Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26581/15.6T8LSB.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
EVENTO LESIVO
COMISSÁRIO DE BORDO
SÍNDROME VERTIGINOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1.– À luz da noção de acidente de trabalho decorrente do art.º 8.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro e do que se considera serem seus elementos integrantes, não se configura a existência de acidente de trabalho o facto de autor em 3-10-2014, enquanto prestava serviço de bordo em aeronave durante o voo, ter sentido mal-estar generalizado, desequilíbrio, dificuldade de percepção, distorção espacial, confusão mental e dificuldades de comunicação.

2.– Essa situação manifestou-se devido ao elevado ritmo de trabalho e ao facto de o Autor ter diariamente de efectuar 4 voos diários, o lhe agravou a seu estado de saúde, causado por um processo arrastado de fadiga e ansiedade com eventual patologia dos ouvidos e com diagnóstico de síndrome vertiginoso, o qual não resultou do episódio acima descrito.

3.– A referida factualidade pode, eventualmente, consubstanciar a existência de doença profissional, que o Autor poderá discutir em sede própria, pelo menos na vertente de doença não constante da lista oficial, assim se venham demonstrar os necessários pressupostos.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa



IAAA, intentou no Juízo do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, CONTRA,
BBB e  CCC

II-PEDIU a condenação da ré Seguradora a pagar ao autor:
a)-A indemnização de 3.582,66€ referente a diferenças de incapacidade temporária parcial;
b)-A quantia de 26,40€, a título de despesas de transportes;
c)-O capital de remissão correspondente a uma pensão anual no valor de 1.923,05€, calculada com base na retribuição anual supra referida, com início em 09.09.2015;
d)-Ao pagamento de juros e de mora à taxa legal sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos e até integral pagamento.

III-ALEGA, em síntese, que:
- No dia 03/10/2014, quando se encontrava ao serviço da 2ª R., sofreu um acidente de trabalho, do qual resultaram lesões que determinaram um período de incapacidade temporária e, após a data da alta, uma incapacidade permanente, por força do grau de desvalorização das sequelas decorrentes daquelas lesões;
- A responsabilidade infortunística emergente do acidente de trabalho estava transferida, pela 2ª R., para a 1ª R.

IV- As rés foram citadas e contestaram dizendo, no essencial, que:
A ré CCC:
- É parte ilegítima uma vez que a responsabilidade emergente de acidente de trabalho estava integralmente transferida para a 1ª R.;
- O A. não deduziu qualquer pedido contra a ré CCC;
- Não há qualquer evidência que o autor tenha sofrido um acidente de trabalho;
- Medicamente examinado o autor após queixas de se ter sentido mal durante o voo, foi considerado que o mesmo tinha uma doença não relacionada com acidente de trabalho.

A ré SEGURADORA:
- Não ocorreu qualquer acidente de trabalho, pelo qual deva ser responsabilizada;
- Após as queixas, o autor foi examinado por médico que considerou ter o mesmo sofrido, a 3/10/2014, um síndrome neuro vegetativo/vagal, causado por cansaço acumulado, dificuldade em conciliar o sono com os turnos efectuados e ansiedade;
- E considerou que não se tratava de acidente de trabalho, embora podendo estar ligado ao trabalho;
- O problema do autor é uma doença, eventualmente profissional, mas não configura um acidente de trabalho.

V-O autor apresentou desistência da instância quanto à ré CCC a qual foi judicialmente homologada.
Foi proferido despacho saneador e elaborou-se matéria de Facto Assente e Base Instrutória.
Formou-se Apenso para Fixação da Incapacidade para o Trabalho e ali se fixou que o autor/sinistrado padece de uma IPP de 20% com IPATH, desde a data da alta (8/9/2015).

O processo seguiu os termos e foi proferida sentença em que se julgou pela forma seguinte:

“III.– DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a acção e, em consequência, absolvo a R. do pedido.”

Dessa sentença, o autor interpôs recurso de Apelação (fols. 438 a 441), apresentando as seguintes conclusões:
I.- Não podendo o Sinistrado, aqui Recorrente concordar com o entendimento do Tribunal a quo, vem o presente recurso interposto da, aliás, Douta Sentença, de fls. proferida nos autos de processo comum, em que julgou, nos autos de Acidente de Trabalho,
“(...) improcedente a acção e, em consequência, absolvo a R. do pedido.”. na
qual conclui que “(...) nenhuma obrigação de reparação pode ser exigida à R.
Seguradora(...).”.

No entanto,
II.- Com base nos factos provados, é entendimento do Recorrente que a conlusão deveria ser diversa, ou seja, que deveria ter sido considerado acidente de trabalho, nomeadamente a
III.- “(...)
Compulsados os abundantes elementos constantes dos autos, resultam provados os seguintes factos(...)
:
(...)
A.- O Autor celebrou contrato de trabalho com CCC em 3 de Abril de2012.
B.- O Autor foi contratado para exercer funções que constituem o conteúdo funcional de Tripulante de Cabine.
C.- Cabia ao Autor prestar trabalho a tempo inteiro, de acordo com as escalas de serviço implementadas pela CCC – Cláusula Quarta do Contrato de Trabalho.
D.- Cada Escala determinava uma escala repleta de voos de 4 sectores.
E.- O Autor, no dia 3 de outubro de 2014, sentiu-se mal durante o serviço de
bordo, no voo de Basileia para Lisboa, …, o que foi reportado no
Relatório de Segurança (Safety Report) …. (..)
. Bold e sublinhado nosso
F.- No mesmo dia 3 de outubro de 2014, da parte da tarde, seguindo o protocolo de Acidentes de Trabalho da empresa, o Autor foi levado para a Clínica de … que tem acordo com a CCC
(...).

