Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1026/19.6PCSNT.L1-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AGRAVADA
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PENA EFECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A motivação da decisão de facto não pode constituir um substituto do princípio da oralidade e da imediação e transformar-se numa espécie de documentação da audiência.
As circunstâncias relacionais existentes entre o agente do crime e a sua vítima, bem como o local onde os mesmos ocorreram (residência comum de ambos) e perante quem (filha menor de ambos), permitem concluir pelo preenchimento dos elementos objetivos do crime de violência doméstica agravada não podendo esquecer-se que, mesmo com apenas uma atuação, se mostra preenchido o crime em causa, não sendo exigível a reiteração do comportamento do agente.
São prementes as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir de forma elevada, sentindo a comunidade de forma acentuada a prática do crime de violência doméstica. 
Se os antecedentes criminais constantes do CRC do arguido, demonstram à saciedade que as várias condenações que já sofreu, não foram suficientes para o demover da prática de crimes, não pode existir um juízo de prognose favorável a uma suspensão da execução da pena.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
I – RELATÓRIO   
1.1. Por sentença proferida em 20 de abril de 2021, no processo comum singular nº 1026/19.6PCSNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Sintra - JL Criminal - Juiz 2, em que é arguido KV_______, foi decidido:
a) Condenar o arguido KV_______, em autoria material, na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido, pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida e afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 3 (três) anos, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 4 e 5, do Código Penal;
c) Não aplicar a inibição do exercício do poder paternal, prevista no
artigo 152.º, n.º 6, do Código Penal;
d) Condenar o arguido KV_______ a pagar à ofendida MG______, a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos) euros, a título de arbitramento da indemnização, nos termos do disposto no artigo 82.º - A, do Código de
Processo Penal ex vi do artigo 21.º, da Lei n.º 112/2009, de 16/09;
e) Tendo em conta a gravidade do crime cometido pelo arguido KV_______ e a pena em que foi condenado, ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido para criação de base de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008 de 12/02;
f) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC, nos termos dos artigos 513.º, 514.º, do Código Processo Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
* Após trânsito:
- Remeta boletim à D.S.I.C.;
- Comunique ao S.E.F.;
- Comunique à SGMAI – artigo 37.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16/09;
- Remeta certidão da presente decisão ao TEP e DGRSP;
- Solicite a emissão de mandados de desligamento/ligamento aos presentes autos, ao processo à ordem do qual o mesmo se encontra;
- Para fins de investigação criminal, ordena-se ainda que se oficie à PJ, Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, com vista à recolha de amostra de ADN ao arguido, nos termos dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2 e 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12/02;
- Antes da recolha, deve o arguido ser informado por escrito do que consta no artigo 9.º, al. a), dessa mesma lei, devendo ainda o respetivo perfil ser incluído na base de dados de perfis de ADN, nos termos do artigo 19.º, n.º 6, do mesmo diploma legal;
- Na comunicação a efetuar deve informar-se o INML da pena ora aplicada ao arguido em referência, bem como da sua localização à data dessa mesma comunicação;
- Dê conhecimento à ofendida, atenta a pena acessória aplicada e o arbitramento determinado.
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1.2. O arguido KV_______ interpôs recurso desta sentença, tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões:
A- A sentença recorrida peca por omissão, e por excesso, porquanto considerou provados factos de que não se fez a mínima prova, e não considerou provados outros factos e circunstâncias, manifestamente relevantes para a boa decisão da causa; Com efeito:
B- Não se fez prova das expressões injuriosas referidas no ponto 4. Dos factos provados, que o arguido terá dirigido à ofendida, com exceção da expressão "vagabunda", nem estas se encontram concretizadas temporalmente, sendo mera suposição do Tribunal afirmar que foi pelo menos uma vez;
C- Também não se fez prova dos factos descritos no ponto 5. Como provados, porquanto, em sede de inquérito no âmbito do Proc. n° 1403/18.0PCSNT, onde os mesmos foram investigados, a ofendida não prestou declarações nem se submeteu a exame médico, e as testemunhas inquiridas não fizeram qualquer prova, o que fundamentou o despacho de arquivamento daqueles autos;
D- Em audiência de julgamento a ofendida também não prestou declarações, e o facto considerado provado relativo ao arguido ter desferido, pelo menos, um soco na cara da ofendida, atingindo-a na zona dos lábios e nariz, carece de exame médico, e as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, além de não o terem presenciado, como é convicção da defesa, são contraditórias, tendo a testemunha SG______declarado ter visto a ofendida com uma marca no olho, e a testemunha CD___
E-  nada ter declarado de concreto, a não ser que estava presente, o que levou o Tribunal a efetuar uma alteração não substancial dos fados de molde a considerar provado que a testemunha se encontrava presente e assistiu a tal atuação do arguido;
F- Os factos ocorridos no dia 04-08-2019 foram parcialmente admitidos pelo arguido, nomeadamente os descritos nos pontos 9., 10. e 11. Dos factos provados;
G- Estes factos, por si próprios e na circunstância em que ocorreram, constituíram uma inequívoca provocação da ofendida para com o arguido, tendo ferido o seu amor próprio, como é do conhecimento geral;
H- Todavia, já é mera suposição do Tribunal, dar como provado que o arguido desferiu pelo menos, um soco na cara da ofendida;
I- Eliminando o "pelo menos", repetidamente utilizado pelo Tribunal, para implicitamente supor que haverá outras vezes, o arguido terá desferido um soco na cara da ofendida, que terá causado um edema periorbitário direito, com edema ligeiro de dor moderada, cfr. exame médico;
J- A este soco, de consequências diminutas, a ofendida respondeu com "apanhar uma faca na cozinha" para ofender a integridade física do arguido à facada, só não o tendo conseguido porque o arguido foi para o quarto e trancou a porta;
3- Este comportamento do arguido deveria ter sido valorado a seu favor pelo Tribunal, mas não foi;
K- Como não foi considerado, e valorado, que o arguido e ofendida se ofendiam reciprocamente com expressões injuriosas, significando que o Tribunal não foi imparcial na valoração dos factos;
L- Uma apreciação global dos factos, a favor e desfavor do arguido, conjugado com o relatório social, fundamentavam uma escolha e determinação da medida da pena mais atenuada;
M- E, não obstante as anteriores condenações constantes do C.R. Criminal, maioritariamente por condução ilegal, e absoluta ausência de qualquer crime por violência doméstica, atenuam as razões de prevenção geral e especial.
N- Além de que a ofendida e os interessados directos na punição do arguido, demonstraram não querer a sua incriminação e condenação, não causando alarme social a suspensão da execução da pena;
O- Pelo exposto, a sentença recorrida violou o disposto nos art°s. 40°, 71º, e 50°, do Código Penal.
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1.3. Admitido o recurso, o M.P. apresentou resposta, na qual concluiu:
I - O presente recurso reporta-se a matéria de facto, uma vez que a audiência de discussão e julgamento na 1ª instância seguiu a regra da documentação da prova aí produzida, mediante gravação magnetofónica dos depoimentos ali prestados – art. 364º nº 1 e 428 nº 1 do Código de Processo Penal.
