Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12427/15.9T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: OBRAS NO LOCADO
INCUMPRIMENTO
DANO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O réu, arrendatário de um edifício, não cumpriu a obrigação de, no momento da sua restituição ao senhorio, o repor no estado em que o recebeu.

II. Os proprietários do edifício vieram a vendê-lo, mais tarde, por um valor cerca de 4 vezes inferior ao que ele valia.

III. Os factos provados nos autos não permitem concluir que esta venda prejudicial seja um efeito provável da falta de cumprimento daquela obrigação, ou seja, não se pode imputar aquele efeito à omissão daquele cumprimento.

IV. Pelo que o réu – tal como foi decidido - não está obrigado a indemnizar a diferença entre o valor da venda e o valor do edifício (arts. 798 e 563, ambos do CC).
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de L os juízes abaixo identificados:

M e outros intentaram a presente acção contra o I-IP, pedindo a condenação deste a pagar-lhes 450.000€, com juros, a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes de se terem visto compelidos a vender o edifício identificado nestes autos por um preço inferior ao que o mesmo teria caso o réu tivesse cumprido a obrigação de o repor no estado em que o recebeu aquando do arrendamento.
O réu contestou impugnando parte dos factos e os efeitos que a autora pretende tirar dos que alegou, concluindo no sentido da improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
Depois da audiência final, foi proferida sentença julgando a acção improcedente.
Os autores recorrem desta sentença, impugnando parte da decisão da matéria de facto e dizendo que, face aos factos que entendem como provados, a acção deve ser julgada procedente (e também o deveria ser, ao menos parcialmente, mesmo que não se provem todos os factos).
O réu contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
*
Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se o réu devia ter sido condenado no pedido, nem que fosse em parte dele.
*
Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1- Por acordo escrito datado de 19/10/1971, C e R acordaram com o I em darem de arrendamento a este último o prédio sito na Rua X, n.º 70, em A, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de G sob o art. 0000.
2- O arrendamento destinava-se a habitação ou a qualquer outro fim não comercial nem industrial, nomeadamente à prossecução dos fins sociais do locatário.
3- O acordo teve início em 01/10/1971, sendo feito pelo prazo de 6 meses, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo com acordo (expresso ou tácito) dos interessados.
4- Do acordo escrito indicado em 1 constam, entre outros, os seguintes dizeres:
"1. O objecto locado é uma casa acabada de construir, composta de rés-do-chão e três andares, sita na Rua X, confinante do norte e poente com terreno do A, do sul com herdeiros de J, do nascente com a dita rua (...).
5. O locatário fica obrigado a usar os locais que ocupar como o faria um proprietário prudente, nomeadamente a não manter próximo de paredes matérias corrosivas ou salitrosas; e mais se obriga a, na rescisão do contrato, entregar esses locais em perfeito estado de asseio e conservação;
6. Mediante autorização escrita dos senhorios (...), o locatário poderá fazer as benfeitorias de que necessita; para já fica autorizado a fazer os acabamentos do rés-do-chão e as adaptações necessárias à função, sendo que, sem prejuízo das estruturas da casa, rescindindo o contrato, o locatário fica obrigado a repor as coisas no mesmo estado em que recebe o local; (...)
8. A (...) autoriza o locatário a ocupar gratuitamente, enquanto durar o contrato de arrendamento do prédio, para fins de jardinagem e outros adequados à sua finalidade uma faixa de terreno que possui contígua à casa locada; essa faixa é delimitada: a Norte pelo prolongamento para Oeste do lado norte da casa referida; a Sul pelo muro do confinante; a Este pela mesma casa; a Oeste pelo muro da propriedade. (...)".
5- Na sequência da Portaria 1003/80 de 2/11, do Decreto-Lei 316-A/2000 de 7/12 e do Decreto-Lei 171/2004 de 17/7, o réu passou a deter a posição de arrendatário do imóvel indicado em 1.
6- Em virtude de o réu ter cedido a utilização do local arrendado ao D, sem autorização e com o desconhecimento das heranças de A e C, a respectiva cabeça-de-casal, M, instaurou contra o réu uma acção de despejo que correu termos sob o n.º 1833/09.4T2A do Juízo de Média e Pequena Instância Cível de A.
7- Tal acção foi julgada procedente por sentença de 22/03/2010, transitada em julgado em 04/05/2010.
8- A pedido do réu, a cabeça-de-casal tolerou que o locado continuasse por ele a ser utilizado até 08/02/2011.
9- A entrega do locado teve lugar em 08/02/2011.
10- Em 08/02/2011, o imóvel havia sofrido as seguintes alterações relativamente ao seu estado inicial:
[omite-se, agora, a transcrição]
11- Na sequência da entrega das chaves pelo réu, a cabeça-de-casal obteve um orçamento dos custos da reposição do prédio ao estado em que se encontrava na data do arrendamento, e tendo em conta o constatado em 10.
12- No orçamento solicitado pela cabeça-de-casal previa-se a realização dos seguintes trabalhos:
[omite-se, agora, a transcrição]
13- O orçamento indicado em 12 ascendia a 135.000€, sendo que destes, 12.210€, estavam alocados à rubrica "Imprevistos e eventuais omissos".
14- A cabeça-de-casal remeteu ao réu, por carta registada, datada de 02/05/2011, o orçamento indicado de 11 a 13.
15- Com data de 09/05/2011, o réu informou a cabeça-de-casal que a respectiva matéria se encontrava em análise, devendo oportunamente ser comunicada uma decisão.
16- Até 29/12/2011, o réu não se prontificou a custear o valor daquele orçamento ou de qualquer outro que pudesse ter submetido à apreciação da cabeça-de-casal, nem se prontificou a realizar por si os trabalhos indicados em tal orçamento.
17- A cabeça-de-casal propôs, em 30/12/2011, acção declarativa de condenação, contra o réu sob a forma de proc. comum ordinário, a qual foi distribuída como 2439/11.7 T2A.
18- Nessa acção (17) foram formulados os seguintes pedidos:
a) O réu seja condenado a executar todos os trabalhos e/ou obras indispensáveis à reposição do prédio supra identificado ao estado em que o mesmo se encontrava à data do início do arrendamento celebrado com o I, tendo em conta os fins para que o mesmo foi construído, ou seja, um rés-do-chão destinado a comércio e três pisos destinados a habitação;
b) Em alternativa ao pedido formulado na anterior alínea, o de que o réu seja condenado a pagar às heranças representadas pela autora o custo desses trabalhos e/ou obras, com todos os acréscimos legais;
c) O réu seja condenado ao pagamento de uma indemnização correspondente aos prejuízos emergentes da impossibilidade de o prédio ser utilizado e, nomeadamente, arrendado para os aludidos fins, que se estimam em quantia não inferior a 3300€ mensais, desde Março de 2011, inclusive e até que o mesmo se encontre em perfeitas condições de utilização, e sem prejuízo de montante superior que possa ser apurado no decorrer do processo;
d) O réu seja condenado a reembolsar as despesas feitas com vista a elaboração do orçamento descritivo necessário para o apuramento das obras e trabalhos a efectuar no prédio para os objectivos supra referidos.
19- Por escritura pública datada de 19/04/2013, T, na qualidade de procuradora e em representação de P, M, M, H e M, declarou vender a JM, pelo preço de 150.000€, já recebido, o prédio urbano composto de edifício de quatro pavimentos, rés-do-chão amplo, destinado a habitação e logradouro, sito na Rua X, freguesia da G, concelho de A, a que na matriz foi atribuído o art. P-0 (anterior artigo urbano da mesma freguesia número 0000), descrito na CRP de A sob o n.º 0000, registado a favor dos transmitentes, em comum e sem determinação de parte ou direito pela ap. 975, de 27/03/2013.
20- Os autores realizaram a venda do imóvel indicado em 19 sem a realização de quaisquer obras ou trabalhos visando a sua reposição ao estado original.
21- Com data de 19/04/2013 JM declarou, na qualidade de comprador do prédio, que renunciava a qualquer montante que para os vendedores do referido prédio pudesse advir do processo pendente, sob o n.º 2439/11.7T2A, prescindindo de ali eventualmente requerer a sua habilitação como cessionário, sob a condição de não lhe serem imputados ou exigidos quaisquer despesas ou encargos relacionados com aquele processo.
22- Na acção 2439/11.7T2A, a cabeça-de-casal fez delimitar o pedido de indemnização aos prejuízos emergentes da impossibilidade da utilização do prédio pelo período decorrente de Março de 2011 a 19/04/2013.
23- A acção 2439/11.7T2A foi julgada parcialmente procedente [em 12/11/2013], tendo o réu sido condenado a pagar 85.800€ pelos prejuízos emergentes da impossibilidade de arrendamento do prédio durante o aludido período e absolvido quanto ao pedido de reembolso as despesas feitas com vista à elaboração do orçamento descritivo necessário para o apuramento das obras e trabalhos a efectuar no prédio para os objectivos supra referidos.
24- O prédio indicado em 1 foi construído de acordo com o caderno de encargos de fls. 40 a 62v o qual contém, entre outros, os seguintes dizeres:
[omite-se, agora, a transcrição]
25- O imóvel indicado em 1 está descrito na CRP de A sob o número 0000 da freguesia da G, sito na Rua X, com a área total de 272 m2, sendo a área coberta de 207m2 e a área descoberta de 65m2 e é composto por edifício de quatro pavimentos, rés-do-chão amplo destinado a comércio e os andares destinados a habitação e logradouro.
26- Pela ap. 975 de 27/03/2013 foi registada a aquisição do prédio indicado em 25 por usucapião a favor de H, M, M, M e P, em comum e sem determinação de parte ou direito, para integrar as heranças de M e marido C e R.
27- Pela Ap. 112 de 26/04/2013 foi registada a aquisição, por compra, do imóvel indicado em 25 por JM e M (fls. 252).
28- As obras/trabalhos necessários para repor o locado no estado em que o réu o recebeu são as descritas em 12, com excepção da reorganização integral das linhas telefónicas, com o custo total máximo de 88.358,33€.
29- Entre 2011 e 2013, o imóvel indicado em 1, com as obras indicadas em 28 realizadas, com a utilização de comércio no rés-do-chão e habitação nos três pisos, apresentava o valor aproximado de 396.000€.
30- Entre 2011 e 2013, o imóvel indicado em 1, sem as obras indicadas em 28 realizadas apresentava o valor de 299.600€.
31- Em 2017, imóvel indicado em 1, com as obras indicadas em 28 realizadas, com a utilização de comércio no rés-do-chão e habitação nos três pisos apresentava o valor de 629.000€.
*
Da impugnação da decisão de matéria de facto
[omitem-se as 23 páginas da discussão desta impugnação que levou à alteração da redacção dos pontos 28 e 29]             
28. O custo das obras/trabalhos necessários para repor o locado no estado em que o réu o recebeu, que são as descritas em 12, com excepção da reorganização integral das linhas telefónicas, era, em 2011, de não menos de 88.358,33€ e de não mais de 119.623,33€.
29. Entre 2011 e 2013, o imóvel indicado em 1, com as obras indicadas em 28 realizadas, com a utilização de comércio no rés-do-chão e habitação nos três pisos, tinha o valor de pelo menos 610.000€.
*
Do recurso sobre matéria de direito
A fundamentação de direito da sentença foi apenas esta, muito em síntese feita por este TRL:
Por força do contrato de arrendamento o réu estava obrigado a restituir aos autores o imóvel no estado em que ele se encontrava quando lhe foi entregue pelo senhorio (cl.ª 6.ª do contrato e arts. 406, 1038 e 1043 do CC); ao não o fazer (como resulta dos factos sob 10 a 12), tornou-se responsável pelos prejuízos que resultam do não cumprimento dessa obrigação (arts. 1044, 1081, 798, 799, 563 e 564, todos do CC).
Os autores equacionam como dano a diferença entre o preço pelo qual venderam o imóvel (150.000€) e o valor do imóvel com as obras realizadas, 390.000€. Tendo presente que este valor não corresponde ao valor de mercado, pois entre 2011 e 2013 não é possível obter qualquer valor de mercado devido à crise económica e imobiliária que o país atravessou, sendo a procura muito reduzida, tendo o mercado estagnado, o que fez com que o valor do imóveis estivesse muito próximo do seu valor de custo, discordamos do entendimento dos autores de que sofreram um dano, imputável ao réu, correspondente àquela diferença. Ainda que em abstracto tal diferença pareça integrar-se no conceito de lucro cessante, parecem olvidar os autores que o processo negocial conducente à venda de um imóvel tem pressupostos e motivações que extravasam as normas de mercado e as singelas regras da oferta e da procura. Assim, mesmo que à data em que realizaram a venda as obras de reposição do locado estivessem concluídas, não era certo que o comprador aceitasse pagar pelo imóvel o seu valor já indicado e muito menos o valor proposto pelos autores na PI.
Por outro lado, não foram as alterações introduzidas no locado pelo réu e constantes do termo de entrega do mesmo, aliadas à falta de realização das obras de reposição do locado que determinaram aos autores o prejuízo atinente à diferença entre o preço de custo e o preço de venda do imóvel. O que determinou tal prejuízo, com o consequente não aumento do activo patrimonial dos autores foi a decisão de venda do imóvel, nas condições em que decidiram fazê-la. Tal decisão e as concretas condições da venda não são imputáveis ao réu, mas apenas e só aos autores, que escolheram o tempo da venda, o comprador e o preço a receber pelo imóvel, sem as obras realizadas. Pelo que não se verifica o pressuposto da responsabilidade civil contratual que é o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Por outras palavras, os danos que constituem a consequência provável da violação da obrigação de realização das obras de reposição são apenas o custo das obras em falta [danos emergentes – de cujo pedido de indemnização a cabeça-de-casal desistiu no decurso da anterior acção, sendo que tendo os autores vendido o imóvel sem a realização das obras, não suportaram os custos das mesmas pelo que não podem ver-se ressarcidos de tais custos, carecendo actualmente de legitimidade substantiva para o efeito] e o impedimento de uso do imóvel para o fim a que estava destinado: arrendamento) [lucros cessantes, que foram reconhecidos pela sentença proferida no processo anterior, razão pela qual o réu foi condenado, nessa acção, a pagar 85.800€]. A decisão de venda do imóvel constitui circunstância anormal, excepcional, extraordinária ou anómala, que intercedeu no caso concreto, afastando a falta de realização das obras pelo réu como causa adequada desse dano.
Os autores contrapõem a isto o seguinte:
i) a obrigação de indemnização deve ter em conta o preceituado no art. 562 do CC, isto é, deve consistir no correspondente à diferença de valor do prédio em 2011, no estado em que se encontrava e o valor que então teria se o réu o tivesse reposto no estado original.
ii) Caso a decisão relativa à matéria de facto seja alterada nos termos propugnados no recurso, o valor do prédio em 2011 será o de 132.000€, sem as obras e/ou trabalhos de reposição, e o de 540.000€ caso tais obras e/ou trabalhos tivessem sido realizados, admitindo, no entanto, os autores que o valor a considerar para o cálculo seja aquele pelo qual o venderam, isto é, o de 150.000; assim a indemnização deverá ser fixada em 390.000€;
iii) Na hipótese de não ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, o valor indemnizatório deverá corresponder à diferença entre o valor da venda, (150.000€), e o valor fixado no ponto 29 (396.000€), ou seja, 246.000€.
iv) Na hipótese de não vir a ser considerado como valor base para o cálculo de indemnização aquele pelo qual o prédio foi vendido, o que só hipoteticamente se admite, deverá então ser considerado o valor estabelecido para o prédio, à data de 2011, no estado em que se encontrava.
v) Caso seja alterada a decisão quanto à matéria de facto relativamente ao ponto 30, aquele valor será de 132.000€ alcançando-se, até, um valor indemnizatório superior ao sustentado supra, e que será de 408.000€;
vi) Se acaso não for provido o recurso quanto à decisão da matéria de facto, e se se mantiverem os pontos 19 e 30, a indemnização deverá corresponder à diferença entre 299.600€ e 396.000€, ou seja 96.400€.
O réu contra-alegou seguindo a fundamentação da decisão recorrida que no essencial correspondia à tese defendida na contestação.
*
Decidindo:
A decisão recorrida está correcta e as conclusões do recurso dos autores não contém qualquer argumentação destinada a convencer do contrário. Têm só formas de cálculo de prejuízos pressupostos sem a justificação da existência deles, como tais, isto é, como prejuízos causados pelo réu.
Seja como for,
Os prejuízos relevantes para efeitos da indemnização por não cumprimento das obrigações, são os prejuízos causados adequadamente com o não cumprimento delas (arts.798, 562, 563 e 564/1, todos do CC). O não cumprimento da obrigação do réu de, ao restituir o edifício, o fazer com as obras de reposição do edifício no estado em que se encontrava quando lhe foi entregue pelo senhorio, era adequado a causar o prejuízo inerente ao facto deste ter recebido o edifício sem essas obras (e por isso com o valor inferior correspondente ao valor das mesmas) e, segundo a sentença da outra acção, a impossibilidade de o senhorio o utilizar naquele estado por um determinado período de tempo.
Mas esse não cumprimento da obrigação de realização das obras não é adequado a provocar o efeito de obrigar o senhorio a vender o edifício naquele momento e por um valor inferior ao que o edifício tem. Esta venda só acontece por vontade do senhorio. Nada nos autos permite a conclusão contrária, isto é, que pelo facto de o edifício ter sido restituído sem as obras, o senhorio tenha sido compelido (como ele alegava e não conseguiu provar, pois que tal não consta dos factos provados) a vendê-lo naquele momento e por aquele preço. Isto é, o réu não obrigou os autores a venderem o edifício quando o fizeram, nem pelo preço em causa, nem sem as obras realizadas. Não há, por outro lado, qualquer facto que sequer indicie que os autores tiveram que vender o edifício quando o fizeram, nem por aquele preço, nem naquelas circunstâncias. E não é o facto de as obras não terem sido feitas, que obrigou os autores a venderem o edifício naquelas circunstâncias (naquele tempo, por aquele preço). Assim sendo, não há nada que ligue o réu à venda do edifício por um valor inferior ao valor do edifício. Pelo que, o eventual prejuízo decorrente da venda por valor inferior àquele que poderia ter tido, não pode ser imputado ao réu.
Se A for culpado de um acidente de viação que causou 1000€ de prejuízos num veículo de B que valia 20.000€, ele é obrigado a providenciar pela reparação do veículo (gastando 1000€ para o efeito), por ser esse o prejuízo que causou. Se B, sem esperar pela reparação, vende o veículo por 5000€, essa venda, prejudicial, só a B é imputável, não a A. O acidente não obrigou B a vender o veículo, nem causou a venda do veículo por aquele preço. Foi a actuação de B, baseada na sua vontade, que causou o prejuízo, não a actuação de A. Nem naturalisticamente se pode dizer que A causou o prejuízo, por ser uma das condições daquela venda. Nesta descrição dos factos, que no essencial corresponde ao caso dos autos, nada aponta para que, se não tivesse ocorrido o acidente, B não venderia o veículo, ou, dito de outro modo, nesta descrição dos factos nada indica que tenha sido o facto de o veículo ter sido danificado pelo acidente que levou B a vender o mesmo, por aquele preço e naquele momento.
De qualquer modo, também se aceita a outra construção alternativa da sentença: mesmo que o não cumprimento da obrigação fosse uma das condições sine qua non da subsequente venda por aquele valor naquela data, “a decisão de venda do imóvel constitui circunstância anormal, excepcional, extraordinária ou anómala, que intercedeu no caso concreto, afastando a falta de realização das obras pelo réu como causa adequada desse dano.”
