Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
645/12.6TVLSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DIREITO DE REGRESSO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Pretendendo a segurada fazer valer os contratos de seguro cabia-lhe ter alegado que as condições gerais e especiais onde constam as cláusulas de exclusão da cobertura não lhe foram comunicadas.
- Tendo o sinistro ocorrido durante a utilização de reboque acoplado a um veículo com motor numa actividade viária ainda que num local ou via particular, isso significa que ocorreu um acidente de viação, pois está em causa a perigosidade inerente à circulação terrestre.
- O prazo de prescrição parcialmente aplicável ao direito de regresso da seguradora previsto no art. 32º nº 2 da LAT (DL 100/97 de 13/9) é de 3 anos.
- Esse prazo de prescrição não deve iniciar-se nem correr autonomamente para cada um dos pagamentos parcelares que integram um mesmo núcleo indemnizatório juridicamente diferenciado de outros valores indemnizatórios, desde que o período temporal a que cada um dos núcleos indemnizatórios respeita não seja de tal forma alargado que difira excessivamente o contraditório do demandado relativamente à causalidade e dinâmica do acidente.
- Os pagamentos de indemnizações para reparação de incapacidades temporárias e o pagamento do capital de remição para reparação da incapacidade permanente, embora tenham como causa a lesão da integridade física do sinistrado, são núcleos indemnizatórios autónomos e juridicamente diferenciados, justificando-se, por isso, que o prazo de prescrição do direito de regresso da apelada se tenha iniciado de modo autónomo relativamente a cada um deles.
- E mesmo no que respeita às indemnizações por incapacidades temporárias não se vê razão para integrar num só núcleo indemnizatório aquelas que foram pagas antes do pagamento do capital de remição e aquelas que foram pagas posteriormente, pois respeitam a períodos temporais claramente demarcados.
- Mesmo que se considerasse que o capital de remição e a pensão vitalícia integram um único núcleo indemnizatório, sempre seria de entender que, à semelhança dos casos de renda vitalícia, o prazo de prescrição do direito de regresso inicia-se e corre autonomamente em relação a cada pagamento parcelar, sob pena de ser quase imprescritível o direito da seguradora.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:


I – Relatório:


L … SA instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário, em 20/03/2012 contra P..., I... SA e V... SA, pedindo que sejam os RR solidariamente condenados a pagar à A. a quantia de 38.126,06 € acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como todos os montantes que futuramente liquidar ao sinistrado.

Alegou, em síntese:

- a A. celebrou com a G... Lda um contrato de seguro do Ramo de Acidentes de Trabalho, nos termos do qual assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores desta, onde se inclui I...;
- em 12/09/2007 ocorreu um acidente de viação no aeroporto de Lisboa em que foram intervenientes o veículo de matrícula 32-10-XU conduzido por I... e um atrelado que se soltou do veículo de matrícula 75-EE-49 seguro na R. V... e locado à R. I... conduzido pelo R. P... sob ordem e direcção desta última;
- o acidente ocorreu devido à ruptura do engate do atrelado levando a que se soltasse do veículo a que estava acoplado e fosse embater com violência no veículo conduzido por I...;
- o R. P... e a R. I... tinham conhecimento de que o atrelado não estava em condições de ser utilizado;
- do acidente resultaram ferimentos graves para I..., tendo a A. suportado despesas no montante global de 38.126,06 € na reparação do acidente de trabalho, havendo forte probabilidade de proceder a mais pagamentos a título de indemnizações com incapacidades, consultas e tratamentos, pelo que vem exercer nesta acção direito de regresso contra os RR nos termos do disposto nos nº 1 e 4 do art. 31º da Lei 100/97 de 13/09.

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O R. P... contestou, alegando, em resumo:

- o direito à indemnização invocado pela A. prescreveu pois aplica-se-lhe o prazo de prescrição de 3 anos nos termos do nº 1 do art. 498º do Código Civil, visto que os factos ocorreram no dia 12/09/2007 e a acção deu entrada em juízo em 20/03/2012;
- a R. I... tinha transferida a sua responsabilidade civil por danos causados por acidente de viação para a E..., pelo que o R. é parte ilegítima por força do disposto no art. 64º do DL 291/2007 de 21/08;
- o R. não teve culpa na produção do acidente, pois não podia prever que a lança do reboque se ia partir, uma vez que não tinha a cargo a verificação das condições de segurança dos veículos que lhe eram entregues para trabalhar.

Concluiu pugnando pela sua absolvição do pedido com fundamento na procedência da excepção de prescrição; quando assim não se entenda, pela absolvição da instância; e quando assim não se entenda, pela improcedência da acção por não provada.

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A R. V... SA, contestou, invocando, em resumo:

- é parte ilegítima, pois limitou-se a fazer a gestão e regularização do sinistro em nome e por conta da sua representada E...;
- o seguro na E... cinge-se aos danos resultantes da circulação do veículo 75-EE-49, não tendo sido assumido contratualmente o risco da sua circulação com atrelado ou reboque, que por isso está excluído da apólice;
- à cautela impugna os factos alegados na p.i.

Concluiu pugnando pela sua absolvição da instância e assim não se entendendo, pela sua absolvição do pedido.

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A Ré I... contestou, alegando, em síntese:

- o direito de regresso invocado pela A. está, pelo menos parcialmente, prescrito nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do art. 498º do CC, pois na versão da p.i. fez pagamentos há mais de três anos e o prazo prescricional opera relativamente a cada pagamento parcelar, estando na disponibilidade da A. pedir a condenação em créditos futuros, pelo que não podia aguardar, para exercer o seu invocado direito de regresso, que os pagamentos ao lesado fossem efectuados na sua totalidade nem esperar que  ele tivesse ou não recaídas, pois de outro modo poderia alargar-se desmesuradamente o prazo de prescrição para o exercício do direito de regresso;
- a A. peticiona o pagamento de quantias que sempre seriam da sua responsabilidade pois celebrou com a contestante um seguro de responsabilidade civil de exploração que estava em vigor na data em que ocorreu o sinistro e que cobria os riscos da actividade de assistência em escala (assistência a aeronaves) que exercia no aeroporto de Lisboa, neles se incluindo os danos causados a terceiros;
- à data do sinistro, aquele atrelado, destinado à recolha e transporte de lixos, não estava abrangido pelo seguro automóvel obrigatório pois só era utilizado dentro das zonas operacionais do aeroporto e estas não são vias públicas;
- impugna parte dos factos alegados pela A., designadamente quanto à versão sobre a eclosão do acidente e prejuízos suportados em consequência dos danos sofridos pelo lesado I...;
- à data do acidente estava também em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil de exploração celebrado entre a contestante e a L... SA que garantia os riscos da sua actividade no aeroporto de Lisboa, devendo ser admitida a intervenção principal provocada desta seguradora;
- à cautela, face ao que alegou a R. V..., deve ser também chamada a intervir a E....
Concluiu pugnando pela sua absolvição do pedido e requerendo a intervenção principal da L... SA e da E...

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A A. replicou, dizendo, em resumo:

- ainda não se iniciou a contagem do prazo de prescrição do direito de regresso pois a sua obrigação ainda não cessou, em virtude de o sinistrado não estar definitivamente ressarcido de todos os danos e poder solicitar sucessivas revisões da incapacidade;
- mas sempre a A. beneficiaria da extensão do prazo de prescrição nos termos do nº 3 do art. 498º do CC, além de que o prazo de prescrição de cinco anos previsto no art. 32º da LAT (Lei 100/97) se aplica pelo menos à pensão atribuída por sentença ao sinistrado;
- o acidente em causa é de viação e por isso não está abrangido pelas garantias do seguro que a R. I... celebrou consigo como resulta do art. 4º das Condições Gerais da apólice, mas ainda que assim não se entenda, sempre a I... teria de suportar a franquia contratual;
- a R. V... é parte legítima pois tem poderes para pagar indemnizações por conta e à ordem da E...;
- o R. P... é parte legítima à luz do art. 26º do CPC, além de que está por decidir se o reboque estava ou não garantido pelo seguro do veículo EE e/ou se estava ou não sujeito à obrigação de segurar.

A final requereu a intervenção principal provocada da E... e do Fundo de Garantia Automóvel.

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Foi admitida a intervenção da L ... SA, da E... e do Fundo de Garantia Automóvel.

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A chamada L ... SA contestou pugnando pela improcedência da acção no que a si respeita, invocando, em síntese:

- como consta na p.i. o sinistro consistiu num acidente de viação;
- o veículo 75-EE-49 e respectivo atrelado estão sujeitos a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel;
- de acordo com o art. 2º das Condições Gerais da apólice, o contrato de seguro do ramo responsabilidade civil – exploração celebrado entre a I... e a contestante não dá cobertura aos pedidos deduzidos pela A.

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A chamada E... contestou, alegando, em síntese:

- o direito de regresso invocado pela A. relativamente à quantia de 26.159,83 € alegadamente liquidada no período de 23/10/2007 a 26/08/2009 prescreveu nos termos do art. 498º nº 2 do CC por ter decorrido o prazo de 3 anos a contar do cumprimento;
- o seguro contratado com a ora contestante apenas cobria a responsabilidade civil pela circulação na via pública do veículo 75-EE-49, estando excluído o reboque pois na apólice não se faz referência a reboque ou à possibilidade de rebocar qualquer atrelado.;
- impugna os factos alegados pela A..

Terminou, pugnando pela procedência da excepção de prescrição e pela sua absolvição do pedido.

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O chamado Fundo de Garantia Automóvel contestou, invocando, em resumo:

- o contestante é parte ilegítima pois tendo sido a vítima ressarcida a título de acidente de trabalho, a A. tem direito de regresso apenas contra os  responsáveis pelo acidente;
- além disso, o veículo alegadamente causador do acidente não estava sujeito a seguro obrigatório uma vez que o local não é uma via pública;
- o direito da A. prescreveu pelo decurso do prazo de 3 anos previsto no art. 498º do CC;
- impugna nos factos alegados pela A.

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No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo R. P... e foram julgadas partes ilegítimas e absolvidos da instância a R. V... SA e o chamado Fundo de Garantia Automóvel.

Relegou-se para final o conhecimento da excepção de prescrição.
Foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

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A A. requereu a ampliação do pedido no valor de 7.743,38 € em 29/01/2014, alegando, em síntese:

- no âmbito de incidente de revisão da incapacidade do sinistrado I... foi proferida decisão aumentando a sua pensão anual e vitalícia;
- além disso, após a propositura da acção a A. continuou a suportar despesas decorrentes de tratamentos e pagamentos de pensões.

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A ampliação foi admitida e foi exercido o direito ao contraditório.

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Realizada a audiência final – em que se procedeu a aditamentos aos temas de prova por despachos de fls. 603 e de fls. 673 - foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente nestes termos:

«- condeno os RR P... e I... SA a pagar à A. a quantia de € 45.870,44, acrescida dos juros de mora vencidos desde a data de citação dos mesmos, à taxa de 4% ao ano e vincendos a esta mesma taxa e até integral pagamento, absolvendo os RR em causa do mais que era peticionado;
- absolvo as Intervenientes E... e L ... SA do pedido contra as mesmas formulado.».

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Inconformados, apelaram os RR I... SA e P....