II - E, compulsadas as motivações e, em concreto, as conclusões exaradas nas mesmas, a recorrente não especifica os pontos de facto que considera incorretamente julgados e, não indica em caso algum, as provas que (no seu entender) impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas – alíneas a), b) e c) do nº 3 do art. 412º do Código de Processo Penal – sendo certo que nestes últimos casos tal especificação faz-se por “referência aos suportes técnicos” – cfr. o preceituado no nº 4 do art. 412º do Código de Processo Penal.
III - Não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto nos termos do art. 412, nº 3 e 4, do Código de Processo Penal, como o demonstram as conclusões da motivação do recurso, deverá ser rejeitado por manifestamente improcedente.
IV - Para que se verifique insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, os factos recolhidos pela investigação do tribunal se teriam que ter ficado aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação, o que não é manifestamente o caso, em que a matéria de facto provada (…), se apresenta manifestamente suficiente à decisão de direito proferida.
V – Também não se vislumbra na sentença recorrida qualquer contradição, nos termos atrás definidos, não relevando para o efeito a invocada contradição entre a decisão e aquilo que pretensamente disseram as testemunhas, segundo a convicção formada pelo recorrente, já que a falta de prova que sustente aquela decisão, ou melhor, a desconformidade da matéria de facto provada relativamente à prova produzida e gravada, poderá consubstanciar um eventual erro na apreciação da prova, mas nunca a aludida contradição e nem mesmo erro notório.
VI - No caso dos autos, não se deteta, na matéria de facto considerada provada na decisão recorrida, nenhuma irrazoabilidade patente aos olhos de qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.
VII - Da conjugação e valoração de todos os meios de prova chega-se à conclusão que a decisão recorrida está devidamente fundamentada em sede de decisão da matéria de facto - as testemunhas disseram o que se encontra resumido na sentença -, apresentando-se a versão declarada provada suficientemente consistente e apoiada naquela prova, não se vislumbrando qualquer infração às aludidas regras ou princípios atinentes à prova, eventuais infrações que os próprios recorrentes não logram demonstrar e acabam por confundir com os vícios da decisão que invocaram ao abrigo do art. 410.º, n.º 2, do CPP.
VIII - O recorrente pretende a reapreciação da prova gravada considerando que nada se provou no sentido de o tribunal a quo puder dar como assente a factualidade provada, invocando o erro notório.
IX - De facto, considerar uma testemunha credível ou não credível, é uma questão de convicção. Fundamental é que a explicação do tribunal aventada quanto à credibilidade ou não de uma testemunha seja racional e tenha lógica.
X - Naturalmente que o tribunal da 1ª instância, beneficiando da oralidade e da imediação na produção da prova, se encontra numa posição privilegiada para avaliar tal credibilidade.
XI - Assim, há que ter sempre em atenção que o juiz do tribunal a quo, na valoração que conferirá aos depoimentos diante si prestados, há de atender a uma multiplicidade de fatores, insuscetíveis, pela sua natureza, de serem apreendidos e transpostos para uma gravação magnetofónica, ficando dessa forma, irremediavelmente afastados da cognoscibilidade e sindicabilidade dos juízes do tribunal ad quem.
XII - Efetivamente, o que o recorrente pretende atacar não é uma eventual divergência ou contradição existente entre a prova produzida e a factualidade dada como provada, mas sim a valoração que o juiz a quo fez relativamente aos diversos depoimentos diante si prestados.
XIII - No entender do Ministério Público na fundamentação da sua convicção, o Tribunal a quo foi lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando, a partir da prova produzida, as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provado, pelo que não assiste razão ao mesmo.
XIV - Ora, no caso sub judice, a motivação expressa na douta sentença, é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, a concluir que as provas a que o Tribunal atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 335º do Código de Processo Penal, e que este seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
XV - Os factos declarados provados integram objetiva e subjetivamente a prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, pois ficou provado que o arguido, por diversas vezes, no interior da residência comum e por uma vez em tal local e na presença da filha menor, praticou as condutas descritas.
XVI - Os factos provados concretizam, com clareza, a agravação do crime e, sempre se dirá, que é assente que, mesmo com apenas uma atuação, se mostra preenchido o crime em causa, não sendo exigível a reiteração do comportamento do agente, tal como sucedeu nestes autos.
XVII - Não faz qualquer sentido o pretendido pelo arguido, já que qualificação jurídica correta daqueles que se provaram é, sem dúvida, a efetuada pelo tribunal recorrido.
XVIII - Quanto à medida concreta da pena aplicada ao arguido, de três anos de prisão, esta não merece qualquer reparo, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reveste, à culpa do arguido, ao grau de ilicitude da sua conduta e aos seus antecedentes criminais que depõem contra si.
XIX - De facto, os antecedentes criminais do arguido, tiveram uma importância preponderante na escolha da pena e na forma de execução de mesma.
XX – O recorrente não concorda com a ponderação realizada, crendo que poderia, ainda, beneficiar de mais uma oportunidade, podendo ser aplicada a suspensão da execução da pena de prisão.
XXI - Porém, a Mmª. Juiz de forma devidamente fundamentada, que não merece qualquer reparo, ponderou todas as circunstâncias que resultaram provadas e, bem, concluiu que o arguido não poderia beneficiar de outras oportunidade pois a sua atuação ao longo dos anos, que resultou vertida no seu certificado de registo criminal, já demonstra um crescendo nas consequências penais dos seus atos e consequentemente, terá que ser alvo de uma diminuição das oportunidades que lhe poderão ser aplicadas, traduzindo-se quer num agravamento de molduras penais, quer em termos de aplicação de penas substitutivas e suspensão de pena de prisão.
XXII - O arguido já fora alvo de solenes advertências e registava antecedentes criminais, pelo que necessariamente seria este o desfecho de uma nova condenação.
XIII - A sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo e deverá ser integralmente mantida.
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1.4. Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador da República emitiu parecer sufragando os fundamentos invocados na resposta do MP.
Acrescenta, ainda:
Também achamos inapropriada e injustificável qualquer modalidade punitiva que não passe pela prisão efetiva no caso sob apreciação, visto que, como o Tribunal bem enfatizou, as exigências de prevenção especial são elevadas, tendo sido o recorrente KV_____ já condenado por sete vezes por crimes contra as pessoas, não se tornando por isso possível formular um juízo de prognose favorável sobre a reintegração do arguido na sociedade. Para mais, como disse o Tribunal, "analisando o teor do relatório social no qual são descritas dificuldades de gestão de emoções e impulsos ", sendo preciso ver que o ora Recorrente praticou o crime num quadro de grande violência física e psicológica sobre a pessoa da Ofendida e na presença da Filha, menor.
O arguido não confessou no essencial os factos dados como provados, não tendo pois mostrado qualquer arrependimento, o que revela uma personalidade distanciada dos valores mais elementares.
As exigências de prevenção especial mostram-se intensas na medida em que o Arguido demonstrou uma personalidade que não respeita os valores humanos, age emotivamente, com pouca capacidade de controlo e com bastante agressividade.
Assim, é nosso entendimento que naquele quadro e tendo em conta os seus antecedentes criminais não estão reunidos os pressupostos para formar um juízo de prognose positivo que constitui conditio sine qua non da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, pelo que bem observados foram os critérios legais das opção e medidas punitiva, designadamente os contidos nas normas dos artigos 40º, 70.°, 71.° e 50.°, todos do Código Penal.
