Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5/14.4T2MFR.L1-2
Relator: MAGDA GERALDES
Descritores: NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL COMUM
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A notificação judicial avulsa constitui um acto judicial que não se insere em qualquer processo pendente, tendo “lugar como que em processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva”, permitindo realizar “actos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a haver dúvidas”.
II – Não se discutindo no pedido da notificação judicial avulsa qualquer relação jurídica, não pode o critério da pretensão deduzida em juízo, que será sempre aferido em face da análise da estrutura da relação jurídica subjacente ao direito invocado, ser determinante para a determinação da competência material do tribunal, a qual se afere, como é sabido, pela articulação da causa de pedir e do pedido formulados pela parte, não se podendo afirmar, ainda que abstractamente, que se está perante um litígio nos termos e para os efeitos do disposto no artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, para efeitos de aferir a competência material do tribunal para ordenar uma notificação judicial avulsa.
III - Face à regra do carácter residual da competência dos tribunais comuns, consistindo a pretensão dos autos, simplesmente, em que se dê conhecimento a um associado da requerente da acusação que contra si foi deduzida no âmbito de um processo disciplinar que a mesma lhe move, não sendo processualmente exigido que, subjacente a tal notificação preexista sequer uma relação jurídica entre a requerente e o  notificando, a competência material para proceder à requerida notificação judicial avulsa pertence ao tribunal judicial.
IV – O carácter residual da competência dos tribunais judiciais decorre do facto de os mesmos serem a regra dentro da organização judiciária, gozando de uma competência não discriminada, sendo os restantes tribunais a excepção, com a respectiva competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
       
A, identificada nos autos, interpôs recurso de apelação do despacho que indeferiu liminarmente, com fundamento na incompetência material do tribunal, o pedido de notificação judicial avulsa de B do despacho de acusação proferido em sede de procedimento disciplinar contra este instaurado.

Em sede de alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

“A) A A requereu junto do Tribunal Judicial a notificação judicial avulsa de uma sua associada, visando assegurar a sua notificação do despacho de acusação proferido no âmbito de um processo disciplinar em que é visada.
B) Com efeito, toda a correspondência remetida à associada é devolvida, por não reclamada, embora regularmente remetida para a morada que indicou à Instituição.
C) O Tribunal a quo, todavia, declarou-se absolutamente incompetente para apreciar e executar a diligência solicitada.
D) Considerou ao MM. Juiz que o tribunal competente para a promoção de uma notificação judicial avulsa será o Tribunal Administrativo por estar em causa a notificação de um despacho de acusação prolatado em sede de processo disciplinar o qual consubstancia a manifestação de um poder público atribuído à A enquanto associação pública.
E) O que se discorda, pois é incontroverso que a regra geral atinente à competência material é atribuída globalmente, por via negativa, aos Tribunais Judiciais.
F) Mais, a atribuição da competência deve basear-se essencialmente num critério material, assente na natureza das relações jurídicas em causa e não na dos respectivos titulares.
G) E, in casu, não está em causa a execução de nenhuma pena ou sanção aplicada pela ora recorrente no exercício das suas funções de autoridade.
H) Pretendeu apenas a ora recorrente que, por via da notificação judicial avulsa, seja dado conhecimento ao Técnico Oficial de Contas do despacho de acusação proferido no âmbito de um procedimento disciplinar.
I) Já que, nos termos do disposto no artº 75º nº2 do Estatuto da A, aprovado pelo Decreto-Lei 310/09, de 26 de Outubro “o arguido é notificado da acusação pessoalmente ou por carta registada, com aviso de recepção, com a entrega da respectiva cópia” e, perante a frustração da notificação ao notificando, por meio de carta registada com aviso de recepção, requereu-se, assim, a sua notificação por meio de notificação judicial avulsa.
J) O Tribunal a quo é pois o materialmente competente, em razão da matéria, para executar a diligência requerida – uma mera notificação judicial avulsa.
K) Aliás, conforme entendimento da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, 1ª secção, no âmbito do Proc. 1368/09.9YRLSB, Apelação 2, o que aqui está em causa “tem a ver com o processo extrajudicial invocado pela requerente para justificar o seu interesse na notificação, mas constitui uma diligência completamente autónoma da relação jurídica que intercede entre a requerente e a notificanda, reflectida nesse processo extrajudicial, verifica-se que simplesmente se requer que se dê conhecimento de certo facto à notificanda”.
L) E, ainda de acordo com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa “deste modo em causa não está qualquer relação jurídica e, consequentemente, não é possível afirmar que na notificação judicial avulsa em apreciação se discute uma relação jurídica administrativa, não é possível afirmar que em causa se acha um litígio nos termos e para os efeitos do disposto no artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro”.
M) A causa, na notificação judicial avulsa em apreciação, reduz-se à actividade a exercer conducente a dar conhecimento ao notificando de que pode apresentar a sua defesa.
N) Crê-se, portanto, que para o efeito pretendido, o Tribunal a quo é, pois, materialmente competente.
O) Tal como foi entendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 8ª Secção (Proc.º 1086/10.5 T2AMD.L1), de 02/11/2010 “ (…) não há qualquer conflito de interesses a resolver nem se discute qualquer relação jurídica. Estamos perante um processo extrajudicial e a pretensão da recorrente é a de tão só dar conhecimento de certo facto à requerida. Não estando em causa qualquer relação jurídica, não se pode atribuir competência aos tribunais administrativos”.
P) De igual modo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 8ª Secção, proc.º 723/10.6 T2AMD.L1, de 10/12/2010, firmou-se que “no despacho recorrido, o Mº juiz a quo analisa a natureza jurídica da relação jurídica, quando não é este que é posto à consideração do tribunal. Qualquer que seja a natureza da relação jurídica, actue ou não a parte no exercício de poder público, nada disto integra o medro requerimento de notificação avulsa, que seria exactamente o mesmo estivesse a requerente dotada de autoridade ou não”.
Q) De resto, o entendimento agora perfilhado uma vez mais resultou bem evidenciado nas conclusões da decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa, 8ª secção, proc. 75/12.0 T2MFR.L1, de 21.05.2012, de acordo com a qual “a notificação judicial avulsa visa dar conhecimento a alguém de algum facto que não seja ilegal ou imoral, não se destinando a resolver qualquer conflito de interesses, pelo que não se configura como uma qualquer acção”.
R) E, no mesmo sentido, vd. a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 6ª secção, proc. 154/12.3 T2MFR.l1, Apelação-2ª, de 28/09/2012.
Termos em que, dando provimento ao presente recurso, deverá ordenar-se a revogação do despacho recorrido para ser substituído por outro que reconheça a competência dos tribunais comuns e ordene o prosseguimento dos autos com a realização da requerida diligência de notificação judicial avulsa do requerido.”

Não existem contra-alegações nos autos.

Questão a apreciar: competência material do tribunal para o pedido.

FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS

Mostram os autos que:
a) – pelo requerimento de fls. 2 e seguintes a A, ora recorrente, solicitou a notificação judicial avulsa a B, do despacho de acusação contra si proferido em sede do procedimento disciplinar instaurado, visando a entrega ao mesmo de tal despacho de acusação e querendo, apresentar a sua defesa por escrito, no prazo de 20 dias a contar do conhecimento de tal notificação;
b) – pelo despacho recorrido foi indeferida liminarmente esta pretensão tendo-se declarado o tribunal incompetente em razão da matéria “para apreciar da viabilidade em abstracto da diligência solicitada e, consequentemente, para a executar” – cfr. despacho de fls. 8 a 10.

O DIREITO

Nos presentes autos a recorrente, a A, requereu junto do Tribunal Judicial a notificação judicial avulsa de um seu associado, pretendendo assegurar a sua notificação do despacho de acusação proferido no âmbito de um processo disciplinar em que é visado.
Alegou que toda a correspondência remetida ao associado é devolvida, por não reclamada, embora regularmente remetida para a morada que indicou à instituição.
Na decisão recorrida entendeu-se que a notificação solicitada deveria tê-lo sido “no Tribunal Administrativo territorialmente competente, o materialmente apto a ajuizar em abstracto do bem fundado da pretensão da aqui requerente, e em face da competência material residual dos tribunais judiciais a que acima se aludiu, não resta senão concluir pela incompetência material deste Tribunal para a realização da diligência em causa.” 
Declarou-se, assim, o tribunal a quo, tribunal judicial, absolutamente incompetente para apreciar e executar a diligência solicitada, por estar em causa a notificação de um despacho de acusação proferido em sede de processo disciplinar “o qual consubstancia a manifestação de um poder público atribuído à A enquanto associação pública.”

A questão que se coloca é a de saber se a competência para ordenar a requerida notificação judicial avulsa está atribuída à ordem dos tribunais judiciais ou à ordem dos tribunais administrativos.
      Nos termos do disposto no artº 212º, nº1da CRP, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas as outras ordens judiciais”.
  O artº 66º do CPC determina que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
O carácter residual da competência dos tribunais comuns também encontra expressão no artº 18º, nº1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei nº 3/99, de 13.01, quando estabelece: “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
     No termos do disposto no artº 212º, nº3 da CRP “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”
         Os tribunais administrativos e fiscais integram, assim, face à lei fundamental, a categoria dos tribunais com estatuto autónomo e com competência específica para o julgamento de litígios emergentes de relações administrativas e fiscais, podendo considerar-se como os tribunais comuns da ordem judicial administrativa enquanto jurisdição própria, ordinária, e não jurisdição especial ou excepcional, em face dos tribunais judiciais, na linha do disposto no artº 209º da CRP e face ao disposto na parte final do artº 211º, nº1 da CRP, que atribui aos tribunais judiciais uma competência jurisdicional residual, por forma a que questões de natureza administrativa passam a pertencer à ordem judicial administrativa quando não estejam expressamente atribuídas a nenhuma jurisdição.
Todavia, o âmbito da jurisdição administrativa, não se determina, no plano substancial e funcional, apenas com base nos preceitos constitucionais, mas também, e naquilo que ao caso em apreço interessa, no recorte orgânico-processual que o legislador ordinário deu à jurisdição administrativa, concretamente no actual ETAF.
         Assim, o artº 1º, nº1 do ETAF, ao dispor que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”, reafirma a cláusula geral estabelecida na CRP que define a competência dos tribunais administrativos de um ponto de vista substancial, referindo-a aos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
         Por sua vez, o artº 4º do ETAF determina a competência da jurisdição administrativa, quer através de enumerações dos litígios nela incluídos - enumeração positiva - quer através dos excluídos -
enumeração negativa.
        Desde logo, o nº1 - a) do artº 4º do ETAF estabelece, de forma global quanto aos litígios jurídico-administrativos, que “
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;”.
        Esta al. a) do nº1, complementada com a al. b), primeira parte, do mesmo nº1, que refere “b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, (...)”, é a norma geral em matéria de delimitação da jurisdição administrativa, aquela que, na sequência do artº 1º, nº1 do ETAF, reconhece os respectivos tribunais como tribunais comuns do direito administrativo, atribuindo-lhes competência para dirimir quaisquer litígios que sejam regulados pelo direito administrativo, e que não estejam expressamente atribuídos a tribunais de outras ordens (neste sentido, cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in CPTA, Vol. I, anotado, Almedina, 2004, pag. 40).
   As als. c) a n) do nº1 e os nºs 2 e 3 do artº 4 do ETAF não carecem aqui de referência, uma vez que a competência aí atribuída à jurisdição administrativa não releva para a apreciação do recurso ora presente.
         Referidas que são as pertinentes normas legais de atribuição da competência, e porque a competência do tribunal se afere, no caso concreto, em função de tais normas de atribuição com a conjugação da análise da estrutura da relação jurídica subjacente ao direito invocado, tal como ela é delimitada pela parte, bem como pelo pedido efectuado ao tribunal, importa apurar se  nos presentes autos estamos perante o pedido de uma composição de um qualquer litígio, e se, em caso afirmativo, tal litigio tem natureza  jurídico-administrativa, tal como decidiu o tribunal recorrido, ou seja, um litígio emergente de relações jurídicas administrativas.
No presente caso podemos afirmar, em síntese, que a ora recorrente solicitou junto do tribunal judicial a notificação judicial avulsa de um seu associado para efeitos de o mesmo tomar conhecimento da acusação que contra si foi deduzida no âmbito de um processo disciplinar que a recorrente lhe move.
Nos termos do disposto no artº 256º, nº1, do CPC (aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06),  “1. As notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene e são feitas pelo agente de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça, nos termos do nº 9 do artigo 231º, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem.”     
         A notificação judicial avulsa constitui um acto judicial que não se insere em qualquer processo pendente, tendo, como refere José Lebre de Freitas in CPC Anotado, vol.1º, 2ª Ed., Coimbra Editora, pag. 499, “lugar como que em processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva” (Manuel de Andrade, Noções cit., p.115), permitindo realizar “actos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a haver dúvidas” (Castro Mendes, Direito processual civil cit., II, p. 530)”.
         Com o despacho prévio do juiz previsto no citado artº 256º, nº1 do CPC, visa-se, essencialmente apreciar da validade formal do requerimento, apurar da existência, em termos abstractos, do direito subjacente ao requerido na notificação judicial avulsa e por último verificar da legitimidade do requerente e do destinatário em face do peticionado. (cfr. Ac. RL de 29.09.05, in proc. 7196/2005-2, disponível in www.dgsi.pt)
        Assim, relativamente á validade formal do requerimento, deve o juiz, para além de apreciar a inteligibilidade do requerimento em si, verificar se é o meio próprio para o requerente providenciar pelo direito de que se arroga, podendo indeferir tal requerimento nomeadamente se for ininteligível ou se houver erro na forma de processo.
         No que diz respeito à apreciação da legalidade em abstracto do direito invocado, deve o juiz apreciar se o mesmo está legalmente consagrado na lei vigente, com vista a evitar o exercício de pretensões ilegais.
Por último, deve o juiz verificar, se face ao requerido, em abstracto, o requerente é o titular do direito invocado, ou se o exerce legalmente por força de qualquer norma legal ou disposição contratual e ainda se o destinatário tem legitimidade para receber a notificação. (cfr. Ac. RG de 04.12.2002, in proc.  1130/02-2, disponível in www.dgsi.pt)
A notificação judicial avulsa não admite oposição, o notificando não é admitido a opor-se ao fim que o requerente pretende conseguir com a diligência, nem à pretensão que ele expõe no seu requerimento, e, ao contrário do que se estabelece para as acções no artº 3º, nº 1, do CPC, as notificações judiciais avulsas não se destinam a resolver qualquer conflito de interesses, não servem para dirimir litígios, não se configuram como acções, realizam-se fora de qualquer processo, limitando-se  a servir para dar conhecimento de um facto a alguém.
A pretensão deduzida em juízo pela ora recorrente não respeita a  qualquer conflito de interesses a resolver nem se discute qualquer relação jurídica. Estamos perante um processo extrajudicial e a pretensão da recorrente é tão só a de dar conhecimento de certo facto ao requerido.
Ora, se no pedido da notificação judicial avulsa em causa não se discute qualquer relação jurídica, não se pode afirmar que, ainda que abstractamente, se esteja perante uma relação jurídica administrativa, não sendo possível afirmar que em causa esteja um litígio nos termos e para os efeitos do disposto no artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
         Com efeito, da apreciação da  notificação judicial avulsa em causa decorre que não há qualquer conflito de interesses a resolver num  qualquer processo judicial em curso, tendo a mesma a ver apenas com o processo extrajudicial invocado pela requerente para justificar o seu interesse na notificação, constituindo uma diligência completamente autónoma da relação jurídica que ocorre entre a requerente e o notificando, reflectida nesse processo extrajudicial, verificando-se que, simplesmente, se requer que se dê conhecimento de certo facto ao notificando, sendo certo que a lei processual não exige que, subjacente à notificação preexista sequer uma relação jurídica entre o requerente e o(s) notificados/requeridos. Basta o interesse legítimo do requerente em dar conhecimento de determinado facto a alguém. (cfr. decisão da RL de 19.09.2007, in proc. 7678/2007-1, disponível in www.dgsi.pt)
Não estando em discussão qualquer relação jurídica invocada pela  recorrente, não pode o critério da pretensão deduzida em juízo, que será sempre aferido em face da análise da estrutura da relação jurídica subjacente ao direito invocado, ser determinante para a determinação da competência material do tribunal, a qual se afere, como é sabido, pela articulação da causa de pedir e do pedido formulados pela parte, sendo que a  causa, na notificação judicial avulsa em apreciação, se reduz à actividade a exercer conducente a dar conhecimento ao notificando de que pode apresentar a sua defesa, por escrito, no prazo de vinte dias a contar da notificação.
Ora, os tribunais judiciais são a regra dentro da organização judiciária, gozando de uma competência não discriminada, sendo os restantes tribunais a excepção, com a respectiva competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
Assim sendo, face à regra do carácter residual da competência dos tribunais comuns, de acordo com as normas legais supra referidas a este respeito, consistindo a pretensão dos autos,  simplesmente, em se requerer que se dê conhecimento de certo facto ao notificando, não sendo processualmente exigido que, subjacente a tal notificação preexista sequer uma relação jurídica entre a requerente e o  notificando, a competência material para proceder à requerida notificação judicial avulsa pertence ao tribunal recorrido.

   Pelo exposto, procedem as conclusões das alegações de recurso, merecendo este provimento, devendo a decisão recorrida ser revogada, reconhecendo-se a competência material do tribunal recorrido para apreciar e decidir da requerida notificação judicial avulsa.
        
         DECISÃO

     Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, 2ª Secção Cível em:
         a) – conceder provimento ao recurso de apelação, revogando a decisão recorrida nos termos referidos;
         b) – sem custas.

         LISBOA, 03.04.2014

         Magda Geraldes

         Farinha Alves

         Tibério Silva