H.- Em 16 de agosto de 2017, foi o Autor, convocado para estar presente no Instituto de Medicina legal de Lisboa, a fim de proceder à realização de novo exame, tendo sido elaborado um relatório de perícia de avaliação do dano corporal vertendo o seguinte:
“(...)
1.- Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano. 2.- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.09.2015, tendo em conta o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efetuados e o parecer da medicina do trabalho. 3.- No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os
seguintes: - Incapacidade temporária parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível à vítima desenvolver a sua atividade profissional, ainda que com certas limitações), desde 4 de outubro de 2014 até 8 de setembro de 2015 (40%) fixável num período total de 340 dias.
4.- Incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás referidas e a consulta da tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07, de 23 de Outubro) é de 20%...”. Concluindo que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.09.2015, incapacidade temporária parcial fixável num período total de 340 dias e incapacidade permanente parcial fixável 2m 20%. Na data referida em E. o Autor auferia a retribuição anual global de 13.736,04€ que corresponde ao valor de 682,21€. (salário base) x 12 + 682,21€ (subsídio de férias) x 1 + 682,21€x 1 (subsidio de natal) + 4185,10 € (outras remunerações).
J. (...)
L. O Autor, no dia 3 de outubro de 2014, subitamente durante o serviço de
bordo, ficou com mal-estar generalizado, desequilíbrio, dificuldade de
perceção, distorção espacial, confusão mental e dificuldades de comunicação.,

Bolde e sublinhado nosso
(...)
O.Em resposta no mesmo dia, o Autor explicou sucintamente o sucedido (por email) visto já existir relatório e uma referência (frf1/34578, 03OUT14).
(...)

Q. Em 1 de janeiro de 2015, o Autor faltou ao trabalho, por recorrência de sintomas e náuseas, após ter tido um voo extremamente longo na véspera (31DEZ14), o que leva a que submeta um Relatório de Fadiga (frf1/36875) preventivamente, para o voo de 01JAN15 (LISSXF-LIS - Berlim) recomendando à companhia que “evite marcar de novo períodos de voos tão longos, seguidos de períodos de descanso mínimo (11h) seguidos de voos com apresentação na madrugada seguinte”.
R.Em 12 de janeiro de 2015, o Autor tem novamente recorrência dos sintomas, ao 3º sector (Lyon) de um voo LIS-LYS-BRULYS-LIS, onde teve que se deitar, depois do desembarque, após chegar à sala de tripulação, em Lisboa. Bold e
sublinhado nosso.

S.Em 15 de março de 2015, o Autor fica incapacitado para o exercício de funções por 3 dias devido a tonturas, náuseas e dores de cabeça, os sintomas são relacionados com sinusite e são prescritos antibióticos.
T. Em 6 de abril de 2015, o Autor torna outra vez à situação de incapacidade para o trabalho, pelo período de 3 dias devido a crise aguda de tonturas, náuseas, desequilíbrio e vertigem.
U. (...).
V.Em 9 de abril de 2015, o Autor vai à Consulta de Otorrino, sendo visto pelo Dr. …, que solicita a realização de mais testes e são prescritos vários outros exames a saber: Audiograma, Tímpanograma, Videonistagmograma (VNG) e TAC, e em 28 abril de 2015, realiza um – Exame VNG - Hospital de S -- –, cujo relatório tem o seguinte teor:
(...)
X.No dia 29 de abril de 2015, o Autor realizou um Exame Audiograma e Tímpanograma ….
Z. Em 30 de abril de 2015 foi realizada uma Consulta Otorrino – …
AA. Em 6 de Maio de 2015, o Autor realizou um Exame TAC - Diamédica, Sociedade Médica, com o seguinte resultado:“
(...)
BB. Em 12 de maio de 2015, realizou mais uma Consulta Otorrino – … - onde o Autor teve conhecimento do diagnóstico final, relativamente ao Déficit Vestibular permanente.
CC.Em 26 de maio de 2015 é dado formalmente conhecimento da situação
médica, por email, à …, na pessoa de …, chefe de base.
Bold e sublinhado nosso.
DD. A CCC responde, na pessoa de …, que informa que irá tomar todas as providências internas, no sentido de melhor prestarem assistência ao Autor.
EE. Em 28 de maio de 2015, o Autor vai novamente à Consulta de Clínica Geral (Dr. … Centro Médico de …) - no feedback dos exames, foi seu entendimento que a lesão explica a manifestação do Síndrome Vertiginoso.
FF. O Dr. … rejeita passar o atestado de aptidão, nos termos
requeridos pela CCC, uma vez que, mantendo os
mesmos padrões e características da carga de trabalho, em virtude da lesão
vestibular sofrida, o Síndrome Vertiginoso poderá ser desencadeado
.Bolde e Sublinhado nosso.
GG. Em 2 de junho de 2015, o Autor vai à Consulta Otorrino Dr. …, Unidade de Cuidados de saúde do Aeroporto de Lisboa, procurando mais uma opinião médica e com o intuito de ser passado o atestado médico que lhe permita voar, faz mais testes e como o Autor não voa há 6 semanas, o médico passa o atestado nos seguintes termos: “...neste momento não apresenta qualquer alteração do foro Otorrino, que impeça a prática do voo profissional...”.
(...).
OO.Em 14 de julho de 2015, o Autor informa à Entidade Empregadora o teor do atestado médico emitido pelo Dr. … do qual consta:
“(...) que o Sr. AAA (...) não deve ter uma carga de trabalho intensa diária, em número de voos, actividade essa que pode desencadear o quadro sintomático de síndrome vertiginoso, já anteriormente apresentado. (...)”
PP. Uma vez que a Entidade Empregadora nada fez em relação à situação do Autor, este, viu-se na obrigação de proceder à participação do acidente de
trabalho junto dos Serviços do Ministério Público do tribunal Judicial da
Comarca de Lisboa, Instância Central de Trabalho de Lisboa
. Bold e sublinhado nosso.
QQ.A 03/06/2016, foi emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho com início a 3 de junho de 2016 e termo a 14 de Junho de 2016; a 16/06/2016, foi emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho com início a 15 de junho de 2016 e termo a 14 de Julho de 2016.
RR. A situação de saúde do A. supra-descrita manifestou-se devido ao elevado ritmo de trabalho e ao fato de ter que diariamente efetuar 4 setores, implicando tal facto 4 voos diários com 4 descidas e 4 levantamentos diários, o que lhe trouxe agravamento na sua saúde. Bold e sublinhado nosso.
SS. O Autor, por força do acidente de trabalho em causa despendeu a quantia de 26,40€, em deslocações ao tribunal e ao INEM, em transportes públicos. Bold e sublinhado nosso.
TT.A patologia que o Autor padece resulta de um processo arrastado de fadiga e ansiedade com eventual patologia dos ouvidos e com diagnóstico de síndrome vertiginoso que não resulta do episódio descrito em L).”.

IV. No facto E, é espelhado que “O Autor, no dia 3 de outubro de 2014, sentiu-se mal durante o serviço de bordo, no voo de … para …, …, o que foi reportado no Relatório de Segurança (Safety Report) frf1/34578. (..).
V. Sendo reforçado no facto L, quando se lê que “O Autor, no dia 3 de outubro de 2014, subitamente durante o serviço de bordo, ficou com mal-estar generalizado, desequilíbrio, dificuldade de perceção, distorção espacial, confusão mental e dificuldades de comunicação.”.
VI. Tal como se pode ler no Facto Provado R. -“Em 12 de janeiro de 2015, o Autor tem novamente recorrência dos sintomas, ao 3º sector (Lyon) de um voo LIS-LYS-BRULYS-LIS, onde teve que se deitar, depois do desembarque, após chegar à sala de tripulação, em Lisboa”.
VII. O Recorrente, sempre informou a sua Entidade Patronal, CCC, sobre a sua situação, sem que esta se preocupasse em resolver a situação em que se encontrava o seu trabalhador.
Aliás,
VIII. Tentou até que fosse emitido um Atestado de Aptidão, de acordo com as suas necessidades, tendo sido recusado pelo Senhor Dr. …, conforme resulta dos factos provados e espelhado em FF.
IX. Toda a situação que se discutiram nos presentes autos foi a situação que o Recorrente viveu no dia 3 de Outubro de 2014, que “(...) ao baixar-se, sentiu aquele mal-estar generalizado, com desequilíbrio, dificuldade de perceção, distorção espacial, confusão mental e dificuldades de comunicação.”.
X. Apesar do Tribunal a quo, ter relevado as declarações da testemunha Dr. …., que observou o Recorrente.
XI.Entende o Recorrente que o mesmo não se deveria ter passado com as declarações da testemunha, Dr. …, que não observou o Recorrente e é da especialidade de Ortopedia, pois o seu depoimento não foi outro senão um “depoimento de ouvir dizer ...”.
XII. Nem sequer o Tribunal a quo relevou o Relatório da Drª …, Médica da Especialidade de Otorrinolaringologia, cujos exames foram solicitados na Fase Conciliatória, tendo após esses exames sido requerida uma avaliação do dano que levaram às Conclusões espelhadas nos factos provados em H. e que poderemos encontrar a Fls. 190 do Apenso de Fixação da Incapacidade.
XIII. Vem o Tribunal a quo dizer que a última Junta Médica “veio dar o dito por não dito”, deixando, inclusivamente que seja a Junta Médica decidir quanto ao nexo de causalidade, quando deveria ser o Tribunal.
XIV. Pois diz aquela última junta Médica, tenha-se em atenção que, sem fundamentar, [“face à descrição da participação inicial, não é possível afirmar um nexo de causalidade entre os sintomas descritos na data da mesma e uma eventual lesão causada por barotraumatismo, uma vez que deveriam estar descritos sintomas como otalgia, perda de audição (...). (...) e os exames vestibulares que referem um défice vestibular direito é passível de encontrar em doenças naturais. (...), contudo não conseguimos encontrar o nexo de causalidade entre o evento e as queixas actuais. (...).”].
XV.Para os factos em causa não podem relevar “as queixas actuais”, pois se as há então foram consequência do que se passou no dia 3 de Outubro de 2014.
Porém.
XVI. Da Decisão proferida pelo Tribunal a quo, podemos ler que “O que é certo, porém, é que o A. Sentiu aqueles sintomas durante o serviço de bordo.” mas que, “os efeitos sentidos no dia 03/10/2014, durante o serviço de bordo, não se deveu a um evento traumático, ainda que os sintomas tivessem surgido ao A. de forma súbita (ou seja inesperada).”.
XVII. Concluindo contrariamente afirmando que, “Não se provou a ocorrência de um evento súbito, violento e externo ao trabalhador.”.
XVIII. Mesmo que dúvidas fossem suscitadas, essas deveriam sê-lo em favor do aqui Recorrente e não ao contrário.
XIX. Tal como prescreve o, nº 1 do Artigo 11º da LAT, mesmo que houvesse predisposição para a doença do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada, o que não aconteceu, uma vez que o Recorrente sempre deu conhecimento à sua entidade patronal.
XX. A propósito do nexo de causalidade, pedimos vénia para citar,
O Acórdão proferido, por esse Tribunal da Relação de Lisboa

1- A questão do nexo de causalidade desdobra-se em duas condições: uma, relativa ao nexo causa-efeito entre o acidente e a lesão corporal, perturbação ou doença; outra, que a lesão corporal, perturbação ou doença, seja a causa de incapacidade para o trabalho ou morte.
II- As presunções legais estabelecidas no art. 6º-5 da LAT/ 97, no art. 7º-1 do DL nº 143/99 de 30/4, bem como no art. 10º-1 da LAT/2009, não abrangem o nexo causal entre as lesões e a morte ou incapacidade para o trabalho, tão só entre o acidente e as lesões.
III- O art. 10º-1 da LAT/2009, versa sobre o estabelecimento de uma única presunção de existência de nexo causal entre o acidente e as lesões.
IV- No caso de lesão anterior não imputada a acidente de trabalho e que é agravada por acidente de trabalho posterior, é aplicável o disposto no art. 11º-2 da LAT/2009 avaliando-se incapacidade como se tudo resultasse do acidente de trabalho.
V- O disposto no art. 11º-3 da LAT/2009 é também aplicável aos casos de lesão anterior não imputada a acidente de trabalho e que é agravada por acidente de trabalho posterior.
VI- (...).
VII-(...).”., retirado de www.dgsi.pt, Processo nº 6061/16.3T8SNT.L1-4
XXI.- Pois, acidente de trabalho, poderá ser o evento súbito e imprevisto, que provoque lesão na saúde ou na integridade física do trabalhador, que ocorra no tempo e no local de trabalho, por causa do trabalho.
XXII.- Sendo constituído por uma cadeia de factos em que cada um dos respectivos elos deve estar entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento súbito deve estar relacionado com a relação de trabalho; a lesão, perturbação ou doença, deve resultar daquele evento; e finalmente a morte ou a incapacidade para o trabalho deverão resultar da lesão, perturbação funcional ou doença.
XXIII.- Sendo o Recorrente da opinião que é de considerar como acidente de trabalho o evento que ocorreu no local e no tempo de trabalho e que consistiu no esforço físico desenvolvido pelo sinistrado durante o voo associado ao esforço e talvez cansaço excessivo que lhe fez sentir-se mal, o que lhe causou uma perturbação para além daquele momento.
XXIV.- Até porque, o nº 1 do Artigo 8.º da NLAT delimita o conceito de acidente de trabalho como sendo “aquele que se verifica no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”.
XXV.- Aliás, como vem sido afirmado quer na doutrina, quer na jurisprudência, para que se reconheça um acidente de trabalho importa verificar (a) um elemento espacial, em regra, o local de trabalho, (b) um elemento temporal, em regra, correspondente ao tempo de trabalho e (c) um elemento causal, ou seja, o nexo de causa e efeito entre, por um lado, o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença e, por outro lado, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
XXVI.- Não podemos deixar de afirmar que a questão fulcral que importa apreciar é a de saber se se ficou a dever a causa natural ou a acidente de trabalho, importando por isso fazer algumas considerações sobre o nexo de causalidade nos acidentes de trabalho, já que o Artigo 10.º da NLAT prescreve que, “A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.”.
XXVII.- Como uniformemente tem sido defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no recente acórdão de 1/06/2017, proferido no Proc. n.º 919 / 11.3TTCBRA.
C1.S1, em que foi relator Ferreira Pinto e sustentado pela generalidade da doutrina, a presunção de causalidade, estabelecida no citado artigo 10.º tem apenas o alcance de libertar os sinistrados ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico reconhecido na sequência do evento infortunístico, não os libertando, do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões.
XXVIII.- Pedro Romano Martinez, vem dizendo que, constituirá acidente qualquer “facto”, ainda que não violento, um acontecimento súbito exterior ao lesado, lesivo do corpo deste. e continuando refere ainda o seguinte: “um dos pressupostos básicos para a existência de responsabilidade civil é o facto, que em termos de responsabilidade delitual terá que ser um facto humano“. Na responsabilidade sem culpa, o facto humano poderá “ser substituído por uma situação jurídica objetiva que esteve na origem dos danos. Na realidade, como o facto gerador da responsabilidade não se baseia numa atuação culposa e ilícita, basta que se identifique uma situação geradora de dano. Na responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, o facto gerador nem sempre corresponderá a uma conduta humana; sendo a responsabilidade objetiva, o que desencadeia o dano é o acidente de trabalho, in Martinez, Pedro Romano, “Direito do Trabalho”, 2ª Ed., Almedina, 2005, pp. 797 ss. XXIX. Ao lermos Carlos Alegre, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., pags. 34 e segs., quando falamos em evento relevante para a qualificação de acidente de trabalho, falamos de um evento naturalístico, ou uma causa exterior – estranha à constituição orgânica da vítima -, súbito, ou seja que actua num espaço de tempo breve e que produza uma acção lesiva do corpo humano, uma ocorrência anormal, em geral súbita, pelo menos de curta duração ou limitada que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano.
XXX.- O esforço excessivo que origina uma lesão no corpo é, em si mesmo, uma causa exterior, estranha à constituição orgânica da vítima e súbita, já que actua num espaço de tempo breve.
XXXI.- Podendo-se, assim, concluir que o facto gerador da responsabilidade objetiva do empregador é o acidente de trabalho”.
XXXII.- Como nos diz Vítor Ribeiro, em Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, pág. 218. “O acidente de trabalho é pois uma cadeia de factos em cada um dos respectivos elos têm de estar entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento naturalístico tem de estar relacionado com a relação de trabalho; a lesão, perturbação ou doença terão de resultar daquele evento; e finalmente, a morte ou a incapacidade para o trabalho deverão resultar da lesão, perturbação funcional ou doença. De tal forma que se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico atrás descrito, não poderemos sequer falar – pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade - em acidente de trabalho. Razão porque esse “nexo causal” entre a relação de trabalho e a morte ou incapacidade (desdobrável em vários elos causais intermédios), deve, ele também, considerar-se como elemento integrador essencial do conceito legal de “acidente de trabalho”.
XXXIII.- O que nos leva a concluir que é acidente de trabalho o evento súbito, imprevisto, que provoque lesão na saúde ou na integridade física do trabalhador, que ocorra no tempo e no local de trabalho, por causa do trabalho.
XXXIV.- No caso em apreço insurge-se relativamente ao facto de apesar de ter sido feita a prova da ocorrência de um acidente, já que se provou a ocorrência de qualquer evento danoso de causa exterior e estranha à vontade da vítima, ainda assim Tribunal a quo, não qualificou o acidente como de trabalho, por falta do requisito da natureza súbita e violenta.
XXXV.- Não tendo sequer, o Tribunal a quo, tendo em conta a Sentença de Fixação da Incapacidade, após Junta Médica deliberado por unanimidade, concluiu existir uma IPP de 20% com IPATH, após exames efectuados a pedido de médica da especialidade de Otorrinolaringologista.
XXXVI.- E, mesmo em flagrante contradição com a Sentença Proferida em sede de Fixação de Incapacidade, não deixa o Tribunal a quo de exortar a Entidade Empregadora para adequar as condições de trabalho à condição de saúde do trabalhador, como se realmente se tratasse de um acidente de trabalho...como realmente se trata.
XXXVII.- Uma última questão não pode o Recorrente deixar de colocar,
Deveria, o Tribunal a quo, de facto e de direito, concluir como concluiu?
Entendemos que não.

XXXVIII.- Por último não pode o Recorrente abster-se de aqui deixar umas notas, com o máximo respeito pela Decisão de V. Exas., que nos são trazidas por:
MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO que acidente de trabalho é «o evento súbito e imprevisto, ocorrido no local e no tempo de trabalho, que produz uma lesão corporal ou psíquica ao trabalhador que afecte a sua capacidade de ganho».
PEDRO ROMANO MARTINEZ considera que «O acidente de trabalho pressupõe que seja súbito o seu aparecimento, assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e deriva de fatores exteriores».
E, parafraseando o Douto Acórdão proferido, por esse Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo 5705/2007-4, de 10/10/2007:

1.- Acidente é todo o acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado, ao contrário da doença profissional que pressupõe ma causa lenta, insidiosa e progressiva ou uma actuação continuada ou repetida de um agente, também “violento” e exterior ao próprio doente.
2.- O acidente de trabalho é constituído por uma cadeia de factos em que cada um dos respectivos elos devem estar entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento súbito deve estar relacionado com a relação de trabalho; a lesão, perturbação ou doença, deve resultar daquele evento; e,
finalmente, a morte ou a incapacidade para o trabalho deverão resultar da lesão, perturbação funcional ou doença.

3.- O enfarte agudo do miocárdio sofrido por um trabalhador no local e tempo de trabalho, que lhe provoca a morte, presume-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho.
4.- Essa presunção ficará, no entanto, ilidida se a entidade empregadora provar que não ocorreu qualquer evento súbito, de natureza exógena, no local e tempo de trabalho e que a vítima sofria de aterosclerose coronária que lhe determinou o referido enfarte do miocárdio.”.
Pelo que,
Face ao exposto e no demais de direito ue V. Exas. Doutamente
suprirão
, deve ser dado provimento ao presente recurso e em
consequência ser a Douta Sentença revogada por outra que se mostre adequada, nomeadamente ao considerarem que os factos ocorridos no dia 3 de Outubro de 2014, consubstancia um verdadeiro Acidente de Trabalho, fazendo assim, A costumada, JUSTIÇA!


A ré Seguradora contra alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

Correram os Vistos legais, tendo o Digno Procurador Geral-Adjunto do Ministério Público emitido Douto Parecer no sentido de que havendo necessidade da existência de um evento súbito e imprevisto, de origem externa e de caracter lesivo do corpo humano para que se possa falar de um acidente de trabalho, não ficou provado qualquer facto que evidencie tal evento traumático temporalmente limitado, não havendo nexo de causalidade entre a patologia que o autor apresenta e o que vem descrito como sucedido no dia 3/10/2014.

VI-A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada, é a seguinte:
A.O Autor celebrou contrato de trabalho com CCC em 3 de Abril de 2012.
B.O Autor foi contratado para exercer funções que constituem o conteúdo funcional de Tripulante de Cabine.
C.Cabia ao Autor prestar trabalho a tempo inteiro, de acordo com as escalas de serviço implementadas pela CCC – Cláusula Quarta do Contrato de Trabalho.
D.Cada Escala determinava uma escala repleta de voos de 4 sectores.
E.O Autor, no dia 3 de outubro de 2014, sentiu-se mal durante o serviço de bordo, no voo de … para …, …, o que foi reportado no Relatório de Segurança (Safety Report) frf1/34578.
F.No mesmo dia 3 de outubro de 2014, da parte da tarde, seguindo o protocolo de Acidentes de Trabalho da empresa, o Autor foi levado para a Clínica de … que tem acordo com a CCC.
G.É receitado ao Autor Amizal (tónico cerebral) e aconselhado descanso e alteração do ritmo de trabalho, admitindo a hipótese de Fadiga.
H.Em 16 de agosto de 2017, foi o Autor, convocado para estar presente no Instituto de Medicina legal de Lisboa, a fim de proceder à realização de novo exame, tendo sido elaborado um relatório de perícia de avaliação do dano corporal vertendo o seguinte:
“(…) 1.- Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano. 2.- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.09.2015, tendo em conta o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efetuados e o parecer da medicina do trabalho. 3.- No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes: - Incapacidade temporária parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível à vítima desenvolver a sua atividade profissional, ainda que com certas limitações), desde 4 de outubro de 2014 até 8 de setembro de 2015 (40%) fixável num período total de 340 dias. 4.- Incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás referidas e a consulta da tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07, de 23 de Outubro) é de 20%...”. Concluindo que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.09.2015, incapacidade temporária parcial fixável num período total de 340 dias e incapacidade permanente parcial fixável 2m 20%.

I.Na data referida em E. o Autor auferia a retribuição anual global de 13.736,04€ que corresponde ao valor de 682,21€. (salário base) x 12 + 682,21€ (subsídio de férias) x 1 + 682,21€x 1 (subsidio de natal) + 4185,10 € (outras remunerações).
J.Na data referida em E. e no que concerne ao Autor, a CCC tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré, pelo valor global referido em I).
L.O Autor, no dia 3 de outubro de 2014, subitamente durante o serviço de bordo, ficou com mal-estar generalizado, desequilíbrio, dificuldade de perceção, distorção espacial, confusão mental e dificuldades de comunicação.
M.Em 15 de dezembro de 2014, o Autor recebe uma comunicação da companhia (email de …, RH), onde lhe é solicitada informação acerca da ocorrência de 03OUT14, após terem sido contactados por carta pela BBB no sentido da CCC “completar um relatório oficial, relativo ao acidente de trabalho sofrido” pelo Autor em 03 outubro 2014.
N.É aí argumentado que se pretende tratar do assunto com a companhia de seguros rapidamente, para que o Autor possa receber o reembolso das despesas médicas, despesas essas, que o Autor não chegou a ter com a consulta de urgência, exatamente porque o evento figurou como Acidente de Trabalho.
O.Em resposta no mesmo dia, o Autor explicou sucintamente o sucedido (por email) visto já existir relatório e uma referência (frf1/34578, 03OUT14).
P.Na mencionada comunicação, o Autor refere ainda que relativamente às despesas clínicas, estas foram assumidas pela clínica, por se tratar de uma situação devida a causas relacionadas com o trabalho (Acidente de Trabalho), logo cobertas pelo seguro.
Q.Em 1 de janeiro de 2015, o Autor faltou ao trabalho, por recorrência de sintomas e náuseas, após ter tido um voo extremamente longo na véspera (31DEZ14), o que leva a que submeta um Relatório de Fadiga (frf1/36875) preventivamente, para o voo de 01JAN15 (LISSXF-LIS - Berlim) recomendando à companhia que “evite marcar de novo períodos de voos tão longos, seguidos de períodos de descanso mínimo (11h) seguidos de voos com apresentação na madrugada seguinte”.
R.Em 12 de janeiro de 2015, o Autor tem novamente recorrência dos sintomas, ao 3º sector (Lyon) de um voo LIS-LYS-BRULYS-LIS, onde teve que se deitar, depois do desembarque, após chegar à sala de tripulação, em Lisboa.
S.Em 15 de março de 2015, o Autor fica incapacitado para o exercício de funções por 3 dias devido a tonturas, náuseas e dores de cabeça, os sintomas são relacionados com sinusite e são prescritos antibióticos.
T.Em 6 de abril de 2015, o Autor torna outra vez à situação de incapacidade para o trabalho, pelo período de 3 dias devido a crise aguda de tonturas, náuseas, desequilíbrio e vertigem.
U.O Autor vai à consulta do médico de Clínica Geral (Dr. …, Centro Médico de …), realizando testes e acusando problemas de equilíbrio, sendo o Autor aconselhado a marcar consulta de especialidade, com um otorrino.

V.Em 9 de abril de 2015, o Autor vai à Consulta de Otorrino, sendo visto pelo Dr. …, que solicita a realização de mais testes e são prescritos vários outros exames a saber: Audiograma, Tímpanograma, Videonistagmograma (VNG) e TAC, e em 28 abril de 2015, realiza um - Exame VNG - Hospital de S. … –, cujo relatório tem o seguinte teor:
“Sob VideoNistagmoGrafia Pesquisa de nistagmo espontâneo – negativa
Head Shaking Test – negativo Teste Vibratório – negativo Movimentos Sacádico – latência, velocidade e precisão normais Perseguição Ocular – morfologia regular; ganhos normais Fixação Ocular –
franca atenuação das respostas
Provas Calóricas – hiperreflexia vestibular direita ligeira Manobra de Mc lure – negativa
Manobra de Hallpike – negativa
Pesquisa de desvios axiais
Prova de Unterberger – sem desvios significativos
Conclusão – défice vestibular direito periférico”

X.No dia 29 de abril de 2015, o Autor realizou um Exame Audiograma e Tímpanograma … Policlínica.
Z.Em 30 de abril de 2015 foi realizada uma Consulta Otorrino – … Policlínica.
AA.Em 6 de Maio de 2015, o Autor realizou um Exame TAC - Diamédica, Sociedade Médica, com o seguinte resultado: “Aquisição volumétrica multicorte. Reconstruções multiplanares. As imagens obtidas são normais designadamente em relação aos aspectos das caixas do tímpano, com padrão de pneumatização normal, referindo-se também que são normais as características morfológicas das cadeitas ossiculares e das estruturas dos ouvidos internos.”
BB.Em 12 de maio de 2015, realizou mais uma Consulta Otorrino – … - onde o Autor teve conhecimento do diagnóstico final, relativamente ao Déficit Vestibular permanente.
CC.Em 26 de maio de 2015 é dado formalmente conhecimento da situação médica, por email, à CCC, na pessoa de …, chefe de base.
DD.A CCC responde, na pessoa de …, que informa que irá tomar todas as providências internas, no sentido de melhor prestarem assistência ao Autor.
EE.Em 28 de maio de 2015, o Autor vai novamente à Consulta de Clínica Geral (Dr. … Centro Médico de …) - no feedback dos exames, foi seu entendimento que a lesão explica a manifestação do Síndrome Vertiginoso.
FF.O Dr. … rejeita passar o atestado de aptidão, nos termos requeridos pela CCC, uma vez que, mantendo os mesmos padrões e características da carga de trabalho, em virtude da lesão vestibular sofrida, o Síndrome Vertiginoso poderá ser desencadeado.
GG.Em 2 de junho de 2015, o Autor vai à Consulta Otorrino Dr. …, Unidade de Cuidados de saúde do Aeroporto de Lisboa, procurando mais uma opinião médica e com o intuito de ser passado o atestado médico que lhe permita voar, faz mais testes e como o Autor não voa há 6 semanas, o médico passa o atestado nos seguintes termos: “…neste momento não apresenta qualquer alteração do foro Otorrino, que impeça a prática do voo profissional…”.
HH.Essa declaração é enviada por email para a CCC (…, com conhecimento à …).
II.O médico otorrino prescreve ‘Beta-Histina’ e ainda um outro exame complementar de diagnóstico: Exame Postural.
JJ.Em 2 de junho de 2015, da parte de tarde, o Autor tem uma reação forte à ‘Beta-Histina’, recorrendo ao apoio da linha de Saúde de Urgência e a suspensão imediata da medicação.
LL.Posteriormente o Autor, consegue contactar com o UCS Aeroporto de Lisboa, que contactam o médico que subscreve a suspensão da medicação e ainda em 2 de junho de 2015, o Autor dá conhecimento à …. da situação atrás referida.
MM.Em 3 de junho de 2015, encontrando-se na situação de incapacidade temporária para o trabalho derivada à reação à medicação, o Autor informa a CCC, na pessoa da chefe de base – …, que o retira da escala (NoFly) depois de o Autor submeter o Relatório de Fadiga (UNFIT) - frf1/41599.
NN.Em 4 de junho de 2015, o Autor envia email à …, dando-lhe conhecimento dos efeitos da medicamentação.
OO.Em 14 de julho de 2015, o Autor informa à Entidade Empregadora o teor do atestado médico emitido pelo Dr. … do qual consta: “(…) que o Sr. … (…) não deve ter uma carga de trabalho intensa diária, em número de voos, actividade essa que pode desencadear o quadro sintomático de síndrome vertiginoso, já anteriormente apresentado. (…)”
PP.Uma vez que a Entidade Empregadora nada fez em relação à situação do Autor, este, viu-se na obrigação de proceder à participação do acidente de trabalho junto dos Serviços do Ministério Público do tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Central de Trabalho de Lisboa.
QQ.A 03/06/2016, foi emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho com início a 3 de junho de 2016 e termo a 14 de Junho de 2016; a 16/06/2016, foi emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho com início a 15 de junho de 2016 e termo a 14 de Julho de 2016.
RR.A situação de saúde do A. supra-descrita manifestou-se devido ao elevado ritmo de trabalho e ao fato de ter que diariamente efetuar 4 setores, implicando tal facto 4 voos diários com 4 descidas e 4 levantamentos diários, o que lhe trouxe agravamento na sua saúde.
SS.O Autor, por força do acidente de trabalho em causa despendeu a quantia de 26,40€, em deslocações ao tribunal e ao INEM, em transportes públicos.
TT.A patologia que o Autor padece resulta de um processo arrastado de fadiga e ansiedade com eventual patologia dos ouvidos e com diagnóstico de síndrome vertiginoso que não resulta do episódio descrito em L).

VII-Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pág. 148).
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é saber-se se face aos factos dados como provados podemos concluir pela existência de um acidente de trabalho, designadamente porque se verificou um evento naturalístico externo à pessoa do sinistrado.

VIIIDecidindo.
A sentença recorrida decidiu pela inexistência de um acidente de trabalho por não se ter provado a ocorrência de um evento súbito, violento e externo ao trabalhador.
A mesma sentença abordou já, com inegável acerto, os aspectos relevantes relacionados com a problemática dos acidentes de trabalho, seus fundamentos e requisitos, bem como a sua aplicação ao caso concreto dos autos, escorada em pertinente Doutrina e Jurisprudência em termos tais que nos dispensamos de aqui estar a inutilmente repetir o que já foi dito, e bem.

Concordando-se inteiramente com a solução jurídica que foi encontrada, em face da matéria de facto que foi dada como provada, limitar-nos-emos a sublinhar os aspectos mais decisivos.
Assim:
- É elemento fundamental para que se possa falar de acidente de trabalho a ocorrência de um evento externo, súbito, violento e inesperado;
- O autor não estava dispensado de fazer a prova da existência desse evento;
- Dos factos provados não se retira ter ocorrido um evento com as apontadas características mas apenas que o autor, no dia 3 de Outubro de 2014 sentiu-se mal durante o serviço de bordo na aeronave que fazia o voo de … para …, tendo ficado com mal-estar generalizado, desequilíbrio, dificuldade de percepção, distorção espacial, confusão mental e dificuldades de comunicação;
- A situação de saúde do autor manifestou-se devido ao elevado ritmo de trabalho e ao facto de ter de diariamente efectuar 4 voos diários, agravando-lhe a sua saúde, sendo causado por um processo arrastado de fadiga e ansiedade com eventual patologia dos ouvidos e com diagnóstico de síndrome vertiginoso, o qual não resultou do episódio do dia 3/10/2014, (conforme factos provados E), L), RR) e TT).

Alvitrou ainda o apelante, nas suas alegações e conclusões de recurso, que a causa exterior ocorreu efectivamente e se consubstanciou num esforço físico excessivo por parte do autor naquele dia 3/10/2014. Porém, percorrendo o conjunto dos factos provados não se encontra nenhum que nos diga que, naquele dia e ocasião, o autor ao executar o normal serviço de bordo na aeronave tenha efectuado qualquer esforço excessivo, anormal ou fora do comum.

Deste modo, competindo ao autor a alegação e prova da existência do evento sofrido e não o tendo feito não está demonstrada nos autos a verificação de um evento naturalístico externo à pessoa da sinistrada.

Por fim, diga-se ainda que, como nos esclarece Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. Almedina, pag. 140, as doenças profissionais são as “provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por força da sua função laboral, estão habitual ou continuamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa função.”

E nos termos do art, 283º-2-3 do CT/2009, as doenças profissionais constam da lista organizada e publicada no Diário da República, sendo que a lesão corporal, funcional ou a doença não incluída naquela lista são indemnizáveis desde que se prove serem consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não representem normal desgaste do organismo. Assim também constando do art. 94º da Lei nº 98/2009 de 4/9.

Ora era já exactamente este o sistema existente no art. 27º da LAT/97. E a propósito, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. Almedina, pag. 142, explicava que O sistema adoptado pelo legislador português enquadra-se, claramente no sistema misto, na medida em que, em relação às afecções constantes da lista oficial, a vítima não tem que fazer prova do nexo de causalidade entre a contracção da doença e a natureza do trabalho; mas tem de fazer essa prova em relação a todas as afecções que não constem da listagem.”

E acrescentava a fols. 144, relativamente às doenças constantes da lista oficial, queem primeiro lugar a vítima deve trazer a prova de que, por um lado, a sua enfermidade está inscrita na lista de doenças e, por outro lado, esteve exposta, por força da natureza e condições do trabalho efectuado, à acção dos agentes nocivos que a própria lista também enumera.
A prova destes dois factos determina uma presunção de imputabilidade da doença ao trabalho, a qual, todavia, pode ser ilidida. Mas, para que isso aconteça. Torna-se necessário demonstrar que a doença de que a vítima padece é devida a causa estranha ao agente nocivo a que esteve exposta.”

Os presentes autos e a presente apelação não são o meio próprio nem o momento para se aferir da eventual existência de uma doença profissional, mas dada a não verificação de um acidente de trabalho, aqui confirmada, e como a decisão de não reconhecimento de doença profissional por parte da Segurança Social se fundou no erróneo pressuposto da existência de um acidente de trabalho (constante de fols. 34 a 38 do Apenso de Fixação de Incapacidade), parece o autor, pelos elementos disponíveis nos autos, não estar impedido de discutir em sede própria a possibilidade de existência de doença profissional, pelo menos na vertente da doença não constante  da lista oficial, assim se venham a mostrar reunidos todos os necessários pressupostos.

A sentença recorrida não merece censura e é de confirmar inteiramente.

IXPelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias a cargo do autor, sem prejuízo do benefício do Apoio Judiciário.



Lisboa, 26/1/2022



Duro Cardoso
Albertina Pereira
Leopoldo Soares