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1.5. Cumprido o preceituado no art.º 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
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1.6. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência prevista nos art.ºs 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO 
2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir: 
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. 
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afetem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito[1][2].
Umas e outras definem, pois, o objeto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior[3].
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e seguindo a ordem indicada pelo recorrente, as questões a tratar são as seguintes:
a) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) erro notório na apreciação da prova; c) qualificação "agravada" do crime de violência doméstica;
d) medida concreta da pena e suspensão da sua execução.
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2.2. Fundamentação de facto
2.2.1. Da sentença recorrida consta a seguinte matéria provada e não provada:
Factos Provados Da acusação:
1. O arguido e a ofendida MG______, viveram como marido e mulher, durante cerca de três anos, sendo que, no decurso daquele relacionamento, nasceu LV___, a 20/05/2018.
2. O relacionamento terminou em Julho de 2019.
3. O arguido e a ofendida, desde final de 2017, passaram a residir na Rua _______, Cacém.
4. Após final de 2017 e até ao final do relacionamento, o arguido e a ofendida tinham discussões, com frequência não concretamente apurada, maioritariamente por ciúmes recíprocos, na sequência das quais, pelo menos por uma vez, o arguido dirigiu à ofendida, em ocasiões distintas, as seguintes expressões: “puta”, “vagabunda”, “vou-te matar” e “vou-te rebentar”.
5. No dia 13/11/2018, pelas 21 horas e 30 minutos, o arguido e a ofendida, por razões não concretamente apuradas iniciaram uma discussão, na sequência da qual o arguido desferiu, pelo menos, um soco na cara da ofendida, atingindo-a na zona dos lábios e do nariz.
6. A filha da ofendida, CD_____, encontrava-se presente e assistiu a tal atuação do arguido.
7. A ofendida pegou no telemóvel, com o intuito de ligar à mãe.
8. O arguido retirou o telefone à ofendida.
9. No dia 04/08/2019, no interior daquela residência, pelas 14 horas e 30 minutos, iniciou-se uma discussão entre o arguido e a ofendida, pelo facto de o arguido estar a ver o telefone da ofendida.
10. O arguido, depois de ver o telefone, disse à ofendida: “tu tens outro homem”.
11. A ofendida, que estava na cozinha, ao ouvir aquelas expressões, disse: “não tens nada a ver com isso”.
12. Na sequência, o arguido, desferiu, pelo menos, um soco na cara da ofendida.
13. A ofendida foi à cozinha, apanhou uma faca, tendo o arguido ido para o quarto e trancado a porta, quando se apercebeu de tal.
14. Como consequência da atuação do arguido, no dia 04/08/2019, pelas 14 horas e 52 minutos, a ofendida dirigiu-se ao Hospital Prof. Dr. Fernando da Fonseca, tendo recebido cuidados médicos, uma vez que apresentava edema periorbitário direito, com edema ligeiro e dor moderada.
15. Aquelas lesões determinaram 7 (sete) dias de doença, com 2 (dois) dias de afetação grave da capacidade profissional da ofendida, sem outras incapacidades.
16. Não obstante o arguido ser companheiro da ofendida e esta mãe da sua filha e sobre ele recair o dever de respeito em relação àquela, atuou da forma descrita, querendo sempre atingir, como atingiu, a queixosa MG______, no seu corpo e saúde, bem como no seu bem-estar emocional, não se coibindo de o fazer, na residência onde tinham a sua vida comum organizada, bem como na presença da filha menor da ofendida, CD_____, o que quis e alcançou.
17. Agiu sempre voluntária e conscientemente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
Outros factos, com relevo para a decisão da causa:
18. O arguido, antes da sua reclusão, auferia cerca de € 600, mensais.
19. Vivia com a mãe.
20. Tem quatro filhas de 8 e 5 anos de idade, residentes com a mãe, em França, de 2 anos, filha da ofendida e com cerca de 1 ano, fruto do novo relacionamento do arguido.
21. Veio para Portugal em 2017, encontra-se caducada a sua autorização de residência.
22. O arguido é natural de Cabo Verde, tendo crescido na ilha de Santiago no seio do agregado dos avós maternos, com pais e três irmãos germanos.
23. No decorrer da primeira infância do arguido, os pais, emigraram para Portugal em busca de melhores condições de vida. O pai do arguido teve dois filhos de relação extraconjugal, os quais vieram a integrar o agregado de origem, com aceitação da progenitora do arguido.
24. Em 2003, o arguido, com 12 anos, os irmãos e os avós maternos vieram integrar o agregado dos progenitores, o qual foi vivenciando situações de carências, apesar de ambos os pais trabalharem, o pai na construção civil e a mãe nas limpezas. Os progenitores não terão conseguido constituir-se enquanto figura de referência educativa, mantendo uma supervisão frágil do quotidiano do arguido.
25. O adolescer do arguido decorreu, inicialmente, no Bairro ____, em Lisboa e, posteriormente, na Quinta ____. Ambos os contextos habitacionais enfermam de severos problemas de ordem social, nomeadamente exclusão, criminalidade, tráfico e consumo de estupefacientes e pobreza.
26. Neste contexto, dois dos irmãos do arguido mantiveram um percurso criminal persistente, que levou mesmo à extradição de um deles para o país de origem. Ambos terão sido referências negativas para o arguido.
27. O arguido teve um percurso instável aquando da frequência em Portugal do 2.º ciclo, tendo vindo a abandonar o ensino aos 16 anos, com o 5.º ano de escolaridade.
28. Neste contexto, o arguido iniciou a sua primeira atividade laboral como servente na construção civil acompanhando o pai de forma regular até aos 20 anos de idade, altura em que ficou desempregado.
29. Mais tarde viria a iniciar contrato de trabalho na empresa Setenave, na limpeza e manutenção de barcos, sem contrato, trabalhando pontualmente.
30. Face a rotinas pouco estruturadas, o arguido passou a usar o seu tempo em vivências de rua, afiliado a grupos de pares desviantes, tendo iniciado, neste contexto, o consumo de psicotrópicos.
31. Assim, o arguido, com 20 anos, veio a manter os primeiros contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal, tendo sido condenado por crimes de roubo, condução sem habilitação legal, ofensa à integridade física, tráfico de estupefacientes. o arguido encontra-se, atualmente, a cumprir pena de prisão de 4 anos e 8 meses.
32. Em termos relacionais, o arguido terá mantido um relacionamento afetivo durante cerca de 4 anos, sem nunca ter coabitado com a companheira, do qual nasceram duas filhas (M______, 8 anos e R____, 5 anos). As duas menores residem com a ex-companheira do arguido, em França. O arguido não manterá uma relação próxima com este agregado.
33. Em 2015 estabeleceu relação afetiva, com MG______ (ofendida), a qual conheceu através de redes sociais.
34. Os pais do arguido terão sempre mantido uma atitude de desvalorização/desculpabilização, mesmo aquando do agravamento da conduta deste, após inicio do consumo, pelo arguido, de cocaína.
35. Em 2019, durante o período em que o arguido se manteve na residência da ofendida, no âmbito de medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, o arguido terá recebido pessoas, em casa desta, sem a sua autorização e, com estes, mantinha consumo abusivo de álcool.
36. Terá sido, neste contexto, que terá emergido o presente processo, facto que o próprio atribuiu à ofendida, tendo justificado a atitude desta pela existência de uma eventual causalidade passional.
37. Ainda durante este período, o arguido estabeleceu nova relação afetiva com K______ com quem tem uma filha atualmente com 1 ano de idade.
38. O arguido já sofreu as seguintes condenações:
a) Por sentença do 2.º Juízo Criminal do Seixal, de 07/12/2010, atentos os factos praticados a 06/03/2010, transitada em julgado a 19/01/2011, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, declarada extinta, por prescrição, a 11/11/2015 (boletins n.ºs 1 e 2);
b) Por acórdão do 1.º Juízo Criminal do Seixal, de 30/10/2012, atentos os factos praticados a 28/11/2011, transitado em julgado a 23/05/2013, por um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, declarada extinta a suspensão da execução da pena de prisão, a 23/05/2015 (boletins n.ºs 3 e 4);
c) Por sentença do 1.º Juízo de Competência Criminal de Almada, de 28/11/2012, atentos os factos praticados a 04/11/2009, transitada em julgado a 10/01/2013, por um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período e sujeita a regime de prova, declarada extinta a suspensão da execução da pena de prisão, a 10/01/2014 (boletins n.ºs 5 e
6);
d) Por sentença do Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 3, de 25/02/2013, atentos os factos praticados a 27/02/2012, transitada em julgado a 01/10/2018, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, convertida em prisão subsidiária, a 05/06/2019, declarada extinta, por cumprimento, a 23/04/2020 (boletins n.ºs 7 a 9);
e) Por sentença do Juízo Local Criminal da Amadora – Juiz 1, de 18/10/2018, atentos os factos praticados a 01/10/2017, transitada em julgado, a 19/11/2018, por um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 200 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 3 meses, convertida em prisão subsidiária, a 25/06/2019, declarada extinta, por cumprimento, a 15/11/2020 (boletins n.ºs 10 a 12);
f) Por sentença do Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém – Juiz 2, de 07/02/2019, atentos os factos praticados a 18/12/2018, transitada em julgado a 14/08/2019, por um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão, a qual se encontra em cumprimento (boletim n.º
13);
g) Por sentença do Juízo Local Criminal da Amadora – Juiz 1, de 04/04/2019, atentos os factos praticados a 23/01/2018, transitada em julgado, a 13/05/2019, por um crime de condução sem habilitação legal e um crime de falsificação de documento, na forma tentada, na pena única de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período e sujeita a deveres, declarada extinta a suspensão da execução da pena de prisão, a 13/06/2020 (boletins n.ºs 14 e 15).
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Factos não provados:
Da acusação:
Não se logrou apurar que:
a) Cinco meses após o início do relacionamento, quando viviam em França, o arguido passou a dirigir as seguintes expressões à ofendida, cerca de uma vez por mês: “puta, vagabunda, não prestas para nada, finges ser uma pessoa, mas és outra, vou-te matar, vou-te atirar pela janela”.
b) O arguido também, com aquela periodicidade, apertou o pescoço da ofendida, com as mãos, desferiu pontapés no seu corpo, socos na cara, bem como lhe chegou a arrancar os cabelos.
c) No circunstancialismo descrito em 5., dos factos provados, o arguido tivesse chegado à sobredita residência embriagado, tendo atingido, nos termos descritos, igualmente olho esquerdo da ofendida.
d) O arguido começou a tocar e a acariciar a ofendida, manifestando pretender manter com esta relações sexuais.
e) A ofendida recusou.
f) O arguido continuou atrás da ofendida, sempre procedendo nos termos atrás descritos, enquanto esta ia pelo corredor, bem como quando a ofendida estava na cozinha.
g) No circunstancialismo descrito em 6., dos factos provados, a filha da ofendida tenha começado a gritar.
h) No circunstancialismo descrito em 7., dos factos provados, a ofendida pretendesse ligar para os pais e pedir ajuda.
i) No circunstancialismo descrito em 5. a 8., dos factos provados, o arguido só parou com as agressões e fugiu, quando percebeu que o pai da ofendida tinha atendido o telefone.
j) No circunstancialismo descrito em 9. a 11., dos factos provados, o  arguido respondeu: “vou-te rebentar”.
k) A ofendida disse ao arguido que não ia aceitar aquele comportamento.
l) No circunstancialismo descrito em 12., dos factos provados, o arguido tivesse atuado porque não gostou da resposta.
*
2.2.2. Seguidamente o tribunal recorrido fundamentou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:
O Tribunal firmou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, exceto quanto ao exame constante dos autos, a fls. 178, cujo juízo científico se presume subtraído à livre convicção, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, uma vez que não se vislumbram razões para, no caso concreto, divergir daquele juízo.
Foram tidos em conta os documentos juntos aos autos: denúncia de fls. 56 a 58 e 93 a 95 v., elementos clínicos de fls. 173 a 175, relatório social elaborado e Certificado do Registo Criminal atualizado.
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente.
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, pois que a prova livre tem pressupostos valorativos de obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de se dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador. Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.
Trata-se de um acervo de informação não verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis, mas rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
O juiz não é um mero recetor de tudo o que cada testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento e a sua apreciação funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal.
Em processo penal não existe um verdadeiro ónus probatório em sentido formal, vigora o princípio da aquisição da prova articulado com os princípios da investigação e da verdade material e da presunção de inocência do arguido, os quais impõe que o tribunal construa os suportes da sua decisão por apelo aos meios de prova validamente produzidos e independentemente de quem os ofereceu, investigue e esclareça oficiosamente os factos em busca da verdade material e em caso de dúvida intransponível decida a favor do arguido.
Refira-se que o juiz não está processualmente obrigado a elencar todos os factos alegados mas apenas aqueles que têm interesse para a caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes e são indispensáveis para a escolha da pena e determinação da medida concreta da mesma.
De igual modo, o juiz não está processualmente vinculado a efetuar uma enumeração mecânica de todos os meios de prova constantes dos autos ou indicados pelos sujeitos processuais mas apenas a selecionar e a examinar criticamente os que serviram para fundamentar a sua convicção positiva ou negativa, ou seja, aqueles que serviram de base à seleção da matéria de facto provada e não provada. Tal matéria é a que constitui objeto de prova e é juridicamente relevante para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da medida da pena aplicável (vide neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 30.6.1999, BMJ nº 488, p. 272 e Ac. da Relação de Évora de 16.3.2004 proferido no âmbito do processo nº1160/03.1).
A motivação da decisão de facto não pode, pois, constituir um substituto do princípio da oralidade e da imediação e transformar-se numa espécie de documentação da audiência.
Foi assim, à luz de tais princípios, que se formou a convicção deste Tribunal e consequentemente se procedeu à seleção da matéria de facto relevante.
O arguido, em sede de declarações iniciais, remeteu-se ao silêncio.
Igualmente a ofendida, advertida, recusou-se a prestar depoimento.
Relevaram assim os depoimentos prestados pela testemunha da acusação CD_____ e as testemunhas de defesa SL E ML, pais da ofendida e todos residentes na mesma habitação no período de tempo em análise, quanto aos factos que resultaram provados.
Com efeito, quer ao nível de expressões proferidas, tanto CD_____ como SL_____, quer de forma espontânea, quer questionados, se recordaram de as ter ouvido, proferidas pelo arguido e dirigidas à ofendida, no contexto de discussões.
Já em relação a atuações físicas na pessoa da ofendida, apenas a menor CD_____, com os seus parcos 11 anos e da forma que logrou recordar, aludiu aos mesmos, tendo os pais da ofendida, apenas contribuído para referir terem visualizado marcas físicas (SL_____) e chamadas recebidas em momento imediatamente subsequente a tais atuações e que redundavam em chamadas para a policia e deslocações ao hospital (ML).
O arguido acabou por prestar declarações, para, no essencial, negar todos os factos imputados, quanto a atuações físicas, com exceção do reconhecimento quanto a discussões, expressões dirigidas, ainda que não nos termos comunicadas, as quais repudiou.
Assim, quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação e comunicados e às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, foram considerados, em concreto, o depoimento das testemunhas CD_____ e SL_____, por terem merecido credibilidade, quer pela forma como prestaram depoimento, quer pela proximidade que foi notória terem – essencialmente os pais da ofendida – com o arguido, ainda que ao mesmo se imputassem factos cometidos sobre a pessoa da filha daqueles.
Esta prova foi assim suficiente para que o Tribunal considerasse os factos como provados, conjugadamente com os elementos documentais, essencialmente para o enquadramento temporal.
Ora claramente, não obstante as declarações do arguido, atenta a prova produzida, nos termos supra expostos, resultaram provados os factos assim descritos, sendo que, ao contrário do que o mesmo pretendeu perpassar quanto ao facto da ofendida enfabular, posto que em relação a tal, não logrou o tribunal apurar ou sequer convencer-se, dado o relatados pelas testemunhas aludidas.
Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, com as regras da experiência comum.
Na verdade, sendo o dolo um elemento de índole subjetiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão de uma situação em que o agente admite a intenção direta) ter-se-á de apreender do contexto da ação desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objetivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada.
Não subsistiram ao Tribunal quaisquer dúvidas sobre a atuação do arguido em relação à ofendida.
Relativamente à factualidade não provada, resultou da ausência de prova em relação às mesmas e porque não assumido pelo arguido.
No que se reporta à situação pessoal do arguido atual tomaram-se em consideração as declarações do próprio, porque vertidas em matéria não criminal e o teor do relatório social elaborado.
Quanto aos antecedentes criminais registados, teve o Tribunal em consideração o conteúdo do C.R.C. junto aos autos.
*
2.3. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Muito embora sem concretizar em que termos tal vício se verifica, alega o recorrente que a sentença recorrida enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto julgada provada, vício previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 410.º da C.P.P..
Antes de mais, importa desde já referir que a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida não se confunde com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea a), do C.P.P., sendo que na primeira, verificada naturalmente em momento anterior, é a prova produzida que se mostra insuficiente para suportar a decisão de facto, enquanto no segundo é a decisão de facto que se revela insuficiente para suportar a decisão de direito.
Vejamos.
Quanto aos vícios da sentença, determina-se no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. que:
«2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: 
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; 
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; 
c) Erro notório na apreciação da prova.» 
Assim, para que exista o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crime verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e seja de concluir que o Tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão.[4] 
Por outro lado, tal vício terá que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Não ocorre esse vício quando os factos dados como provados são suficientes para preencher os elementos do tipo pelo qual o arguido foi condenado. 
«Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito», ou seja, «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».[5] 
“Trata-se de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que dos factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.[6]
Ora, resulta da leitura da decisão recorrida que os factos nela considerados provados sustentam a decisão de direito que veio a ser proferida, não se apresentando a factualidade julgada provada insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do crime pelo qual foi o arguido/recorrente condenado.
Por outro lado, o Tribunal apurou ainda as condições familiares, económicas e sociais do arguido, bem como os seus antecedentes criminais, o que, juntamente com aqueles factos, permitiu determinar a pena a aplicar-lhe.
Em suma, perante o quadro fáctico julgado provado e o enquadramento jurídico dele feito pelo Tribunal a quo, é manifesto que não se verifica qualquer lacuna, qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto julgada provada, mostrando-se devidamente preenchido o tipo legal do crime de violência doméstica agravado, previsto e punido, pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, pelo qual foi o arguido/recorrente condenado.
Sem necessidade de maiores considerações, improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.
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2.4. Erro notório na apreciação da prova
O arguido/recorrente invoca o vicio da sentença de erro notório da apreciação da prova previsto no artigo 410, número 2 alínea c) do Código Processo Penal.
Argumenta o arguido/recorrente que foram incorretamente julgados e apreciados pelo Tribunal a quo os factos considerados provados, factos que, em seu entendimento, deveriam ter sido julgados não provados.
Preceitua o art. 410º do Código de Processo Penal (na parte que ora releva):
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum:

c) Erro notório na apreciação da prova.
…»
Vejamos:
Como vem sendo habitual nos recursos interpostos os recorrentes confundem o erro-vício previsto na alínea c) do número 2 do artigo. 410º do Código Processo Penal com a errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida previsto no artigo 412º, números 3 e 4 do Código Processo Penal. É o caso do ora recorrente.
Assim, no que respeita à reapreciação da matéria de facto, a mesma poderá ser feita no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., normalmente designada por «revista alargada» - situação em que a verificação de tais vícios tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso portanto a elementos que lhe sejam exteriores - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos previstos no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo Código, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas por aquele obrigarem a decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem.[7]
O erro notório na apreciação da prova é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Como é vulgo dizer-se, só há erro notório na apreciação da prova quando for de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto da decisão (não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo).
Ou seja, o erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Perante a simples leitura do texto da decisão, o “homem médio” conclui, legitimamente, que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
“Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.”[8]
Cotejando o teor da sentença recorrida, face ao expendido, facilmente se verifica que do seu teor não resulta a ocorrência de quaisquer dos vícios constantes do artigo 410º, número 2 do Código Processo Penal, considerando que todos os vícios ali elencados são de conhecimento oficioso, e não só os invocados pelo recorrente.
Face ao expendido, e considerando a referida confusão do arguido/recorrente ao socorrer-se dos vícios da decisão elencados no n.º 2 do art. 410.° do CPP, quando, face ao constante da sua motivação, é manifesto que pretenderia socorrer-se da impugnação da matéria de facto nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.° do Código Processo Penal, importa proceder aos seguintes esclarecimentos.
É pacífico que os vícios do artigo 410º, número 2 e os do artigo. 412º, números 3 e 4, ambos do Código Processo Penal são dois vícios distintos. Não obstante, são muito numerosos os recursos, como o ora em apreciação, em que, manifestamente, os recorrentes ainda se não aperceberam das diferenças dos vícios invocados e confundem, baralham tais vícios.
O que diferencia estes dois vícios (erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento) e que servem para fundamentar muitos dos recursos interpostos para este Tribunal é, muito simplesmente, uma questão de patologia e de perspetiva analítica.
Assim, no que concerne ao vício de erro notório (previsto no art.º 410º n° 2 al. c ) do Código Processo Penal), a análise que terá de ser feita, quer, neste caso, pelo ora recorrente, quer pelo tribunal ad quem, resume-se ao texto da decisão recorrida - isto é, a perspetiva de análise é realizada com base apenas no que se mostra explanado na decisão alvo de crítica. 
Tudo se passa como se estivéssemos numa situação em que, quer o recorrente, quer o tribunal ad quem, não tivessem presenciado a audiência e não tivessem acesso ao que foi concretamente aí relatado e exposto, sendo apenas passível de análise - no que se reporta ao que foi produzido em termos de prova - à súmula que é realizada pelo tribunal a quo.
Assim, esse erro terá de resultar - como a lei é expressa ao referir - única e exclusivamente, do que consta do texto da decisão proferida pelo juiz do julgamento e é da sua mera leitura que terá de decorrer, de uma forma flagrante e patente que esse erro existiu. 
Veja-se a título de exemplo o caso em que na motivação da decisão de facto testemunhas deporem sobre um determinado facto, e, não obstante, dá-se como assente o contrário. Ou seja, retira-se uma ilação ilógica e contrária às regras da experiência. Visualizando melhor: a prova produzida ir no sentido de que os factos ocorreram durante um temporal e a sentença dar como assente que naquele local o piso estava seco quando os factos ocorreram.
Portanto, é como se inexistisse a documentação dos atos da audiência.
E não é o facto de o arguido/recorrente invocar que o tribunal a quo foi parcial na fixação da matéria de facto que configura um erro desse tipo. 
Na verdade, veja-se que o tribunal a quo explica porque razão julgou credíveis, lógicas e esclarecedoras os depoimentos da testemunhas, considerando que nem arguido, nem a ofendida prestaram declarações. E o raciocínio que o tribunal recorrido faz da prova produzida é uma interpretação possível e plausível dentre daquelas que se lhe afiguraram.
Mas, já no caso do erro de julgamento, o que se pretende é uma reapreciação probatória a realizar já não apenas com base no mero texto da decisão, mas fazendo apelo a segmentos probatórios concretos, prestados em audiência ou a elementos documentais, no entendimento de que o conteúdo específico dos mesmos demonstra (face a uma correta aplicação analítica das regras de apreciação) que ocorreu uma desacertada decisão da matéria de facto dada como assente ou não assente.
Portanto, neste caso, o registo de prova é essencial para se proceder à reapreciação pretendida, pois a mesma vai para além da mera decisão constante no texto da decisão, fundamentando-se no teor do que foi concretamente realizado em termos de produção de prova.
Enquanto a consequência para o vício do erro notório da apreciação da prova é a nulidade da sentença/acórdão, aqui o vício tem a consequência jurídica da alteração da matéria de facto dada como assente ou não assente, realizando-se uma reapreciação dos segmentos postos em causa pelo recorrente e procedendo-se, eventualmente, a nova fundamentação que substitui aquela que foi produzida pelo tribunal a quo.
Posto isto, e considerando que efetivamente o que o arguido/recorrente pretende é invocar o vício do erro do julgamento.
Apreciemos:
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado - impugnação ampla da matéria de facto – encontra-se previsto e regulado no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP e envolve a reapreciação da atividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
No entanto, essa reapreciação não é livre, nem abrangente, antes tem vários limites, porque está condicionada ao cumprimento de deveres muito específicos de motivação e formulação de conclusões do recurso.[9]  
Assim, nos termos do nº 3 do art. 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas».
O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6.
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado. Mas só isso não chega para o sucesso da impugnação ampla. O recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e dizendo quais os motivos exatos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado. 
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art. 412º nº 4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente»9.
Por fim, é preciso que dessa indicação resulte comprovada a insustentabilidade lógica ou a arbitrariedade da decisão recorrida e que a versão probatória e factual alternativa proposta no recurso é que a correta.
Trata-se, em suma, de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados com a prova efetivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da prova proibida, da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos. 
Se dessa comparação resultar que o Tribunal não podia ter concluído, como concluiu na consideração daqueles factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detetado.  
Porém, se a convicção ainda puder ser objetivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso. Neste caso, já não haverá, nem erro de julgamento, nem possibilidade de alteração factual.
Assim, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efetivamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dúbio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados).
«A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção (…)”.
«A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respetivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório».[10] 
Posto isto:
Argumenta o recorrente que quanto ao ponto 4. dos factos provados, resulta do depoimento das testemunhas e da confissão do próprio arguido, que a ofendida e arguido tinham discussões frequentes, maioritariamente por motivo de ciúmes recíprocos.
Ora, antes de tudo importa dizer que a argumentação do arguido/recorrente está em contradição com o teor da motivação de facto da sentença, onde consta que o arguido não prestou declarações, usando da prerrogativa do silêncio. Aliás, no próprio recurso o arguido/recorrente confirma tal postura processual. Assim, só por mero lapso se compreende tal argumentação.
Invoca, ainda, que no ponto 5. dos factos provados, com referência aos factos ocorridos no dia 13-[11][12]-2018, não se fez prova que o arguido tenha desferido, pelo menos um soco na cara da ofendida, atingindo-a na zona dos lábios e do nariz.
E, no ponto 12. dos factos provados, com referência aos factos ocorridos no dia 04-08-2019, o Tribunal deu como provado que o arguido desferiu, pelo menos, um soco na cara da ofendida.
E, ainda, no ponto 16. dos factos provados, o Tribunal considerou provado que a filha menor da ofendida, CD_____, estava presente, o que não é verdade, porquanto a menor não se encontrava no quarto, apenas se tendo apercebido dos factos quando a ofendida, sua mãe, veio à cozinha apanhar uma faca para, obviamente, agredir o arguido. 
Faz o recorrente uma impugnação ampla da matéria de facto, nos termos estatuídos no art.º 412º/3 e n.º 4), C.P.P. – embora no recurso como vimos lhe tenha apelidado de “erro notório na apreciação da prova”. 
A referência do arguido/recorrente a referências do que as testemunhas terão dito em audiência, está em clara violação do ónus de impugnação especificada inserta no aludido artigo 412º do Código Processo Penal, pois, além de não fazer constar os respetivos conteúdos na motivação, também, não consta das conclusões do recurso que, como se sabe, fixa o seu objeto. 
É de relevar que, em Processo Penal, só o julgamento realizado na 1ª instância está em condições privilegiadas para fixar os factos, por beneficiar em pleno dos princípios da oralidade e imediação. Assim, e por princípio, o Tribunal da Relação só deve alterar os factos quando se aperceber de qualquer erro nítido de julgamento, ilogicidade ou utilização de provas proibidas que ali tenha ocorrido. Não se trata, pois, de um segundo julgamento para sopesar argumentos, quanto à solução ideal que decorreu do julgamento. Com efeito, só a 1ª instância analisa com imediação e oralidade os factos em julgamento – linguagem não verbal, reações corporais, expressões e tantos outros fenómenos que escapam a uma simples gravação – pelo que, em princípio é esse o Tribunal mais apto, a bem conhecer dos factos. 
Por outro lado, como referido, importa considerar que o recorrente tem o ónus de fazer referência às provas que impõem decisão diversa da recorrida (art.º 412º/3, b), C.P.P.), o que é bem diferente de se referir a provas que podem conduzir a uma decisão diferente. 
Neste sentido confronte-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra[13]; “O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialeticamente, na base da imediação e oralidade. 
Por outro lado, a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.”  
Ou seja, a questão da mera opinião ante as provas produzidas não faz parte da dupla jurisdição em matéria de facto, pois o Tribunal de recurso não beneficia dos mesmos princípios da imediação e oralidade, de que beneficiou o Tribunal da 1ª instância, nem pode pôr questões ao arguido/ofendido/testemunhas sobre dúvidas que se lhe suscitem. 
Ora, a questão nos autos é a de se optar por uma ou outra das versões dos factos, com base no princípio da livre apreciação da prova – art.º 127º C.P.P. 
Não ocorrem raciocínios ilógicos, com base em provas proibidas ou nitidamente errados, pelo que até é discutível se, neste espaço, o Tribunal da Relação deve ainda verificar do juízo feito em 1ª instância. 
É que, então, o que está em causa é tão-só o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º C.P.P.). E, o juízo probatório feito na 1ª instância, só pode ser afastado perante provas que, forçosamente imponham decisão diversa (art.º 412º/3, b), C.P.P.). 
In casu, o recurso visa a matéria de facto, mas não está em causa a renovação da prova, pelo que deveria o recorrente – art.º 412º/3, a) e b), C.P.P., expor os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. 
Se, nas conclusões do recurso ainda se faz alusão aos primeiros, já isso se não faz quanto ao segundo ponto; e, as alusões feitas no corpo ou motivação do recurso são demasiado lacónicas e insuficientes para demonstrar a necessidade de tal juízo diferente. 
Mesmo que se entenda benevolamente que é possível socorrermo-nos do constante da motivação quando os ónus previstos no art.º 412º/3 C.P.P. não vêm nas conclusões do recurso, mas constam suficientemente da sua motivação de forma inteligível ou imperfeita, é de considerar que, mesmo neste caso, há uma clara incompletude do recurso, no seu todo. Com efeito, a referência aos depoimentos que o recorrente enuncia é meramente pontual, lacónica e genérica. 
Ora, não é por acaso que, nos termos do disposto no art.º 412º/4 C.P.P. se refere que deve o recorrente “indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. É que só com estas e contextualizadas, se pode fazer um juízo sobre o que os depoentes/declarantes disseram e as suas razões de ciência. Apresentar, em parcas linhas, uma síntese do que a filha menor da ofendida (CD_____), SL______ e ML_________, pais da ofendida, disseram não vale como elemento probatório, pois que se desconhece a forma como falaram e o contexto em que referiram estar na altura dos factos. 
Mas mais:
Em suma, o arguido/recorrente não transcreveu as concretas expressões proferidas, nem outras de onde pudesse retirar-se o respetivo contexto. Obviamente, face a este incumprimento do ónus de especificação nenhum juízo valorativo se pode fazer, atuando o recorrente ao contrário do que impõem os n.ºs 3) e 4), C.P.P. 
Não obstante o Tribunal de recurso ter a incumbência de proceder à audição integral dos depoimentos em causa, também não deixa de ser manifesto que se torna necessário que o arguido/recorrente apresente uma linha de argumentação em que seja percetível a razão do seu dissenso quanto à matéria de facto fixada. 
Em suma, no que concerne ao invocado erro de julgamento o arguido/recorrente optou por fazer considerações genéricas sobre a prova produzida, olvidando o ónus constante do disposto no art.º 412º/3, b) e n.º 4), C.P.P. 
In casu, não é visível que o tribunal a quo se tenha afastado do cumprimento das regras e princípios de prova, particularmente dos relativos à apreciação, ou seja, que tenha decidido de facto infundadamente.
No caso presente, os depoimentos das testemunhas CD_____, SL______ e ML_______ em conjugação com a valoração dos autos de denúncia de fls. 56 a 58 e 93 a 95 v., elementos clínicos de fls. 173 a 175, relatório social elaborado e Certificado do Registo Criminal atualizado, revestiram particular importância na demonstração dos factos fixados na decisão recorrida. 
A livre apreciação da prova significa ausência de critérios legais prefixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e suscetíveis de motivação e controlo”[14]. Não se trata de uma convicção puramente subjetiva ou emocional, mas sim de uma convicção pessoal necessariamente objetivável e motivável. E essa objetivação encontra-se na motivação da matéria de facto, formada e exteriorizada de um modo que se mantém aceitável, sem desdouro para o esforço argumentativo do arguido/recorrente por entendimento contrário.
Termos em que, se considera que o recurso não pode proceder nesta parte. 
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2.5. Da qualificação "agravada" do crime de violência doméstica
Argumenta o arguido/recorrente que não poderia ter sido condenado por um crime de violência doméstica agravado.
Não obstante, os factos fixados integram objetiva e subjetivamente a prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Preceitua o artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), n.º 2, alínea a) e n.ºs 4 e 5, do Código Penal:
 “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: (…)
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
(…)
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio
comum ou no domicílio da vítima; ou
(…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
(…)
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.”.
Basta atentar na leitura de toda a matéria de facto apurada na sentença, já transcrita supra, que aqui damos por reproduzida, tendo ficado provado que o arguido, por diversas vezes, no interior da residência comum e na presença da filha de ambos, praticou as condutas ali descritas.
Como bem refere o MP na resposta ao recurso:
As circunstâncias relacionais existentes entre o agente do crime e a sua vítima, bem como o local onde os mesmos ocorreram (residência comum de ambos) e perante quem (filha menor de ambos), permitem concluir pelo preenchimento dos elementos objetivos do crime de violência doméstica agravada.
Os factos provados concretizam, com clareza, a agravação do crime e, sempre se dirá, que é assente que, mesmo com apenas uma atuação, se mostra preenchido o crime em causa, não sendo exigível a reiteração do comportamento do agente, tal como sucedeu nestes autos.
Em conclusão: não há qualquer erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, razão pela qual, nesta parte, não merece censura a sentença impugnada.
Improcede, pois, a argumentação do arguido/recorrente, parte dela abstrata e conclusiva que não encontra apoio nos factos dados como provados.
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2.6. Da medida concreta da pena e suspensão da sua execução
O arguido/recorrente, nas suas conclusões, refere a sua discordância com a medida da pena e a sua não substituição pela suspensão da execução da pena.
É de considerar, na parte que nos importa, o seguinte segmento da sentença recorrida:
“(…)
As finalidades de prevenção e de reprovação do crime em apreço são muito elevadas e é por demais conhecida a sua danosidade social, desde logo em termos de alarme social e de sentimento de insegurança na comunidade que o crime acarreta necessariamente, quer face aos bens jurídicos protegidos quer, face ao perigo e consciência social de perigo atento a que tais crimes ocorrem normalmente no seio da família e de que esta é vítima silenciosa.
Quanto às exigências de prevenção especial importa considerar:
- O grau de ilicitude das condutas do arguido que se revelou elevado, face à reiteração e aumento de violência – além de verbal, igualmente física - nas condutas do arguido, sendo que este adotava tais comportamentos igualmente na presença, nomeadamente, da filha menor da ofendida e, para além da atuação física no corpo da ofendida, que resultaram provadas igualmente lhe dirigiu as expressões que resultaram provadas;
- A intensidade do dolo que foi direto (cfr. alínea b), do n.º 2, do artigo 71.º, do C.P.);
- As circunstâncias em que os factos ocorreram e as suas consequências, atendendo-se aqui às consequências físicas e psicológicas que a vítima necessariamente sofreu, o medo e angústia vivenciados, os quais resultam das regras da experiência comum e dos factos provados, são ainda mais prementes e perduram na consciência por muito mais tempo;
- Por outro lado, a postura que o arguido, o qual negou todos os factos relevantes, nomeadamente as atuações físicas;
- A situação pessoal do arguido, nos termos constantes dos factos provados e os antecedentes criminais.
Assim sendo, atenta a moldura penal aplicável ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes), como justa, adequada e necessária a condenação do arguido, na pena de 3 (três) anos de prisão, localizada no primeiro terço da moldura aplicável.
*
Da suspensão da pena de prisão
Pressupõe o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa, se: “(…) atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
“A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas” (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Maio de 2004 in www.dgsi.pt, proc. 3549/2004-3).
Esta disposição legal representa, deste modo, um poder-dever, estando o juiz obrigado a suspender a execução da pena de prisão, sempre que os respetivos pressupostos se verifiquem.
Esta medida tem um caráter reeducativo e pedagógico, que nunca é demais salientar.
É desde logo pressuposto da suspensão da execução da prisão a formulação de «juízo de prognose» favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de quanto a ele a simples censura e ameaça da pena de prisão serem suficientemente dissuasoras da prática de futuros crimes. Não se torna necessário que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser alcançada.
Tal juízo no caso concreto, atenta a personalidade do arguido, não se mostra favorável, não se afigurando que a simples ameaça de execução da pena seja suficiente para inibir a prática pelo arguido de novos crimes, não podendo deixar de ponderar a postura do arguido que, não manifestou qualquer arrependimento ou auto censura pelos factos aqui apreciados, quando a prova para tal apontou, sendo que, a tutela da vítima, não pode deixar de ser ponderada.
Não se mostram, destarte, verificados os pressupostos para a suspensão da execução da pena, quer face ao supra elencado, quer analisando o teor do relatório social elaborado, face ao descrito quanto às dificuldades de gestão de emoções e de impulsos, atentando igualmente às sucessivas oportunidades concedidas, face às sete condenações sofridas, por nove crimes, ainda que maioritariamente por crimes de diferente natureza, apresentando igualmente condenações por crimes contra as pessoas – roubo e ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada -, razão pela qual se afasta a sua aplicação.
(…)”
Apreciando:
Nos termos do art. 71.º do Código Penal, a pena concreta é fixada em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.
O art. 40.º do mesmo diploma legal estabelece que as penas visam assegurar a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
As penas têm uma finalidade essencialmente preventiva, geral e especial, visando satisfazer as exigências comunitárias de repressão do crime, posto que, bem entendido, sem prejuízo dos interesses da reintegração social do delinquente. Mas essas exigências têm um limite, estabelecido pela culpa do agente, que deriva da necessidade de salvaguarda da dignidade da pessoa desse agente do crime.
Assim, considerando estes pressupostos de caráter geral, a pena terá de fixar-se de acordo com os fatores indicados no n.º 2 do citado art. 71.º do CP, os quais são de classificar em três grupos: 
a) execução do facto — [alíneas a), b) e c): grau de ilicitude do facto, modo de execução do crime, grau de violação das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados na execução do crime e fins ou motivação do mesmo]; 
b) personalidade do agente — [alíneas d) e f): condições pessoais do agente e situação económica, falta de preparação para manter conduta licita];
c) conduta anterior ou posterior ao crime — [alínea e)].
Não descortinamos nenhuma razão que possa servir de fundamento para discordarmos da fixação da pena em que o arguido/recorrente veio a ser condenado. O tribunal a quo, como resulta de forma clara e bem explanada na sentença recorrida, na determinação da pena teve em conta as funções de prevenção geral e especial das penas, sem perder de vista a culpa do agente, tendo sido ponderadas as demais agravantes e atenuantes, designadamente os antecedentes criminais, o grau de ilicitude dos factos, tendo em atenção a intensidade do dolo direto reconhecido nos factos e as suas condições pessoais e económicas.
São de salientar as prementes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir de forma elevada, sentindo a comunidade de forma acentuada a prática do crime de violência doméstica. 
Acresce, por outro lado, uma circunstância de peso que milita a desfavor do arguido/recorrente e que se circunscreve aos antecedentes criminais constantes do CRC, onde se demonstra à saciedade que as várias condenações que já sofreu, não foram suficientes para o demover da prática de crimes.
Mais:
A sentença recorrida releva, e enquadra no conceito de prevenção geral, o perigo que representa o crime de violência doméstica. Neste quadro, como não poderia deixar de ser, relevaram as circunstâncias ligadas á execução do facto abrangendo a sua elevada ilicitude.
Por outras palavras, a sentença recorrida bem valorou intensamente a natureza das condutas do arguido, fazendo refletir tal valoração na consideração da intensidade da ilicitude. 
O arguido/recorrente foi condenado em pena situada no 1/3 da moldura penal abstrata prevista para a prática do crime (3 anos, considerando que a moldura abstrata é de 2 a 5 anos).
Diremos até que a pena fixada está fixada de acordo com as já determinadas pela Jurisprudência em situações similares às dos presentes autos.
Quanto à eventual aplicação da pena substitutiva de suspensão de execução da pena, resulta não ser possível formular um juízo de prognose favorável em ordem a aplicar tal pena de substituição, impondo-se até, ao nível de prevenção geral e especial, uma socialização ao nível prisional, pois tudo indica que, em liberdade, face à sua postura e falta de autocontrolo, voltará a praticar novos crimes, tudo fruto de uma personalidade tendencialmente desvaliosa e virada para a prática de factos qualificados pela lei penal como crime, e que, atualmente, não revela indicadores de poder sofrer uma inversão no sentido da aceitação progressiva das regras de comportamento social e afastamento futuro da criminalidade.
Neste quadro, e numa perspetiva de  juízo prudente de prognose, cremos que aplicar ao arguido/recorrente a pena substitutiva de suspensão de execução da pena de prisão, com a expectativa de que a ameaça da pena possa ser adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição de acordo com o critério legal definido no art. 50°, n.º 1, C. Penal, não convence este tribunal ad quem. 
Dito isto, decide-se manter a sentença recorrida que pela sua correção nenhuma censura nos merece, sendo certo que não foram violadas as disposições legais citadas pelo arguido/recorrente.
O recurso não merece, pois, provimento.
*
III – DECISÃO  
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em quatro UCs., sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas.
*
Tribunal da Relação de Lisboa, data e assinatura eletrónicas
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (art. 94°, n.º 2 do C.P.P.)

Lisboa, 15-09-2021
José Alfredo Costa
Rosa Vasconcelos
_______________________________________________________
[1] Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de
[2] .12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005
[3] Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de
Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061
[4] Ac. STJ de 03.11.1999, Proc.º 1001/98, in Sumários do STJ, www.stj.pt
[5] Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 340 e 339,  
[6] Simas Santos/Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 61
[7] Neste sentido, cfr. Ac. do TRL de 29.03.2011, Proc.º 288/09.1 GBMTJ.L1-5, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Jorge Gonçalves.
[8] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, in www.dgsi.pt
[9] (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt)
[9](Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série, nº 77 de 18 de abril de 2012)
[10] (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc. 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012; Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 0712-2005 Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393 e ainda, os Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de
[11] .06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de
[12] .06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1, de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, proc. 729/17.4GBVVD.G1 in http://www.dgsi.pt).
[13] Datado de 12/9/2 012, Proc.º 245/09, in www.dgsi.pt
[14] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, p. 202-3