Usando os termos da lei (art. 563 do CC), aquela venda, naquelas circunstâncias, com aquelas eventuais consequências negativas (por ser por um valor muito inferior ao valor da coisa), não era um efeito provável da actuação do réu e por isso a obrigação de indemnização não existe em relação a ele.
*
Os autores, “subsidiariamente”, entendem que têm direito à diferença entre o valor do edifício com as obras realizadas e sem elas realizadas. É o que resulta da conclusão VI cuja fundamentação vem assim desenvolvida no corpo das alegações:
“Não é exacto o que se fez constar na sentença, de que houve desistência do pedido relativo à realização e/ou pagamento do custo das obras necessárias à reposição do prédio no estado original.
O que consta da certidão extraída do processo 2439/11.7T2AVR é que a autora apresentou requerimento no sentido de ser a demanda considerada supervenientemente inútil relativamente aos referidos pedidos alternativos, inutilidade emergente da venda do prédio no estado em que se encontrava, concomitantemente com o desinteresse do comprador em prosseguir a causa com relação àquela questão - v. fls. 119 e v dos presentes autos.
[…]
E por requerimento que se vê a fls. 124 e v destes autos, a autora ressalvou o exercício do direito a indemnização emergente da venda pelo valor inferior ao que seria conseguido se o mesmo tivesse sido objecto dos trabalhos e obras indispensáveis à reposição no estado original para processo autónomo.
E teve o cuidado de dizer que o valor pretendido, pelo qual o réu viesse a ser condenado no aludido processo, a instaurar no tocante ao valor das obras, não visaria compensar as heranças do que reduziram no preço da venda (v. fls. 124 e v e correcção feita na ata que consta de fls. 125).
Se tivesse havido desistência dos pedidos como se pretendeu na sentença apelada, teria que haver decisão que a homologasse o que então seria passível de constituir caso julgado mas tão-somente no que tocaria à obrigação de reposição do prédio no estado original ou ao custo dessa reposição.
Isso não sucedeu na acção em causa.”
Note-se que, primeiro, querer a diferença entre o valor do edifício com as obras realizadas e sem elas realizadas, que na versão dos autores é de 135.000€, é exactamente o mesmo que querer que o réu seja condenado a pagar às heranças o custo desses trabalhos e/ou obras, ou seja, o pedido alternativo (b) formulado na acção 2439. Segundo, que o objecto desta acção era a diferença entre o preço da venda e o preço pelo qual o edifício podia ter sido vendido.
Assim, primeiro, o objecto deste processo nunca foi o da condenação do réu no pagamento do valor das obras necessárias para a reposição do edifício no estado em que ele se encontrava. E, não sendo ele o objecto do processo, não pode, agora, ser transformado em objecto do recurso (e, por ser evidentemente assim, não se vão aditar, aos factos provados, aqueles que resultam de documentos autênticos que constam do processo e que teriam a ver com esta matéria agora invocada no recurso).             
Segundo, nos termos da própria alegação dos autores foram as heranças – de que os autores são todos os herdeiros -, as autoras na anterior acção, representadas pela cabeça-de-casal, que foram àquela acção requerer a inutilidade superveniente da lide relativamente àquele pedido (como elas reconhecem nas alegações de recurso transcritas acima). Sendo tal pedido objecto da anterior acção, tendo ele sido julgado supervenientemente inútil, o que quer dizer que já não tinha utilidade, por força de requerimento apresentado pelas autoras na mesma acção, não tem sentido pretenderem agora os autores repristinar tal pedido (inutilizado por vontade própria) nas alegações de um recurso numa acção com outro objecto.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas de parte do réu pelos autores (estes perdem também as custas de parte por eles pagas e tudo por terem decaído no recurso). Não há outras custas a considerar neste recurso.
Lisboa, 20/09/2018
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Decisão Texto Integral: