Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1053/16.5YRLSB-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
PATENTE
VALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O Tribunal Arbitral necessário não tem competência para apreciar a matéria de excepção invocada pela demandada na acção arbitral sobre a invalidade de uma EP (patente europeia) e do CPP (certificado complementar de protecção).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa: 
 
  
Relatório:


I–«VLimited» e «VUnipessoal, Lda.» vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 8 da Lei 62/2011, de 12-12, e 18, nº 9, 46, nº 3-a-iii) e 59, nº1-f) da lei 62/2011, de 14-12, intentar a presente acção especial contra «S Farmacêutica, Lda.», pedindo a anulação parcial de decisão arbitral interlocutória.

Alegaram, em resumo, as requerentes:

Contra a ora requerida foi iniciada acção arbitral consistindo o objecto do litígio na defesa dos direitos das requerentes emergentes de patente europeia (“EP ‘637”) e de certificado complementar de protecção (“CCP 197”) relativamente a medicamentos genéricos.
O Tribunal Arbitral foi instalado, foram apresentadas a petição inicial e a contestação e nesta a requerida defendeu-se por excepção, arguindo designadamente a invalidade dos direitos de propriedade industrial invocados.
Na sequência o Tribunal Arbitral emitiu decisão interlocutória em que se considerou competente para apreciar e conhecer da invalidade invocada pela requerida.
Todavia, a invalidade de uma patente só pode ser declarada pelo Tribunal da Propriedade Intelectual em acção intentada nos termos do art. 35 do CPI. O único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a acção de nulidade ou anulação, junto de um tribunal judicial, não podendo qualquer outra autoridade pronunciar-se sobre aquela invalidade, quer por via de reconvenção quer por via de excepção.
Pediram as requerentes que seja anulada a decisão pela qual o Tribunal Arbitral se declarou competente para apreciar as questões suscitadas relativamente à validade da “EP ‘637” e do “CCP 197” a título incidental, constante do ponto 2. da Decisão Interlocutória proferida pelo Tribunal Arbitral.
Determinada a citação da requerida para no prazo de 30 dias se opor ao pedido e oferecer prova e citada que foi esta nada disse.
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II-O Tribunal é o competente, não se verificando quaisquer excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que importe decidir.

Não existe qualquer meio de prova a produzir.

A questão que se coloca nestes autos é a da competência do Tribunal Arbitral para a título incidental - por via da invocação de uma excepção – conhecer da validade de uma patente e de certificado complementar de protecção.        
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III-Com interesse haverá que destacar as seguintes circunstâncias que decorrem dos documentos juntos aos autos:

1–Em 5-10-2015 teve lugar a instalação do Tribunal Arbitral constituído para dirimir o litígio entre «V Limited» e «VUnipessoal, Lda.» como Demandantes e «L (Europe) Ltd.», «S Farmacêutica, Lda.» e «M, Lda.» como Demandadas (fls. 61-69).

2–Foi, então, consignado sobre o «Objecto do litígio»:
«O objecto de litígio decorre do que consta da carta de início de arbitragem em anexo à presente Ata de instalação do Tribunal Arbitral e consiste no exercício dos direitos, nomeadamente os do artigo 101° do Código da Propriedade Industrial que as Demandantes invocam, decorrentes das Patentes Europeias n.°s 983271 e 817637, bem como do Certificado Complementar de Protecção n.° 197, relativamente a medicamentos genéricos contendo a associação de substâncias activas "Abacavir + Lamivudina", do medicamento de referência "Kivexa", designadamente, os publicados pelo INFARMED — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP., no seu website, em 06-02-2015, 10-02-2015, e 27-02-2015, sob a forma de comprimido revestido por película, de 600mg / 300 mg (fls. 61-69).

3-Sobre a sua competência para apreciação da questão da invalidade da patente decidiu o Tribunal Arbitral em 30-5-2006:
«A Demandada SFarmacêutica, Lda, suscita a questão da invalidade da EP 817637 por entender que são nulas e ineficazes as reivindicações referentes à dupla combinação de abacavir/lamivudina, em particular, as reivindicações 1, 2, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 17 e 18 defendendo que isso significa que o produto para o qual o CCP 197 foi concedido (i.e. a dupla combinação de abacavir/lamivudina) deixará de ser protegido pela patente base EP 817637 e por conseguinte, é inválido nos termos do artigo 15.°, n.° 1, alínea c) do Regulamento CE 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06-05-2009.

As Demandantes defendem que este Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar a invalidade de direitos de propriedade industrial.

Referiu-se no acórdão deste Tribunal Arbitral proferido em 11-03-2016 o seguinte:

«Na verdade, tem sido controvertida na doutrina e têm sido proferidas decisões contraditórias em processos arbitrais e do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a admissibilidade de apreciação, a título incidental, das questões de invalidade de patentes.
A preocupação em assegurar a possibilidade de as Demandadas verem apreciada a questão da invalidade da patente acentua-se, em face do princípio constitucional da proibição da indefesa que decorre do princípio da tutela judicial efectiva, em situações como a do presente processo, em que é essa alegada invalidade o único fundamento de defesa invocado.
O Tribunal da Relação de Lisboa, alterando a jurisprudência inicialmenteadoptada já decidiu várias vezes que os tribunais arbitrais previstos na lei 62/2011, de 12 de Dezembro, devem conhecer, a título incidental, das questões de invalidade de patente invocadas por via de excepção, quando por só dessa forma «é respeitado o princípio essencial e básico do contraditório, enquanto reconhecimento do direito à defesa, direito que tem, aliás, assento no art. 20.° da nossa CRP e que, de outro modo seria violado» (1) pelo que é inquestionável, no mínimo, ter de se reconhecer que se está perante uma questão de solução duvidosa, em que se justificará, por isso, fazer aplicação do princípio pro actione que enforma o nosso direito processual (2), que conduz à conclusão de que se deverá concretizar tal conhecimento quando tal seja necessário para assegurar os princípios constitucionais da proibição da indefesa e do direito a um processo equitativo, que, assim, se sobreporão às razões de interesse público, subjacentes a todos direitos, que constituem o primacial fundamento para afastar a possibilidade de apreciação incidental da invalidade de direitos de propriedade industrial.
Mas, o que é certo é que esse conhecimento incidental da questão da invalidade não deixa de ter os inconvenientes apontados anteriormente pelo mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (3), pelo que só poderá ser considerado como o menor de dois males.
Por isso, esse conhecimento incidental só se pode justificar quando não for viável nem razoável, numa ponderação conjugada dos interesses conflituantes das partes que se entrechocam nos processos arbitrais, a utilização da alternativa que é a suspensão da instância para conhecimento da questão da invalidade pelo TPI que elimina os inconvenientes que podem advir de eventual declaração de invalidade da patente a título incidental sem a concomitante eliminação jurídica do respectivo registo»

No referido acórdão de 11-03-2016, decidiu-se suspender a instância por estar pendente no Tribunal da Propriedade Intelectual uma acção em que era questionada a validade da patente 817637, mas esse processo está extinto.

Por força do referido princípio pro actione, em face referida divergência jurisprudencial, é de adoptar a linha jurisprudencial do Tribunal da Relação de Lisboa no sentido da competência dos tribunais arbitrais para a apreciação incidental da invalidade de títulos de propriedade industrial, para cuja fundamentação se remete, pelo que se decide ser este Tribunal Arbitral competente para apreciar as questões suscitadas relativamente à validade da EP 817637 e do CPP 197, a título incidental» (fls. 74-96).
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IV–1-Estamos em face da impugnação, nos termos do nº 9 do art. 18 da LAV, aplicável por via do nº 8 do art. 3 da lei 62/2011, de 12-12, de uma decisão interlocutóriana qual o Tribunal Arbitral (necessário) declarou ter competência para decidir incidentalmente as questões suscitadas por via de excepção pela demandada «S Farmacêutica, Lda.» sobre a validade da EP 817637 e do CPP 197.

Justifica-se esta impugnação interlocutória. Como salientado por Menezes Cordeiro ([1]) a lei pretendeu evitar a continuação de um processo inútil: «Invocada uma incompetência não reconhecida pelo tribunal arbitral para quê aguardar pelo termo do processo para consumar, só então, o recurso ao foro estadual? A impugnação interlocutória visa clarificar a situação, oferecendo segurança».

Nos termos do art. 46, nº 3-a-iii) da LAV, para o qual remete o nº 9 do citado art. 18, a decisão arbitral pode ser anulada pelo tribunal estadual se demonstrado que ela se «pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta».

Ora, feitas as devidas adaptações, porque estamos em face de uma arbitragem necessária imposta pelo art. 2 da lei 62/2011, de 12-12, é nesse espaço que nos situamos: ponderação sobre se o Tribunal Arbitral quando decidiu ser competente para apreciação das questões suscitadas por via de excepção pela demandada «S Farmacêutica, Lda.» sobre a validade da EP 817637 e do CPP 197, se pronunciou sobre questões que ultrapassam aquelas que a lei impõe (e permite) que por ele sejam decididas e sobre as quais não se deveria pronunciar.
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IV–2-Determina o art. 2 da lei 62/2011, de 12-12: «Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na acepção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada».

Sucede que de acordo com o nº 1 do art. 35 do CPI a declaração de nulidade ou a anulação dos direitos de propriedade industrial «só podem resultar de decisão judicial».

A propósito da inarbitrabilidade das questões relativas à validade dos direitos de propriedade industrial refere César Bessa Monteiro ([2]) que «as matérias que envolvam a titularidade ou validade de um direito de Propriedade Industrial não podem ser submetidas a arbitragem, nomeadamente porque nenhuma decisão arbitral poderia ser exequível erga omnes. Pode dizer-se que as matérias relativas à titularidade de um direito de propriedade industrial ou à sua validade não dizem respeito exclusivamente às partes interessadas, mas em muitos casos, estão também envolvidos terceiros e ainda interesses públicos, como é o caso, por exemplo, da protecção do consumidor. Além disso, o registo tem como finalidade alertar terceiros para a titularidade do direito e por isso mesmo qualquer decisão que implique a alteração do mesmo deveria, consequentemente, ser emitida somente por uma autoridade pública».

Também Pedro Silva e Sousa ([3]) entende que a anulação ou declaração de invalidade «não pode ser conhecida a título meramente incidental ou por via de excepção processual, pois enquanto um DPI não se extinguir por efeito de uma decisão transitada em julgado, continuará a produzir plenamente os seus efeitos».

Escrevendo-se no «Código da Propriedade Industrial Anotado» ([4]) relativamente à arbitragem necessária respeitante a medicamentos: «Um dos pontos mais controvertidos é o de saber se o tribunal arbitral tem competência para apreciar a validade da patente por excepção, com eficácia inter-partes. O entendimento mais razoável é o de que tal não deve ser possível “de iure constituto”.

O artigo 35º, nº 1 do CPI estabelece que “a declaração de nulidade ou a anulação dos direitos de propriedade industrial só podem resultar de decisão judicial”.

A invalidade das situações registadas não se “verifica” nem se “constata” incidentalmente, tendo sempre de ser declarada judicialmente para produzir os seus efeitos.

Pelo exposto, entre outras razões, é de rejeitar a possibilidade de invocação da invalidade da patente por via de excepção, com meros efeitos inter partes, quer em acções que corram termos nos tribunais estaduais quer em tribunais arbitrais (…)

A razão pela qual o CPI remete para a competência exclusiva dos Tribunais judiciais a decisão sobre a invalidade funda-se no reconhecimento de que os direitos de propriedade industrial (direitos fundamentais) não se encontram na disponibilidade absoluta dos respectivos titulares.

Se, por disposição legal (art. 35, nº 1 do CPI), os tribunais arbitrais não têm competência para apreciar a validade, em razão da matéria, logicamente que não poderão apreciar tal questão por via de excepção. A incompetência dos tribunais arbitrais reveste natureza substantiva e não meramente processual. Quando a lei veda aos tribunais arbitrais o conhecimento da invalidade das patentes, a norma deve ser considerada como uma norma de ordem pública, compreensível pelo princípio da tipicidade e das garantias legais destes direitos.

Não é aceitável a declaração por tribunais arbitrais da invalidade relativa da patente que é um direito absoluto registado (…)».

Todavia, este entendimento não é, de forma alguma,uniforme, havendo posições divergentes – assim, por exemplo, Dário Moura Vicente ([5]), argumentando que «não seria aceitável que a competência dos tribunais arbitrais constituídos nos termos da lei n.º 62/2011 se cingisse à determinação da ocorrência da alegada violação de um direito de propriedade industrial e à eventual condenação dos demandados nas sanções a ela inerentes, excluindo-se a possibilidade de esses mesmos tribunais se pronunciarem sobre os meios de defesa aduzidos pelos demandados que contendam com a validade ou a vigência dos títulos de propriedade industrial em causa». E isto «pela flagrante injustiça que representaria a eventual condenação, por um tribunal arbitral necessário, do suposto infrator de um direito de propriedade industrial alheio cujo título fosse inválido»; pela incompatibilidade com o princípio do contraditório que constitui uma das traves mestras do processo justo ou equitativo que o art. 20.º, n.º 4, da Constituição garante; porque de outro modo «se teria introduzido na ordem jurídica portuguesa, pelo que respeita aos processos que correm perante os tribunais arbitrais necessários criados pela lei n.º 62/2011, uma injustificada derrogação ao princípio geral conforme o qual o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa».