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- Apelação da Ré I... SA -

A apelante terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:

1.ª Conforme se expendeu no capítulo I das alegações, o presente recurso tem como objeto a impugnação da douta decisão de condenação parcial da ré I... no pedido formulado pela autora e, bem assim, da decisão de absolvição da interveniente L... do pedido formulado;
2.ª O recurso visa impugnação da sentença recorrida na sua fundamentação de facto e de direito, tendo como objeto a reapreciação da prova gravada;
3.ª Salvo o devido respeito, que é muito, não andou bem o julgador a quo ao não considerar provada a circulação/utilização exclusiva do reboque em apreço nos autos dentro do aeroporto de Lisboa (cfr. alínea b) da fundamentação de facto);
4.ª Com efeito, vistos os concretos meios probatórios acima indicados (depoimentos prestados pelas testemunhas I..., L..., P..., C... e V...), a sua razão de ciência e as respetivas passagens da gravação, resulta bem claro que o reboque/atrelado do veículo 75-EE-40 apenas circulava e, como tal, era utilizado pela recorrente dentro do aeroporto de Lisboa e nunca na via pública, facto que deveria ter sido considerado provado;
5.ª Errou, pois, o julgador a quo ao considerar não ter sido produzida prova de tal facto (foi produzida prova testemunhal abundante, como acima se retratou) e ao analisar de forma errada o depoimento da testemunha V..., a qual, confirmou, sem margem para dúvidas (como resulta das passagens indicadas) que o reboque em apreço só circulava na área do aeroporto, não saindo do seu perímetro, portanto;
6.ª Impõe-se, pois, o proferimento de uma decisão que altere a decisão proferida pelo tribunal recorrido a este respeito e dê como provado que o reboque/atrelado do veículo 75-EE-40 apenas circulava e, como tal, era utilizado pela ré I... dentro do aeroporto de Lisboa e nunca na via pública;
7.ª Tal facto, como é evidente, assume manifesta relevância para a decisão da causa, pois que, para além do sinistro ter ocorrido dentro do aeroporto de Lisboa (no denominado lado “AR”), o facto de o reboque não deixar o perímetro do local onde é realizada a empreitada de limpeza de aeronaves (e de, inclusivamente não ter matrícula), evidencia que o mesmo não estava obrigado a seguro automóvel obrigatório e, no momento do sinistro, estava em laboração no âmbito da atividade de assistência em escala segurada pela própria autora e pela interveniente L...;
8.ª Salvo o devido respeito, que é muito, a ora recorrente entende que o tribunal recorrido errou ao considerar provada a matéria constante dos números 25, 26, 28, 30, 31, 33, 35 e 36 da alínea a) da douta fundamentação de facto;
9.ª Com efeito, visitada a motivação apresentada pelo tribunal e, bem assim, cotejada essa motivação com os concretos meios probatórios invocados pela recorrente, é forçoso concluir que se impõe uma decisão inversa da recorrida, isto é, uma decisão que julgue não provada a matéria ali referida na sentença recorrida;
10.ª Como se aduziu, da reapreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas I... (manifestamente vago) e A..., resulta claro, pelas razões expendidas nas alegações, que os mesmos foram erradamente apreciados pelo tribunal, em especial, o depoimento de A..., por falta de conhecimento direto e suficiente dos factos constantes dos pontos 25, 26, 30 e 31 da fundamentação de facto da douta decisão recorrida, desde logo por a realização e confirmação de pagamentos a sinistrados não estar incluída no exercício das suas funções como gestor de sinistros;
11.ª No que tange aos documentos apreciados pelo tribunal recorrido, resulta claro que a autora (recaindo sobre si o ónus da respetiva prova, nos termos legais) não juntou aos autos qualquer documento comprovativo dos pagamentos que constam dos pontos 25, 26, 30 e 31 da matéria de facto provada, situação que o julgador a quo não poderia deixar de considerar, desde logo, à luz do ónus de prova previsto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil;
12.ª In casu, sem tais documentos comprovativos, não podia o tribunal recorrido dar como provado que tais pagamentos feitos a I... foram efetivamente realizados ou sequer justificados. A autora, companhia de seguros que decerto guardará na sua contabilidade os documentos justificativos e comprovativos dos pagamentos que realizou ao sinistrado I..., tinha o ónus de os juntar e não o fez;
13.ª A este respeito, a autora limitou-se a juntar aos autos um mero extrato de conta com diversos lançamentos realizados (cfr. documento n.º 6), documento que constitui um mero documento contabilístico interno e que não constitui, portanto, qualquer justificativo e comprovativo dos pagamentos realizados a I...;
14.ª Impõe-se, como tal, por tudo o acima exposto, uma decisão inversa da recorrida a este respeito e, em consequência, que seja modificada a decisão recorrida e, como tal, seja considerado não provado o que consta dos pontos 25, 26, 30 e 31 da fundamentação de facto;
15.ª A matéria dada como provada no ponto 28 da fundamentação de facto também não pode manter-se e deve ser modificada;
16.ª Com efeito, dúvidas não existem de que a autora pagou a I... uma determinada quantia a título de capital de remição. Todavia, como decorre do documento n.º 4 junto com a petição inicial, o capital de remição a pagar ao sinistrado I... era de apenas € 13.814,19, sendo que as quantias de € 9,35 e de € 413,29 dizem respeito respetivamente a transporte e juros de mora;
17.ª Em face do acima exposto não poderia o julgador a quo considerar provado que a autora pagou ao sinistrado a quantia de € 14.236,83, a título de capital de remição, facto que é contrariado pelos próprios documentos juntos aos autos pela autora;
18.ª Em face do acima exposto, impõe-se também quanto ao ponto 28 dos factos provados uma decisão diversa da proferida e que dê apenas como provado que em 3 de Março de 2009 a autora procedeu ao pagamento a I... da quantia de € 13.814,19, a título de capital de remição, € 413,29 a título de juros de mora e € 9,35 a título de transportes” (cfr. termo de entrega do capital de remição que constitui o documento junto pela autora com o requerimento com a referência 14974840);
19.ª Errou ainda o tribunal a quo ao considerar provada a matéria constante dos pontos 33, 35 e 36 da fundamentação de facto da douta decisão recorrida.
20.ª Com efeito, a matéria provada diz respeito ao conteúdo das condições gerais das apólices atinentes aos contratos de seguro de responsabilidade civil de exploração (referentes à atividade de assistência em escala exercida pela ré no aeroporto de Lisboa), celebrados entre a ré I... e a autora e entre a ré I... e a interveniente L..., respetivamente;
21.ª Visitada a motivação da decisão recorrida, temos que o tribunal a quo considerou provados os factos constantes dos aludidos pontos tendo por base o depoimento prestado pela testemunha A..., funcionária da interveniente L... e, bem assim, o teor dos documentos de fls. 100 a 102 e 182 a 195 dos autos;
22.ª Porém, nem os documentos invocados pelo tribunal a quo nem o depoimento prestado pela testemunha A... permitem sustentar a factualidade dada como provada nos pontos 33, 35 e 36 acima referido;
23.ª O julgador a quo incorreu em erro na apreciação dos concretos meios de prova que invocou na motivação da sua decisão, dos quais decorre, pelo contrário, que a matéria de facto constante dos pontos em apreço deveria ter sido julgada não provada;
24.ª Na verdade, nem a autora nem a interveniente L... produziram prova bastante de que a ré I... se tenha vinculado e, portanto, tenha aceitado as condições gerais reproduzidas nos pontos 33, 35 e 36 da fundamentação de facto;
25.ª Tanto a autora como a interveniente L... limitaram-se, nos seus articulados, a juntar aos autos um documento contendo condições gerais com cláusulas de exclusão que alegaram ser aplicáveis às respetivas apólices de seguro, sendo evidente que tais documentos não se encontram assinados ou contêm qualquer evidência de terem sido subscritos ou aceites pela ré I...;
26.ª Estando em causa cláusulas contratuais gerais de um contrato de seguro, nem a autora nem a interveniente L... juntaram aos autos a proposta de seguro que alegadamente teria sido subscrita pela ré I... e na qual pudesse constar a sua aceitação das condições gerais e correspetivas cláusulas de exclusão invocadas pela recorrida L... e pela interveniente L...;
27.ª Acresce que a autora não produziu qualquer prova testemunhal ou outra de que tais condições gerais e especiais tenham sido aceites pela ré I... e que, portanto, esta se tivesse vinculado às respetivas cláusulas de exclusão;
28.ª Por seu turno, o depoimento prestado pela testemunha A..., trabalhadora da interveniente L... (e não da autora), como acima se denotou através das respetivas passagens, revelou-se manifestamente insuficiente para confirmar a vinculação da ré I... às cláusulas gerais alegadas e, como tal, à cláusula de exclusão de cobertura do ressarcimento dos danos referentes ao sinistro em apreço;
29.ª Na verdade, quando questionada sobre a forma como foi assegurada a vinculação da ora recorrente ao conteúdo das condições gerais invocadas pela interveniente L..., esta testemunha limitou-se a referir que aquelas condições gerais “são do conhecimento dos segurados”, não tendo conseguido explicar ao tribunal como foi efetivada a suposta vinculação/aceitação das mesmas pela ora recorrente;
30.ª Ademais, não podia o julgador a quo ignorar que estão em causa cláusulas contratuais gerais que estipulam cláusulas de exclusão de aplicação das apólices em apreço, pelo que não podia considerar provada a matéria constante dos pontos 33, 35 e 36 da fundamentação de facto sem que a autora e a interveniente produzissem prova da vinculação da ré I... àquelas cláusulas – cfr. artigo 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;
31.ª Como se viu, a autora e a interveniente L... não juntaram aos autos qualquer documento ou proposta assinada pela ré I... da qual decorresse que esta se vinculou às condições gerais e especiais a que aludem os ponto 33, 35 e 36 da matéria de facto provada;
32.ª Acresce que, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais, ónus que não foi igualmente satisfeito nem pela autora nem pela interveniente L...;
33.ª Em face do exposto e atendendo ao douto entendimento plasmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo n.º 1582/07.1tamt-b.p1.s1 (disponível em www.dgsi.pt) de 24 de Março de 2011, as cláusulas de exclusão integrantes das cláusulas contratuais gerais invocadas pela autora e pela interveniente L..., respetivamente, devem considerar-se excluídas dos respetivos contratos de seguro e, como tal, não provada a sua aceitação pela ré I...;
34.ª E isto, ainda que tais cláusulas pudessem ser habitualmente usadas pela autora e pela interveniente L... em contratos de seguro de responsabilidade civil de exploração, o que também não foi alegado, nem ficou demonstrado;
35.ª A impugnação da matéria de facto e, bem assim, a sua decisão nos termos que se preconizam no presente recurso, acarretam inegáveis consequências quanto ao direito aplicável;
36.ª Não tendo ficado provada a aceitação pela ré I... das condições gerais e especiais (CGE) invocadas pela autora, a cláusula de exclusão por esta invocada (prevista no artigo 4.º, alínea f), das CGE, reproduzida no ponto 33 da matéria de facto provada) fica excluída do contrato de seguro a que alude o ponto 32 da matéria de facto provada;
37.ª Logo, não andou bem o tribunal recorrido ao proceder à aplicação da cláusula de exclusão invocada pela autora;
38.ª Em consequência, deveria o julgador a quo ter julgado procedente a defesa apresentada pela recorrente a este respeito, julgando o pagamento das indemnizações decorrentes do sinistro ocorrido coberto pelo seguro de responsabilidade civil celebrado entre a ré I... e a autora L..., incluindo, portanto, as indemnizações e demais quantias devidas ao sinistrado I...;
39.ª Acresce que, como acima se demonstrou, compulsadas as condições particulares da apólice de seguro a que alude o ponto 32 da matéria de facto esta contempla a atividade de assistência em escala desenvolvida pela recorrente no aeroporto de Lisboa, incluindo o risco “pela utilização de máquinas necessárias à sua actividade”;
40.ª Pelo que, mesmo que se considerasse a ré I... vinculada às CGE invocadas pela autora (no que não se concede, nem ficou provado), o seguro em causa sempre contemplaria, nas suas condições especiais particulares, a cobertura do risco decorrente da utilização dos engenhos necessários à sua atividade no aeroporto de Lisboa, como é o caso do reboque/atrelado de recolha de lixo em aeronaves em apreço;
41.ª Aliás, como decorre do documento n.º 1 junto com a contestação, a apólice em apreço garantia, à data do sinistro, “a cobertura de auto assistência em escala conforme artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275/99, a que se refere o artigo 6.º do mesmo diploma”, sendo que dúvidas não podem subsistir de que o sinistro ocorreu no exercício da atividade de assistência em escala a aviões no aeroporto de Lisboa pela ré I... (atividade a que esta se dedicava na data dos factos, como se reconhece a fls. 23 da douta decisão recorrida);
42.ª A atividade de assistência em escala, como decorre da sua própria natureza, é realizada dentro dos aeroportos (em espaços privados ou de acesso condicionado, portanto), pelo que o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do sinistro ocorrido não podia nem pode deixar de se considerar garantido pela apólice de seguro em apreço;
43.ª Assim, embora o sinistro tivesse ocorrido numa altura em que o reboque estava a ser movimentado, o seguro enquadra-se inteiramente na apólice de responsabilidade civil emitida pela autora, pois que a atividade em causa caracteriza-se, precisamente, pela circulação de veículos dentro do local da empreitada de limpeza (aeroporto de Lisboa);
44.ª Ao contrário do que resulta da douta fundamentação de direito da decisão recorrida, à data do sinistro, o atrelado em causa (destinado à recolha e transporte de lixos) não estava obrigado pelo seguro automóvel obrigatório, pois esse atrelado era apenas utilizado dentro do aeroporto de Lisboa (local de risco convencionado na apólice de seguro em apreço);
45.ª As vias existentes no lado “AR” do aeroporto de Lisboa não configuram, como é por demais evidente, vias públicas ou vias terrestres abertas à circulação pública, pelo que não integram o conceito previsto no artigo 150.º do Código da Estrada (com a redação então em vigor) e, como tal, não se regem pelo regime do seguro automóvel obrigatório;
46.ª Devia, pois, o tribunal recorrido ter considerado inaplicável ao atrelado em apreço (na circulação dentro do aeroporto de Lisboa que exclusivamente efetuava) o regime do seguro de responsabilidade civil automóvel;
47.ª Como foi dito pelas testemunhas inquiridas sobre esta matéria, o atrelado em causa constitui um mero equipamento de recolha de lixos que não saía do aeroporto de Lisboa e, como tal, nunca circulava na via pública, aliás, nem sequer tinha matrícula;
48.ª Por tudo o exposto, impõe-se, assim, uma decisão inversa da recorrida e que considere os danos decorrentes do sinistro em causa garantidos pelos contratos de seguro de responsabilidade civil celebrado entre a autora e a ré I... para o aeroporto de Lisboa;
49.ª Em consequência, deveria o tribunal a quo ter considerado a própria autora responsável pelo ressarcimento dos danos que invoca (seja como seguradora de acidentes de trabalho, seja como seguradora da atividade da I... no aeroporto de Lisboa) e, em consequência, a ré I... ter sido absolvida do pedido;
50.ª Errou também o tribunal recorrido ao não considerar aplicável ao sinistro em apreço o contrato de seguro celebrado entre a ré I... e a interveniente L... e ao proceder à aplicação da respetiva cláusula geral de exclusão;
51.ª Não tendo ficado provada a aceitação pela recorrente das condições gerais invocadas pela L..., a cláusula de exclusão por esta invocada (reproduzida no ponto 36 da matéria de facto provada) ficou naturalmente excluída do contrato de seguro a que alude o ponto 34 da matéria de facto provada;
52.ª Deveria, pois, o julgador a quo ter julgado procedente a defesa apresentada pela ré I... a este respeito, julgando o pagamento das indemnizações decorrentes do sinistro ocorrido coberto pelo seguro de responsabilidade civil celebrado entre a ré I... e a interveniente L..., incluindo, portanto, as indemnizações e demais quantias devidas ao sinistrado I...;
53.ª Acresce que, mesmo que tais cláusulas gerais alegadas pela L... fossem aplicáveis, também a cláusula de exclusão alegada se deverá inaplicável porquanto o risco de movimentação do atrelado em apreço não se encontrava sujeito ao regime do seguro de responsabilidade civil automóvel então em vigor;
54.ª Tendo em atenção o disposto no n.º 1 do artigo 1º do DL 522/85 (com a redação em vigor à data dos factos), é importante considerar que o reboque em questão, causador do acidente, movimentava-se dentro do local da empreitada de limpeza de aeronaves no aeroporto de Lisboa, no trabalho de movimentação de transporte de lixos dos aviões para os locais de depósito de resíduos ali situados;
55.ª Assim, não apenas se provou como até pela experiência comum se afigura verosímil que o atrelado era destinado à execução de trabalhos de limpeza industrial dentro do aeroporto e que não transitava na via pública;
56.ª Sendo inequívoco tratar-se de um veículo, trata-se todavia de um reboque (sem matrícula), não destinado a transitar na via pública, pelo que, atento o disposto no n.º 1 do artigo 117.º do Código da Estrada (com a redação então vigor) não estava sequer sujeito a matrícula (e não a detinha como comprovado por diversas testemunhas);
57.ª Do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do DL 522/85 deve entender-se que, quando ali se estabelece a obrigatoriedade de seguro para os veículos terrestres a motor “para que esses veículos possam circular”, esta referência é dirigida, naturalmente, à circulação de veículos nas vias terrestres abertas à circulação pública;
58.ª Deste modo, deve entender-se que o atrelado em causa nos autos só estava sujeito ao regime do seguro obrigatório automóvel se e quando circulasse nas vias públicas. As vias privadas dentro do aeroporto, onde ocorreu o sinistro, não podem, pois, considerar-se vias de circulação terrestre de veículos para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do DL 522/85, pois não se destinam à circulação pública de veículos automóveis;
59.ª Ao contrário do que se preconiza da douta sentença recorrida, não só o sinistro ocorreu dentro do aeroporto de Lisboa, como o reboque era apenas utilizado dentro daquele local no transporte de lixo das aeronaves para os pontos de recolha ali existentes, sendo certo que, conforme resulta da experiência comum e das próprias normas legais aplicáveis à atividade de assistência em escala, o acesso ao perímetro do aeroporto é condicionado e reservado;
60.ª Neste contexto, atendendo ao local (privado, de laboração e de acesso reservado: perímetro do aeroporto de Lisboa) em que o atrelado procedia à sua normal laboração (movimentação e transporte de lixos), é forçoso concluir no sentido de apenas estar em causa o risco próprio da mera laboração do atrelado, que não o risco próprio da circulação de veículos automóveis;
61.ª Relativamente ao segmento decisório da douta decisão recorrida, sendo alterada a matéria de facto em conformidade com o peticionado, resulta claro que a ré I... não pode ser condenada no pagamento à autora da quantia de € 45.870,44, devendo ser absolvida do ressarcimento de todos os pagamentos não comprovados pela L..., nos termos acima expostos;
62.ª Com efeito, à luz do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, era à autora (demandante) que competia produzir prova dos fundamentos do seu crédito, o que não fez nos termos que se expuseram no capítulo II da presente peça processual;
63.ª Em todo o caso, relativamente aos juros moratórios, entendeu o tribunal recorrido que os mesmos são devidos desde a citação (cfr. artigo 805.º, n.º 2 e n.º 3, alínea c) do Código Civil), com o que não se concorda porquanto parte do capital reclamado pela autora resultou apenas de ampliação do pedido efetuada por requerimento da ré datado de 29.01.2014, pelo que, quanto aos valores neste reclamados, nunca poderia a autora ser condenada em juros de mora a contar da citação;
64.ª Acresce que o direito de regresso alegado pela autora contra a ré I... nunca poderia compreender (como compreende) juros de mora por aquela alegadamente pagos ao sinistrado I..., pois que o inerente atraso no seu pagamento sempre seria exclusivamente imputável à própria reclamante;
65.ª Por fim, sempre se dirá que a questão da prescrição deveria ter sido decidida em conformidade com o alegado pela ora recorrente em sede de exceção na sua contestação;
66.ª Porém, mesmo que se siga o entendimento da douta decisão recorrida quanto à suscitada prescrição, os créditos dados como provados nos pontos 25, 28 e 29 da fundamentação de facto correspondem indiscutivelmente a um “núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado”, pelo que, tendo o seu pagamento ocorrido há mais de três anos, encontrar-se-á sempre prescrito, nessa parte, o direito de regresso invocado pela autora;
67.ª Com efeito, a presente ação somente foi intentada no dia 20 de Março de 2012 (mais de três depois da realização daqueles pagamentos) e a ré só foi citada para contestar a presente ação em 26 de março de 2012, isto é, depois de transcorrido o antedito prazo de três anos em relação aos pagamentos acima referidos e cujo direito ao reembolso a ré I... alegou na sua contestação estar prescrito;
68.ª Ao não ter considerado prescrito o direito de regresso da autora, pelo menos, quanto às quantias acima referidas, a douta decisão recorrida deu aplicação indevida ou desconsiderou o disposto no artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil.

V - O que se roga.

Nestes termos e nos melhores de direito, doutamente a suprir por V. Ex.as, deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva a recorrente I... do pedido formulado pela autora e determine a condenação da interveniente L... no pedido formulado, assim se fazendo a costumada Justiça!

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A A. L... SA e a chamada L ... SA apresentaram as respectivas contra-alegações defendendo a confirmação da sentença recorrida.

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- Apelação do R. P...

O apelante terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:

1. A A. L... S. A. veio intentar a presente acção com processo ordinário contra o ora Recorrente e ainda contra as empresas I..., S. A. e V... S. A., invocando o seguinte:

e) A A. era, em 12 de Setembro de 2007, a Seguradora no Ramo dos Acidentes de Trabalho da empresa G... Ldª;
f) No dia 12 de Setembro de 2007, um veículo de matrícula 33-10-XU, propriedade da G... Ldª, quando circulava numa das vias internas do Aeroporto de Lisboa, foi embatido com violência por um reboque que se soltara em andamento quando era rebocado pela viatura 75-EE-49, veículo que era da R. I..., S. A., e que era na altura conduzida pelo ora Recorrente;
g) Desse acidente resultaram danos graves no condutor do veículo propriedade da G... Ldª, danos esses que a A. teve que pagar no âmbito de um processo judicial de acidente de trabalho;
h) Pedia por essa razão a condenação do ora Recorrente a da R. I..., SA a ressarcirem a A. dos pagamentos que esta tivera que efectuar, porquanto, no entender da A. os R.R. é que haviam causado o acidente.

2. Dos factos dados por provados constam como elementos relevantes para presente recurso os seguintes:

a) Na data em que ocorreu o acidente, a responsabilidade civil pela circulação do veiculo de matricula 75-EE-49 (veiculo da R. I..., S. A.) encontrava-se transferida para a interveniente E..., mediante contrato de seguro titulado pela Apólice nº 100001055 – Facto dado por provado sob o nº 7 na sentença recorrida;
b) Não foi dado conhecimento à interveniente E... que o veículo de matricula 75-EE-49 dispunha de um gancho, comumente designado “bola de reboque”, destinado a ter atrelado um reboque – Facto dado por provado sob o nº 8;
c) O reboque soltou-se do veículo 75-EE-49 (indo embater na frente do veiculo 32-10-XU) em virtude do gancho através do qual o reboque encaixava no veiculo 75-EE-49 se ter partido – factos dados por provados sob os nºs 14 a 17;
d) Em momento anterior ao acidente, o gancho através do qual o reboque encaixava no veículo 75-EE-49 encontrava-se torcido, o que era do conhecimento do R. P... e da R. I..., S. A. – Facto dado por provado sob o nº 19;
e) A quebra do gancho através do qual o reboque encaixava no veiculo 75-EE-49 ocorreu em virtude do referido gancho se encontrar torcido – Facto dado por provado sob o nº 20;
f) Aquando do acidente, o R. P... conduzia o veículo 75-EE-49 sob as ordens e direcção da R. I..., S. A. – Facto dado por provado sob o nº 21;
g) A R. I..., S. A., celebrou com a A. e com a interveniente L..., S.A. seguros de responsabilidade civil – exploração os quais expressamente excluíam os danos decorrentes de acidentes de viação e/ou provocados por veículos que, nos termos da legislação em vigor sejam obrigados a seguro – factos dados por provados sob os nºs 32 a 36.

3. E relevam também os factos considerados não provados e que são (entre outros não descritos na sentença) os que a sentença refere ou seja:

a) O gancho através do qual o reboque encaixava no veículo 75-EE- 49 tenha ficado torcido em virtude de um embate ocorrido cerca de uma hora e meia antes do acidente e que causara uma mossa no lado esquerdo do veículo 75-EE-49;
b) O reboque que se encontrava atrelado ao veículo 75-EE-49 fosse utilizado somente dentro das zonas operacionais do Aeroporto.

4. Perante estes factos a sentença recorrida concluiu que era obrigatório o seguro do atrelado ainda que este só circulasse dentro das zonas operacionais do Aeroporto e que, tendo o acidente sido causado pelo reboque que não tinha qualquer seguro, o ressarcimento dos prejuízos invocados pela A. era devido por parte da R. I..., e, nesta parte a sentença não merece, no entender do Recorrente, qualquer reparo.

5. Dos factos dados por provados não se encontra um único facto de onde se possa concluir que, à altura do acidente, o ora Recorrente conduzisse com desrespeito das regras de circulação de veículos na via pública ou de forma negligente.

6. Existe de facto um aspecto que merece relevância que é o facto dado por provado de que o ora Recorrente tinha conhecimento antes do acidente que o gancho do reboque estava torcido – Ver facto dado por provado sob o nº 19 – mas, como decorre dos depoimentos das testemunhas C... e V..., transcritos parcialmente na fundamentação dos factos dados por provados, o facto de o gancho do reboque estar torcido já fora reportado à R. I... há meses e o reboque não havia sido retirado da circulação ou reparado o gancho.

7. E o ora Recorrente conduzia o veiculo com o reboque atrelado no estado em que se encontrava o gancho sob as ordens e direcção e autoridade da R.I..., não sendo o ora Recorrente que tinha a responsabilidade de aferir das condições de segurança do reboque com o gancho naquele estado.

8. Se a R. I..., S. A. há meses que tinha conhecimento da anomalia mas mantinha o reboque ao serviço era porque os responsáveis pela segurança dos veículos que se encontravam ao serviço tinham entendido que tal anomalia não afectava a segurança.

9. O A. e os seus colegas motoristas ao serviço da I..., S. A. utilizavam e utilizam os equipamentos que lhes são atribuídos pela empresa em cada dia de trabalho e para a execução do mesmo, e, se lhes parece que determinado equipamento não está em condições de funcionamento em segurança, cabe-lhes participar esse facto à empresa, o que, no caso dos autos foi feito.

10. Mas se a I..., S. A., tem entendimento diferente e se considera que o equipamento, embora com defeito, cumpre com segurança a sua função, e afecta o equipamento ao serviço dos seus trabalhadores, se alguma coisa corre mal, é a empresa a responsável, e não o trabalhador, que não tem conhecimentos nem competência para avaliar o estado e a segurança do equipamento.

11. Nenhuma conduta negligente do ora Recorrente lhe é imputada nos autos, e o reboque com o gancho naquele estado era usado por ordem da R.I..., S. A. e não por negligência imputável ao ora recorrente.

12. Sendo inegável que, no caso dos autos o ora Recorrente conduzia sob as ordens, direcção e autoridade da R. I..., S. A., a qual apesar de conhecer o defeito do gancho do reboque entendia que estavam reunidas as condições de segurança para a sua utilização e o atribuía aos seus trabalhadores para o trabalho a realizar e no interesse do empregador, à luz do art. 503º, nºs 1 e 3, do Código Civil, não podia o ora Recorrente ter sido condenado a ressarcir a A. – Ver por todos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Setembro de 2014, parcialmente transcrito nas alegações.

13. A tudo acrescendo que, em nenhum ponto dos autos se dá como provado que o ora Recorrente sabia que o reboque não tinha qualquer seguro a despeito da sua obrigatoriedade, situação unicamente imputável também à R. I..., S. A..

14. A douta sentença recorrida fez pois incorrecta valoração da prova pois não pode a responsabilidade do ora Recorrente decorrer da inexistência de seguro do reboque pois esta situação não era do seu conhecimento nem nenhuma responsabilidade lhe pode ser atribuída por esse facto, e violou ainda o art. 503º, nºs 1 e 3 do Código Civil.

Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida e absolvendo o ora Recorrente do pedido, como é de direito e é de inteira JUSTIÇA.

*

Não foram apresentadas contra-alegações relativamente à apelação deste Réu.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:

 - Na apelação da R. I... SA
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se o sinistro está coberto pelo seguro de exploração celebrado entre a apelante e a apelada L...SA
- se o sinistro está coberto pelo seguro de exploração celebrado entre a apelante e a interveniente L ... SA
- se deve ser julgada procedente a excepção de prescrição
- se o direito de regresso não abrange os juros de mora pagos pela apelada
- se relativamente às quantias invocadas no requerimento de ampliação do pedido não pode a apelante ser condenada em juros de mora desde a data da citação mas tão só desde a notificação desse requerimento
- Na apelação do R. P... -
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se nenhuma responsabilidade pela eclosão do acidente lhe pode ser imputada

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III – Fundamentação:

A) Na sentença recorrida vem dado como provado:

1- A A. exerce a indústria de seguros em vários ramos;
2- No exercício da sua actividade, a mesma celebrou com a G... Lda, um contrato de seguro do ramo de Acidentes de Trabalho, titulado pela Apólice nº 64/00681147;
3- Nos termos do contrato referido em 2-, a A. assumiu a Responsabilidade Civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores por conta da G... Lda, onde se inclui I...;
4- No dia 12 de Setembro de 2007, cerca das 21h 55m, ocorreu um embate no caminho de circulação entre a placa Alfa e a placa Juliete, no Aeroporto de Lisboa, lado Ar, entre o veículo de matrícula 32-10-XU, conduzido por I..., trabalhador da G... e o reboque do lixo que estava acoplado ao veículo de matrícula 75-EE-49, conduzido pelo R. P...;
5- Por documento outorgado em 13 de Agosto de 2007, intitulado “Contrato de Aluguer e Administração” L... Lda, declarou dar em locação à R. I... SA, o veículo de matrícula 75-EE-49, pelo prazo de 36 meses e com início em 13/08/2007, tendo a R. em causa declarado que aceitava a locação;
6- Consta da proposta enviada à L... Lda, para efeitos da celebração do contrato de aluguer, proposta essa que esta veio a aceitar, que o veículo a que veio a ser atribuída a matrícula 75-EE-49 tinha como equipamento opcional estofos em napa e pirilampo;
7- Na data aludida em 4-, a responsabilidade civil pela circulação do veículo de matrícula 75-EE-49 encontrava-se transferida para a Interveniente E..., mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 100001055;
8- Não foi dado conhecimento à Interveniente E... que o veículo de matrícula 75-EE-49 dispunha de um gancho, comumente designado “bola de reboque”, destinado a ter atrelado um reboque;
9- O local onde ocorreu o embate caracteriza-se por ser uma curva com inclinação para o lado direito, atento o sentido placa Juliete/placa Alfa e com boa visibilidade;
10- É composto por duas vias de circulação, uma em cada sentido;
11- O piso é betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação;
12- O veículo XU circulava em direcção à placa Alfa, a velocidade não superior a 40 Km/h;
13- Quando o mesmo se aproximava dos caixotes do lixo, colocados junto à berma do lado direito da via em que circulava, surgiu, proveniente do lado esquerdo e da via contrária àquela em que circulava o veículo XU, o reboque do lixo que se tinha soltado do veículo 75-EE-49;
14- O reboque soltou-se do veículo 75-EE-49 em virtude do gancho através do qual o reboque encaixava no veículo 75-EE-49 se ter partido;
15- O condutor do veículo 32-10-XU apenas se apercebeu que o reboque se tinha soltado do veículo quando viu o mesmo surgiu à frente do veículo que conduzia;
16- Após se ter apercebido da presença do reboque à frente do veículo que conduzia, o condutor deste, I..., não teve tempo para proceder à realização de qualquer manobra, destinada a evitar o embate do referido reboque no veículo;
17- Em consequência do embate do atrelado, a frente do veículo 32-10-XU ficou completamente destruída e o condutor do mesmo teve que ser desencarcerado de dentro do veículo pelos Bombeiros Sapadores do Aeroporto de Lisboa;
18- No mesmo dia 12 de Setembro de 2007, cerca das 20h20m, o veículo de matrícula 75-EE-49 tinha embatido num objecto concretamente não identificado, tendo ficado com uma mossa do lado esquerdo;
19- Em momento anterior ao embate referido em 4-, o gancho através do qual o reboque encaixava no veículo 75-EE-49 encontrava-se torcido, o que era do conhecimento do R. P... e da R. I... SA;
20- A quebra do gancho através do qual o reboque encaixava no veículo 75-EE-49 ocorreu em virtude do que consta em 19-
21- Aquando do embate aludido em 4-, o R. P... conduzia o veículo 75-EE-49 sob as ordens e direcção da R. I... SA;
22- Em consequência do embate aludido em 4-, o condutor do veículo 32-10-UX, I..., sofreu politraumatismos com rotura da bexiga e contusão do joelho e coxa direitos;
23- Em virtude das lesões referidas em 22-, I... foi transportado de urgência para o Hospital de São José, em Lisboa e foi submetido a vários tratamentos, consultas e assistência médica e medicamentosa;
24- Igualmente em virtude das aludidas lesões, I... ficou impedido de se deslocar pelos seus próprios meios e teve que recorrer à utilização de táxis;

25- Por força do contrato de seguro referido em 2- e em virtude das lesões referidas em 22-, a A. suportou o pagamento das seguintes quantias:
- com medicamentos ministrados a I... - € 322,99;
- com transportes a que o mesmo teve que recorrer - € 1.081,80;
- com fisioterapia ministrada ao mesmo - € 1.005,00;
- com consultas médicas a que I... foi submetido - € 5.912,77;
26- Igualmente em virtude das lesões e por força do contrato de seguro referido em 2-, a A. pagou a I..., a título de indemnização pela incapacidade para o trabalho sofrida pelo mesmo no período que decorreu entre 13/09/2007 e 14/07/2011, a quantia de € 13.348,87;
27- Por sentença proferida na acção emergente de acidente de trabalho que correu termos no 5º Juízo, 2ª secção, do Tribunal de Trabalho de Lisboa sob o nº 2419/08.0TTLSB, a A. foi condenada a pagar a I..., por força das lesões referidas em 22-, a pensão anual e vitalícia de € 1.029,67, com início em 25.06.2008, acrescida de juros de mora, até integral pagamento e € 9.35, a título de despesas de transporte;
28- Em 03/03/2009, a A. procedeu ao pagamento a I... da quantia de € 14.236,83, a título de capital de remição;
29 - A A. pagou à empresa que procedeu à averiguação das causas do embate referido em 4- a quantia de € 217,80;
30- Após 21/03/2012, a A. despendeu com equipamentos e consultas médicas a que I... foi sujeito, em consequência das lesões referidas em 22-, a quantia de € 612,80;
31- Após a mesma data de 21/03/2012, a A. pagou a I..., a título de pensões, incluindo retroactivos devidos a esse título desde 06/09/2011, a quantia de € 7.040,46 e a quantia de € 91,12, a título de juros;
32- A R. I... SA, celebrou com a A. um contrato de seguro de responsabilidade civil de exploração, cobrindo a actividade de assistência em escala, contrato esse titulado pela apólice nº 095/00932316, contrato esse que foi celebrado por um ano, renovável e com início em 11 de Dezembro de 2006;
33- Consta do artigo 4º, alínea f), das Condições Gerais do contrato aludido em 30-, sob a epígrafe “Exclusões”:
“O presente contrato exclui sempre:

(…)

f) danos decorrentes de acidentes de viação e/ou provocados por veículos que, nos termos da legislação em vigor, sejam obrigados a seguro (…)”.

34 - A R. I... SA, celebrou com a Interveniente L...SA, o contrato de seguro do ramo responsabilidade civil – exploração, contrato esse titulado pela apólice nº 1305000008781, contrato esse celebrado por ano, renovável e com início em 08/02/2007;

35 - Consta do artigo 2º das Condições Gerais da Apólice:

“1. O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil e desta apólice, seja imputável ao Segurado na qualidade ou no exercício da sua actividade expressamente mencionadas nas respectivas Condições Particulares e Especiais.

2. Até ao limite do Capital Seguro e Seguradora garante o pagamento das indemnizações que sejam exigíveis ao Segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais directa e exclusivamente decorrentes de lesões corporais e materiais involuntária, fortuita e inesperadamente causados a terceiros que ocorram dentro do período do seguro e do âmbito territorial estabelecidos, tudo de acordo com as declarações exaradas nas Condições Particulares e Especiais desta apólice”.

36 - Consta do artigo 3º, nºs 1, alínea c) e 2, alíneas s), t) e v) das mesmas Condições Gerais da Apólice:

“Sem prejuízo das exclusões porventura consignadas nas Condições Particulares e Especiais, esta Apólice não garante:

1. Em caso algum, o pagamento de indemnizações decorrentes de:
(…)
c) Acidentes de viação provocados por veículos que, nos termos da legislação em vigor, sejam obrigados a seguro;
(…)

2. Não garante, salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, o pagamento de indemnizações decorrentes de:
s) Danos que devam ser cobertos por um seguro obrigatório de responsabilidade civil;
t) Danos resultantes:
i) da posse ou uso por ou da parte do Segurado, de veículos, aeronaves, embarcações ou outros meios de locomoção ou de transporte terrestre, aéreo ou aquático, equipados ou não como motor, bem como pelos objectos por eles transportados;
(…)
v) Danos consequenciais indirectos, como sejam lucros cessantes e ou perdas económicas ou financeiras de qualquer natureza, sofridos por terceiros que decorram de facto que implique responsabilidade civil extra-contratual do Segurado;
(…)”.
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B) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto -

a) Apelação da I...  SA -

1. Na sentença recorrida consta, sob a epígrafe «B) Factos Não Provados»:
«Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, não tendo ficado provado que:
(…)
- o reboque que se encontrava atrelado ao veículo 75-EE-49 fosse utilizado somente dentro das zonas operacionais do Aeroporto».
Na «Motivação», a 1ª instância exarou: «A testemunha V... declarou que o reboque só saía do aeroporto para ir descarregar o lixo. Não foi feita prova que o mesmo fosse utilizado somente dentro das zonas operacionais do Aeroporto».

Discorda a apelante, invocando os depoimentos das testemunhas I..., L..., P..., C... e V... para concluir que se impõe dar como provado que «O reboque/atrelado do veículo 75-EE-40 apenas circulava e, como tal, era utilizado pela Ré I... dentro do Aeroporto de Lisboa e nunca circulava na via pública».

Vejamos:

Nos art. 44º e 46º da contestação, afirmou a apelante que o atrelado era utilizado somente dentro das zonas operacionais do aeroporto de Lisboa – lado AR.

Porém, a testemunha P..., agente da PSP na Divisão do Aeroporto de Lisboa, referiu que «Estes reboques vinham para o exterior do aeroporto para despejar o lixo logo à saída dum posto de controle que a gente tem, que é o P6», embora à pergunta se esse posto de resíduos ainda faz parte do aeroporto tenha respondido «Sim, sim»; a testemunha V..., trabalhador da apelante, com as funções de encarregado geral, disse que «o atrelado só saía do aeroporto para descarregar o lixo, mas dentro da zona, saía-se da portaria e era logo ali (…)» e que depois de descarregar o lixo «tornava-se a entrar para o aeroporto».

Assim, embora a testemunha/sinistrado I... tenha dito que «aquilo tudo era só para andar ali dentro, para operar ali na placa», e a testemunha C... tenha dito que o atrelado não andava na via pública, os depoimentos das testemunhas P... e V... não permitem formar a convicção de que o atrelado só circulava dentro do aeroporto e que dali não saía para descarregar o lixo. Sublinhe-se, ainda, que «via pública» é um conceito de direito e como tal nunca poderia constar na matéria de facto que o atrelado nunca circulava na via pública.

Improcede, pois, a impugnação, nesta parte.

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2. Impugna a apelante a factualidade dada como provada nos pontos 25, 26, 28, 30 e 31.

Na sentença recorrida exarou-se que o tribunal formou a sua convicção «nos depoimentos das testemunhas I.../sinistrado e A..., que trabalha para a A. desde 1997, tendo referido de forma concreta e discriminada as quantias que foram despendidas pela referida A. em consequência do acidente, nomeadamente no que concerne aos pagamentos que ocorreram. Foi igualmente tido em consideração o teor dos documentos de fls. 21 a 30, 342 a 404 e 592 e 593».

Relativamente ao ponto 25 diz a apelante que o depoimento de I... foi vago, não tendo concretizado as quantias que lhe foram pagas.

Sobre o depoimento da testemunha A..., alega a apelante que se revelou em alguns pontos baralhado, não correspondendo ao alegado na p.i., porquanto: referiu que com consultas médicas foi paga a quantia de 6.525,57 €, o que não corresponde ao alegado pela A.; no que tange ao pagamento da quantia de 7.131,58 € mencionado no ponto 22 dos temas da prova referiu que o pagamento efectuado a título de pensões foi de 7.040,46 € e que o pagamento de 91,12 € foi efectuado a título de juros de mora, o que também não corresponde ao alegado na p.i..

Sobre o ponto 26 da matéria de facto diz a apelante que a apelada alegou na p.i. ter procedido ao pagamento da quantia de 15.348,87 € mas não juntou documentos comprovativos apesar de ter protestado que o iria fazer.

Vejamos.

No ponto 26 deu-se como provado o pagamento da quantia de 13.348,87 87 €, apesar de a soma das quantias discriminadas na listagem junta à p.i. como doc. 6 corresponder a 15.348,87 € e ter sido este o valor que a testemunha A... referiu como tendo sido pago ao sinistrado.

Esta testemunha disse que tirou um print do computador no qual consta a soma que apurou, tendo referido que a quantia total de 6.525,57 € relativa a consultas médicas inclui dois períodos: o período da baixa inicial desde 13/09/2007 até 23/08/2008 e o período em que o sinistrado teve uma recaída, de 05/04/2010 até 14/07/2011.

Ora, na p.i. foi alegado o pagamento da quantia de 5.912,77 € com consultas médicas e na ampliação do pedido requerida em 29/01/2014 foi alegado que após a propositura da acção (ou seja, após 21/03/2012) a apelada pagou as quantias de 450 € com consultas médicas e de 162,80 com equipamentos médicos. Portanto, a quantia de 6.525,57 € mencionada pela testemunha não corresponde ao que foi alegado na petição inicial nem ao que foi alegado no requerimento de ampliação do pedido relativamente a consultas médicas (pois 5.912,77 € + 450 € = 6.362,77 €).

Quanto à quantia de 7.131,58 € mencionada no ponto 22 dos temas de prova (ponto aditado na audiência final em 10/04/2014 por despacho de fls. 673), corresponde ao que foi alegado no requerimento de ampliação do pedido, tendo dito a testemunha que após a revisão da incapacidade do sinistrado foi paga a quantia de 7.040,46 € a título de pensões devidas desde 06/09/2011 acrescida de 91,12 € de juros de mora.

Invoca ainda a apelante que a testemunha A... não pode asseverar a realização dos pagamentos pois esclareceu que é apenas gestor de sinistros na apelada e não é da sua responsabilidade o processamento dos pagamentos, sendo a tesouraria que regista no sistema informático as datas dos pagamentos, além de que não foram juntos pela A./apelada documentos comprovativos dos alegados pagamentos.

Realmente, a testemunha, que disse trabalhar para a apelada desde 1997, à pergunta sobre as suas concretas funções respondeu: «Sou gestor de sinistros de sinistros de acidentes de trabalho», «Nós fazemos é pedidos de pagamentos», «Todos estes pagamentos são pedidos por nós à tesouraria e a tesouraria faz os pagamentos e regista no computador as datas» e «o que posso dizer é que o sinistrado nunca nos reclamou nada, ou seja, nunca nos disse que não tinha recebido estes valores».

Importa por isso, verificar se os documentos juntos aos autos permitem formar a convicção de que foram realizados os pagamentos dados como provados nos ponto 25 e 26 da matéria de facto.

Diz a apelante que o documento 6 junto com a p.i. é um documento interno que não comprova qualquer dos pagamentos referidos no ponto 25 da matéria de facto.

Na verdade, o documento 6 (de fls. 28 a 30) é da autoria da apelada e intitula-se «Informação Pagamentos de Sinistros» pelo que, por si só, não permite formar a convicção de que a apelada despendeu as quantias aí mencionadas e nas datas dele constantes. A propósito, cabe dizer que a apelada nem sequer alegou na petição inicial as datas em que fez os pagamentos mencionados nos art. 42º e 43 desse articulado, nem a testemunha Cipriano fez tal concretização, limitando-se a referir que o sinistrado teve dois períodos de baixa explicando que foi uma baixa inicial de 13/9/2007 a 23/8/2008 e uma recaída de 05/04/2010 até 14/07/2011).

Apuremos então o que se extrai dos demais documentos juntos pela apelada.

Em 27/03/2013 juntou a apelada 73 documentos (de fls. 325 a 404) dizendo que os numerados de 1 a 62 são para prova do alegado no art. 42º da p.i. e os numerados de 63 a 73 são para prova do alegado no art. 43º da p.i..

Começando pelos documentos numerados de 63 a 73 (de fls. 394 a 403) vemos que cada um deles se intitula «Ordem de Pagamento de Sinistros», discriminando-se quantias referentes tão só a «indemnizações salariais», «medicamentos», e «despesas de transporte».

Portanto, relativamente ao art. 43º da p.i., em que a apelada alega ter despendido a quantia de 8.322,56 € correspondente à soma das quantias indicadas no art. 42º (despesas de: 322,99 € com medicamentos + 1081,80 € com transportes + 1005 € com fisioterapia + 5.912,77 € com consultas médicas), é óbvio que os documentos 63 a 73 (de fls. 394 a 404) não servem para prova das despesas com fisioterapia e consultas médicas.

Nos art. 46º e 47º da p.i., alegou a apelada que despendeu a quantia de 15.348,87 € desde 09/10/2007 até 20/07/2011 a título de pagamentos pelos períodos de incapacidade sofridos pelo sinistrado, tendo protestado juntar documentos para prova desse facto.

Ora, analisados os 73 documentos constata-se que os numerados de 1 a 62 nenhuma menção contém sobre indemnizações ao sinistrado pelos períodos de incapacidade e que só os documentos 63 a 73 («Ordem de Pagamento de Sinistros» de fls. 394 a 404) referem pagamentos de indemnizações por incapacidade para  o trabalho e apresentam assinaturas nos espaços destinados ao «Recebedor».

Assim, ponderando os documentos de fls. 394 a 404, entendemos que está provado que a apelada pagou ao sinistrado I... as quantias neles mencionadas a título de indemnização por incapacidade para o trabalho.

Por outro lado, como o documento 6 não prova quaisquer pagamentos pois é uma listagem da autoria da apelada e o depoimento da testemunha A... não permite formar a convicção de que a informação ali constante é correcta pois não faz pagamentos, sendo certo que nenhuma razão se vê para a apelada não ter feito a junção de documentos de quitação de outros pagamentos referidos nessa listagem, designadamente indemnizações por incapacidade para o trabalho – sublinhe-se que no art. 47º da p.i. protestou juntar documentos para prova do pagamento da quantia de 15.348,87 € referente a indemnizações pelos períodos de incapacidade sofridos pelo sinistrado - deve ser alterada a redacção do ponto 26 da matéria de facto passando a ser a seguinte:

«26 - Em virtude das lesões e por força do contrato de seguro referido em 2 a A. pagou a I... as seguintes quantias a título de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho num total de 7.339,50 €:

a) em 04/12/2007: 750,38 €, referente ao período de 09/11/2007 a 04/12/2007 (ITA);
b) em 04/01/2008: 894,69 €, referente ao período de 05/12/2007 a 04/01/2008 (ITA);
c) em 07/02/2008: 981,27 €, referente ao período de 05/01/2008 a 07/02/2008 (ITA);
d) em 03/03/2008: 721,62 €, referente ao período de 08/02/2008 a 03/03/2008 (ITA);
e) em 03/04/2008: 591,64 €, referente aos períodos de 04/03/2008 (ITA), 10/03/2008 a 24/03/2008 (ITP) e 25/03/2008 a 03/04/2008 (ITA);
f) em 29/04/2008: 490,63 €, referente aos períodos de 04/04/2008 a 17/04/2008 (ITA) e 18/04/2008 a 27/04/2008 (ITP);
g) em 20/06/2008: 141,98 €, referente ao período de 28/04/2008 (ITA) e ao período de 29/04/20008 a 23/6/2008 (ITP);
h) em 30/04/2010: 781,95 €, referente ao período de 08/04/2010 a 30/04/2010 (ITA);
i) em 21/05/2010: 591,55 €, referente aos períodos de 05/04/2010 a 07/04/2010 (ITA), 01/05/2010 a 10/05/2010 (ITA) e 11/05/2010 a 21/05/2010 (ITP);
j) em 02/08/2010: a quantia de 339,96 €, referente aos períodos de 09/07/2010 a 18/7/2010 (ITP), 19/07/2010 a 19/07/2010 (ITA), 20/07/2010 a 29/07/2010 (ITP) e 30/07/2010 (ITA);
l) em 11/02/2011: 1.053,93 €, referente ao período de 12/01/2011 a 11/02/2011.».

*

No que respeita ao ponto 25 da matéria de facto valem aqui as considerações que já tecemos sobre o documento 6 junto com a petição inicial e sobre o depoimento da testemunha A.... Vejamos então qual a factualidade que deve ser julgada provada com base nos restantes documentos juntos pela apelada.

Relativamente aos 73 documentos de fls 352 a 404 verificamos o seguinte:

1) dos documentos numerados de 42 a 48 (fls. 373 a 380)  resulta que foram pagas ao sinistrado  despesas com medicamentos em 11/02/2011 no montante de  37,67 € - que é a soma das quantias discriminadas nos documentos 42 a 46 - e do documento numerado de 63 (fls. 394) resulta que a esse título foi também pago o montante de 10,43 € em 04/12/2007, pois os documentos 47 e 63 contém a assinatura do recebedor;
2) dos documentos numerados de 7 (fls. 331), 63 (fls. 394), 64 (fls 395), 65 (fls. 396), 66 (fls 397), 67 (fls. 398) e 68 (fls. 399), contendo a assinatura do recebedor, resulta o pagamento de despesas com transportes ao sinistrado nos seguintes montantes e datas: 21 € em 27/08/2010, 67,20 € em 04/12/2007, 91,20 € em 04/01/2008, 78 € em 07/02/2008, 72 € em 03/03/2008, 52 € em 03/04/2008 e 78 € em 29/04/2008; porém, não é a estas despesas de transporte que os art. 42º e 43º da p.i. se reportam mas sim a despesas no montante de 1.081,80 € relativas às facturas emitidas pela A... (doc. 8 a 10 b de fls. 332 a 338 nos montantes, respectivamente, de 864,90 €, 117,90 € e 100 €, perfazendo os 1.081,80 €), como se constata da conjugação dessas facturas com o doc. 6 junto com a p.i.; sucede que a apelada não juntou qualquer recibo de quitação ou outro documento comprovativo do pagamento das facturas emitidas pela A... Lda, pelo que não pode ser dado como provado o pagamento de qualquer quantia a título de  despesas com transporte alegadas nos art. 42º e 43º da p.i., pois as facturas não provam o pagamento e o documento 6 é da autoria da apelada;
3) o documento 1 (fls. 325) é uma factura emitida pelo Centro Hospitalar de Lisboa em 28/12/2007 no montante de 143,50 €; o documento 2 (fls 326) é uma factura emitida pelo Hospital Amadora Sintra/Fernando Fonseca em 16/01/2008 no montante de 1.508,60 €; o documento 3 (fls. 327) é uma factura emitida pelo Centro Hospitalar de Lisboa em 18/01/2008 no montante de 66,85 €; ora, também quanto a estas alegadas despesas a apelada não juntou qualquer recibo para prova do pagamento dessas facturas ou outro documento comprovativo do pagamento, pelo que não pode ser dado como provado o pagamento das quantias a que respeitam, pois as facturas não provam o pagamento e o documento 6 é da autoria da apelada;
4) o documento 4 (fls. 328) refere despesas de transporte relativamente ao sinistrado I... no valor de 52,80 €, aparentemente da autoria da apelada e por isso nenhum pagamento prova, além de que como já  dissemos em 2) as despesas de transporte alegadas na p.i. referem-se a pagamentos à A...;
5) o documento 5 (fls. 329) é uma Declaração emitida por F... referindo que o sinistrado I... esteve presente em tratamentos de fisioterapia, não  provando o pagamento de qualquer quantia;
6) o documento 6 (fls 330) é uma nota de honorários de 28/04/2008 no valor de 50 € emitida por C... referente a avaliação médico-legal para atribuição de IPP ao sinistrado I... – Proc. 0731131288AT e o documento 17 é uma Factura/recibo (fls. 345), pelo que prova o pagamento dessa consulta médica pela apelada;
7) o documento 11 (fls. 339) datado de 20/10/2010 tem um carimbo onde se lê D... e refere exames/tratamentos no valor de 18,80 €, mas dele não resulta que seja um recibo de quitação, pelo que não prova o pagamento dessa quantia;
8) o documento 12 (fls. 340) é praticamente ilegível e embora contenha a palavra «Pago» não refere qualquer valor e não é claro que esteja relacionado com o documento de fls. 11 ;
9) os documentos 13, 14 e 15 (fls 341, 342 e 343) são facturas/recibos com o nome do sinistrado, não resultando deles que os pagamentos tenham sido efectuados pela apelada ou lhe tenham sido reembolsados por esta;
10) o documento 16 (fls. 344) é uma factura/recibo mas dele não resulta que foi paga pela apelada;
11) os documentos 16 e 17 (fls. 346 e 347) são também facturas/recibos emitidas por C..., respectivamente em 11/02/2009 no valor de 150 €  e 23/08/2010 no valor de 150 €, referentes ao Proc. 0731131288AT, neles constando como entidade pagadora a apelada, pelo que é de considerar provado que esta pagou nessas datas tais quantias respeitantes a consultas médicas referentes ao sinistrado;
12) o documento 20 (fls. 348) é uma factura de 05/12/2007 emitida por I... no valor de 130 € referente a 13 sessões de fisioterapia relativas ao sinistrado I...; os documentos 21 e 22 (fls. 349 e 350) são requisições de fisioterapia; o documento 23 (fls 351) parece indicar as datas em que foram realizadas as 13 sessões de fisioterapia ao sinistrado; o documento 24 (fls 352) é uma factura de 04/01/2008, emitida pela mesma entidade, no valor de 40 € referente a 4 sessões de fisioterapia relativas ao sinistrado I... e os documentos 24, 25 e 26 (fls. 352, 353 e 353) são requisições de fisioterapia; o documento 27 é uma ficha de cliente emitida pela mesma entidade, referente ao sinistrado I... e o documento 28 (fls 356) parece também indicar as datas em que foram realizadas as 4 sessões de fisioterapia ao sinistrado; mas nenhum destes documentos constitui recibo de quitação de pagamento de qualquer quantia pela apelada;
13) os documentos 29 a 36 (fls. 357 a 364) são facturas emitidas por F... e requisições relativas a sessões de fisioterapia ministradas ao sinistrado I..., não constando desses documentos que as quantias mencionadas nas facturas tenham sido pagas pela apelada, pelo que não  provam os pagamentos;
14) o documento 37 (fls 365) é um recibo emitido em 18/08/2009 por C... no valor de 120 €, mencionando que a recebeu essa quantia da apelada e refere-se a exames efectuados ao sinistrado Ismael conforme prescrição médica, pelo que é de considerar provado esse pagamento na rubrica «consultas médicas» alegada no art. 42º da p.i.;
15) os documentos 38 a 41 (fls. 366 a 372) são facturas emitidas pela C... indicando como utente/paciente o sinistrado I..., mas não foram juntos os recibos de quitação pelo que nenhum pagamento respeitante a essas facturas está provado;
16) o documento 49 (fls 380) é uma factura/recibo emitida em nome  do sinistrado I..., não resultando dele que o seu valor (25,20 €) tenha sido pago pela apelada, pelo que não prova que a apelada tenha despendido essa quantia;
17) o documento 50 (fls. 381) é um talão de venda emitido por F... em 04/03/2008 onde figura como cliente a apelada, dele não resultando que o medicamento ali referido se destinou ao sinistrado I..., pelo que não prova que a apelada tenha despendido essa quantia com o sinistrado I...;
18) o documento 51 (fls 382) é uma factura/recibo emitida por F... das Minas onde não consta o beneficário nem a entidade pagadora, pelo que não prova que a apelada tenha despendido essa quantia com o sinistrado I...;
19) os documentos 52 e 53 (fls. 383 e 384) são factura e guia de remessa, no valor de 24 € emitidas por O... em 30/06/2008 e dirigidas à apelada para  pagamento a 90 dias, referentes a cinta elástica abdominal destinada ao sinistrado I..., mas desses documentos não resulta que o pagamento tenha sido efectuado, além de que nem foi alegado o pagamento de qualquer cinta elástica na p.i.;
20) os documentos 54 a 62 (fls. 385 a 393), onde são referidos pagamentos das quantias de 55 €, 44 €, 76,80 €, 948 €, 195 €, 27,20 €, 38,40 €, 39,05 € e 50 €, são da autoria da apelada, pelo que nenhum pagamento provam.

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Por quanto se expôs, impõe-se impõe-se alterar a redacção do ponto 25 da matéria de facto passando a ser a seguinte:

«25 – Por força do contrato de seguro referido em 2 – e em virtude das lesões referidas em 22-, a A. suportou o pagamento das seguintes quantias:
- com medicamentos ministrados a I...: 27,60 € em 11/02/2011 e 10,43 € em 04/12/2007;
- com consultas médicas a que I... foi submetido:
a) 50 € em 28/04/2008; b) 150 € em 11/02/2009; c) 150 € em 23/03/2010; d) 120 € em 18/08/2009.

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Sobre a matéria de facto constante do ponto 28 entende a apelante que deve ser modificada por resultar dos documentos que a quantia paga a título de capital de remição é de 13.814,19 € e o restante corresponde a despesas de transporte (9,35 €) e a juros de mora (413,20 €).

Tem razão a apelante, face ao que consta na primeira folha do documento 4 de fls. 25, intitulada «Ordem de pagamento de sinistros e à sentença do Tribunal do Trabalho (doc. 3 de fls. 21 a 24). Assim, altera-se a redacção do ponto 28, passando a ser a seguinte:
«28 - Em 03/03/2009, a A. procedeu ao pagamento a I... das seguintes quantia: € 13.814,19 € a título de capital de remição, 413,29 € a título de juros de mora e 9,35 € a título de despesas de transporte».

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Sobre os pontos 30 e 31 da matéria de facto, sustenta a apelante que não pode ser dada como provada tal factualidade alegada no requerimento de ampliação do pedido, pelas razões invocadas quanto aos pontos 25 e 26 porque a apelada não juntou qualquer documento comprovativo dos pagamentos aí mencionadas.

Porém, a testemunha/sinistrado I... que disse que está a receber pensão de 195 € e «mais 7 € não sei de quê», pelo que, considerando a sentença do Tribunal de Trabalho de 10/02/2012 (cfr fls. 525/526) que declarou estar o sinistrado afectado de incapacidade permanente parcial de 36,30% desde 06/09/2011 e aumentou a pensão, condenando a apelada a pagar-lhe uma pensão anual vitalícia de 3.71,70 €, não remível, com início em 06/09/2011 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde essa data, improcede a impugnação da apelante quanto ao ponto 31 da matéria de facto.

Mas relativamente ao ponto 30 nenhum documento juntou a apelada para prova do pagamento da quantia de 612,80 € com equipamentos e consultas médicas; assim, porque para prova desta matéria a apelada apenas trouxe o depoimento da testemunha A..., o qual, como já explanámos, não faz pagamentos, procede a impugnação, pelo que não pode ser dada como provada tal factualidade.

Em consequência, elimina-se dos factos provados o ponto 30 constante da sentença recorrida, julgando-se a factualidade ali descrita não provada.

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Sobre os pontos 33, 35 e 36 da matéria de facto, entende apelante que tal factualidade deve ser julgada não provada porque respeita ao conteúdo de cláusulas contratuais gerais de exclusão da responsabilidade das seguradoras e não foi produzida prova de que lhe foram comunicadas e que as aceitou.

Porém, foi a apelante que na contestação invocou os contratos de seguro de responsabilidade civil de exploração referentes à actividade de assistência em escala no aeroporto de Lisboa celebrados com a L... SA e com a L ... SA, juntando as cópias das respectivas apólices, nas quais se faz referência à existência de exclusões nas condições gerais e especiais, além de que também juntou uma «Declaração Ramo Responsabilidade Civil Exploração» emitida pela L ... SA onde se lê que «O seguro vigora nos termos das respectivas Condições Gerais, e Particulares da Apólice (…); acresce que os documentos onde constam as cláusulas de exclusão não foram impugnados pela apelante, apesar de ter sido notificada dos mesmos. Ora, pretendendo a apelante fazer valer os contratos de seguro a que se referem tais apólices cabia-lhe ter alegado que as condições gerais e especiais onde constam as exclusões não lhe foram comunicadas, alegação que não fez.

Improcede, assim, a impugnação.

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b) Apelação do R. P... -
Sustenta o apelante que decorre dos depoimentos das testemunhas C... e V... que não tinha a responsabilidade de aferir das condições de segurança do reboque com o gancho naquele estado, impugnando assim, embora de forma pouco clara, a decisão sobre a matéria de facto por não ter sido considerada provada tal factualidade.

Apreciando.

Está provado que em momento anterior ao embate o gancho através do qual o reboque encaixava no veículo 75-EE-49 encontrava-se torcido, o que era do conhecimento do R. P... e da R. I..., que a quebra desse gancho ocorreu em virtude de estar torcido e que aquando do embate o R. conduzia o veículo sob as ordens e direcção da R. I....

Na contestação alegou o apelante que «não podia prever que a lança do reboque se iria partir, uma vez que não é ele que tinha a cargo a verificação das condições de segurança dos veículos que lhe eram entregues para trabalhar».

A testemunha C..., motorista e trabalha para a I... no aeroporto de Lisboa, disse que o gancho do reboque já andava «meio torcido» há cerca de dois meses e tendo-lhe sido perguntado quem tem a responsabilidade para ver o estado das viaturas respondeu que o director que lá estava é que tinha de mandar parar ou arranjar, «não sei».

A testemunha V..., que trabalha na I... como encarregado geral no aeroporto de Lisboa, disse que a lança estava torta há vários meses, que isso afectava o funcionamento do atrelado «porque este não está direito de acordo com a viatura. Se está torcido, afecta mesmo a condução», «Nós somos empregados. E mesmo que escrevêssemos temos de nos sujeitar»; perguntado se isso era perigoso, respondeu «Era perigoso»; disse também «havia sempre o risco de segurança. Estávamos todos cientes disso. Mas eu era obrigado a pegar naquele trabalho»; e à pergunta sobre quem tratava disso respondeu que «Isso era a gerência. A gente só facultava as anomalias».

Portanto, não resulta claro dos depoimentos das testemunhas se o apelante tinha ou não a seu cargo a verificação das condições de segurança do reboque com o gancho naquele estado nem que desconhecia que não era seguro conduzir naquelas condições. Assim, improcede a sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

*

C) O Direito:

- Da apelação da I... SA -

1. Se o sinistro está coberto pelo seguro de exploração celebrado entre a apelante e a apelada L... SA.

Alega a apelante que não tendo ficado provado que aceitou as Condições Gerais e Especiais do contrato de seguro de responsabilidade civil de exploração que celebrou com a apelada cobrindo a actividade de assistência em escala, excluída fica a cláusula de exclusão prevista no art. 4º al f) reproduzida no ponto 33 da matéria de facto.

Porém, como já acima expusemos aquando da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a falta de comunicação e de aceitação das Condições Gerais e Especiais do aludido contrato de seguro não foi anteriormente invocada pela apelante apesar de ter sido oportunamente notificada da junção aos autos do documento onde as mesmas constam, nem o mesmo foi por si impugnado, pelo que não tem razão ao pretender a exclusão dessa cláusula.

Mais alega a apelante que mesmo que se considerasse vinculada às condições gerais e especiais do aludido contrato de seguro o ressarcimentos dos prejuízos decorrentes do sinistro sempre estaria garantido nos termos da cláusula 30 das Condições Particulares da apólice, pois o sinistro ocorreu no exercício da sua actividade de assistência em escala a aviões no aeroporto de Lisboa e o reboque era um engenho necessário àquela actividade, além de que não estava sujeito a seguro automóvel obrigatório pois era apenas utilizado dentro do aeroporto.

A cópia da apólice em causa, referida no ponto 32 dos factos provados, está junta a fls. 96-99 (doc. 1 da contestação da apelante) e nela consta que é aplicável a Cláusula Especial 0030, onde se estipula:

«Cláusula 30 – RC das Empresas de Limpeza
Mediante a contratação da presente cobertura, o contrato garante, até aos limites fixados nestas condições particulares, as indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou lesões materiais, em consequência do exercício da sua actividade de empresa prestadora de serviços de limpeza, nomeadamente:
(…)
- Pela utilização das máquinas necessárias à sua actividade;
(…).».
Dos factos provados não decorre que o dito reboque dispõe de qualquer mecanismo para execução dos trabalhos necessários à actividade da apelante – repare-se que a apelante alegou apenas no art. 44 da contestação que se destinava à recolha e transporte de lixos – pelo que não pode ser considerado uma máquina.

Mas ainda que fosse considerado uma máquina e que não circulava na via pública, foi durante a sua circulação terrestre acoplado a um veículo com motor que o sinistro ocorreu. Ora, como se pondera no Ac da RL de 19/07/2007 (P. 8216/2006-1 in www.dgsi.pt) «nem a lei civil nem a lei relativa ao seguro obrigatório definem o que seja “acidente de viação”, mas antes têm em consideração outros elementos que se prendem com a lesão, para efeitos de determinação da responsabilidade civil» e por isso «Não se vê razão para restringir a previsão das normas relativas à responsabilidade civil apenas aos casos em que o tal desastre ocorre numa via definida como rua, estrada ou caminho, sejam públicos ou privados, porque o que está em causa nestes casos, é a perigosidade inerente à própria existência dos veículos de circulação terrestre, estejam ou não em circulação física, em movimento».

Também no Ac do STJ de 18/11/2008 (P. 08P3852 – in www.dgsi.pt) se explica que o fundamento e a finalidade do regime jurídico de um modelo de garantia constituído pelo seguro obrigatório reportam-se a uma realidade que tem «por factor externo de identificação um facto produtor de danos, decorrente da circulação, a colocação em circulação ou em condições de circular, de um veículo com motor e da condução do veículo em espaço público ou em circunstâncias assimiláveis de utilização comum - na via pública, ou em locais público ou privados abertos ao público ou a certo número de pessoas com o direito de os utilizar».

Portanto, o sinistro ocorreu durante a utilização do reboque numa actividade viária, o que significa que ocorreu um acidente de viação, sendo aplicável o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, pois como se refere no Ac do STJ de 23/11/2006 (P. 06B3445, in www.dgsi.pt), é entendimento corrente que os acidentes em vias ou locais particulares «não escapam ao seguro obrigatório».

Com efeito, todos os reboques, sejam ou não obrigados a matrícula, estão abrangidos pela obrigação de realização de seguro para poderem circular, pois o art. 1º do DL 522/85 de 31/12 – diploma em vigor à data deste sinistro – prescreve:

«1 – Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade.
(…)».
Aliás, a apelante sabia que o veículo 75-EE-49 estava sujeito a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel para poder circular no aeroporto de Lisboa, pois juntou com a contestação a «Declaração» de fls. 103 emitida pela E... onde se lê: «Para os devidos e legais efeitos se declara que a Empresa I... SA, possui nesta Seguradora a(s) Apólice(s) abaixo designada(s), garantindo as mesmas Responsabilidade Civil pelo montante de 50.000.000,00 Euros, permitindo as mesmas que os referidos veículos circulem no lado AR, ficando excluída a runway crossing (pista) (…)», sendo certo que é aí indicada a apólice o nº 10000055 e portanto, a mesma que é referida no ponto 7 dos factos provados.

Assim, por aplicação do art. 4º al f) das Condições Gerais do contrato, os danos causados por este sinistro não estão cobertos pelo seguro de responsabilidade civil de exploração mencionado no ponto 32 dos factos provados celebrado entre a apelante e a apelada L...SA.

*

2. Se o sinistro está coberto pelo seguro de exploração celebrado entre a apelante e a interveniente/apelada L ... SA.

Também quanto a este contrato de seguro sustenta a apelante que não ficou provado que aceitou as Condições Gerais invocadas pela L... e que por isso, a cláusula de exclusão reproduzida no ponto 36 da matéria de facto está excluída do contrato de seguro.

Sobre esta questão valem as considerações que expusemos relativamente ao contrato de seguro de exploração celebrado com a apelada L... SA, pois também neste caso, a falta de comunicação e de aceitação das Condições Gerais e Especiais não foi anteriormente invocada pela apelante apesar de ter sido oportunamente notificada da junção aos autos do documento onde as mesmas constam, nem o mesmo foi por si impugnado, pelo que não tem razão ao pretender a exclusão dessa cláusula.

Igualmente quanto a este contrato de seguro sustenta a apelante que o risco de movimentação do reboque não estava sujeito ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

Também sobre esta questão remetemos para o que já expusemos relativamente à qualificação deste sinistro como acidente de viação e à sujeição do reboque ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, daí se concluindo que os danos não estão cobertos pelo seguro de responsabilidade civil de exploração celebrado entre a apelante e a L ... SA mencionado no ponto 34 dos factos provados.

*

3. Se deve ser julgada procedente a excepção de prescrição.

Invoca a apelante que é aplicável o prazo de prescrição de 3 anos ao direito de regresso que a apelada L... pretende fazer valer nesta acção e por isso já prescreveram os créditos que se referem a pagamentos efectuados há mais de três anos, tendo em consideração que a acção foi intentada em 20/03/2012 e foi citada em 26/03/2012. Mais diz a apelante que, mesmo seguindo o entendimento da sentença recorrida de que «os pagamentos invocados pela apelada constituem um “núcleo indemnizatório incindível”, pelo que tendo os últimos tido lugar em data posterior à própria instauração da acção, evidente se torna que não decorreu o prazo de prescrição», devem ser julgados prescritos pelo menos os créditos pelas quantias referidas nos pontos 25, 28 e 29 da matéria de facto.

Apreciando.

Diz a apelante, que contrariamente ao que decorre da sentença, correspondem a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, os seguintes pagamentos:

«a) Os pagamentos de medicamentos, transportes, fisioterapia e consultas médicas contemplados no ponto 25 dos factos provados, relativamente ao período de recuperação do sinistrado I..., realizados em datas não provadas e que (para além de nunca terem sido juntos os respectivos comprovativos de pagamento) a Autora nunca alegou sequer;
b) O pagamento do capital de remição em conclusão do processo judicial de ressarcimento do acidente de trabalho – no suposto montante de € 14.236,83, efectuado em 3 de março de 2007, dado como provado no ponto 28 da matéria de facto;
c) O pagamento da quantia de € 271,80, a título de averiguação do sinistro, que, de acordo com o documento nº 5 junto aos autos, foi efectuado pela Autora em 23 de Outubro de 2007».

Na contra-alegação, a apelada, além de defender o alargamento do prazo de prescrição a todos os seus créditos ao abrigo do nº 3 do art. 498º do Código Civil, invoca o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 32º nº 2 da LAT (DL 100/97 de 13/9) pelo menos quanto à pensão atribuída por sentença ao sinistrado.

Dispõe o art. 32º da LAT:
«1. O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.

2. As prestações estabelecidas por decisão judicial, ou pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.

3. O prazo de prescrição não começa enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações».
Decorre do nº 3 deste normativo que o prazo de prescrição refere-se ao direito dos beneficiários das prestações e não ao direito de regresso da seguradora, pelo que não tem fundamento a sua invocação pela apelante.

No que respeita ao art. 498º do Código Civil sufragamos o entendimento expresso nos Ac do STJ 07/05/2014 (Proc. 8304/11.0T2SNT-L1.S1) e de 29/11/2011 (Proc. 1507/10.7TBPNF.P1.S1) (in www.dgsi.pt) de que apesar de o elemento literal da norma não afastar em definitivo a aplicação do nº 3 do artigo 498º às situações do nº 2, a seguradora não exerce um direito igual ao lesado que indemnizou, não propõe contra o réu uma acção de indemnização por danos, antes se limita a exigir o reembolso do que pagou, estando em causa unicamente a responsabilidade civil do lesante, pelo que não se justifica o alongamento do prazo de prescrição que é concedido ao lesado.
Portanto, o prazo de prescrição aplicável ao direito de regresso da apelada é de 3 anos.

Cumpre então determinar quando se iniciou o prazo de prescrição.

Como se refere no Ac da RC de 24/01/2012 (Proc. 644/102TBCBR-A.C1 – in www.dgsi.pt) há jurisprudência que entende que o decurso do prazo prescricional opera a partir de cada acto de pagamento parcelar ou fracccionado, há jurisprudência que vem sustentando que esse prazo se conta desde o último pagamento, e também há jurisprudência no sentido de que o prazo de prescrição não deve iniciar-se nem correr autonomamente para cada um dos pagamentos parcelares que integram um mesmo núcleo indemnizatório juridicamente diferenciado de outros valores indemnizatórios. Foi esta última orientação acolhida na sentença recorrida, louvando-se no Ac do STJ de 07/04/2011 (Proc. 329/06.4TBAGN.C1.S1), em que se refere:

«9. Não sendo a letra da lei – ao reportar-se apenas ao «cumprimento», como momento inicial do curso da prescrição – suficiente para resolver, em termos cabais, esta questão jurídica, será indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos: assim, importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efectuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil (arts.562º e segs) mas a cada recibo ou factura apresentada pela seguradora no âmbito da acção de regresso, conduzindo a um – dificilmente compreensível – desdobramento, pulverização e proliferação das acções de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados.

Pelo contrário, a tese oposta – conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado – poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da acção de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, que poderá ver-se obrigado a discutir as causas do acidente (…) muito tempo para além do prazo-regra dos 3 anos a que alude o nº 1 do art. 498º do CC.

Saliente-se, aliás, que o Ac de 4/11/10, atrás citado, foi sensível a esta problemática, ao admitir que – num verdadeiro caso limite, em que a indemnização seja arbitrada em forma de renda – a prescrição se tem de iniciar antes do cumprimento global da obrigação de indemnizar – sob pena de, se assim não for, o direito de regresso ser pouco ou menos que «imprescritível» nos casos de renda vitalícia, ao revelar-se exercitável pela totalidade das rendas no momento em que cessasse a obrigação, a cargo da seguradora, de as pagar.

Afigura-se, todavia, que poderá não ser este o único caso em que a opção pela tese da unicidade da prescrição – como decorrência do carácter unitário da obrigação de indemnizar, inferível, desde logo, do modo como esta é, em regra, calculada, através da aplicação da «teoria da diferença», comparando globalmente as situações patrimoniais, actual e hipotética, do lesado, nos termos do nº 2 do art. 566º do CC – conduz a um desproporcionado alargamento do prazo da prescrição do direito de regresso: é o que poderá verificar-se quando a obrigação de indemnizar a cargo da seguradora abranja danos futuros, susceptíveis de se revelarem e desenvolverem ao longo de períodos temporais muito prolongados (o que normalmente ocorrerá quando o acidente tiver originado lesões graves, cujas sequelas incapacitantes se vão desenrolando e agravando ao longo de anos) – não se vendo, neste caso, razão bastante para que a seguradora não deva exercitar a acção de regresso, referentemente à indemnização que satisfez e que cobre integralmente os danos actuais, causados pelo sinistro e perfeitamente consolidados e ressarcidos, de modo a deixar assente nessa acção, exercitada em prazo ainda próximo da data do acidente, toda a sua dinâmica e causalidade.

Por outro lado, a ideia base da unidade da «obrigação de indemnizar» poderá ser temperada pela possível autonomização das indemnizações que correspondam ao ressarcimento de tipos de danos normativamente diferenciados, consoante esteja em causa, nomeadamente danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes ressarcidos fundamentalmente através de um juízo de equidade, e não da aplicação da referida teoria da diferença;
- a indemnização de danos que correspondam à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens de personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas.

E tal autonomização ou diferenciação, operada funcionalmente em razão da natureza dos bem lesados, poderá tornar razoável uma consequencial autonomização dos prazos de prescrição do direito de regresso: assim, por exemplo, não vemos razão bastante para que – tendo a seguradora assumido inteiramente perante o lesado o ressarcimento de todo os danos decorrentes da destruição e provação do uso da viatura sinistrada – possa diferir o exercício do direito de regresso quanto a essa parcela autonomizável e integralmente satisfeita da indemnização apenas pela circunstância de, tendo o acidente provocado também lesões físicas determinantes de graves sequelas, ainda não inteiramente avaliadas e consolidadas, estar pendente o apuramento e a liquidação da indemnização pelos danos exclusivamente ligados à violação de bens de personalidade do lesado.

Em suma: se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório do demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro.
(…)
Ora, no caso dos autos (…) é manifesto, pela análise dos documentos, que está em causa apenas o ressarcimento antecipado de danos ligados às lesões físicas sofridas pelo sinistrado – reparação dos períodos de incapacidade temporária, despesas médicas e de tratamentos clínicos, custo das deslocações para o estabelecimento em que tais tratamentos se verificavam – pelo que obviamente tais pagamentos parcelares são insusceptíveis de integrar um núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, relativamente ao qual pudesse iniciar-se e correr, de modo também autónomo, um prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora/A».

Afigura-se-nos que é razoável que entender que o prazo de prescrição não deve iniciar-se nem correr autonomamente para cada um dos pagamentos parcelares que integram um mesmo núcleo indemnizatório juridicamente diferenciado de outros valores indemnizatórios, desde que o período temporal a que cada um desses núcleos respeita não seja de tal forma alargado que difira excessivamente o contraditório do demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente.

Cumpre, pois, averiguar se no caso concreto todas as quantias que foram pagas pela apelada integram um só núcleo indemnizatório e se não se tinha iniciado o prazo de prescrição na data em que a acção foi intentada.

Lê-se na sentença recorrida:

«No caso dos autos, (…) é manifesto, pela análise dos documentos, que está em causa apenas o ressarcimento antecipado de danos ligados às lesões físicas sofridas pelo sinistrado – reparação dos períodos de incapacidade temporária, despesas médicas e de tratamentos clínicos, custo das deslocações em que tais tratamentos se verificavam – pelo que obviamente tais pagamentos parcelares são insusceptíveis de integrar um núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, relativamente ao qual pudesse iniciar-se e correr, de modo também autónomo um prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora/A..

Pelo exposto, conclui-se que os pagamentos invocados pela A. constituem um “núcleo indemnizatório incindível”, pelo que tendo os últimos tido lugar em data posterior à própria instauração da acção, evidente se torna que não decorreu o prazo de prescrição, supra referido.».

Vejamos.

Nos art. 42º e 43º da p.i alegou a apelada que suportou despesas no montante de 8.322,56 €, correspondendo à soma das seguintes parcelas: 322,90 € com medicamentos, 1.081,80 € com transportes, 1.005 € com fisioterapia, 5.912,77 € com consultas médicas, tendo-se dispensado de indicar as datas dos pagamentos; nos art. 46º e 47º desse articulado alegou que pelos períodos de incapacidade sofridos pelo sinistrado despendeu desde 09/10/2007 até 20/07/2011 a quantia de 15.348,7 €; nos art. 48º e 49º alegou que foi condenada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia com início em 25/06/2008 acrescida de juros de mora e despesas de transporte, tendo pago o capital de remição em 03/03/2009; no art. 50º alegou que despendeu a quantia de 217,80 € com a averiguação do acidente.

No que respeita às indemnizações por incapacidades temporárias, decorre do que está provado no ponto 26 – conforme decidido neste acórdão – que foram efectuados pagamentos em dois períodos: entre 04/12/2007 e 20/06/2008 foram pagas indemnizações por incapacidades temporárias desde 09/11/2007 a 20/06/2008; entre 30/04/2010 e 11/02/2011 foram pagas indemnizações por incapacidades temporárias desde 08/04/2010 até 11/02/2011.

Portanto, não temos um só período de incapacidades temporárias e respectivas indemnizações, o que se percebe, pois foi atribuída ao sinistrado incapacidade permanente parcial por sentença de 16/01/2009 e foi condenada a apelada a pagar o capital de remição da pensão devida desde 25/06/2008 (cfr doc. 3 junto com a p.i.), pagamento que efectuou em 03/03/2009 como está provado no ponto 28 (com a redacção dada neste acórdão).

Os pagamentos de indemnizações para reparação de incapacidades temporárias e o pagamento do capital de remição para reparação da incapacidade permanente, embora tenham como causa a lesão da integridade física do sinistrado, são núcleos indemnizatórios autónomos e juridicamente diferenciados, justificando-se, por isso, que o prazo de prescrição do direito de regresso da apelada se tenha iniciado de modo autónomo relativamente a cada um deles. E mesmo no que respeita às indemnizações por incapacidades temporárias não se vê razão para integrar num só núcleo indemnizatório aquelas que foram pagas antes do pagamento do capital de remição e aquelas que foram pagas posteriormente, pois respeitam a períodos temporais claramente demarcados.

Por outro lado, resulta da sentença do Tribunal do Trabalho de 10/12/2012 (doc. 525/526 junto pela apelada em 06/11/2013) e conforme alegado no requerimento de ampliação do pedido (apresentado em 29/01/2014) que devido a agravamento da incapacidade permanente do sinistrado foi aumentada a pensão e condenada a apelada pagar uma pensão vitalícia não remível com início em 06/09/2011, levando-se em conta o capital de remição já pago. Embora estas duas rubricas – capital de remição e pensão vitalícia não remível – se reportem à reparação de incapacidade permanente do sinistrado, não se encontra justificação para considerar que o capital de remição pago em 03/03/2009 e a pensão vitalícia cujo pagamento foi iniciado após 21/03/2012 constituem um único núcleo indemnizatório, diferindo o exercício do direito de regresso para o momento em que esteja integralmente paga a pensão vitalícia, pois após o pagamento do capital de remição ainda foram pagas indemnizações por incapacidades temporárias. Aliás, mesmo que se considerasse que o capital de remição e a pensão vitalícia integram um único núcleo indemnizatório, sempre seria de entender que, à semelhança dos casos de renda vitalícia, o prazo de prescrição do direito de regresso inicia-se e corre autonomamente em relação a cada pagamento parcelar, sob pena de ser quase imprescritível o direito da seguradora.

No que respeita às despesas com medicamentos e consultas médicas (mencionadas no ponto 25 da matéria de facto como decidido neste acórdão) e despesa com a averiguação do sinistro (que, segundo a apelada foi paga em 03/12/2007, pois apesar de não o alegar na pi.i. é essa a data que fez constar no doc. 6 junto com esse articulado), entendemos que não têm autonomia relativamente ao ressarcimento dos danos decorrentes das lesões sofridas pelo sinistrado, pelo que devem integrar-se nos núcleos indemnizatórios dos períodos em que aquelas despesas foram pagas.

Concluindo, na data em que a apelada foi citada (26/03/2012), estava já prescrito o seu direito de regresso, pelo decurso do prazo de três anos desde o cumprimento, relativamente aos seguintes créditos:

a) as indemnizações para reparação de incapacidades temporárias que pagou até 20/06/2008 mencionadas no ponto 26 al. a) a g) da matéria de facto;
b) as despesas com medicamentos que pagou em 04/12/2007 no valor de 10,47 €, mencionadas no ponto 25 da matéria de facto;
c) as despesas com consultas médicas que pagou em 28/04/2008 no valor de 50 € e em 11/02/2009 no valor de 150 €, mencionadas no ponto 25 da matéria de facto;
d) o capital de remição, juros de mora e despesas de transporte pagos em 03/03/20009, mencionados no ponto 28 da matéria de facto, ficando assim prejudicada a questão da alegada inexistência de direito de regresso quanto a esses juros de mora;
e) a despesa de 217,80 € com a averiguação do sinistro (tendo em conta a data de pagamento de 03/12/2007 como acima referido) mencionada no ponto 29 da matéria de facto.

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4. Desde quando são devidos juros de mora relativamente às quantias alegadas no requerimento de ampliação do pedido e se o direito de regresso não pode compreender os juros de mora que a apelada pagou ao sinistrado.

Sustenta a apelante que não pode ser condenada no pagamento de juros de mora a contar da citação relativamente ao capital reclamado no requerimento de ampliação do pedido mas tão só desde a data da notificação desse requerimento; mais sustenta que o direito de regresso não pode compreender juros de mora pagos ao sinistrado, porque o atraso será sempre exclusivamente imputável à apelada.

Apreciando.

Só com a notificação do requerimento de ampliação do pedido se mostra ter sido a apelante interpelada para proceder ao pagamento das quantias aí reclamadas. Assim, atento o disposto no art. 805º nº 1 al c) do Código Civil, apenas desde a data dessa notificação são devidos juros de mora e não desde a data da citação.

Quanto à alegação de que é imputável à apelada o atraso no pagamento ao sinistrado, não resulta do ponto 31 da matéria de facto que tenha sido esta que deu causa a que a sentença que aumentou a pensão tenha sido proferida em 05/12/2012. Aliás, resulta dessa sentença e do documento de fls. 512 que foi a apelada que em 06/09/2011 requereu exame de revisão da incapacidade que havia sido fixada em 9,91% desde 24/06/2008.
Assim, o direito de regresso compreende os juros de mora sobre a pensão contados desde 06/09/2011.

*

- Da apelação do R. P... -
Sustenta o apelante que nenhuma responsabilidade pela eclosão do acidente lhe pode ser imputada porque não tinha a responsabilidade de aferir das condições de segurança do reboque com o gancho naquele estado.

O art. 503º nº 3 do Código Civil estabelece uma presunção de culpa sobre o condutor quando actua no exercício das suas funções de comissário, nestes termos: «Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; (…). Portanto, competia-lhe ilidir a presunção de culpa, provando que apesar de ter conhecimento do estado em que se encontrava o gancho do reboque, não sabia nem lhe era exigível saber que isso poderia provocar a sua quebra e causar danos a terceiros.

Por outro lado, não colhe o argumento de que se a sua entidade patronal entendia que estavam reunidas as condições de segurança para a utilização do reboque e o atribuía aos seus trabalhadores para o trabalho, nenhuma negligência lhe pode ser imputada. Na verdade, não se provou que a entidade patronal considerou que estavam reunidas as condições de segurança para a circulação do reboque com o gancho naquele estado e transmitiu isso ao apelante; além disso, o art.483º nº 1 do Código Civil estabelece que aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Assim, não tem fundamento legal pretender o apelante eximir-se da sua responsabilidade com base no cumprimento de ordens que possam causar danos a terceiros.

Portanto, só nas relações entre o apelante e a sua entidade patronal terá cabimento ponderar a medida das respectivas culpas para exercício do direito de regresso entre si ao abrigo do disposto no art. 497º nº 2 do Código Civil.

Improcede, pois, o recurso do apelante, embora lhe aproveite o recurso interposto pela apelante I... SA, por força do disposto no art. 634º nº 2 al c) do NCPC.

*

IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação da R. I... – Sociedade Técnica de Limpezas SA, e improcedente a apelação do R. P..., aproveitando-lhe, porém a apelação interposta por aquela, e em consequência, alterando-se a sentença recorrida decide-se:
a) condenar solidariamente os RR P... e I... SA  a pagarem à A. L... SA a quantia de  2.914,99 € acrescida de juros de mora à taxa legal que está fixada em 4% ao ano, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento e a quantia de 7.131,12 € acrescida de juros de mora à referida taxa vencidos desde a data da notificação do requerimento de ampliação do pedido até integral pagamento, absolvendo-os do mais que era pedido;
b) manter a absolvição das intervenientes E... e L... SA;
Custas pela A. L... SA e pelos RR P... e I... SA nas custas na proporção de vencido.


Lisboa, 02 de Julho de 2015
           
Anabela Calafate
Tomé Ramião
José Vítor dos Santos Amaral