Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
653/09.4TBCLD.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- O Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000 admite, como expressão da autonomia privada, a vontade das partes na determinação da competência judiciária, quer através de cláusula atributiva ou privativa de jurisdição (artº 23º), quer pela prorrogação tácita da competência (artº 24º).
II- Por ser autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados Membros, a validade do pacto de jurisdição terá que ser aferida nos termos do Regulamento44/2001, e não segundo o Direito interno.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :

I – Relatório

1) “A., S.A.” instaurou contra “B” – Sucursal” acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia total de 122.225,21 €, que corresponde ao valor dos prejuízos (sobrecustos) sofridos pela A. pelo incumprimento contratual (133.948,01 €), compensada com o valor constante das facturas emitidas pela R., juntas aos autos, depois de deduzidas dos valores reclamados em virtude de paragem de equipamento, no valor de 9.769.01 €, a que deverá acrescer IVA à taxa legal em vigor, no montante de 1.953,80 €, no total de 11.722,80 €.
2) Regularmente citada veio a R. contestar, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Em primeira linha veio excepcionar a incompetência do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, alegando para tanto ter a A. adquirido urna máquina T25 à empresa alemã “B”, com sede na Alemanha.
A A. aceitou e rubricou a factura pró-forma que lhe foi apresentada, bem como as respectivas cláusulas contratuais gerais em alemão, que desde logo aceitou.
Ora, acontece que na cláusula §11 dessas condições gerais de venda se estabelece, como foro convencionado, o Tribunal da Comarca de Ulm (na Alemanha), com expressa renúncia a qualquer outro.
Assim, o Tribunal deverá abster-se de apreciar a matéria da petição inicial que se relaciona com a aquisição da referida máquina e demais direitos que daí possam derivar.
3) A A. respondeu, defendendo a competência do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, afirmando que o documento que a A. rubricou era constituído por uma factura pró-forma, sendo que, embora por indicação da R. a A. haja rubricado apenas as páginas referentes aquilo a que a R. designa de Condições Gerais de Venda, aquilo que é facto é que a A. desconhecia o teor das referidas cláusulas, que só lhe foram remetidas na língua alemã, sem que a R. haja alguma vez enviado a respectiva tradução para a A..
4) Designou-se dia para Audiência Preliminar e, no decurso da mesma foi proferido Saneador-Sentença, constando de tal despacho, na parte decisória :
“Das cláusulas do contrato que a Autora veio por em crise consta o pacto de aforamento, que está a ser violado ao interpor-se a acção neste tribunal, o qual é absolutamente incompetente atento o disposto no artigo 101º do Código de Processo Civil e todas as normas supra citadas.
Destarte julgo procedente por provada a presente excepção dilatória, e, em conformidade, absolvo a Ré da instância.
Custas pela Autora.
Registe e Notifique”.
5) Desta decisão interpôs a A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
“A) O Tribunal a quo ao julgar procedente a invocada excepção dilatória de incompetência do Tribunal considerando competente o Tribunal da Alemanha em preterição do Tribunal Português, violou de forma patente e grosseira as normas jurídicas internas contidas no regime jurídico das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo D.L. 446/85, de 25 de Outubro.
B) Com interesse para a decisão acerca da excepção dilatória, considerou o Tribunal a quo, provado entre outros os factos, contidos nas alíneas D), F), G) e H).
C) Relativamente ao facto provado contido na alínea D), pág. 5 do Douto Despacho, importa antes de mais ter em conta que a Recorrente não adquiriu da Recorrida o equipamento, designado Máquina T25.
D) A Recorrente adquiriu através da “B” (Administração Principal), o referido equipamento (cfr. Doc. 4 junto à PI constituído por Contrato de Locação Financeira, onde consta como fornecedor do referido equipamento a “B” e não a R.).
E) Todavia, tal facto, não é impeditivo a que a Recorrida, enquanto sucursal da “B”, seja demandada, nos termos do disposto no art. 7º do
C.P.C..
F) Também não é verdade o facto provado contido na alínea f), PÁG. 5 DO Douto Despacho, porquanto a Recorrida, é uma sucursal de uma empresa alemã, tendo sede em Portugal.
G) Relativamente aos factos provados contidos nas alíneas G) e H) do Douto Despacho recorrido, pág. 6, importa ter presente que é verdade, que a ora Recorrente apenas aceitou e rubricou a factura pró-forma que lhe foi apresentada pela Recorrida, bem como aquilo a que a mesma Recorrida denomina de cláusulas contratuais gerais, as quais se encontravam redigidas em alemão, juntas à aludida factura pró-forma.
H) Porém, a ora Recorrente desconhecia o teor das referidas cláusulas, que só lhe foram remetidas na língua alemã, sem que a aqui Recorrida haja alguma vez enviado a respectiva tradução para a Recorrente.
I) Importa considerar que o negócio de aquisição do equipamento foi tanto nos seus preliminares como na sua conclusão tratado em Portugal, através da língua portuguesa, pelo que, o disposto nas alegadas condições gerais de venda em língua alemã anexas à factura pró-forma não é, por natureza, oponível à aqui Recorrente. Nunca as partes trocaram qualquer correspondência entre si em língua alemã.
J) Nunca a ora Recorrida advertiu a Recorrente, de que o documento junto à factura pró-forma e que esta rubricou e que tem o título “geschaftsbedingungen” era constituído por condições gerais de venda, de onde consta entre outras uma cláusula atributiva de competência ao tribunal da comarca de Ulm (na Alemanha).
K) A cláusula que a ora Recorrida diz corresponder à escolha do foro, contida nas condições gerais de venda sempre vem proibida por força do estabelecido no art. 19º, alínea g), do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
L) Os interesses da Recorrida não justificam que um contrato de compra e venda, negociado e concluído em Portugal entre empresas submetidas à Lei portuguesa, remeta a solução de eventuais litígios a um Tribunal estrangeiro.
M) O Regime Legal das Cláusulas Contratuais Gerais impunha à Recorrida, a obrigação de informar a Recorrente sobre aspectos importantes do negócio – contidos nas alegadas condições gerais – a saber o foro competente para resolução de eventuais litígios – o que nunca fez.
N) Nos termos do art. 8º do Diploma Legal a que nos vimos reportando, consideram-se excluídas e em aplicabilidade ao caso em apreço as cláusulas “comunicadas” com violação do dever de informação, de modo a que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
O) Dúvidas não subsistem de que a inclusão da cláusula atributiva de competência ao Tribunal da comarca de Ulm (na Alemanha) em preterição do Tribunal português, no âmbito daquilo a que a Recorrida denomina de condições gerais de venda, anexas apenas a um factura pró-forma, viola de forma grosseira as disposições contidas no Regime das Cláusulas contratuais gerais.
P) Tal cláusula deverá ser tida como uma cláusula contratual geral, viciada e inexistente atento o prescrito no D.L. nº 447/85.
Q) O Douto Tribunal recorrido ao considerar como válida a referida cláusula, sem cuidar de analisar os termos em que a mesma foi elaborada, violou entre outras, as normas contidas nos arts. 8º e 19º do referido Regime das Cláusulas contratuais gerais.
R) Andou igualmente mal o Douto Tribunal a quo na análise e aplicação do disposto no art. 17º da Convenção de Bruxelas, ao caso sub judice, considerando que nos termos do referido preceito legal, é o Tribunal alemão o Tribunal exclusivamente competente para dirimir o litígio estabelecido entre a ora Recorrente e a ora Recorrida.
S) É que, o referido Tribunal (Alemão) só teria competência exclusiva para dirimir os referidos litígios, se a cláusula atributiva de competência não fosse ela própria nula, portanto, inexistente.
T) Por outro lado, o Tribunal a quo, ao proceder à análise do pacto atributivo de jurisdição sempre teria que ter em conta a norma constante no art. 17º da referida Convenção, o que não sucedeu.
U) Em observância com o disposto no art. 17º, nº 1 a) da convenção de Bruxelas, o pacto atributivo de competência deve ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, sendo que a função de tal exigência “é assegurar a existência, clareza e precisão do consentimento das partes na eleição do foro competente”. (Cfr. Ac. do STJ datado de 11-11-2003, in www.dgsi.pt).
V) Não é aceitável como válida a simples indicação do foro competente meramente inserta nas condições gerais de venda anexas a uma factura pró-forma, redigida em língua alemã e desacompanhada da respectiva tradução.
W) Tal indicação não satisfaz as exigências próprias da alínea a) do referido art. 17º da Convenção de Bruxelas, porquanto, não é aceitável que, com a simples indicação na cláusula §11 de um tribunal alemão como o competente para dirimir “todas as reclamações – também de delito – emergentes de ou contra a população nacional, pessoas jurídicas de direito público ou fundos de direito público (…)”, se haja convenciona do validamente entre as partes um pacto atributivo de jurisdição.
X) Como tal e em consonância com o referido supra, o pacto atributivo de jurisdição contido na cláusula §11 não pode considerar-se válido.
Y) Por outro lado, nos termos do art. 2º § 1 da Convenção teria a ora Recorrida de ser demandada nos tribunais da Alemanha.
Z) Sucede que, a referida regra baseada no domicílio do demandado, comporta excepções, entre as quais consta a referida no art. 5º, nº 1, 1ª parte : o requerido domiciliado no território de um Estado Contratante pode ser demandado, “em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deve ser cumprida”.
AA) Pelo que, também nos termos da referida disposição legal sempre o Tribunal Português seria o Tribunal internacionalmente competente para dirimir o litígio estabelecido entre Recorrente e a Recorrida.
BB) Assim, e por tudo o acima exposto, deverá ser denegado qualquer valor ao alegado e invocado pacto de jurisdição de competência ao Tribunal Alemão que face aos termos em que foi inserido, fácil é de concluir pelo seu carácter unilateral, não havendo sido objecto de qualquer discussão entre as partes, tendo em vista a formulação de um acordo sobre tal matéria.
CC) Tendo em conta o acima exposto, dúvidas não podem subsistir de que o Despacho de que ora recorre viola, entre outras, as disposições legais contidas no Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, na Convenção de Bruxelas e no Código de Processo Civil, razão pela qual deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá o Douto Despacho ser revogado e substituído por outro que declare o Tribunal a quo (Tribunal das Caldas da Rainha) como sendo o competente para a presente acção, devendo os autos prosseguir os seus termos.
Termos em que :
Deve ser concedido total Provimento ao presente Recurso e, em consequência, revogar-se o Douto Despacho sob censura, tudo com as legais consequências.
Pois, só assim se fará Justiça e se cumprirá a Lei !”.
6) A R. contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões :
“A) A A. adquiriu a máquina T25 a uma empresa alemã “B”, com sede na Alemanha – a aqui R., como resulta aliás dos factos considerados assentes no despacho saneador sob as alíneas D) e F).
B) A propósito da legislação aplicável, cumpre aqui salientar o primado do Direito Internacional sobre o direito português.
C) Neste sentido esclarece o Ac. da Relação de Lisboa de 24-10-2006 que “o aludido Regulamento (referindo-se ao Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000) é aplicável para aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, prevalecendo as normas dele constantes sobre as normas de Direito Processual consagradas no Código de Processo Civil, não sendo aplicável a Convenção de Bruxelas, por ter sido substituída pelo Regulamento, nem tão pouco a Convenção de Lugano”.
D) Assim sendo, o instrumento normativo base aplicável na presente situação é o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, supra-citado, que entrou em vigor em 1 de Março de 2002, e veio substituir a Convenção de Bruxelas.
E) Considerando a aplicação do Regulamento Comunitário à presente situação, conclui-se que se verifica o condicionalismo previsto no n.º 1 do art. 23.º do referido Regulamento, já que as partes (aqui ambas) se encontram domiciliadas no território de Estados-Membros e convencionaram, como se pode verificar pela análise da cláusula §11 das Cláusulas Contratuais Gerais aceites pelas partes, que um determinado tribunal (o de Ulm – Alemanha) tem competência para decidir quaisquer litígios que possam surgir de uma determinada relação jurídica.
F) Foi, pois, estabelecido pelas partes um foro convencionado.
G) E essa competência é exclusiva, de acordo com o expresso na cláusula §11 das Cláusulas Contratuais Gerais e na linha do que prevê o mesmo nº 1 do referido art. 23º do Regulamento Europeu, o que desde logo determina que o Tribunal de Caldas da Rainha se declare absolutamente incompetente na presente situação.
H) “Acresce que o Regulamento não prevê qualquer controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, ao contrário do que resulta do art. 99º, nº 3, al. c), do C.P.C. (que exige que a eleição do foro seja justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra) e do art. 19º, al. g) do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL. Nº 446/85, de 25/10 (perante o qual são proibidas as cláusulas contratuais gerais que estabelecem um foro competente que envolva inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem)” – Acórdão da Relação de Lisboa de 24/10/2006, como aliás consta do saneador dos presentes autos.
I) Nem qualquer controlo de fundamentos justificaria, o que só por hipótese meramente académica se concebe, nos termos do disposto na al. c) do nº 3 do art. 99º do CPC, o alegado pela apelante e a invocação da nulidade da cláusula atributiva de competência aceite pelas partes.
J) Verificam-se todos os pressupostos do art. 23º do Regulamento pois, além do supra exposto, o foro foi convencionado por escrito, nas Cláusulas Contratuais Gerais, aliás assinadas pela apelante.
K) Como refere o Ac. Relação de Lisboa de 21-05-2009, “Trata-se de uma disposição contratual que não é, de forma alguma, proibida pelo citado art. 23º. Do mesmo resulta a liberdade das partes em atribuírem exclusividade a um certo e determinado foro, nos termos por si contratados, e uma vez verificados os requisitos constantes do mesmo – que respeitem exclusivamente à forma que o acordo das partes deve revestir – nomeadamente a forma escrita ou a sua confirmação de um acordo verbal”.
L) E na validade formal se esgotam as condições de validade da cláusula pela qual as partes atribuem competência ao tribunal alemão.
M) Não colhem, pois, nem podiam colher, os argumentos invocados pela apelante no intuito de, forçando a interpretação da letra da legislação nacional relativa às Cláusulas Contratuais Gerais, pugnar pela nulidade da cláusula atributiva de competência a esse tribunal.
N) Não colhe, desde logo, o que mais uma vez só por hipótese meramente académica se concebe, a invocada violação do dever de informação, já que as cláusulas foram estabelecidas por escrito, comunicadas à apelante e, inclusivamente, por elas assinadas.
O) Mais do que isso não é, nem podia ser, exigível à recorrida.
P) Desde logo não há qualquer obrigatoriedade de os documentos serem redigidos em língua portuguesa.
Q) E não recai de modo algum sobre a recorrida, nem pode recair, ao contrário do que a apelante invoca, e ainda que fosse admissível um controlo das cláusulas à luz do disposto no DL 446/85, de 25 de Outubro, a obrigação de advertir a apelante de que o documento que recebe e assina, originariamente redigido em língua alemã, tem um conteúdo relevante.
R) De notar ainda que “o facto de a R., juntamente com a arguição da excepção de incompetência do Tribunal ter também apresentado a sua defesa por impugnação e pedido reconvencional : é que fê-lo apenas a título subsidiário e na eventualidade do Tribunal em questão se declarar competente para decidir o litígio, o que está conforme com os termos dos arts. 18º da Convenção de Bruxelas e 24º do Regulamento 44/2001, conforme sustentado pela doutrina e jurisprudência citada.” – Ac. da Relação de Lisboa de 21-05-2009.
S) Em suma, como bem refere o saneador proferido, “Tendo a escolha sido expressamente clausulada em contrato e tendo em conta o carácter vinculativo e de prevalência das normas plasmadas nas convenções internacionais sobre o regime jurídico interno do país, primado esse que se traduz na primazia hierárquica do direito comunitário, originário ou derivado, sobre o direito nacional, significa que, em caso de conflito é aplicada a disposição comunitária e não a nacional”.
T) Estabelecida, entre dois Estados-Membros, uma cláusula atributiva de competência ao Tribunal de um Estado-Membro, por escrito assinado pela apelante, estão esgotados os fundamentos de controlo da validade da referida cláusula, devendo esta ter-se como válida sem abertura para mais controlos de fundamentos de validade.
U) Deve, em consequência, ser mantida a decisão de declarar o Tribunal a quo absolutamente incompetente para conhecer do pedido formulado pela A..
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça !”.
* * *
II – Fundamentação
a) A matéria de facto a considerar é a seguinte :
1- A A. é uma sociedade cujo objecto social é a indústria de construção civil e obras públicas, comércio, importação e exportação de processos, materiais e equipamentos, realização e administração de empreendimentos imobiliários, compra e venda de imóveis.
2- A A. entrou em contacto com a R., com vista a adquirir-lhe e alugar-lhe o equipamento de que carecia.
3- A R. enviou à A. os “e-mails”, cujo conteúdo se encontra registado nos documentos de fls. 45 e 46, 47 e 48 e que se dão por integralmente reproduzidos.
4- A A. adquiriu à R., através de contrato de locação financeira celebrado entre a A. e o “Banco…”, em 10/9/2008 o aludido equipamento, designado Máquina T25, nas condições constantes no contrato de locação financeira mobiliária celebrado entre a A. e o “Banco…”, cuja cópia se encontra junta aos autos, a fls. 49 a 50 e que se dá por integralmente reproduzido.
5- No n° 1 do artigo 3º do contrato referido em 4), foi estipulado que “a escolha do bem e as suas características técnicas, preço, prazo de entrega e demais condições de venda foram negociadas directamente pelo locatário com o respectivo fornecedor”.
6- A R. é uma empresa alemã, denominada “B”, com sede na Alemanha.
7- A A. aceitou e rubricou a factura pró-forma que lhe foi apresentada, bem como as respectivas cláusula contratuais gerais em alemão, cujas cópias se encontram juntas aos autos a fls. 118 a 120.
8- Na cláusula §11 dessas condições gerais de venda estabelece-se, como foro convencionado, o Tribunal competente da Comarca de Ulm (na Alemanha), com expressa renúncia a qualquer outro.
b) Como resulta do disposto nos artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da aqui recorrente as questões em recurso são as seguintes :
-Impugnação da matéria de facto.
-Saber qual o tribunal internacionalmente competente para conhecer da presente acção.
c) A apelante faz uma aparente impugnação da matéria de facto dada como provada.
Com efeito, no essencial limita-se a afirmar que os factos acima numerados como 4), 6), 7) e 8) “não são verdade”. Nada diz sobre quais os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão diversa sobre a enunciação de tais factos.
Mas a recorrente não só não fundamenta a sua afirmação, como também disso não extrai qualquer conclusão.
Ou seja, não se pode dizer que estejamos perante uma impugnação sobre a matéria de facto, razão pela qual não vemos razão para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
d) Vejamos, então, se o Tribunal Judicial das Caldas da Rainha é ou não o competente para decidir a questão trazida a juízo pela apelante.
A competência do Tribunal constitui um pressuposto processual, sendo assim um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida.
Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor.
Como ensinava Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, pgs. 90 e 91), para decidir qual das normas corresponde a cada um dos “índices” de competência, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
São normas de competência internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.
Vigoram na ordem jurídica portuguesa normas de fonte interna e normas de fonte supra-estadual.
Destas, destacam-se, como fonte comunitária e com relevo para o caso dos autos, o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1/3/2002, substituindo entre os Estados Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de 1968.
O Regulamento é directamente aplicável a todos os Estados Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (cf. artºs. 1º e 68º do mencionado Regulamento e artº 8º da Constituição da República Portuguesa) e prevalece perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nos artsº 65º, 65º-A, 99º, 1094º e 1102º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 12/2/2004, de 29/6/2005 e de 16/2/2006, todos consultados na “internet” em www.dgsi.pt).
O regime interno é, assim, apenas aplicável fora da esfera de aplicação do Regulamento ou quando este para aí remeta, isto é, nas matérias civis excluídas do âmbito material de aplicação do Regulamento (estado, capacidade das pessoas singulares, regimes matrimoniais, falências, etc.) e nas matérias incluídas no âmbito material de aplicação do Regulamento, mas que não sejam abrangidas por uma competência exclusiva legal ou convencional, quando o requerido não tiver domicílio no território de um Estado Contratante Membro.
Nos termos do Regulamento, em regra é competente o Tribunal do domicílio do réu.
Com efeito, segundo dispõe o artº 2º nº 1 do Regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.
No entanto, o artº 99º nº 1 do Código de Processo Civil dispõe que “as partes podem convencionar que um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certo facto, serão decididas pelos tribunais de uma delas ou por tribunais internacionais”.
Por seu lado preceitua o artº 23º nº 1 do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000 :
“1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado :
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita ; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si ; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado”.
Significa isto que o Regulamento44/2001, em tal normativo admite, como expressão da autonomia privada, a vontade das partes na determinação da competência judiciária.
Ora, “in casu”, a R. invocou o pacto atributivo de jurisdição constante da factura pró-forma e das cláusulas contratuais gerais a ela adjacentes, onde se menciona, na cláusula §11 na qual se menciona que “todas as reclamações – também de delito – emergentes de ou contra a população nacional, pessoas jurídicas de direito público ou fundos de direito público, serão submetidos aos tribunais competentes do foro da comarca de Ulm, com expressa renúncia a qualquer outro”.
e) Vejamos de tal cláusula é válida à luz do Regulamento44/2001 (não sendo de a analisar segundo o direito interno, pois conforme jurisprudência do Tribunal Judicial das Comunidades Europeias, a noção de pacto atributivo de jurisdição do artº 17º da Convenção de Bruxelas, extensível ao artº 23º do Regulamento, é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados contratantes, prevalecendo sobre estes, designadamente quando fixem requisitos mais exigentes de forma – cf. Sofia Henriques in “Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE ) nº 44 de 2001”, pgs. 31 e 63 ).
São pressupostos ou condições de admissibilidade dos pactos de jurisdição, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos :
-que, pelo menos, uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado Membro ;
-que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado Membro ;
-a internacionalização da situação jurídica controvertida.
O já citado artº 23º do Regulamento estabelece os requisitos de validade do pacto atributivo de jurisdição, a saber .
1º- Deve indicar os litígios que serão objecto do processo ou qual a relação jurídica que está na origem e designar o tribunal ou tribunais competentes para a sua apreciação ;
2º- Quanto à forma, o pacto deve ser celebrado por escrito ou verbalmente, mas confirmado por escrito, sendo equivalente à forma escrita qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto ; que esteja em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si ; no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes, no ramo comercial considerado, em contratos do mesmo tipo.
O artº 23º do Regulamento, no que tange à validade formal dos pactos de jurisdição, manteve, no essencial, a redacção do artº 17º da Convenção de Bruxelas de 1968, aditando o nº 2 relativo a comunicações por via electrónica.
Um pacto de jurisdição pressupõe, por definição, um acordo de vontades entre as partes, ou na linguagem do Regulamento, uma “convenção”, que deve ser escrita, ou sendo verbal, a sua confirmação escrita, exigindo-se, assim, para a sua validade uma formalidade “ad substanciam”.
Para o T.J.C.E. (Tribunal Judicial das Comunidades Europeias), ao subordinar a validade de uma cláusula atributiva de jurisdição à existência de uma “convenção” entre as partes, o artº 17º da Convenção de Bruxelas impõe ao Juiz chamado a decidir a obrigação de examinar, em primeiro lugar, se a cláusula foi efectivamente objecto de consenso entre as partes, que deve manifestar-se de forma clara e precisa, e as exigências de forma visam assegurar que o consentimento seja efectivamente provado (cf. Acórdão do T.J.C.E. de 14/12/1976, citado no Acórdão da Relação de Coimbra de 27/11/2007, este último consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
No caso em apreço verifica-se a validade formal do pacto de jurisdição, uma vez que a A. apôs a sua assinatura na factura que lhe foi enviada pela R. e, além disso, apôs também a sua assinatura nas cláusulas contratuais contendo a cláusula de pacto atributivo de jurisdição, o que significa que houve um verdadeiro pacto de jurisdição com aceitação escrita ( e não meramente tácita) por parte da A..
Em resumo : Estamos perante uma convenção de jurisdição escrita assinada pelas duas partes respeitando a eleição do foro.
f) Defende ainda a A./apelante que a cláusula atributiva da competência ao Tribunal da Comarca de Ulm é uma cláusula contratual geral nula
Ora, do ponto de vista da competência convencional, a cláusula em causa só seria inválida por violação do disposto no artº 19º al. g), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, ou seja, do Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10.
No que ao caso interessa, dispõe este último preceito que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas gerais que “estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem”.
Ora, mesmo a aceitar-se como sendo de adesão o contrato ajuizado, há que ter em atenção que, ao contrário do que acontece com o disposto no artº 18º do Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10, em que as proibições aí referidas actuam desde que surjam as cláusulas por elas abrangidas, a previsão proibitiva do artº 19º do mesmo diploma não abstrai da tipologia do contrato em causa, sendo esse o sentido da referência no corpo do normativo ao “quadro negocial padronizado” e daí que, embora a respectiva valoração não possa fazer-se de forma casuística, sempre haverá, no mínimo, que ponderar todos os interesses em jogo.
Por isso o direito comum permite às partes estipular o foro competente (cf. artºs. 99º e 100º do Código de Processo Civil) ou escolher a lei aplicável ao negócio (cf. artº 41º do Código Civil).
Não se vê inconveniente em que essas faculdades sejam exercidas mediante simples adesão a cláusulas contratuais gerais.
Porém, dada a possibilidade de, através de estipulações inconvenientes do foro competente ou da lei aplicável, se coarctar o exercício do direito das partes e tendo em conta os postulados da justiça comutativa, requere-se, para a validade das correspondentes cláusulas, uma ponderação mínima de interesses. Nos termos das alíneas g) e h), essas cláusulas não valem quando causem a uma das partes graves inconvenientes, sem que interesses sérios e objectivos da outra o justifiquem. Os referidos preceitos apenas complementam o regime geral, que não substituem. Portanto, para além da ponderação mínima de interesses acima referida, mantêm-se todos os demais requisitos da válida estipulação do foro e da lei competentes.
Daí que a lei não fira de nulidade o clausulado só porque dele podem resultar desvantagens para uma das partes.
E a lei fala em “graves inconvenientes” o que não pode ter em vista qualquer transtorno ou desvantagem, antes algo de relevantemente penoso ou sacrificante para a generalidade das pessoas.
Ora, no caso “sub judice” a A./recorrente não alegou quaisquer factos de que possa concluir-se que a adopção do foro convencionado lhes cause “graves inconvenientes”.
Limitou-se a dizer que “os interesses da R. (…) não justificam que nenhum contrato de compra e venda, negociado e concluído em Portugal entre empresas submetidas à Lei Portuguesa, se remeta a solução de eventuais litígios a um Tribunal estrangeiro (…)” (cf. artigo 14º da Réplica).
Não alega qualquer facto tendente a demonstrar, por exemplo, a sua dificuldade em deslocar-se à Alemanha, a dificuldade em constituir Mandatário nesse país e os encargos que teria com essa situação.
Não se pode, pois, considerar verificada a situação de “graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem”, razão pela qual não se pode considerar nula a cláusula contratual em causa.
g) Defende, ainda, a apelante que o acordo por si assinado se encontrava redigido em língua alemã, pelo que não teria sido observado o dever de informação consagrado no artº 8º al. b) do Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10 (“Consideram-se excluídas dos contratos singulares (…) b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”).
Ora, afigura-se-nos que também aqui não assiste razão à recorrente.
Com efeito, a A./apelante apôs a sua assinatura no contrato em causa e, na altura nada disse quanto ao facto de o mesmo estar redigido em língua estrangeira. Não alegou a recorrente (nem provou) que no momento da assinatura tenha dito à R. que o documento, tal como se apresentava, não a satisfazia ; também não alegou, nem provou, que tenha ficado acordado entre as partes que a R. lhe remeteria uma tradução do documento.
O certo é que nada impedia que o contrato (e a cláusula em causa) fosse celebrado numa língua que não a portuguesa.
A recorrente não tomou os cuidados devidos, tanto mais que estamos perante um contrato que envolve um valor não despiciendo ? Talvez. Mas se não teve essas cautelas, “sibi imputet”.
h) Invoca ainda a recorrente, em seu favor, o disposto no artº 5º nº 1, 1ª parte da Convenção de Bruxelas.
Porém, tal só faria sentido se não tivesse sido celebrada uma convenção de jurisdição escrita assinada pelas duas partes com eleição do foro competente.
E essa convenção, atento o princípio da liberdade contratual enquanto factor de atribuição de competência jurisdicional, afasta a aplicação da supracitada norma.
i) Em conclusão :
Por se verificar a violação de um pacto privativo de jurisdição, é o Tribunal Judicial das Caldas da Rainha absolutamente incompetente para julgar a situação dos autos, o que constitui uma excepção dilatória, que implica a absolvição da R. da instância (artºs. 101º, 288 nº1 a), 493 nº2, 494 a) do Código de Processo Civil).
E, assim sendo, haverá que confirmar a decisão recorrida.
j) Sumariando :
I- O Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000 admite, como expressão da autonomia privada, a vontade das partes na determinação da competência judiciária, quer através de cláusula atributiva ou privativa de jurisdição (artº 23º), quer pela prorrogação tácita da competência (artº 24º).
II- Por ser autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados Membros, a validade do pacto de jurisdição terá que ser aferida nos termos do Regulamento44/2001, e não segundo o Direito interno.
* * *
III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas : Pela recorrente (artigo 446º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 14 de Dezembro de 2010

Pedro Brighton
Anabela Calafate
António Santos