Esta divergência de posições vem-se reflectindo também a nível da jurisprudência.

Assim, foi entendido por esta Relação no seu acórdão de 13-1-2015 ([6]):
«I-Por imposição do art. 35º, nº 1 do CPI, a competência para apreciação da ação onde se vise, a título principal, e com eficácia erga omnes, a declaração de nulidade ou a anulação de direitos de patente cabe em exclusivo a tribunal judicial, concretamente e nos termos do art. 111º, nº 1, alínea c) da Lei nº 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), ao Tribunal da Propriedade Intelectual.
II-Com o objetivo, declarado nos respetivos trabalhos preparatórios, de criar um mecanismo através do qual se obtivesse, num curto espaço de tempo, “uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial”, a Lei nº 62/2011 criou um regime específico para a composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, excluindo-os da apreciação dos tribunais estaduais e sujeitando-os a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada – seus arts. 1º e 2º .
III-É na contestação que o réu deve deduzir toda a sua defesa numa ou em ambas as modalidades que a mesma pode assumir: por impugnação e por exceção, podendo esta última ter natureza dilatória ou perentória – arts. 571º e 573º, nº 1 do CPC de 2013, correspondentes, respetivamente, aos 487º e 489º, nº 1 do anterior CPC.
IV-Ao estabelecer, no seu art. 3º, nº 2, que o demandado pode contestar nos termos e sob a cominação aí prevista, a Lei nº 62/2011, não restringe a regra básica acabada de enunciar, o que aponta no sentido de aquele poder opor ao demandante, na sua contestação, matéria de exceção, designadamente invocar a invalidade da patente cuja violação lhe venha imputada.
V-Só assim é respeitado o princípio essencial e básico do contraditório, enquanto reconhecimento do direito à defesa, direito que tem assento no art. 20º da nossa CRP, e que, de outro modo, seria violado.
VI-Se, em sede de causa de pedir, o demandante imputa ao demandado a violação dos seus direitos de patente por este haver requerido junto do Infarmed a concessão de AIM de um certo medicamento genérico, o seu direito de defesa poderá ser pura e simplistamente abolido se se entender que não pode opor ao demandante exceção de natureza perentória, designadamente invocando a invalidade daquela patente, não para a ver declarada a título principal – o que a ser possível seria obtido por via de reconvenção que deduzisse –, mas tão só para demonstrar a não verificação da invocada violação, dada a inexistência do direito que dela seria alvo.
VII-A isto acresce que, nos termos do art. 91º do CPC de 2013 – correspondente ao anterior art. 96º do CPC -, o tribunal competente para a ação é igualmente competente para conhecer, além do mais, das questões que o réu suscite como meio de defesa, princípio que seria também ele postergado se se entendesse que o tribunal arbitral imposto pela Lei nº 62/2011 não pode conhecer da invalidade da patente, enquanto exceção perentória invocada pelo demandado nestes processos, a determinar, verificando-se, a improcedência do pedido.
VIII-É entendimento que não colide com a regra instituída no já citado art. 35º do CPI, que apenas reserva à competência do tribunal judicial a declaração, a título principal e com eficácia erga omnes, de nulidade ou a anulação dos direitos de propriedade industrial.
IX-Já a invalidade do título que o demandado suscite a título incidental, por via de exceção, é matéria para a qual o tribunal arbitral tem competência, e a decisão que a reconheça como facto impeditivo dos efeitos jurídicos que o demandante visa alcançar com a ação, só vale, naturalmente, entre as partes.
X-O Tribunal Arbitral é, pois, competente para conhecer a exceção perentória de invalidade da patente que o demandado deduza».
Anteriormente, no acórdão da Relação de Lisboa de 13-2-2014 ([7])considerara-se, divergentemente:                                                                                                            
«A controvérsia circunscreve-se, assim, à possibilidade de o tribunal arbitral previsto na Lei n.º 62/2011 apreciar a validade de uma patente que tenha sido questionada apenas a título de exceção, para obstar à procedência do pedido, com efeito tão só inter partes.

Ora, a admissibilidade do reconhecimento da nulidade de uma patente (ou de outro direito de propriedade industrial) a título meramente incidental ou por via de exceção processual, mesmo perante um tribunal estadual, é duvidosa (no sentido da sua inadmissibilidade, vide Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, 2011, Coimbra Editora, pág. 448).

É que, como realçam os defensores da tese propugnada, in casu, pelo tribunal recorrido, admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da exceção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respetivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados. Tal põe em causa a transparência e a segurança jurídica visados pelo sistema público de atribuição de direitos de propriedade industrial e bem assim leva à estranha situação de, tendo em determinado caso sido reconhecido que não se justificava o exclusivo que fora excecionalmente concedido (restringindo-se a liberdade económica em atenção ao interesse público de recompensar o contributo social trazido pelo inventor com a invenção e de estimular o aparecimento de novas invenções), tal atribuição pública do exclusivo não só se manterá como passará a beneficiar outro ou outros particulares, sem controle dos restantes interessados nem publicitação dessa extensão do privilégio.

A criação de tal situação no âmbito de uma arbitragem, ou seja, no decurso de uma atividade jurisdicional exercida num ambiente privado, suscita ainda maiores dúvidas.

Na falta de disposição legal clara em sentido contrário, entendemos, pois, por estas razões sinteticamente expostas, ser de manter a decisão arbitral nesta parte.

As possibilidades de defesa das demandadas mantêm-se intactas, pois poderão requerer a declaração da nulidade da patente perante os tribunais judiciais, atualmente no Tribunal da Propriedade Intelectual».

Esta posição foi reafirmada nos acórdãos desta Relação de 21-5-2015 e de 4-2-2016.

Naquele primeiro ([8]) constatou-se que o «tribunal arbitral, bem como o tribunal estadual, ainda que a título meramente incidental ou por via de exceção processual, carece de competência para decidir da nulidade ou anulabilidade de patente ou outro direito de propriedade industrial, cabendo ao Tribunal da Propriedade Intelectual declarar a nulidade em ação declarativa instaurada com essa finalidade, nos termos do art.º 35.º do C. P. I.».

Já sobre o acórdão de 4-2-2016 ([9]) foi sumariado:

«-A declaração de nulidade da patente só pode ser efectuada por tribunal judicial (artº 35º nº1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”), pois tal preceito aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo n°1 do artigo 27° do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais
-Para tal será instaurada acção pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da acção (artº 30º nº1 alínea d) e nº4 do artº 35º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a acção é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (artº 35º nº2 do CPI).
-A competência exclusiva dos tribunais estaduais para o julgamento de acções de declaração de nulidade ou anulação de patentes é reafirmada no artigo no artigo 111º nº1 alínea c) da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), que atribui ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a «acções de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial.
O aludido regime afasta a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei nº 62/2011 decretar, com efeitos erga omnes, a nulidade de uma patente.
-Admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da excepção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respectivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados».

A argumentação constante dos acórdãos desta Relação de 13-2-2014, 21-5-2015 e 4-2-2016, tal como a manifestada nas posições doutrinais acima transcritas e que vão no mesmo sentido, afiguram-se-nos convincentes, sobrepondo-se às de sentido oposto – e que foi adoptada na decisão interlocutória cuja anulação é pretendida.

Concluímos, pois, que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar a matéria de excepção invocada pela Demandada «S Farmacêutica, Lda.» sobre a validade da EP 817637 e do CPP 197; fazendo-o pronunciar-se-á sobre questões que ultrapassam aquelas que a lei impõe e permite que por ele sejam decididas e sobre as quais não se deveria pronunciar.
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V-Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a presente acção de anulação e, em consequência, em anular a decisão do Tribunal Arbitral proferida em 30-5-2016, no sentido de aquele Tribunal ser competente para apreciar as questões suscitadas relativamente à validade da EP 817637 e do CPP 197, a título incidental.
Custas da apelação pela recorrida «S Farmacêutica, Lda.»
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Lisboa, 16 de Novembro de 2016



Maria José Mouro
Teresa Albuquerque                                                                      
Jorge Vilaça



[1]Em «Tratado da Arbitragem», Almedina, 2015, pag. 211.
[2]Em «Arbitrabilidade. Propriedade Industrial e Direitos de Autor», citado em «Código da Propriedade Industrial Anotado», coordenação de António Campinos e Luís Couto Gonçalves, Almedina, 2ª edição, pags. 161-162.
[3]Em  «Direito Industrial», Coimbra Editora, 2011, pag. 448.
[4]Citado na nota anterior, pags. 162-163.
[5]Em «O Regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes ( Lei Nº 62/2011)», em ROA, Out.-Dez., 2012, pags. 981-982.
[6]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ , processo 1356/13.OYRLSB.L1-7.
[7]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ , processo 1053/13.7YRLSB-2.
[8]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ , processo 1465/14.9YRLSB-6.
[9]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ , processo 138-15.0YRLSB.L1-8.

Decisão Texto Integral: