação Pauliana”, 2ª ed. pág. 79 a 95.
[8]  Cfr. Antunes Varela e Pires de Lima referem que a impugnação pauliana - “atribui ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse"-  in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 633.
[9] Cfr. entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.02 – Sumários 2002, pág. 320 e de 12.12.02, disponível in www.dgsi.pt.
[10] In Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, pág. 183
[11] Acerca da questão dos devedores solidários e do arresto cfr. Lebre de Freitas in CPC anotado, II, pág.120.   
[12]   Entendendo desnecessária a alegação e prova desse pressuposto, Cfr ex. o Acórdão do STJ de 29/05/2007 proc. 00A3812, in www.dgsi.pt, na doutrina Abrantes Geraldes, obra citada pág. 214.; em sentido contrário, Cfr. Ex, o Acórdão do TRL de 17/05/2011- proc. 9087/11.0T2SNT.L1-1, in www.dgsi.pt, e na doutrina, Cura Mariano in obra citada, pág.298/300.
[13] In CPC anotado, II, 3ª, pág.35.
[14] In Temas da Reforma do Processo Civil, 6. Procedimentos cautelares, 3ª edição, pág.191. 
[15] Respectivamente in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., págs. 463 a 465, e in “Garantias das Obrigações”, 2ª ed., pág. 91.
[16] . Entre outros: Ac. TRL de 28.10.2008, proc. 8156/2008-1, de 15.03.2007- proc. 8563/2006-6, de 16.07.2009- proc. 559/08.4TTALM.L1-4, de 19.08.2009- proc. 4362/09.6TBOER.L1Ac.; Acórdãos do TRP de 13.11.2012, proc. 3798/12.0YYPRT-A. P1, de 11.10.2010, proc. 3283/09.7TBVCD-A. P1; Ac.TRC de 15.05.2007, Proc. 120/07.0TBPBL.C1 e de 16.06.2009- proc. 3994/08.4TBVLG-C. P1; Ac. Rel. Évora de 23.04.2009, proc. 1318/08.0TBABF-A. E1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[17]   In obra citada páginas 296/7.
[18] Cfr. Certidão do aresto junta aos autos e a consulta digital do estado dos autos.
[19] Cfr. neste âmbito a anotação ao artigo 704º do CPC in CPC, obra citada, II, pág. 31,
[20] Cfr. A. Geraldes, P. Pimenta e L. Pires de Sousa in CPC anotado, I, pág. 771.
[21] Cfr. CPC anotado citado, pág. 123; e Alberto dos Reis- in CPC, vol. III, pág. 139-  o “que adquire força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais)”.