Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2706/07.4TCLRS-G.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: INVENTÁRIO
HIPOTECA LEGAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -A remissão que, no âmbito do inventário em consequência de divórcio, é feita para as disposições processuais relativas ao inventário por óbito, pelo nº 3 do artigo 1404°, não abrange o disposto no nº 4 do artigo 1378° do mesmo código, cujo regime assenta no reconhecimento do direito de hipoteca legal constante da indicada alínea e) do artigo 705º do Código Civil, exclusivamente aplicável ao co-herdeiro.
-Na alínea e) do artigo 705º do Código Civil, ao referir-se o co-herdeiro, para efeito de reconhecimento de direito de hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, o sentido que a letra da lei directamente comporta é o de que pretendeu limitar o seu âmbito de aplicação à partilha por óbito.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


L... intentou procedimento cautelar de arresto, por apenso a processo de inventário em consequência de divórcio, contra C... requerendo que seja ordenado o arresto de 300/34240 avos do prédio rústico situado na “Quinta do Moinho de Ferro e Forras”, freguesia de Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o nº 2950 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 62 da secção V, com o valor de €75.000,00, por forma a garantir o pagamento do quinhão do requerente no património comum do extinto casal, no valor de € 31.538,08.

Alegou, em síntese, que no processo de inventário a que os presentes autos estão apensos foi adjudicado à requerida o bem cujo arresto requer, destinando-se o arresto pedido a garantir o pagamento de tornas do requerente sobre a requerida, devidas em tal processo, no valor de € 31.538,08. Mais refere que a partilha efectuada se tornou definitiva, já que o mapa de partilha que a adjudicou à requerida o bem supra referido e a condenou no pagamento ao requerente de € 31.538,08, a título de tornas, transitou em julgado.

O requerente tem tentado, junto da requerida, obter o pagamento das tornas, sem sucesso. À requerida não são conhecidos outros bens nem rendimentos que possam responder pelo pagamento das tornas devidos ao requerente. Por outro lado, o companheiro da requerida dedica-se à compra e venda de imóveis, fazendo temer o requerente que o imóvel supra referido seja transaccionado, fazendo com que o requerente perca a garantia patrimonial do seu crédito.

Mais alegou que, em consequência de acção de divisão de coisa comum, o prédio supra referido foi divido em lotes, sendo atribuído ao requerente e à requerida, em substituição dos 300/34240 avos do prédio rústico, o lote 21, resultante do loteamento do prédio rústico.

Foi proferida DECISÃO que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de arresto.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreu o requerente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A.O tribunal a quo aplicou erradamente o Direito aos presentes autos.
B.O crédito do recorrente decorre da partilha, após divórcio, de bens comuns do extinto casal, de onde resultou um crédito a favor do recorrente no valor de € 31.538.
C.É verdade que o artigo 1378º nº 4 do antigo C.P.C. dá a possibilidade ao credor de tornas registar uma hipoteca legal sobre o bem adjudicado ao devedor.
D.Sucede que o artigo 706º alínea e) do Código Civil (lei substantiva que taxativamente enumera os credores com direito a hipoteca legal) refere que “Os credores que têm hipoteca legal são: (...) o co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas; (…)”.
E.Ora, a possibilidade de registo de hipoteca legal está reservado à partilha por óbito, sendo que nos presentes autos estamos perante partilha subsequente a divórcio.
F.Logo, para os presentes autos, não há previsão legal que possa determinar o registo de uma hipoteca legal sobre o bem adjudicado à requerida.
G.O recorrente alegou todos os factos necessários à procedência da acção, oferendo prova documental bastante e indiciária dos requisitos da providência cautelar: “bonus fumus iuris”, “periculum in mora” e princípio da proporcionalidade.
H. Motivo pelo qual, deveria ser decretada a providência cautelar, ai que após produção de prova suplementar.
Termina, pedindo que seja revogada a decisão recorrida.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO.

A) Fundamentação de facto.
A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.

B) Fundamentação de direito.
A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se o tribunal, após produção de prova suplementar, deve decretar a providência.

A hipoteca legal.
Em primeiro lugar analisemos a questão vertida na decisão recorrida, que afastou a possibilidade do decretamento do arresto, com o argumento de que nada obsta a que o requerente garanta o seu crédito de tornas, pelo registo de hipoteca legal, nos termos do artigo 1378º nº 4 do Código de Processo Civil, sobre a quota-parte do imóvel adjudicado à requerida e, por outro lado, fazendo-o, fica com o seu crédito reforçadamente garantido, quer por virtude da eficácia contra terceiro da hipoteca registada, quer pela especial prevalência de precedência (preferindo mesmo sobre o registo de penhora ou arresto) que a mesma tem em caso de transmissão ou oneração posterior do imóvel em causa.

O apelante entende que, nos termos do disposto no artigo 706º alª e) do Código Civil, a possibilidade de registo de hipoteca legal está reservado à partilha por óbito, sendo que nos presentes autos estamos perante partilha subsequente a divórcio.

Cumpre decidir.

A razão está do lado do apelante.

O nº 4 do artigo 1378º do anterior Código de Processo Civil[1] preceitua que “não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no artigo 1384º.

Consagra-se neste artigo um meio, uma forma simplificada de execução. Este meio corre no próprio processo de inventário, constituindo uma forma expedita de o credor de tornas satisfazer o seu direito. Para tanto basta-lhe apresentar requerimento no processo pedindo a venda de bens adjudicados ao devedor, não havendo citação para execução nem para nomeação de bens por parte do devedor.

A norma do artigo 1378º não pretende regular matéria substantiva. É uma norma de natureza processual que regula uma forma simplificada de execução, e nada mais.

O artigo 1404º (Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento), preceitua no seu nº 3 que "o inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação e segue os termos prescritos nas secções anteriores".
Todavia, a remissão que, no âmbito do inventário em consequência de divórcio, é feita para as disposições processuais relativas ao inventário por óbito, pelo nº 3 do artigo 1404°, não abrange o disposto no nº 4 do artigo1378° do mesmo código, cujo regime assenta no reconhecimento do direito de hipoteca legal constante da indicada alínea e) do artigo 705º do Código Civil, exclusivamente aplicável a co-herdeiro.

Efectivamente, o artigo 704º do Código Civil dá a noção de hipoteca legal, segundo a qual “as hipotecas legais resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança”.

E o subsequente artigo 705º preceitua na sua alínea e), que os credores que têm hipoteca legal são “ o co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas”.

Ao referir-se ao co-herdeiro, para efeito de reconhecimento de direito de hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, o sentido que a letra da lei directamente comporta é o de que pretendeu limitar o seu âmbito de aplicação à partilha por óbito.

Perante o sentido assim literalmente manifestado, afastada fica a possibilidade de, por via de interpretação extensiva, considerar abrangida a partilha por divórcio, por falta do mínimo de correspondência verbal exigido pelo artigo 9° nº 2 do Código Civil.
Assim, procedem na totalidade as conclusões das alegações do apelante, devendo os autos prosseguir para apreciação da prova relativamente aos alegados requisitos do procedimento cautelar de arresto.

EM CONCLUSÃO.
-A remissão que, no âmbito do inventário em consequência de divórcio, é feita para as disposições processuais relativas ao inventário por óbito, pelo nº 3 do artigo 1404°, não abrange o disposto no nº 4 do artigo1378° do mesmo código, cujo regime assenta no reconhecimento do direito de hipoteca legal constante da indicada alínea e) do artigo 705º do Código Civil, exclusivamente aplicável a co-herdeiro.
-A alínea e) do artigo 705º do Código Civil, ao referir-se ao co-herdeiro, para efeito de reconhecimento de direito de hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, o sentido que a letra da lei directamente comporta é o de que pretendeu limitar o seu âmbito de aplicação à partilha por óbito.

III-DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, para prosseguirem os autos em conformidade com o agora decidido.
Custas pela parte vencida a final.



Lisboa, 10/11/2016



Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais 
Octávia Viegas



[1]Aplicável por força do disposto no artigo 7º da Lei nº 23/2013, de 5 de Março que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, segundo o qual “ o disposto na presente lei não se aplica aos processos de inventário que, à data da sua entrada em
vigor, se encontrem pendentes.

Decisão Texto Integral: