Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
129/15.0YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: MARCAS
RISCO DE CONFUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Existindo semelhança gráfica, figurativa e fonética do elemento verbal predominante que é comum às marcas, existe possibilidade de confusão/associação entre os produtos/serviços que as marcas de cada uma das partes se destinam a assinalar, se uma delas se destina a assinalar produtos de hotelaria e a outra assinala negócios imobiliários, onde se integra a oferta de apartamentos mobilados.
II. Apesar de não incluídos na mesma classe, os serviços em causa situam-se no mesmo mercado relevante, existindo entre ambos uma relação de substituição, na medida em que os consumidores poderão optar por acomodação em hotel ou em apartamentos arrendados.
III. Entre os serviços prestados verifica-se, ao menos em parte, um objectivo comum, o de proporcionar aos consumidores de viagens e turismo, alojamento de carácter temporário, objectivo que assume relevância num país como o nosso em que o turismo constitui uma das actividades que mais contribui para o produto interno bruto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa,

I. RELATÓRIO.
HERITAGE, HOTÉIS GESTÃO E MARKETING, S.A., moveu contra HERITAGE - INVESTIMENTO E CONSULTORIA PATRIMONIAL, LDA. a presente acção declarativa, pedindo a anulação do registo da marca nacional nº 362589 “Heritage”.
Alegou, em resumo, que:
- A Ré requereu o registo da referida marca “HERITAGE”, para assinalar “negócios imobiliários”, na classe 36 da Classificação Internacional de Nice, o que fez em 15/03/2002, pedido que foi deferido por despacho de concessão datado de 06/04/2005, foi publicado a 30/06/2005.
Mais alegou que tal marca constitui uma imitação dos seus direitos prioritários nacionais e comunitários compostos pela expressão Heritage para assinalar “promoção de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)”, nas classes 43 e 35 da mesma Classificação, as quais são prioritárias em relação à marca da Ré, já que entre os serviços que as marcas da Autora distinguem - “promoção de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)”, existe uma relação de complementaridade e acessoriedade com os “negócios imobiliários” que a Ré presta com a sua marca, que, aliada à clara semelhança fonética entre as expressões, conduzirá o público a um risco de confusão ou associação entre os sinais em confronto e os respectivos titulares, impedindo que as marcas prioritárias da A. possam cumprir a sua função distintiva, possibilitando que os consumidores em geral sejam levados a pensar que a marca “HERITAGE” seja outra da titularidade da Autora e, portanto, associar aquela à origem empresarial desta última.
Referiu que deduziu, junto do INPI, pedido de caducidade da marca da Ré por falta de uso sério, consignando o entendimento de que tal processo constitui causa prejudicial, e pediu a suspensão da instância até que naqueles autos seja proferida decisão definitiva.
*
Regularmente citada, a Ré contestou pugnando pela improcedência da acção, argumentando que os serviços a que respeitam as marcas em confronto não são idênticos nem afins, pelo que não induzirão o consumidor em confusão ou associação, que as marcas da Autora respeitam, na sua essência, a serviços enquadrados na área do turismo e os serviços visados pela marca da Ré são, essencialmente imobiliários.
Mais referiu que a sua firma foi constituída em 28/02/2002, que a firma da Autora nessa data ainda era “Agifer – Serviços de Contabilidade, SA”, pelo que nunca existiu intenção por sua parte de imitar a expressão constante da marca da Autora.
Acrescentou que o que consta da descrição das marcas da Autora é a “promoção de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)”, que, no entanto, nem da petição inicial nem dos documentos juntos pela A. se vislumbra em que medida a A. tem feito um uso sério da sua marca, que não tem dúvidas de que a A. presta, como sempre alegou, “serviços hoteleiros”, mas que não fez prova do uso sério das mesmas para a referida promoção de serviços, nomeadamente, da marca comunitária n.º 919.779 que se encontra registada na Classe 35, requerendo que a A. faça prova do uso sério das suas marcas, nos termos e para os efeitos do artigo 268.º do CPI.
*
Por despacho de 16.12.2015 foi declarada suspensa a instância até à prolação de decisão definitiva no processo em que a Autora formulou o pedido de caducidade da marca da Ré.
Tal decisão foi proferida em 22.11.2018, julgando improcedente o pedido de caducidade, e, determinado o prosseguimento dos autos, realizou-se a audiência prévia, no termo da qual veio a ser proferida sentença que, julgando procedente a acção, determinou a anulação do registo da marca nacional n.º 362589 “HERITAGE”.                                    
*
Inconformada com tal decisão, veio a Ré dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
a) A Recorrente é uma sociedade portuguesa que se dedica à prestação de serviços de consultoria patrimonial e mediação imobiliária, tendo a firma sido registada em 2002, ano em que foi requerido o registo da marca nacional n.º 362589, constituída pelo sinal nominativo “HERITAGE”, para assinalar “negócios imobiliários”, serviços que se encontram incluídos na classe 36 da Classificação de Nice.
b) A Recorrida apresentou, em 06.04.2016, uma ação declarativa de condenação com o fundamento de que a marca nacional n.º 362589 HERITAGE da Recorrente imitava os seus direitos de marca anteriores, razão pela qual peticionou a anulação da mesma.
c) A Recorrida pretendeu demonstrar a sua legitimidade e interesse para a apresentação do pedido de anulação de marca com base na invocação da titularidade dos registos da marca nacional n.º 294750 “HERITAGE HOTELS PORTUGAL”, da marca nacional n.º 330065 “HERITAGE”, da marca nacional n.º 489209 , da marca comunitária n.º 919779 “HERITAGE HOTELS PORTUGAL” e da denominação social “HERITAGE, HOTÉIS GESTÃO E MARKETING S.A.”.
d) A Recorrente não aceita os argumentos invocados pela Recorrida para anulação do registo da marca nacional n.º 362589 uma vez que se limitam a um dos requisitos constantes do n.º 1 do artigo 245.º do CPI.
e) Só esse requisito foi exposto e apenas sobre esse a douta sentença recorrida se debruça carecendo de fundamentação o cumprimento do requisito da semelhança e, acima de tudo, do requisito da afinidade entre serviços.
f) A Recorrente demonstrou que não se encontrava preenchido o requisito da “identidade ou afinidade dos produtos ou serviços a que a marca registada e a marca registanda se destinam”.
g) Todas as marcas da Recorrida assinalam “promoção de serviços de hotéis”, independentemente das Classes.
h) As marcas da Recorrida assinalam serviços enquadrados na área do turismo, enquanto que os serviços assinalados pela marca da Recorrente são serviços prestados, sobretudo, no âmbito da mediação imobiliária.
i) A Recorrente requereu na sua Oposição que a Recorrida fizesse prova do uso sério das suas marcas.
j) A Recorrida não provou o uso sério das suas marcas.
k) O Tribunal a quo devia ter decidido pela improcedência do pedido de anulação da marca da Recorrente por incumprimento do artigo 266.º, n.º 3 do CPI que exige que “O registo não pode ser anulado se a marca anterior, invocada em oposição, não satisfizer a condição de uso sério”.
l) O Tribunal a quo decidiu, em suma, o seguinte:
 “A actividade da R. assinalada para “negócios imobiliários” inclui a prestação de serviços de administração de imóveis, i.e., serviços de locação de bens imobiliários como casas, apartamentos, etc., destinados ao uso permanente sim, mas como bem refere a A., na “época em que vivemos, é frequente agências imobiliárias promoverem imóveis para ocupação sazonal de alojamento temporário, nomeadamente para férias”.
O consumidor, o turista, tanto poderá optar por, nas suas férias, procurar uma estadia num alojamento temporário, como num hotel. Ora, se assim é, apesar de os serviços assinalados pelas marcas da A. e a da R., não se incluírem na mesma classe de Classificação Internacional de Nice, existe entre ambos uma afinidade, já que há uma relação de substituição, sendo o mercado relevante o mesmo, já que podem satisfazer o mesmo tipo de necessidades.
(…) Conclui-se, pois que a marca da R. não só é igual à da A., como o consumidor seguramente associará a marca da R. à origem empresarial da A., atenta a predominância do vocábulo HERITAGE em todas as marcas.
Assim sendo, a presente ação deve, pois proceder, nos termos acima enunciados, anulando-se a marca da R.”
m) Assim, não pode a Recorrente aceitar que:
(i) A Recorrida tenha legitimidade para apresentar um pedido de anulação da sua marca baseada em imitação das marcas de que é titular uma vez que as marcas da Recorrida não assinalam serviços de negócios imobiliários, nem tampouco a denominação social da Recorrida é anterior à da Recorrente;
(ii) Se dê por procedente a anulação da marca “HERITAGE” por imitação das marcas da Recorrida sem que esta faça prova do uso sério das marcas nos cinco anos consecutivos anteriores, compreendidos entre 2011 e 2015, considerando o pedido da Recorrente em sede de Oposição;
(iii) Não tenha considerado devidamente que a marca HERITAGE APARTMENTS, que foi anulada por sentença transitada em julgado no processo n.º 267/12.1YHLSB, era usada pela Recorrente especificamente para “serviços de locação de bens imobiliários como casas, apartamentos, etc.” e não a marca HERITAGE;
(iv) O facto de a Recorrente ter no seu objeto social a referência a prestação de serviços de administração de imóveis não implica que o faça através do uso da marca HERITAGE e que de facto não faz nem sequer a título de atividade secundária ou acessória;
(v) Seja desvalorizado pela douta sentença recorrida o facto da HERITAGE – INVESTIMENTO E CONSULTORIA PATRIMONIAL LDA. ser anterior à denominação social da Recorrida.
n) Para preenchimento do conceito jurídico de imitação é essencial que os serviços assinalados pela marca da Recorrente e os serviços assinalados pelas marcas da Recorrida sejam idênticos ou que se verifique uma relação de afinidade capaz de induzir o consumidor em erro, incluindo o risco de associação à marca prioritariamente protegida.
o) Os serviços que constam da descrição das marcas de que a Recorrida é titular são sempre a “promoção de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)”, independentemente das “Classes” em que foram incluídos.
p) Não existe afinidade entre as marcas da Recorrida que assinalam “promoção de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)” e a marca da R. que assinala “negócios imobiliários”.
q) As marcas da Recorrida são, na sua essência, serviços enquadrados na área do turismo, os serviços visados pela marca da Recorrente são, essencialmente, imobiliários.
r) São serviços estruturalmente diferentes.
s) A promoção de serviços hoteleiros é intrinsecamente uma prestação de serviços (limitada no tempo).
t) Os negócios imobiliários, além dos serviços de intermediação inerentes à atividade de qualquer agência imobiliária de compra e venda de propriedades, são tendencialmente permanentes, pois resultam na transmissão ou oneração de um direito real.
u) Os serviços de hotelaria prestados pela Recorrida estão sujeitos ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março (atualizado pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de Janeiro) para a área do turismo, ao passo aos serviços assinalados pela marca da Recorrente está excluída deste regime aplicando-se a legislação própria das agências imobiliárias (Lei n º15/2013, de 8 de Fevereiro).
v) As notas explicativas do INPI quanto à Classe 43 da Classificação de Nice são elucidativas no sentido de impedirem que os serviços de negócios imobiliárias sejam classificados no mesmo item destinado aos serviços hoteleiros e, mais ainda, naturalmente, da sua promoção, ao referirem:
“CLASSE 43
Serviços de restauração (alimentação); alojamento temporário.
Nota explicativa
Esta classe inclui essencialmente os serviços prestados por pessoas ou estabelecimentos cujo objectivo é preparar alimentos ou bebidas para o consumo bem como serviços prestados referentes ao alojamento, o albergue e a alimentação, por hotéis, pensões ou outros estabelecimentos que assegurem um alojamento temporário.
Inclui nomeadamente:
— os serviços de reserva de alojamento por viajantes, prestados nomeadamente por agentes de viagens ou intermediários;
— as pensões para animais.
Não inclui nomeadamente:
— os serviços de aluguer de bens imobiliários tais como casas, apartamentos (…)” (sublinhado nosso).
w) A Recorrente aceita a existência de semelhança gráfica, figurativa e fonética entre marcas, embora insuscetível de induzir em erro o consumidor médio, em virtude de assinalarem serviços diferentes e que operam em mercados distintos.
x) Apesar de haver um grupo de vários hotéis no Grupo Heritage Portugal, nenhum usa as marcas da Recorrida.
y) A maioria dos hotéis da Recorrida nem usa a expressão na designação como é disso exemplo “As Janelas Verdes”, “Hotel Britania”, “Hotel Lisboa Plaza” e “Solar do Castelo”.
z) Os consumidores conhecem estes hotéis e os seus serviços pela denominação que é apresentada na fachada do hotel, nos suportes publicitários, nos brindes, no material decorativo e em toda a sinalética existente e não por “Hotéis Heritage”.
aa) Um consumidor médio, quando procura serviços hoteleiros, não os procura em agências de mediação imobiliária, assim como quando procura comprar, arrendar ou remodelar um imóvel não recorre a agências de turismo ou ao site da Recorrida.
bb) A Recorrida não podia ignorar a possibilidade de coexistência de sinais semelhantes em marcas que assinalem serviços diferentes ao adotar como marca uma expressão já existente.
cc) Existem 14 páginas de marcas registadas com a expressão “HERITAGE” disponíveis para pesquisa na plataforma do INPI sem que isso crie confusão no consumidor médio.
dd) Existem três marcas, apenas com a expressão "HERITAGE", registadas antes das marcas da Recorrida.
ee) A Recorrida não pode exigir da Recorrente aquilo que não a distancia das marcas registadas anteriormente.
ff) Para existir concorrência desleal entre as marcas da Recorrida e a marca da Recorrente, teria de existir uma posição que permitisse à Recorrente desviar clientela da Recorrida, o que não acontece por não existir afinidade entre as atividades e serviços prestados a coberto das marcas em confronto.
gg) A expressão HERITAGE faz parte da denominação social da Recorrente pelo que seria uma violência não poder usar tal expressão noutro sinal distintivo de comércio.
hh) A Recorrente opera no mercado como “Heritage-Investimento e Consultoria Patrimonial, Lda.” desde 2002.
ii) A Recorrida foi constituída em sob a firma AGIFER – SERVIÇOS DE CONTABILIDADE, S.A., apenas alterando a sua firma para a atual em 2003.
jj) Não existiu qualquer intenção da parte da Recorrente em imitar a expressão constante das marcas da Recorrida, face à prioridade do registo da denominação social da Recorrente.
kk) A marca HERITAGE poderia assinalar outros serviços que não apenas negócios imobiliários face ao objeto social da Recorrente.
ll) O objeto social da Recorrente visa a prestação de serviços de consultoria patrimonial e imobiliária, elaboração de estudos de planeamento, recuperação, reconversão e avaliação patrimonial, comercialização de produtos e soluções técnicas destinadas às atividades de construção, conservação, reabilitação, reconversão e reutilização de ativos imobiliários; mediação imobiliária, importação, exportação e representações comerciais relacionadas com a reabilitação urbana bem como comercialização de certas categorias de produtos alimentares e azeites. Formação educativa ou profissional. Compra de imóveis para revenda, aquisição, alienação, construção, promoção, administração, tomada de participação e locação de bens imóveis e a realização de todas as atividades comerciais, industriais e financeiras relacionadas com a promoção do seu objeto.
mm) A Recorrente, pese embora tenha no seu objeto social “administração, tomada de participação e locação de bens imóveis e a realização de todas as atividades comerciais”, nunca concretizou essa parte do objeto social através da marca HERITAGE.
nn) Para o mercado relevante os serviços assinalados pela marca HERITAGE são os serviços de consultoria patrimonial e imobiliária e a mediação imobiliária.
oo) A Recorrente centrou a sua atividade na prestação de serviços de consultoria a várias entidades detentoras de património imobiliário, bem como a atividade de mediadora imobiliária.
pp) Foi a atividade de consultoria imobiliária e a atividade de mediação imobiliária que levaram a Recorrente a proceder ao pedido de registo de uma marca que assinalasse estes serviços que se encontram definidos na Classificação de Nice na classe 36 referente aos Negócios Imobiliários.
qq) Essa marca foi requerida enquanto marca nacional, nominativa, em 15.03.2002 e foi concedida em 06.04.2005 sob o n.º 362589 e com o sinal “HERITAGE”.
rr) A Recorrente, com bem sabe a Recorrida, sempre usou a marca HERITAGE APARTMENTS para assinalar serviços de administração de imóveis, nomeadamente de locação de bens imobiliários como moradias, apartamentos, ente outros.
ss) Os serviços que, na realidade, são assinalados pelas marcas da Recorrida são “promoção de serviços de hotéis”.
tt) Nem da petição inicial nem dos documentos juntos pela Recorrida se vislumbra em que medida a Recorrida tem feito um uso sério das suas marcas.
uu) A Recorrente solicitou quer na sua Oposição quer nas Alegações de Direito a prova de uso sério das marcas da Recorrida.
vv) A Recorrida nada apresentou aos autos.
ww) É sobre a Recorrida que recai o ónus da prova do uso sério das suas marcas para que se possa concretizar o pedido de anulabilidade da marca da Recorrente, nos termos dos artigos 266.º, n.º 3, 268.º e 270.º, n.º 6 todos do CPI.
xx) Facto que obsta à procedência do pedido de anulação da marca da Recorrente a colocar em causa a douta sentença recorrida nos termos e para os efeitos do artigo 266.º, n.º 3 do CPI.
yy) Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2011, processo n.º 1091/09.4TYLSB.L1-2, in www.dgsi.pt, “Poderemos encarar a marca como sendo o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor.
Efectivamente, a marca tem uma função essencial, a função distintiva de um produto ou serviço, que, todavia, não é a única, tendo também uma função de sugestão – sendo angariadora de clientela – e uma função de garantia. Através da marca o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece; a marca visa, aliás, estabelecer uma relação entre um produto ou serviço e um certo agente económico”. (sublinhado e negrito nossos).
zz) No caso sub judice, é inegável que o serviço proposto ao público-alvo especializado da Recorrente (maxime, mercado imobiliário) enverga a marca HERITAGE, de tal forma que, só através dessa marca, a clientela daqueles serviços é capaz de os reconduzir à empresa que os oferece, sendo cristalina, na factualidade dada como provada, a relação que esse mesmo público-alvo estabelece entre o serviço oferecido e o agente económico do qual este provém.
aaa) O critério económico tem sido defendido pela Doutrina como um dos que melhor define a existência ou não de afinidade entre os serviços a que marcas em confronto se destinam.
bbb) Neste sentido, importa referir o sumário do Acórdão do Tribunal de Relação do Porto de 28.10.2013 quando refere que “(…) este juízo sobre a semelhança entre os sinais deve ser formulado na ótica do consumidor médio, enquanto destinatário preferencial dos produtos ou serviços em questão. Não é o juízo formulado por técnico do sector, nem por pessoa especialmente atenta, mas pelo público consumidor, segundo a perspetiva do consumidor médio, nem especialmente informado e perspicaz, nem excessivamente distraído”.
ccc) Há que referir que HERITAGE não é uma expressão de fantasia e que mesmo que tivesse sido criada pela Recorrida, não poderia ser proibida a adoção como marca de “um vocábulo comum de uso generalizado, só sendo de afastar (…) sinais meramente descritivos no ramo de comércio onde se inserem os produtos ou serviços a que a marca se destina” (Carlos Olavo, “Propriedade Industrial”, 2005, p. 86).
ddd) Tendo o Tribunal a quo incorrido, por isso, em manifesta contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida, pelo que se pede, respeitosamente, aos Venerandos Juízes Desembargadores, que se dignem revogar a douta decisão recorrida, por esta, além de ser nula, desconsiderar o não cumprimento dos requisitos cumulativos para o preenchimento do critério de imitação de marca e assim revogar a douta sentença que decidiu-se pela anulação da marca nacional n.º 362589 HERITAGE, nos termos e para os efeitos do artigo 245.º, n.º 1, alínea b) e c) e 266.º, n.º 3, ambos do CPI.
Terminou pedindo que se revogue a decisão recorrida e se substitua por outra que mantenha o registo da marca da Recorrente.
*
A Apelada contra-alegou, apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões:
Das conclusões de recurso da Apelante: d),e), f), g), h), m)/(i) n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), aa), ff).
- Os requisitos legais do artigo 245.º do CPI -
a) Não existe qualquer nulidade ou omissão de pronúncia e muito menos contradição entre a decisão e a fundamentção da sentença recorrida quanto à verificação do conceito de imitação de marca e, consequentemente, quanto à análise concreta de cada um dos três requisitos cumulativos a que se refere o nº 1 do artigo 245º do CPI.
b) Na verdade é fácil de constatar que o requisito da prioridade a que se refere a alínea a) do nº 1 do artigo 245º do CPI foi tratado pela sentença na página 5, o qual de resto constitui mero resultado da verificação comparativa da datas dos pedidos de registo das marcas em confronto (que por sua vez resultam dos documentos juntos aos autos);
c) Também o requisito a que se refere a alínea b) do nº 1 do referido artigo encontra-se analisado nas páginas 5 a 9 da sentença.
d) E, por fim, o terceiro e último requisito legal do conceito de imitação previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 245.º do CPI vem analisado na página 9 da sentença, sendo que este requisito da semelhança in casu dispensa longas teorizações na medida em que a marca verbal da Apelante registada com o nº 362589 HERITAGE é idêntica à marca verbal da Apelada registada com o nº 330065 HERITAGE.
e) Ademais, não tendo sido sequer objecto de concreta contestação da Apelante pela própria inexistência de argumentos, impunha-se de resto e desde logo a conclusão da verificação in casu e por acordo das partes dos 1º e 3º requisitos do artigo 245.º do C.P.I.; pelo que, como bem entendeu o Tribunal a quo, o que verdadeiramente importava como importou analisar com maior detalhe a verificação do 2º requisito legal previsto na alínea b) do artº 245º do CPI, como assim efectuou a sentença recorrida.
f) Portanto, não tendo havido omisssão de pronúncia, o que a Apelante verdadeiramente contesta é a verificação do requisito da alínea b) do nº 1 do artigo 245º do CPI.
g) Ora, como se defendeu e como também assim concluiu a sentença do tribunal a quo, verifica-se afinidade entre os serviços que as marcas prioritárias da Apelada assinalam de “promoção de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)” com os serviços que a marca registada pela R. se destina a assinalar na classe 36ª “negócios imobiliários”.
h) Há que sublinhar o extenso alcance da actividade versada pela marca cuja anulação se peticiona, uma vez que a expressão “negócios imobiliários”, dado a sua generalidade, terá necessariamente que ser interpretada como englobando e integrando tudo quanto se relacione com “negócios” sobre “imóveis”, inclusivamente arrendamentos e arrendamentos temporários para férias, actividade esta que é naturalmente idêntica à actividade prosseguida pela Apelada – promoção de serviços hoteleiros.
i) Daí que, tal como a designação “productos lácteos” abrange uma multiciplicidade de diferentes produtos como manteiga, leite, iogurtes, queijo, natas; e a designação de “produtos cosméticos” abrange cremes e loções em geral, como shampôs, maquilhagem, etc.; também “negócios imobiliários” abrange uma multiciplicidade de negócios, como o arrendamento temporário.
j) Ou seja, não cabe à Apelante restringir o âmbito de protecção do registo de marca que lhe foi concedido e cuja anulação se requer.
k) Ora, se marca em causa foi concedida e encontra-se registada para assinalar “negócios imobiliários” é este âmbito (mais vasto do que o que a Apelante defende) que está em causa e não outro mais restrito como parece defender a Apelante.
l) Assim, comparando os serviços registados através das marcas em confronto, temos por certo que existe uma clara afinidade entre os mesmos, na medida em que “negócios imobiliários” pode incluir arrendamento temporário de imóveis e, nessa medida há um campo de intersecção entre os serviços que podem ser prestados sob a marca registada da Apelante e os serviços que podem ser prestados sob as marcas registadas da Apelada.
m) Havendo essa sobreposição parcial uns e outros serviços podem ser substituíveis e procurados conjuntamente pelo mesmo consumidor, logo uns e outros são afins.
n) E isto é quanto baste para que exista uma área de confluência entre actividades, de modo a criar no público essa percepção de conexão.
o) Portanto, em face de tudo o supra exposto, também o preenchimento deste requisito se encontra verificado no caso dos autos, como bem decidiu a sentença.
p) E o exposto nada tem que ver como refere a Apelante com uma comparação com o seu objecto social ou com os serviços assinalados por outras marcas de que é titular, pois esses sinais não estão em causa nestes autos.
q) Logo, sendo os três requisitos cumulativos do artigo 245.º, verificando-se como se verificou, o seu preenchimento, verifica-se existir imitação de marca e, portanto, nessa medida o registo da marca da Apelante foi concedido em infracção ao disposto na norma vertida no artigo 239º, pelo que é anulável nos termos do disposto no artigo 266.º do CPI.
Das conclusões de recurso da Apelante: i), j), k), ss), tt), uu), vv), ww) e conclusão m)/(ii)
-Do uso sério das marcas de que a Apelada é titular -
r) Surpreendemente a Apelante, que em sede de contestação não deduziu qualquer excepção e que aquando a discussão de facto e de direito em sede de audiência prévia voltou a não deduzir qualquer excepção, nem a apresentar qualquer reclamação.
s) Em suma, tendo-se conformado a Apelante com a decisão do tribunal a quo, tomada em sede de audiência prévia de discussão da posição das partes, de imediato conhecimento do mérito da causa sem necessidade de produção de mais provas, não pode agora entender que deveria ter deduzido excepção e de que deveria ter requerido a produção de prova nos autos.
t) Pelo que esta conclusão de recurso é manifestamente extemporanea, não devendo ser de considerar neste instância.
Das conclusões de recurso da Apelante: m) - (iii), (iv), (v) - hh), ii), jj), kk), ll), mm), nn), oo), pp), qq), rr)
- Outros direitos da Apelante -
u) Por fim, quanto às restantes conclusões formuladas pela Apelante estas são absolutamente irrelevantes para o thema decidendum pelo que não foram nem tinham de ser tidas em conta pelo Meretíssimo juiz a quo na decisão do mérito da causa.
v) Com efeito, nos presentes autos não há que cuidar de apreciar outras marcas da Apelante que não aquela cuja a anulação ora se requer; e bem assim não importa considerar a data da denominação social da Apelante e bem assim o respectivo objecto social uma vez que nestes autos não foi peticionada a anulação da denominação social da Apelante, pelo que não há que aferir da verificação dos requisitos legais de imitação com referência a outros direitos que não estão em discussão nos presentes autos.
w) Pelo que estas conclusões recursivas são manifestamente irrelevantes, não devendo ser de atender.
Terminou pedindo que o presente recurso seja julgado improcedente e, em consequência, seja mantida a decisão recorrida.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se deve concluir-se pela inverificação de semelhança ou afinidade entre os serviços assinalados com as marcas em confronto ou de risco de associação entre ambas;
- se a alegada falta prova de uso sério das marcas por parte da Autora releva enquanto obstáculo à anulação determinada na sentença recorrida;
- se a coexistência de marcas com o sinal “Heritage” ou a preclusão por tolerância da ora Autora obstam à referida anulação.
*
III. Fundamentação
III.1. Os factos
A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
1- Em 15/03/2002, a R. apresentou o pedido de registo da marca nacional n.º 362589 “HERITAGE”, destinada a assinalar “negócios imobiliários”, na classe 36 da Classificação Internacional de Nice;
2- Por despacho de 06/04/2005 o Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, deferiu o pedido de registo da referida marca nacional n.º 362589, o qual foi publicado no BPI nº6/2005, de 30/06/2005;
3 – A A. pediu em 15/12/2014 a caducidade por falta de uso sério da marca da R. nº 362589, tendo o INPI indeferido tal pedido;
4 – Por decisão proferida por este Tribunal de Propriedade Intelectual nos autos nº 473/15.7YHLSB e confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22/11/2018 e já transitado em julgado, foi mantida a decisão do INPI de não caducidade da marca nº 362589;
5 - A A. é titular das seguintes marcas:
a) Marca nacional n.º 294750 “HERITAGE HOTELS PORTUGAL”, com registo pedido em 21/09/1993 e concedido por despacho proferido em 30/11/1994, destinada a assinalar “promoções de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)”, na classe 43 da Classificação Internacional de Nice;
b) Marca nacional n.º 330065 “HERITAGE”, com registo pedido em 28/04/1998 e concedido por despacho proferido em 03/09/2001, destinada a assinalar “promoções de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)”, na classe 43 da Classificação Internacional de Nice;e
c) Marca comunitária n.º 919779 “HERITAGE HOTELS PORTUGAL”, com registo pedido em 01/09/1998 e concedido por despacho proferido em 07/02/2003, destinada a assinalar “promoções de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)”, na classe 35 da Classificação Internacional de Nice;
6 - Resulta dos factos dados como provados nos autos nº267/12.1YHLSB que a a A. foi constituída em 2001, com a firma “AGIFER – SERVIÇOS DE CONTABILIDADE, S.A.”, e com o objecto social “prestação de serviços de contabilidade e administrativos, tratamento de recursos humanos, marketing, publicidade e gestão”;
7- Resulta dos factos dados como provados nos autos nº267/12.1YHLSB que em 2002, a A. ainda tinha a firma “AGIFER – SERVIÇOS DE CONTABILIDADE, S.A.”;
8 - Resulta dos factos dados como provados nos autos nº267/12.1YHLSB que em 2003 e 2004, a firma da A. era “HERITAGE – GESTÃO E MARKETING. S.A.”;
9 - A R. foi constituída em 28-02-2002, com a firma “HERITAGE – INVESTIMENTO E CONSULTORIA PATRIMONIAL, S.A.”, e com o objecto social “Prestação de serviços de consultoria patrimonial e imobiliária, elaboração de estudos de planeamento, recuperação, reconversão e execução patrimonial, comercialização de produtos e soluções técnicas destinadas às actividades de construção, conversão, reabilitação, reconversão e utilização de activos imobiliários; importação, exportação e representações comerciais de produtos e serviços relacionados com as actividades referidas; formação dentro das áreas referidas. Compra de imóveis para revenda, aquisição, alienação, construção, promoção, administração, tomada de participação e locação de bens imóveis e a realização de todas as actividades comerciais, industriais e financeiras relacionadas com a promoção do seu objecto” .                          
*
A decisão da matéria de facto não foi objeto de impugnação em conformidade com o prescrito nos artigos 640º, nem se vislumbra fundamento para a sua alteração, de acordo com o disposto no artigo 662º, mantendo-se consequentemente inalterada.
É pois, em face dos factos apurados na decisão recorrida, que cumpre apreciar e decidir as supra identificadas questões suscitadas pela Apelante.
*
III.2. Fundamentação de direito.
O artigo 61º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da liberdade de iniciativa económica privada, nos termos do qual o exercício da atividade económica privada, e por isso, da atividade comercial, é livre, desde que respeite os limites impostos pela Constituição e pela lei.
A existência de uma pluralidade de agentes que convergem em relação a um mesmo mercado impõe a necessidade de ordenar essas atuações para que os mercados funcionem regularmente.
A propriedade industrial corresponde a essa necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, que se processa essencialmente por duas formas:
- através da atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais;
- pela imposição de determinados deveres no sentido de os vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente.
A primeira das referidas formas abrange os direitos privativos da propriedade industrial.
A segunda refere-se à repressão da concorrência desleal.
*
O regime jurídico das marcas enquanto direito de propriedade industrial, subsistindo estratificado em diversos níveis territoriais de proteção, encontra-se atualmente harmonizado a nível da União Europeia, o que releva no caso dos autos, em que um dos sinais em confronto, de que é titular a Recorrida é uma marca comunitária.
Assim, o Regulamento (UE) n.º 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16-12-2015 (que entrou em vigor em 23 de março de 2016), alterou o Regulamento (CE) n.º 207/2009, de 26/2/2009, sobre a marca comunitária, atualmente designada por marca da União Europeia ou marca da EU”, este último, por sua vez já revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (RMUE).
A marca da UE é um sinal de carácter unitário, ou seja, produz os mesmos efeitos em toda a União, sendo o seu registo concedido pelo agora designado Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) (cf. artigos 1º e 2º dos aludidos Regulamentos).
Qualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo entidades públicas, pode ser titular de uma marca da UE; a marca da UE adquire-se por registo - artigos 5.º e 6.º do Regulamento (CE) n.º 207/2009 e do Regulamento (CE) n.º 2017/1001.
Nos termos do disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do Regulamento (CE) n.º 207/2009, a que corresponde atualmente o artigo 9º do Regulamento (CE) n.º 2017/1001, o registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos e (sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE) o titular da marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:
a) idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;
b) idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;
c) idêntico ou semelhante à marca da UE, independentemente de ser utilizado para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, sempre que esta última goze de prestígio na União e que a utilização injustificada do sinal tire indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca da UE ou lhe cause prejuízo.”
Através do registo adquire, pois, o interessado o direito privativo da propriedade industrial, que tem por conteúdo a exploração económica exclusiva desse sinal, com vista a distinguir a proveniência empresarial de determinado produto ou serviço, conforme resulta dos preceitos citados.
A disciplina jurídica da marca da união europeia, no que respeita aos respectivos efeitos, é autónoma das leis nacionais: contudo, em matéria de infracções a tais marcas, regem as normas de direito nacional, sendo competentes os Tribunais Nacionais (cf. artigos 17º e 123 e ss. do RMUE).
No âmbito do direito interno, dispõe o artigo 224º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Dec. Lei n.º 36/2003, de 5 de março (CPI), aplicável à data da propositura da acção - como actualmente dispõe o artigo 210º do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo referido Dec. Lei n.º110/2018 - que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina.
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. o artigo 222º do CPI/2003, e actualmente o artigo 208º do CPI/2018).
Da conjugação de tais preceitos com os que enumeram os sinais insusceptíveis de ser registados como marca e os fundamentos absolutos de recusa de registo (cf. artigos 223º e 238º CPI/2003, 209º e 231º CPI/2018 e artigos 7º e 8º do RMUE) resulta que para que um sinal possa constituir uma marca o mesmo tem de possuir carácter distintivo.
A marca tem, assim:
- uma função distintiva, na medida em que distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma procedência empresarial,  que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso;
- uma função de garantia de qualidade dos produtos na medida em que, não obstante não garanta directamente, a qualidade dos produtos ou serviços marcados, o faz indirectamente por referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa;
- uma função publicitária, já que, em complemento da função distintiva, pode contribuir, por si mesma, para a promoção dos produtos ou serviços que assinala.
Ela pode, nos termos do disposto no artigo 222º do CPI/2003 (cf. artigos 208º CPI/2018 e 4º do RMUE), ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros (ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, admitindo-se designadamente a cor única).
Em matéria de composição das marcas vigora, pois, o princípio da liberdade.
Este princípio sofre, porém, limitações de vária ordem.
Dada a função que exerce de identificar o produto ou serviço por referência à sua origem, a marca tem de ser protegida por um direito privativo absoluto em benefício dessa origem. Por isso, a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada é proibida, nos termos que melhor se explicitarão.
Assim, nos termos dos artigos 239º e 245º do CPI/2003 (cf. artigos 231º e ss. do CPI/2018 e 7º e 8º do RMUE) a marca não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, devendo ser constituída por forma a não se confundir com outra anteriormente adotada e registada para os mesmos ou semelhantes produtos.
Da conjugação de tais preceitos resulta que deve ser recusado o registo da marca quando esta constitua imitação de uma outra, sendo requisitos dessa imitação:
i. que a marca imitada esteja registada com prioridade;
ii. que ambas as marcas se destinem a assinalar bens ou serviços idênticos ou afins;
iii. que entre elas exista uma semelhança (gráfica, fonética ou outra) que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou risco de associação, de forma que o consumidor as não possa distinguir senão após exame atento ou confronto.
Do carácter e da função distintivos da marca decorre a insusceptibilidade de registo como marca, de sinais meramente descritivos, usuais ou necessários, por serem desprovidos de distintividade; tais sinais devem manter-se disponíveis para serem livremente utilizados por todos os agentes económicos.
No caso de sinais que possuam capacidade distintiva residual, ou mínima, que lhes permite beneficiar do registo – as marcas fracas – constituídas quase exclusivamente por elementos de uso comum ou vulgarizado, “o juízo sobre a confundibilidade deverá ser menos severo, já que a comparação com outras marcas deverá limitar-se à parte que seja original”.
Recentemente, no Acórdão de 06.12.2018 o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou, a pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, descritiva a marca “adegaborba.pt”. Ali se entendeu que “quando um sinal que serve para designar um produto junta dois elementos verbais, ou seja, um termo descritivo e um nome geográfico, como «Borba» no caso em apreço, reportando‑se à proveniência geográfica desse produto, que é também descritiva do mesmo, deve considerar‑se que o sinal composto por esses dois elementos verbais tem caráter descritivo e, como tal, é desprovido de caráter distintivo.”
 Tais elementos genéricos podem ser integrados (com outros) na composição dos sinais, mas nesse caso não serão considerados de uso exclusivo do requerente (cf. os artigos 223º do CPI/2003, 209º do CPI/2018).
E sendo certo que, nos termos do n.º 3 de tais artigos se permite que a pedido do requerente ou do reclamante, o INPI indique no despacho de concessão do registo, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente (disclaimer), mesmo que tal não seja feito, daí não deriva que todos os elementos integrantes da marca sejam de uso exclusivo.
Constituem ainda fundamentos de recusa, a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para distinguir uma entidade cuja actividade seja idêntica ou afim dos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, a infracção de outros direitos de propriedade industrial, e quando invocado em reclamação, a reprodução ou imitação de firma, de denominação social e de outros sinais distintivos, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão (cf. als b) e c) do n.º 1 e a) do n.º 2 do artigo 239º do CPI/2003 e 231 CPI/2018).
A reprodução ou imitação de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que comporte risco de associação com marca registada constitui fundamento de anulação do registo da marca, nos termos do disposto no artigo 266º do CPI/2003 e 260º/CPI 2018.
*
Há risco de confusão sempre que a identidade ou semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro e ainda sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam, ou que existe uma relação, que na realidade não se verifica, entre a proveniência desses produtos ou serviços. Fala-se então de risco de associação ou risco de confusão em sentido lato.
Na realização do juízo de comparação entre sinais para aferir da possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos fatores.
Assim, em face das características do caso em apreço, importa considerar a natureza e o tipo de necessidades que os produtos visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços - os produtos ou serviços terão de situar-se no mesmo mercado relevante, isto é, tendo a mesma utilidade e fim, permitindo dessa forma, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público.
O risco de afinidade aumenta nos casos em que pode mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços.
Na apreciação do risco de confusão entre os sinais em confronto, há que atender à estrutura dos mesmos, havendo que distinguir entre marcas nominativas, gráficas e mistas (sendo estas as que combinam elementos nominativos e gráficos).
Deve ter-se em consideração que o consumidor, em regra, não se depara com as duas marcas simultaneamente – a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. Nessas circunstâncias, é a imagem de conjunto da marca que, normalmente, mais sensibiliza o consumidor, pelo que, a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem as marcas em comparação.
Também devem ser considerados irrelevantes no conjunto, as componentes genéricas ou descritivas, pois esses, como supra se referiu, não têm carácter distintivo, nem são passíveis de apropriação exclusiva.
Nas marcas complexas deve ser privilegiado o elemento dominante, desvalorizando os pormenores.
O juízo de verificação deve ser formulado na perspetiva do público relevante – atuais e potenciais clientes, adquirentes ou utilizadores dos bens e serviços a que respeitam as marcas em confronto, que tanto pode consistir no público em geral, como ser um público constituído por profissionais e/ou especialistas no sector, devendo ainda atender-se ao território em que é protegida a marca prioritária.
O consumidor que releva no contexto do direito de marcas deve, pois, ser uma figura flexível e variável, em função da natureza, características e preços dos produtos ou serviços diferenciados pelas marcas respetivas.
O público relevante presume-se normalmente informado e razoavelmente atento e circunspecto; porém, o grau de atenção pode variar em função do tipo bens ou serviços e do grau de conhecimento e experiência dos respetivos adquirentes, sendo que tenderá a ser mais baixo nos comportamentos de consumo quotidiano, mais alto quando estão em causa bens dispendiosos, tecnicamente sofisticados, perigosos, produtos farmacêuticos, serviços financeiros ou imobiliários, e nos casos de lealdade à marca.
Os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.
*
Atribuindo a marca o direito de exclusivo de uso do sinal ao seu titular, as circunstâncias em que o mesmo pode proibir ou impedir o uso do mesmo por terceiros (ius prohibendi, que compreende o direito de se opor ao pedido de registo de sinal conflituante, de invalidar registo concedido, ou de proibir o uso de marca posterior por terceiro sem o seu consentimento), encontram-se indicadas no artigo 258º do CPI/2003 (cf. os artigos 249º a 252º do CPI/2018 e 9º do RMUE), que prevê, designadamente, e no que ao caso interessa, as situações de dupla identidade  – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos idênticos aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo – e as de risco de confusão ou associação no espirito do consumidor – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos afins aos abrangidos pelo registo, ou em que o sinal é semelhante à marca e é usado em relação a produtos idênticos ou afins relativamente aos abrangidos pelo registo.
Exige-se ainda que tal uso ocorra “no decurso de operações comerciais” (ou no exercício de actividades económicas, como se refere nos artigos 258º CPI/2003 e 249º do CPI/2018).
*
No caso dos autos, a Apelante não discute quer a prioridade dos sinais de que é titular a Autora, quer a semelhança gráfica, figurativa e fonética do elemento verbal predominante que é comum a todas – o vocábulo “HERITAGE”.
A Apelante entende que não existe possibilidade de confusão/associação entre os produtos/serviços que as marcas de cada uma das partes se destinam a assinalar, por serem diferentes os serviços e operarem em mercados distintos.
Vejamos.
A multiplicidade de sinais de que a ora Apelante é titular apela ao conceito de «família» ou «série» de marcas, ou seja, à existência de várias marcas com características comuns, de um conjunto de sinais com simbologia similar, detidas pelo mesmo titular, relativos a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins.
“No caso de uma «família» ou «série» de marcas, o risco de confusão resulta mais precisamente do facto de o consumidor se poder enganar quanto à proveniência ou à origem dos produtos ou dos serviços abrangidos pela marca cujo registo é pedido e considerar, erradamente, que esta faz parte dessa família ou série de marcas”[1].
Não há dúvida que as marcas de que é titular a Autora se destinam a assinalar serviços de “promoção de serviços de hotéis (serviços hoteleiros)” enquanto a da Ré serviços relativos a “negócios imobiliários”.
Ora, neste ponto, importa atender ao que se decidiu no Acórdão desta Relação de 16.09.2014[2], no âmbito de processo que correu termos entre as mesmas partes, relativo à marca da Ré “Heritage Apartments” para assinalar “negócios imobiliários” e que aqui seguimos de perto:
“A propósito da afinidade, tem-se escrito na jurisprudência que, apesar dos produtos/serviços não pertencerem à mesma classe, esse não é um critério definitivo para afastar a protecção a uma determinada marca.
(…) Deste modo conclui-se no citado acórdão ser irrelevante a “circunstância dos produtos em questão estarem ou não incluídos na mesma classe administrativa, possuindo esta classificação internacional uma relevância meramente organizativa tributária (desde que, por um lado há produtos radicalmente distintos incluídos dentro da mesma classe e, por outro, existem produtos afins colocados em classes diferentes)”.
No caso dos autos a marca da apelante destina-se a assinalar produtos de hotelaria enquanto que a marca concedida à apelada assinala negócios imobiliários, onde se integra a oferta de apartamentos mobilados.
Desse modo, afigura-se-nos haver afinidade entre os serviços comercializados pela apelante e pela apelada, visto que, apesar de não incluídos na mesma classe, os serviços em causa situam-se no mesmo mercado relevante, existindo entre ambos uma relação de substituição, na medida em que os consumidores poderão optar por acomodação em hotel ou em apartamentos arrendados.
Existe, pois, afinidade entre os assinalados serviços”.
Na verdade, para apreciar a semelhança entre os produtos ou os serviços em causa, importa tomar em conta todos os fatores pertinentes que caracterizam a relação entre estes. Esses fatores incluem, em especial, a sua natureza, o seu destino, a sua utilização, bem como o seu caráter concorrente ou complementar, sendo que quando os produtos visados pela marca anterior incluem os produtos visados pela marca pedida, esses produtos deverão ser eram considerados idênticos.
Ora, sinais da Recorrente e da Recorrida destinam-se a assinalar, pelo menos em parte, produtos e serviços afins – no âmbito dos negócios imobiliários – que não se refere apenas a alojamentos permanente ou transmissão definitiva de propriedades - incluem-se sem dúvida os serviços de alojamento temporal, de promoção de casas de férias, de arrendamentos temporários. Entre os serviços prestados por Autora e Ré e, portanto, aqueles que podem vir a ser assinalados com as marcas em confronto verifica-se, ao menos em parte, um objectivo comum, o de proporcionar aos consumidores de viagens e turismo, alojamento de carácter temporário, objectivo que assume relevância num país como o nosso em que o turismo constitui uma das actividades que mais contribui para o produto interno bruto.
O público relevante é constituído pelo consumidor final médio internacional dos serviços de alojamento temporário, ou de férias, destinando-se os serviços a assinalar com os sinais em confronto, pois, ao mesmo tipo de consumidor, que poderá optar por serviços hoteleiros ou de arrendamento temporário.
Ora, tendo em consideração os factores salientados, e a prioridade dos sinais da Recorrente, existe risco de que o público relevante possa crer que os produtos a assinalar com a marca da Apelante e os assinalados/comercializados pela ora Apelada com os sinais de que é titular provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas que utilizam a mesma série ou família de sinais.
Importa referir que não se descortina a referência da Apelante à anulação da marca “Heritage Apartments” que alegadamente usava para distinguir “serviços de locação de bens imobiliários como casas, apartamentos”, pois se precisamente tal marca foi anulada na pendência destes autos, maior risco haverá de a ora Recorrente distinguir tais serviços com a marca em causa nestes autos.
Também não releva a anterioridade da denominação social da ora Apelante face à da Apelada, porquanto duas das marcas de que é titular a Autora são anteriores à referida denominação social, ou a falta de intenção de imitação por parte da ora Recorrente, pois tal não obsta ao “ius prohibendi”que a titularidade das marcas confere à Recorrida..
*
Argumenta a Apelante que a Recorrida não podia ignorar a possibilidade de coexistência de sinais semelhantes para assinalar serviços diferentes ao adotar como marca expressão já existente e que existem 14 páginad de marcas registadas com tal expressão.
Ora, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de junho de 2019, “embora não se possa excluir totalmente que, em determinados casos, a coexistência de marcas anteriores no mercado possa eventualmente diminuir o risco de confusão constatado (…) entre duas marcas em conflito, tal eventualidade só pode ser tomada em consideração se, pelo menos, no decurso do processo respeitante aos motivos relativos de recusa (…), o requerente da marca (…) tivesse devidamente demonstrado que a referida coexistência assentava na inexistência de risco de confusão, no espírito do público pertinente, entre as marcas anteriores que invoca e a marca anterior da interveniente na qual a oposição se baseia e sob reserva de as marcas anteriores em causa e as marcas em conflito serem idênticas”.
Ora, no caso dos autos, não se demonstrou que a coexistência dos sinais da Recorrente e da Recorrida ou de terceiros assentou na inexistência de risco de confusão.
Por outro lado, da falta de oposição da ora Recorrente a outros sinais que possam eventualmente comungar das mesmas características que determinam a confundibilidade com os sinais da mesma, não pode retirar-se a conclusão de que a coexistência assenta na circunstância de a ora Recorrente ter aceitado a ausência de risco de confusão ou associação.
Na verdade, a inércia perante o conhecimento do registo de sinal confundível pela ora Recorrida ou por terceiros, do sinal da Recorrida, pode determinar a denominada “preclusão por tolerância”, prevista no artigo 267º do CPI/2003 ou no artigo 261º do CPI/2018, ou seja a perda do direito de requerer a anulação do registo da marca posterior, relativamente à qual se verifique a “tolerância” pelo período referido nos citados preceitos, ou a opor-se ao seu uso, em relação aos produtos ou serviços nos quais a marca posterior tenha sido usada, salvo se o registo da marca posterior tiver sido efectuado de má-fé.
Mas não determina a impossibilidade de reagir a marcas posteriormente pedidas ou ao seu uso.
Acresce que no caso dos autos, não se demonstrou que a ora Recorrida tomou conhecimento da existência de tais sinais há mais de cinco anos, pelo que não se mostram reunidos os pressupostos de tal instituto.
De referir que pese embora a existência de vários registos com o elemento verbal “Heritage”, não se demonstrou que os sinais da Recorrida tenham perdido força distintiva, isto é, que se tenham vulgarizado, ou que se tenha convertido tal expressão, num sinal comum para designar os produtos ou serviços em causa.
*
Argumenta ainda a Apelante que solicitou na contestação e nas alegações de direito que a Apelada fizesse prova de uso sério das suas marcas, que tal não sucedeu e que tal obsta ao pedido de anulação da marca da Recorrente.
Mas não lhe assiste razão.
Na verdade, a falta de uso sério da marca releva, como sucedia já no anterior Código, para eventual extinção, por caducidade, do registo da marca, e ainda para impedir a anulação do registo da marca posterior conflituante, nos termos do disposto nos artigos 269º, n.º 1, al. a) e 266º, n.º 3 do CPI/2003, (cf. os artigos 268º, n.º 1 e 260º, n.º 3, 1ª parte do CPI/2018).
Consciente de que só se justifica a protecção de um sinal na medida em que o mesmo seja utilizado efectivamente, sob pena de com esse registo se limitar inutilmente a actividade económica, o legislador estabeleceu como causa de caducidade da marca, o seu não uso. Pretendeu-se evitar que os registos de marcas se transformem na conhecida expressão «cimiteri e fantasmi di marchi».
Assim, se a marca não tiver sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos, salvo justo motivo, pode ser declarada a sua caducidade (cf. artigo 11º da DM).
No caso de acção de anulação, a falta de uso sério deverá ser invocada na contestação, por exceção perentória[3].
E se é certo que o artigo 270º, n.º 6 do CPI/2003 estabelece como princípio geral o da inversão do ónus da prova em matéria de uso efectivo e sério da marca, segundo o qual cabe ao titular do registo ou ao seu licenciado, se o houver, o ónus de produzir a exigida prova do uso da marca para assinalar os produtos e serviços para que foi registada, certo é que não dispensa o réu de alegar os factos relativos à falta de uso sério.
Ora, no caso dos autos, a ora Ré não individualizou qualquer exceção. Por outro lado, não só não alegou os factos susceptíveis de integrar a falta de uso sério – a falta de uso e o período de tempo relevante – como a sua alegação contraria mesmo a indicada falta de uso.
Na verdade, a própria Ré indica desde logo que a Autora utiliza a marca “Heritage” no Hotel “Heritage Avenida Palace”, não se vislumbrando que outra actividade ali poderá desenvolver para além da promover a prestação de serviços hoteleiros.
A Ré não invocou, pois, validamente, a falta de uso sério da marca da Ré, pelo que improcede também nesta parte a apelação.
*
Refere a Apelante que as marcas da Apelada utilizam um vocábulo de uso comum, não podendo ser proibido o respectivo uso.
Mas também neste ponto não lhe assiste razão.
Marca fraca é o sinal que, apesar de ter um mínimo de capacidade distintiva, seja originária ou subsequente, é constituído quase em exclusivo por elementos de uso comum ou trivial, ou de uso muito vulgarizado.
Sucede que a distintividade da marca, como resulta do que acima se expôs, não pode ser determinada em abstracto, antes tendo ser apreciada em relação aos produtos e serviços que se destina assinalar.
Assim, pese embora a expressão “Heritage” possa ter uma utilização comum, no âmbito das actividades em causa nos autos, ela tem um elevado grau de arbitrariedade/distintividade, não sendo, pois, mais estreito o seu âmbito de proteção.
*
Resta concluir.
Tendo-se concluído que existe risco de que o público relevante possa crer que os serviços a assinalar com a marca da Ré e os assinalados/comercializados pela ora Apelante com os sinais de que é titular provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas que utilizam a mesma série ou família de sinais, assiste à Recorrida direito de pedir a anulação da marca em causa nos autos.
Improcede, pois, a apelação.
*                                                        
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC).
Registe e notifique.
*
Lisboa, 2020-04-21
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Carlos M.G. de Melo Marinho
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
_______________________________________________________
[1] Cf. o Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º C 234/06 P, acessível em  ECLI:EU:C:2007:514
[2] Processo n.º 267/12.1YHLSB, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Cf. Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial – Propriedade Industrial e Concorrência Desleal”, 2017, 7ª Edição, pg. 334.