Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1945/14.6YLPRT-C.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: DESPEJO
ARROLAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2016
Votação: MAIORIA COM UM VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.O arrolamento previsto no artigo 15.º-K, do NRAU tem como finalidade a identificação dos bens encontrados no local que vai ser desocupado e daqueles que não sendo retirados no tempo designado na lei, serão dados como abandonados, abrindo caminho à possibilidade de serem adquiridos ao abrigo do artigo 1267.º, n.º1, alínea a), do Código Civil, não tendo, consequentemente, como objetivo proceder a uma avaliação dos bens, já que essa avaliação não tem qualquer utilidade, nem serve as funções/objetivos visados pela lei.
II.Encontra-se justificada a descrição não especificada de alguns bens (ex: lotes de garrafas, gomas, peças de ferro-velho, caixas vazias, produtos alimentares, etc.), se os mesmos foram fotografados e, posteriormente, entregues ao locatário, sem que este questione a falta de entrega de todos os bens existentes no locado aquando do arrolamento.
III.A fase executiva do processo especial de despejo visa a prática de atos materiais com vista à desocupação do locado e entrega ao senhorio e não a discussão de questões relacionadas com a propriedade dos bens que se encontram no locado.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I – RELATÓRIO:



Na ação especial de despejo (BNA) intentada por Turismo S..L.., S.A. contra A..Feliciano e M.. Eulália  foi interposto, em 23/07/2015, recurso do despacho proferido em 08/07/2015, que se encontra neste Apenso inserido a fls. 104 a 107 (Ref.ª 91276751), que apreciou dois requerimentos apresentados pelos requeridos, em 19/06/2015 (inserto a fls. 3822 a 3856 dos autos principais, tendo a requerente emitido pronúncia sobre o mesmo conforme consta de fls. 3859 dos mesmos) e em 26/06/2015 (inserto a fls. 3010 a 3930 dos autos principais, tendo a requerente emitido pronúncia sobre o mesmo conforme consta de fls. 3989 a 3991 dos mesmos).

Através do requerimento de 19/06/2015, os requeridos requereram que o tribunal tome diligências para ser dado cumprimento ao disposto no artigo 15.º-K do NRAU, alegando que a agente de execução tomou posse do imóvel em 15/06/2015, tendo procedido ao arrolamento dos bens dos requeridos existente nos estabelecimentos instalados no r/chão e 1.º andar, sem dar cumprimento escrupuloso ao disposto no artigo 406.º do CPC, porquanto não foi feita a devida descrição e avaliação dos bens.

Pretendendo proceder à remoção dos bens nos dias que comunicaram à agente de execução (16 e 17 de junho 2015), tal foi-lhes foi negado.

Requereram através da sua Mandatária que pretendiam proceder à remoção de bens a partir de 19/06 às 9 horas até 29/06, foi-lhes comunicado que a remoção só podia ser feita de 22/06/2006 a 26/06, das 09:00h às 19:00h, passível de prorrogação.

Sobre este requerimento foi proferido o despacho supra identificado que se pronunciou nos seguintes termos:
“(…)

Analisando tais autos [auto de tomada de posse do bem e autos de arrolamento dos bens de fls. 3805 a 3905, onde consta que foram fotografados todos os bens existentes no local] constata-se que os bens estão mencionados em conformidade com o disposto no art. 406º, do CPC, não se vislumbrando qualquer vício que lhes possa ser assacado.

Para além disso, a comunicação do agente de execução referente à necessidade de concertação de dias e horas para a remoção nada de ilícito denota, sendo aliás patente pelo teor das comunicações constantes de fls. 3825 e 3826 que não existiu obstáculo à retirada dos bens, sendo razoável a designação de datas e horários.

Quanto ao prazo para a remoção, para além de constar do auto acima referido, já no decurso da audiência (fls. 3861) foram designadas datas e horários para a remoção de bens, no notório propósito de evitar um adensamento ainda maior do conflito que os autos refletem.

Em suma, perante a natureza e quantidade dos bens descritos no auto de arrolamento afigura-se que o ocorrido quanto à disponibilização de datas não enferma de qualquer vício suscetível de afetar o procedimento, mostrando-se cumpridos os preceitos legais enunciados, e nada mais havendo a ordenar quanto à questão suscitada.”

Através do requerimento apresentando em 26/06/2015, os requeridos reiteraram que o arrolamento não obedeceu ao estipulado no artigo 406.º do CC pelas razões já anteriormente invocadas e que pormenorizam (falta de especificação das quantidades e respetivas denominações dos bens; falta de indicação alguns bens), impugnando a sua autenticidade e veracidade, acrescentando que não foi arrolada uma conduta de extração de fumos (sistema de renovação de ar) que lhes foi oferecida, concluindo e pedindo o seguinte: “…atendendo a que se estipulou que os bens dos Requeridos fossem removidos entre os dias 22/06 e 26/06, das 9 horas às 22 horas, e uma vez que ainda se encontra a decorrer até ao dia 15/07 o período de 30 dias concedidos legalmente para tal efeito, deverá V. Exa. declarar que a propriedade da referida conduta de renovação de ar é dos Requeridos, designado, em consequência, pelo menos, mais dois dias para se proceder à sua remoção, já que o prazo anteriormente concedido termina hoje, dia 26/06.”

Sobre este requerimento foi proferido o despacho supraidentificado, com o seguinte teor:

“Os requeridos suscitam novamente a questão da inobservância do disposto no art. 406º, do CPC, alegando a omissão de descrição de verbas, como discos de vinil raros e valiosos, armaduras com lâmpadas fluorescentes.

Para além disso afirmam pretender retirar uma conduta de extração de fumos, que não foi arrolada, e que terá sido oferecida ao requerido pelo anterior proprietário da conduta, Sr. Valério (que em data anterior teria explorado o estabelecimento).

Por isso, requereram que seja declarada como propriedade dos requeridos a referida conduta de renovação de ar, e concedidos dois dias para a remoção da mesma.

A requerente opôs-se a tal remoção, alegando que a mesma faz parte integrante do imóvel – fls. 3901.

Foram juntos os documentos de fls. 3913-3920.

Apreciando:

A matéria objeto do requerimento apresentado diz respeito à identificação de bens de que os requeridos se arrogam proprietários, designadamente a conduta de extração de fumos, e cuja pretensão deve ser exercida através dos meios comuns onde se discutirá com a necessária amplitude o direito de propriedade dos bens em causa, o direito à sua restituição (art. 1311º, do CC), a sua eventual qualificação como benfeitorias, não cabendo, por isso, nesta ação de despejo a declaração de propriedade sobre bens controvertidos.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Notifique.”


As conclusões da apelação têm o seguinte teor:

1.Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 08/07/2015, o qual se pronunciou sobre os requerimentos apresentados pelos requeridos em 19/06/2015 e 26/06/2015, indeferindo-os, dando-se aqui integralmente por reproduzido, por uma questão de economia processual, o respectivo teor.
2.Apesar dos requeridos terem recorrido do douto despacho saneador-sentença  proferido nestes autos, no qual se decidiu, nomeadamente, declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a requerente e os requeridos, ora recorrentes, condenando-se os mesmos a entregarem àquela o imóvel locado, a requerente solicitou ao tribunal que procedesse à notificação da Exma. Sra. Agente de Execução (AE), a fim de tomar posse imediata do imóvel, uma vez que o recurso interposto pelos requeridos/recorrentes tem efeito meramente devolutivo, entrando-se, assim, na fase executiva do procedimento no que respeita ao pedido de despejo, sendo a decisão imediatamente exequível ainda que de modo provisório.
3.Nos termos do disposto no art° 15° J do NRAU, a AE nomeada pela requerente tomou posse do imóvel em questão nestes autos, no dia 15/06/2015, tendo procedido ao “arrolamento” dos bens dos requeridos existentes nos estabelecimentos instalados no R/C e no 1° Andar do imóvel locado, não tendo tal arrolamento sido efectuado nos termos do estipulado no art° 406° do CPC, uma vez que, não foi feita a devida descrição e avaliação dos bens, sendo certo que, alguns desses bens nem sequer foram arrolados, não se tendo, desse modo, salvaguardado convenientemente a sua conservação, o que determinou a  dissipação de alguns desses bens (cfr. auto de arrolamento).
4.De acordo com o estipulado no art° 15 K do NRAU, os recorrentes dispunham do prazo de 30 dias para procederem à remoção dos seus bens existentes no locado, o que lhes foi negado, tendo-lhes sido concedido apenas 5 dias para tal, não se tendo tomado em consideração os dias solicitados pelos recorrentes para o efeito (cfr. requerimento de 19/06/2015).
5.Conforme consta do documento intitulado “AUTO DILIGÊNCIA”, a AE refere, designadamente, que: “(...)Uma vez que não foi possível agendar um dia dia e hora para a remoção de bens que ficam depositados neste local, ficam os requeridos notificados para comunicar à A.E., o dia e hora que têm disponibilidade para removerem os bens arrolados, sendo certo que terá avisar a agente de execução com pelo menos cinco dias de antecedência ...”(cfr. pág. 2 do auto), sendo tal procedimento perfeitamente absurdo, descabido e contrário à lei.
6.A AE referiu, designadamente, que a remoção dos bens só poderia ser feita de 22/06 a 26/06, das 09:00h às 19.00h, podendo
tal prazo ser prorrogado, caso se mostrasse necessário, mediante
requerimento a efetuar directamente ao fiel depositário (cfr. doc° n° 2 junto ao requerimento de 19/06/2015), tendo os recorrentes solicitado, desde logo, mais dias mais dias para procederem à remoção dos bens (de 19/06/2015 a 29/06/2015), por ser aos fins-de-semana que contam com mais ajuda e meios de transporte para tal (necessitando, pelo menos de dois fins-de-semana para o efeito), o que lhes foi negado, estando o fim-de-semana fora de hipótese.

7.O M° Juiz a quo indeferiu o requerimento dos recorrentes de 19/06/2015 por douto despacho proferido em 08/07/2015, considerando, designadamente, que as fotografias dos bens são suficientes para assegurar uma melhor identificação e explicitação das verbas descritas, o que, salvo o devido respeito, não corresponde à verdade, sendo certo que, das fotografias não resulta a devida descrição e avaliação dos bens, bem como, existem bens que nem sequer constam das mesmas.
8.Por requerimento apresentado em 26/06/2015, os requeridos voltaram a impugnar a autenticidade e veracidade do auto de arrolamento, para todos os legais efeitos, atenta a sua falsidade sendo a mesma evidente  (cfr. auto de arrolamento assinado pelo requerido/recorrente, o qual o faz, desde logo, “... sob reserva porque os bens não estão devidamente arrolados quanto à sua designação e quantidade:- Cfr. art°s 371° e 372° do C.C. e art°s 444° a 446° e 450° do NCPC), porquanto, nas diversas verbas do dito auto não se especificam sequer as quantidades dos diversos bens e respectivas denominações,  o que foi, desde logo, comunicado à AE, tendo a mesma respondido que fazia o auto como muito bem entendia e que não lhe iam ensinar a fazer o auto.
9.Apesar de existirem diversos bens que não constam do auto de arrolamento, e outros incorrectamente arrolados, nomeadamente, quanto à sua designação e quantidade, a requerente (através do seu fiel depositário) até ao dia 25/06/2015, não havia colocado qualquer obstáculo à sua remoção.
10.Dos bens dos requeridos existentes nos espaços locados faz parte uma conduta de extracção de fumos (sistema de renovação de ar) que não foi arrolada apesar da filha dos Requeridos, Ana Paula dos Santos Azevedo, o ter pedido à AE, a qual foi oferecida ao requerido pelo anterior proprietário da  mesma, o Exmo. Sr. Valério Adelina de Oliveira Barroso que anos antes havia explorado um estabelecimento de Bar-Boite no 1° andar do imóvel locado, por contrato de cessão de exploração celebrado por
escrito (cfr. documentos juntos sob os nos 1 a 3 ao aludido requerimento de 26/06/2015).

11.O referido Senhor Valério Barroso e requerente, tiveram um litígio em Tribunal durante vários anos, tendo o processo corrido seus termos, sob o n° 646/82 e  respectivo Apenso A, no 4° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, no qual a mesma foi autora, sendo tal factualidade do seu conhecimento pessoal e directo (cfr. documentos que, a título meramente exemplificativo, se juntaram sob os n°s 4 a 7 ao referido requerimento de 26/06/2015).
12.Assim, ao contrário do invocado pela requerente no requerimento que juntou aos autos em 25/06/2015, a aludida conduta de extracção de fumos não fazia parte do imóvel desde sempre, já que foi aí colocada pelo Sr. Valério Barroso.
13.Devido a tal factualidade, os requeridos solicitaram ao M° Juiz a quo designadamente que declarasse que a propriedade da referida conduta de renovação de ar é dos requeridos, designando, em consequência, pelo menos, mais dois dias para se proceder à sua remoção, o que este indeferiu por douto despacho ora recorrido, remetendo tal questão para os meios comuns, referindo não caber “...nesta acção de despejo a declaração de propriedade sobre bens controvertidos”, o que não se aceita, uma vez, que se entrou na fase executiva do procedimento especial de despejo, apesar do recurso da decisão que decretou o despejo se encontrar ainda pendente, devendo resolver-se tal questão no âmbito do mesmo.
14.O M° Juiz a quo não fez a mais correcta interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, violando, designadamente, o disposto nos art°s 15° J e 15° K do NRAU, nos art°s 406°, 444°, 445°, 446° e 450 do CPC, bem como, nos art°s 371° e 372° do CC.
Nestes termos, e nos mais de Direito, que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente
recurso, revogando-se o douto despacho proferido em 08/07/2015, substituindo-o por outro que defira os requerimentos
substituindo-o por outro que defira os requerimentos apresentados pelos requeridos em 19/06/2015 e 26/06/2015, declarando-se, em consequência, a nulidade do auto de arrolamento, bem como, a propriedade dos requeridos sobre a conduta de extracção de fumos/renovação de ar, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!


Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a recorrida pela confirmação do despacho recorrido.

Contudo, no corpo da alegação suscitou, como questões prévias, a irregularidade do requerimento de interposição do recurso e a irrecorribilidade do despacho recorrido.

II- FUNDAMENTAÇÃO.

A- Objeto do Recurso.

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC 2013), importa decidir:

Questões prévias suscitadas pela apelada:
1. Irregularidade do requerimento de interposição do recurso.
2. Irrecorribilidade do despacho recorrido.

Questões colocadas no recurso:
1. Regularidade do auto de arrolamento.
2. Propriedade da conduta de ar condicionado e concessão de prazo acrescido para a sua remoção.

B- De Facto.

Os factos e ocorrências processuais relevantes para a apreciação do recurso constam do antecedente Relatório, acrescentando-se o seguinte:

1. A fls. 20 a 22 deste Apenso encontra-se cópia certificada do AUTO DE DILIGÊNCIA correspondente à desocupação do locado, datado de 15/06/2015, onde constam que foram encontrados no local “…diversos bens os quais foram arrolados em auto próprio que passa a fazer parte integrante destes autos; todos os bens existentes neste local foram fotografados, para uma melhor identificação dos mesmos uma vez que algumas das verbas do auto de arrolamento não estão devidamente explícitas atento o facto de ser impossível proceder às respetivas contagens, como são exemplo os lotes de garrafas, gomas, peças de “ferro velho”, caixas vazias, produtos alimentares (…)”

-2. Consta ainda deste documento, o seguinte:

“Uma vez que não foi possível agendar dia e horas para a remoção de bens ficam depositados neste local (…), ficam os requeridos notificados para comunicar à A.E., o dia e hora que têm disponibilidade para removerem os bens arrolados, sendo certo que terão de avisar a agente de execução com pelo menos cinco dias de antecedência de modo a poder avisar o proprietário dos bens arrolados.
Adverti os Requeridos que têm trinta dias para procederem á remoção de todos os bens arrolados.”

3. As fls. 24 a 100 encontram-se inseridas cópias certificadas do AUTO DE REMOÇÃO DE BENS ARROLADOS, realizada nos dias 22, 23, 24, 25, 26 de junho de 2015, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO.

Comecemos por apreciar as questões prévias suscitadas pela apelada.

1.Irregularidade do requerimento de interposição do recurso:

Invoca a recorrente que os apelantes não cumpriram o disposto no artigo 637.º, n.º 1, do CPC, por não indicarem a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso.
Constata-se que assim foi. Porém, trata-se de irregularidade suprida oficiosamente pelo tribunal, como foi aquando da prolação de recebimento do recurso (artigos 641.º, n.º 2, a contrario, e n.º 5, do CPC), sem qualquer influência no conhecimento do objeto do recurso.

2.Irrecorribilidade do Recurso:

Alega a apelada que o recurso é inadmissível por não se enquadrar no 1 ou 2 do artigo 644.º do CPC, e mesmo que se entenda que assim não é, o recurso é extemporâneo face ao n.º 3 do mesmo preceito.
Não tem razão a apelada. O despacho recorrido foi proferido depois da decisão proferida no saneador-sentença que declarou a resolução do contrato de arrendamento e a consequente entrega do prédio arrendado livre de pessoas e bens, pelo que se trata de despacho proferido depois da decisão final (artigo 644.º, n.º2, alínea g), do CPC), impugnável no prazo de 15 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1, não se aplicando ao caso o n.º 3 do citado artigo 644.º.
O despacho recorrido foi notificado às partes em 13/07/20015 (cfr. certidão a fls. 1 deste Apenso), pelo que tendo sido interposto em 23/07/2015, foi-o no prazo legal, não é, por isso, extemporâneo.
Acresce que, contrariamente, ao invocado pela apelada, não se aplica ao caso os disposto no artigo 15.º Q do NRAU, por não estar em apreciação a decisão judicial para a desocupação do locado, mas requerimentos avulsos atinentes a atos relacionados com a execução da desocupação.[1]
Também o despacho recorrido, contrariamente ao defendido pela apelada, não é um despacho de mero expediente proferido ao abrigo do artigo 630.º, n.º 1, do CPC, por ser evidente que não se limita a regular a normal tramitação do processo/incidente, afetando os direitos subjetivos dos apelantes; nem foi proferido ao abrigo do n.º 2 do mesmo preceito (simplificação ou agilização processual), porquanto não procedeu a qualquer adaptação ou simplificação do processo, limitando a apreciar as questões colocadas pelos requeridos concernentes ao modo, tempo e âmbito da diligência em curso.
Improcedem, pois, as questões prévias suscitadas pela apelante, sendo que o demais inscrito nas contra-alegações de reposta entroncam no objeto do recurso, que se passa a apreciar.

1.Regularidade do auto de arrolamento:

O processo especial de despejo encontra-se regulado nos artigos 15.º a 15.º-S, do NRAU, na redação dada pela Lei n.º 31/2014, de 14/08.
Estipula o artigo 15.º-J do NRAU, no que concerne à desocupação do locado, que o agente de execução[2] desloca-se imediatamente ao locado para tomar posse do imóvel, lavrando auto de diligência.
Por seu turno, complementando este normativo, e no que concerne ao “destino dos bens”, o artigo 15.º-K prescreve que “O agente de execução … procede ao arrolamento dos bens encontrados no locado”, clarificando o n.º 2 do mesmo artigo que “O arrendatário deve, no prazo de 30 dias após a tomada da posse do imóvel, remover todos os seus bens móveis, sob pena de estes serem considerados abandonados.”

O artigo 15.º-K, n.º 1, embora se reporte ao arrolamento, nada estipula sobre o modo como o mesmo se realiza, pelo que é lícito concluir que se aplicam, mutatis mutandis, a regras do arrolamento previstas nos artigos 403.º e seguintes do CPC.

Estipula o artigo 406.º do CPC que o “arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens”” esclarecendo o n.º 2 que do mesmo é lavrado “auto em que se descrevem os bens, as verbas numeradas, como em inventário, de declara o valor fixado pelo louvado e se certifica a entrega ao depositário ou o diverso destino que tiveram…”

Ora, em face do disposto no artigo 15.º-K, do NRAU, decorre da lei que a finalidade do arrolamento ali previsto é, por um lado, a identificação dos bens encontrados no local que vai ser desocupado, e, por outro lado, a identificação daqueles que não sendo retirados no tempo designado na lei, serão dados como abandonados, abrindo caminho à possibilidade de serem adquiridos ao abrigo do artigo 1267.º, n.º1, alínea a), do Código Civil.

Consequentemente, o arrolamento aqui previsto não tem como objetivo proceder a uma avaliação dos bens, já que essa avaliação não tem qualquer utilidade, nem serve as funções/objetivos visados pela lei.

Por outro lado, o auto de arrolamento é um documento autêntico que faz prova das declarações nele exaradas, enquanto não for arguido de falsidade (artigos 371.º e 372.º do Código Civil).

De facto, o n.º 2 do artigo 372.º do Código Civil, repostando-se à falsidade dos documentos autênticos, estipula que “O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado por entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.”

No caso em apreciação, os apelantes não questionam que o auto de arrolamento não tenha sido lavrado pelo agente de execução, nem que nele esteja atestado qualquer facto que na realidade não se verificou, pelo que a impugnação da “autenticidade e veracidade do auto de arrolamento”, como mencionam, não tem qualquer fundamento legal.

Invocam, contudo, que o auto de arrolamento contém incorreções por dele não constarem alguns bens e por outros se encontrarem incorretamente arrolado quando à sua designação e quantidade, exemplificando no corpo da alegação essas situações quando referem que consta dos autos, por exemplo, “Lote de placas de esferovite…”, Lote de chapéus-de-sol…”; Lote e caixas em plástico com diversas peças no interior…prateleiras em madeira com diverso utensílios…”, etc.

Esta alegação encontra respaldo no teor do auto de desocupação do local lavrado em 15/06/2015, onde se mencionou a impossibilidade de contagem de algumas verbas, tendo as mesmas sido fotografadas para melhor identificação e explicitação das verbas descritas, como acima extratado.

Mencionando o referido no auto de diligência, cujo teor os recorrentes não questionam, que a descrição de alguns bens de forma não especificada e individualizada se deveu à natureza dos mesmos e consequentes dificuldades de discriminação (justificada (lotes de garrafas, gomas, peças de ferro-velho, caixas vazias, produtos alimentares), a falta de identificação especificada encontra-se justificada.

Acresce que o meio visual utilizado (fotografia) tendo como finalidade colmatar as dificuldades de descrição, alcança o mesmo objetivo, que é, como disse, a identificação dos bens que se encontram no locado.

Todavia, os apelantes também mencionam nos seus requerimentos que, para além da incorreção na descrição/avaliação das verbas, alguns dos bens não foram arrolados. Reportam-se concretamente a discos de vinil, armaduras com lâmpadas fluorescentes e a uma coluna de extração de fumos.

Quanto a esta, remetemos para o que infra melhor se analisará.

Quanto aos outros objetos, são os próprios apelantes que reconhecem que até 25/06/2015 não colocaram qualquer obstáculo à remoção (cfr. conclusão de recurso n.º 9).

Não questionam, pois, que esses objetos foram removidos do local, alcançando-se, assim, a finalidade do arrolamento.

E tanto assim é, que no requerimento apresentado em 26/06/2015 os requeridos, ora apelantes, nada de concreto requereram quanto a estes bens.

Retomam a questão no recurso, mas bem vistas as coisas, sem qualquer utilidade prática, já que a eventual procedência da arguição de nulidade do auto de arrolamento não determinaria outra medida com finalidade que os apelantes não tivessem já alcançado, reconduzindo-se, pois, a arguida nulidade a um ato inútil, consequentemente, proibido por lei (artigo 130.º do CPC).

O mesmo se diga, aliás, da questão da concertação de datas para a realização da diligência de remoção de bens.

Decorre dos autos que os bens foram removidos do local nos dias 22 a 26 de junho, nos horários definidos pela agente de execução, sem que os apelantes invoquem que ficaram bens no local por a sua remoção não ter sido possível nos dias e horários designados.

Por conseguinte, as dificuldades de calendarização da remoção que os apelantes alegam, encontram-se ultrapassadas e a sua apreciação já não têm qualquer efeito útil, encontrando-se prejudicada esse segmento do objeto do recurso.

Em suma, não se verifica a arguida nulidade do auto de arrolamento.

2.Propriedade da conduta de ar condicionado e concessão de prazo acrescido para a sua remoção:

Vejamos, agora, a questão colocada em relação à coluna de ar condicionado.

Este bem, dizem os apelantes, não foi arrolado, apesar de ser propriedade dos mesmos, por lhes ter sido oferecida pelo anterior proprietário. Daí terem requerido ao tribunal a declaração de que são proprietários da mesma e que lhe seja concedido prazo para a sua remoção.

O tribunal indeferiu o requerido, com os fundamentos supra expostos, e não poderíamos estar mais de acordo com o decidido.
Na verdade, a fase executiva do processo especial de despejo tem uma finalidade própria e uma tramitação específica moldada a essa finalidade.

Visa apenas e tão só, e já é muito, a prática de atos materiais com vista à desocupação do locado e entrega ao senhorio (artigo 15.º-J, n.º 1 artigo 1038.º e alínea i), do Código Civil).

Não visa, consequentemente, a discussão e apreciação judicial de questões relacionadas com a propriedade dos bens que se encontram no locado, que terão de ser discutidas em sede própria. Bem andou, pois o despacho recorrido ao indeferir o requerido com base nessa fundamentação.

E sendo assim, a questão do prazo para a remoção da conduta de ar condicionado encontra-se prejudicada na sua apreciação.

Em face de todo o exposto, improcede a apelação, nenhuma censura merecendo o despacho recorrido.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo dos apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário na modalidade que lhe foi concedida.

IV- DECISÃO.

Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.
Custas nos termos sobreditos.


Lisboa, 19 de janeiro de 2016


Adelaide Domingos
Eurico Reis ( VENCIDO)
Ana Grácio


DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

*

1. Não concordo com o conteúdo do decreto judicial que fez vencimento no presente acórdão pelas razões que a seguir indico.
É sabido que nem sempre o Legislador produz diplomas tendo em conta a globalidade do Ordenamento Jurídico em vigor, mas, sem esquecer o estatuído nos nºs 1 e 3 - e também no n.º 2 - do art.º 9º do Código Civil, a verdade é que no art.º 15ºK do NRAU não se estabelece qualquer excepção ao que no art.º 406º do CPC 2013 se determina acerca do modo como deve ser realizado o acto de arrolamento e elaborado o correspondente auto.
O que significa que esse art.º 15ºK do NRAU remete integralmente para o art.º 406º do CPC 2013, no qual se prevê, nomeadamente, que os bens arrolados têm de ser descritos, em verbas numeradas, como em inventário, e tendo, relativamente a todos eles que ser declarado o seu valor, fixado pelo louvado.
E onde o Legislador não distingue não pode - ou no mínimo não deve - o Intérprete fazê-lo.
Aliás e em reforço dessa opinião, há que atender a que, se os bens forem considerados abandonados, há, em primeira linha, que vendê-los (ou, pelo menos, tentar fazê-lo) e, finalmente, a que a decisão de decretar o despejo não se mostra ainda transitada em julgado.
Teria, portanto, julgado procedente a apelação e revogado a decisão recorrida, em conformidade com a pretensão formulada pela apelante em sede de recurso.
 

Lisboa, 19/01/2016

(Eurico José Marques dos Reis)



[1]O artigo 15.º Q, do NRAU, ao reportar-se à “decisão judicial para a desocupação do locado”, embora a terminologia não seja muito clarificadora, entende-se que se reporta à impugnação do título para desocupação do locado (artigo 15.º-P) e à ação para oposição à pretensão do locador (artigo 15.ºF, 15.ºH e 15.º-I). Cfr. neste sentido, MARIA OLINDA GARCIA, “Arrendamento Urbano Anotado- Regime Substantivo e Processual (Alterações Introduzidas pela Lei n.º 31/2012)”, Coimbra Editora, 3.ª ed., p. 231
[2]O preceito reporta-se igualmente a outros sujeitos processuais, mas, no caso, está em causa o agente de execução.