Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23832/17.6T8LSB.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE INVALIDEZ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I - Ocorrendo utilização de cláusulas contratuais gerais na outorga de um contrato de adesão, em caso de omissão de comunicação ou de devida informação (ou esclarecimento) aos aderentes, por parte do predisponente, tais cláusulas consideram-se excluídas do contrato ;
II – a violação ou incumprimento daqueles deveres de comunicação e informação, atento o seu conteúdo, deve ser necessariamente alegada pelo aderente, densificando factualmente a violação ou incumprimento daqueles deveres de comunicação e informação, após o que funciona o ónus probatório inscrito no nº. 3, do artº. 5º do DL 446/85, de 25/10, incumbindo ao predisponente contratante provar ter efectuado comunicação, e prestado a devida informação, adequada e efectiva ao aderente, não incumbindo a este, ao invés, provar que não lhe foram concedidas possibilidades de conhecimento ;
III - sendo concludente aquela omissão, que se veio a traduzir na falta de conteúdo factual tradutor da ora imputada violação daqueles deveres, necessariamente se teria que concluir pela inexistência de fundamento conducente ao reconhecimento daquela violação e consequente exclusão do conteúdo contratual das enunciadas Condições Especiais invocadas pela Ré e aplicadas na sentença em sindicância ;
IV - num contrato de seguro de grupo contributivo, conforme legal imposição – o nº. 1, do artº. 4º, do DL nº. 176/95 e o nº. 1 do artº. 78º, da Lei nº. 72/2008 (salvo, no regime deste diploma, se o próprio contrato prever que tal dever de informação seja assumido pelo segurador, conforme o nº. 5 do mesmo normativo) -, incumbe ao tomador do seguro a obrigação de comunicar aos aderentes as cláusulas do contrato (coberturas, exclusões, obrigações e direitos em caso de sinistro e posteriores alterações) ;
V - pelo que, prima facie, e salvo as expressas obrigações da seguradora inscritas no nº. 5, do artº. 4º, do DL nº. 176/95 e nº. 4, do artº. 78º, da Lei nº. 72/2008, não sendo cumprida tal obrigação pelo tomador, este incumprimento não é oponível à seguradora, para o efeito de se haver por excluída do contrato determinada cláusula ;
VI - efectivamente, no âmbito de um contrato de seguro de grupo, relativamente à definição dos sujeitos do dever de informação e consequências do incumprimento deste, o regime específico previsto no DL nº. 176/95 (ao qual sucedeu o implementado na Lei nº. 72/2008, de 16/04), afasta, por incompatibilidade, a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, enunciado genericamente no DL nº. 446/85, de 25/10 ;
VII - a solução consagrada neste regime de cláusulas contratuais gerais para o incumprimento do dever de informação – exclusão das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido tal dever -, por força do prescrito nas alíneas a) e b), do artº. 8º, daquele diploma, não se mostra adequada ou conforme com a configuração o contrato de seguro de grupo, para além de não ser a que resulta do estatuído nos artºs. 4º daquele DL nº. 176/95 e 78º da Lei nº. 72/2008, os quais prevêem uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas – no caso do DL nº. 176/95, a imposição ao tomador de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado (o nº. 3 do artº. 4º) ; no caso da Lei nº. 72/2008, a responsabilização civil do tomador do seguro (o artº. 79º) ;
VIII - efectivamente, afastando-se a concreta aplicabilidade do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, no que se reporta à definição dos sujeitos do dever de informação e consequências do incumprimento deste, a aplicabilidade daquele regime apenas subsistiria na aferição da validade das cláusulas em questão, pois esta vertente não encontra regulação naqueles diplomas tradutores do regime jurídico do contrato de seguro ;
IX – sendo declarado proibido um segmento de uma clausula contratual geral, por que contrário à boa-fé e, como tal, afectado pelo vício da nulidade, este apenas atinge a cláusula na parte ou segmento viciado, inexistindo qualquer justificação para inquine, afectando, o demais conteúdo clausulado. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 MARIA ……………, residente na Rua ……….., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A…………, S.A., com sede no Edifício …, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
a) a quantia de € 592.600,00 euros, capital seguro pelas apólices identificadas;
b) a quantia de € 8.157,96€, correspondente aos prémios seguros pagos pela A. desde Setembro e 2016 até à presente data, acrescido de todos os prémios que a A. venha a pagar até ao final da acção ;
c) juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia de € 592.600,00, bem como sobre a quantia de € 8.157,96, contados, desde a citação da ré até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
Ø em 2012, por sugestão de um mediador de seguros da Ré, Nuno……, foi-lhe proposto alterar o seguro que vigorava com o Banco Santander para um contrato com igual cobertura junto da Ré ;
Ø tendo sido garantido pelo referido funcionário que as garantias seriam as mesmas e que o custo seria inferior, tendo sido sugerido aproveitar uma apólice já existente com a Ré, desde 1983, alterando o beneficiário que passaria a ser o banco Santander ;
Ø na sequência de conversações entre Autora e Ré, através de Nuno……, foi então proposto alterar o seu valor, aumentando-o de modo a ficar também com um direito de indemnização diária por doença, tendo sido comunicado que apólice sofreria um agravamento de 25%, por motivo de existirem factores agravantes no risco proposto ;
Ø o que a A. aceitou, vindo a apólice a ser emitida com o n.º 31419, pensando a A. que esta tinha substituída aqueloutra ;
Ø o que não correspondeu à realidade, pois a A. veio a tomar conhecimento que essa apólice não tinha sido anulada, e estava em vigor concomitantemente com a nova ;
Ø em 2012, quando o referido funcionário da Ré, lhe fez a proposta para alterar o seguro que tinha no Banco Santander para aquela, tendo como premissa a apólice já existente 31419, ficando o Santander Totta como beneficiário e contratasse uma nova apólice para perfazer os capitais das apólices existentes no Santander Totta Seguros, passou a ser a apólice nº. 34956, foi-lhe comunicado, por carta da Ré, que esta seria emitida com uma exclusão derivada da incapacidade que padecia ;
Ø advertiu, ainda, a Autora que, se nada dissesse, a apólice seria emitida com essa exclusão ;
Ø a Autora insurgiu-se com tal exclusão, comunicando a Nuno ……… que não estava interessada na apólice, que não a aceitava com aquela exclusão, porque no Seguro de Vida do Santander Totta Seguros, que tinha contratado, não havia exclusão e que manteria a que estava em vigor junto daquele Banco ;
Ø acresce que a prótese da anca que a A. tinha e que constituía a exclusão proposta pela Ré. dava direito a uma incapacidade de 45% e a Ré propunha um seguro em que a A. teria direito a ser indemnizada, caso tivesse uma incapacidade de 66,6% mas excluía à partida a incapacidade derivada da prótese na anca que era de 45% ;
Ø o funcionário da Ré, face à posição da A., disse que iria falar na Seguradora e que tal assunto da exclusão seria ultrapassado ;
Ø a A. manteve assim o seu seguro no Santander Totta Seguros, sem prejuízo das diligências que o referido funcionário ia fazer e colocou-o em contacto com a gestora de conta da A. junto do Santander para agilizar o processo ;
Ø uma vez que o funcionário da Ré tinha informado que o seguro da A….. produziria efeito, desde Abril, pelo que a A. suportaria custos de dois seguros ;
Ø a Ré veio a emitir nova apólice e enviou-a à gestora de conta da Autora no Santander, por correio electrónico, tendo esta verificado que na mesma não constava nenhuma exclusão, pelo que foi aceite pelo banco e deu disso conhecimento à A. que assim veio cancelar a apólice do Santander ;
Ø em Maio de 2015, foi diagnosticado à Autora epilepsia, o que deu a conhecer ao funcionário da Ré Nuno ……. e que tal acarretaria um agravamento da sua incapacidade, que poderia dar lugar ao acionamento das apólices de seguro junto da Ré ;
Ø alertando-o, ainda, que a apólice 31419 tinha que ser accionada no ano em que perfazia 65 anos de idade – em 2015 -, tendo o referido funcionário afirmado que tal não seria relevante, pois, ainda que fossem duas apólices, tal devia-se a questões técnicas, porque para o Banco Santander tinham que ter as duas a mesma cobertura e o mesmo prazo de validade e, sendo ambas complementares, o prazo da primeira seria o da segunda ;
Ø sendo que, à data, e sem contar com a epilepsia, tinha uma incapacidade de 60,4%, o que seria suficiente para accionar a 31419 ;
Ø no início de 2016, por pedido da A., foram preenchidos os formulários para accionamento da primeira apólice de seguro que os entregou a Nuno …… que ficou de os apresentar na Ré ;
Ø não obstante as insistências da A, após a assinatura da documentação necessário ao accionamento da apólice nº. 31419, a A não mais falou com o funcionário da Ré, que não atendia as suas chamadas nem lhe respondia às mensagens, com intuito de ter a informação ;
Ø em Agosto de 2016, na sequência do diagnóstico de epilepsia de 2015, a A. foi submetido a junta médica que determinou o novo grau de incapacidade de 69,6% ;
Ø  ,e na impossibilidade de contactar Nuno … o seu mediador contactou com outro mediador da Ré, através do qual veio a tomar conhecimento que não existia nenhum processo de reclamação entregue na Ageas, pelo que formalizou novo processo de reclamação com data de 13-09-2016 relativamente a ambas as apólices ;
Ø Tendo vindo a receber da Ré, depois de muitas insistências, as cartas de 25 e 28 de Novembro de 2016, nas quais se recusa a pagar as indemnizações decorrente das incapacidades ;
Ø a apólice n.º 34956 não continha exclusão, porquanto foi emitida sem qualquer exclusão, aliás como foi comunicado ao Banco Santander, sendo a Ré responsável pelo pagamento da A. pela totalidade do capital seguro, ou seja € 150.000,00 referente à apólice 31419 e € 442.600,00 referente à apólice 34956, perfazendo 592.600,00€, tendo ainda direito que lhe sejam devolvidos os prémios de seguro pagos desde Setembro de 2016, no valor anual de € 8.157,96 (5.385,96+2.272,00).
2 – Citada a Ré, veio apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
§ à carta de 18.05.2012, a Autora não respondeu, pelo que o seu silêncio conduziu ao processo de formação do contrato de seguro e o prémio de seguro foi fixado tendo em conta a exclusão proposta pela Seguradora ;
§ donde, os factos descritos, excluindo a patologia, não são fundamento de aplicação do contrato de seguro, quanto ao risco de invalidez permanente ;
§ aceita a existência de dois contratos de seguro, nºs. 31419 e 34956 que, no seu conjunto, perfazem € 592.000,00, admitindo ser esse o capital seguro junto da congénere ;
§ foi devidamente explicado à Autora as definições de Invalidade Total e Definitiva quanto à primeira apólice e, no que concerne à segunda, a Ré detalhou os conceitos contratuais de invalidez total e permanente e de incapacidade funcional ;
§ sendo certo que a Autora não alega que carece de ajuda de terceiros nem a impossibilidade de exercer sua actividade profissional ;
§ sendo, aliás, que continua a exercer a sua actividade profissional como médica, pelo que acção improcede.
3 – Designada data para a realização da audiência prévia, veio a mesma a realizar-se, conforme acta de fls. 66 e 67.
Nesta, procedeu-se ao seguinte:
-realizou-se tentativa de conciliação, sem êxito ;
- foi facultada às partes a discussão das respectivas posições quanto aos termos do litígio ;
- foi fixado o valor da causa ;
- foi proferido saneador stricto sensu ;
- foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova ;
- foram apreciados os requerimentos probatórios ;
- foi designada data para a realização da audiência de julgamento.
4 – Tal audiência de julgamento veio a ocorrer, conforme actas de fls. 117 a 120, 190 e 191, observando o imposto legal formalismo.
5 - Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 192 a 202 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolve-se a Ré A….SA dos pedidos contra si deduzido por Maria ………...
Custas pela A.
Registe e Notifique”.
6 - Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem na íntegra, corrigindo-se alguns lapsos de redacção):
1ª O presente recurso vem interposto da sentença de folhas que indeferiu o pedido da autora por considerar que a incapacidade de que a autora é portadora não se enquadra nas definições de invalidez constantes das Condições Especiais das Apólices.
2ª A autora ora recorrente alegou que não dispunha de cópia das apólices nem da restante documentação, isto é, condições gerais e especiais.
3ª Nesse sentido alegou no artº 45º da p.i. que não dispunha de cópias das apólices.
4ª Disse ainda no artº 50º da p.i. que em 06/06/2016 o Sr. Nuno ……… lhe enviou, por mail, as condições particulares dos seguros dizendo ir pedir ao arquivo a restante documentação, mas que não sabia se o Sr. Nuno Duarte pediu ou não essa documentação porquanto nunca a recebeu.
5ª Vem dado como provado que o Sr. Nuno …………………. enviou à autora, alguns meses depois de Maio de 2015 as Condições Particulares das apólices.
6ª A ré seguradora não impugnou a afirmação da autora de que não dispunha de cópia das Apólices e sus Condições Gerais e Especiais.
7ª O Tribunal a quo deu como não provado que, durante todo o primeiro semestre de 2016, a autora continuou a insistir com Nuno ………., não só para saber do estado da sua reclamação, mas também para obter cópias das apólices pois não dispunha das mesmas.
8ª O fundamento dado para esta resposta é de que não teria sido produzida prova bastante nesse sentido.
9ª Porém, a autora não necessitava de produzir prova de que não tinha conhecimento do teor das condições particulares, especiais e gerais das apólices.
10ª Não necessitava de produzir prova porque a ré não impugnou especificadamente essa alegação. E,
11ª O ónus de que a autora tinha esse conhecimento cabia à ré.
12ª Nos termos do disposto no Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro impõe às entidades com poder negocial – Seguradora e Tomador do Seguro – os deveres de informação e comunicação às Pessoas Seguras e proíbe cláusulas contrárias à boa fé e ao equilíbrio das prestações (vide artºs 5º e 6º).
13ª O ónus da prova do cumprimento do dever de informação e comunicação cabe à Seguradora.
14ª Deverá ser alterada a matéria de facto provada acrescentando-se um novo número com o seguinte teor:
“54º - A Ré não deu conhecimento à Autora das condições gerais e especiais dos contratos de seguro.”
15ª Por aplicação do artº 8º do D.L. nº 446/85, devem considerar-se excluídas as Condições Especiais invocadas pela Seguradora por não terem sido informadas pela Seguradora à Autora.
16ª A ré, no clausulado dos contratos de seguro celebrados com a autora, utiliza, de forma indiscriminada, 4 formulações para as consequências das lesões sofridas
pela Pessoa Segura:
- Invalidez Total e Definitiva
- Invalidez Total e Permanente
- Incapacidade Funcional
- Invalidez Profissional
17ª De acordo com o artº 210º da Lei nº 72/2008, no seguro de acidentes pessoais é garantido o risco de invalidez, temporária ou permanente, ou de morte.
18ª Nas Condições Particulares, há uma Cobertura de Invalidez Total e Permanente na 1ª apólice e de Invalidez Total e Definitiva na 2ª.
19ª Ambas as qualificações – Permanente e Definitiva – são sinónimas, contrapondo-se à Temporária.
20ª Na “Permanente ou Definitiva” já ocorreu a cura clínica, não se esperando qualquer evolução positiva. Na “Temporária” está em tratamento ou recuperação e aguarda-se a cura clínica para fixação ou não da incapacidade permanente ou definitiva.
21ª As condições particulares da apólice 31419 (150.000,00€) dizem que para efeitos de invalidez a incapacidade funcional deverá ser superior a 60%. E diz também serem aplicáveis as Condições Especiais nº 06 e nº 10.
(i) - Condição Especial 06 - A Seguradora obriga-se a liquidar o capital seguro caso se verifique Invalidez Total e Definitiva, e a Invalidez Total e Definitiva é definida como invalidez que deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração, necessitando do auxílio de uma terceira pessoa
- (ii) - Condição Especial 10 - A Seguradora obriga-se a liquidar o capital seguro, caso se verifique a Invalidez Total e Permanente e, cumulativamente uma Incapacidade Funcional de grau igual ou superior ao estabelecido nas Condições Particulares – 60%
22ª – Nas condições especiais a Invalidez Total e Permanente é definida como invalidez que deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho remunerado e cumulativamente apresente uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 60%
23ª - A Incapacidade Funcional é definida como uma diminuição, com carácter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para os actos normais da sua vida diária, independentemente da actividade exercida
24ª De acordo com a melhor pratica e doutrina seguradora, já com largos anos de aplicação, existe uma diferença, ao nível dos seguros de acidentes pessoais ou de vida com garantia complementar de invalidez. Essa diferença é entre Incapacidade Total Permanente ou Definitiva (ITP ou ITD) e a Incapacidade Absoluta Definitiva (IAD).
25ª Na ITP, a incapacidade resulta de uma doença ou acidente, em que o grau de desvalorização, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, é superior a 66,6%.
26ª Na IAD, a incapacidade resulta de uma doença ou acidente, em que o grau de desvalorização, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, é superior a 80% e em que o inválido fica impedido de exercer qualquer actividade remunerada e precisa para as actividades normais do dia a dia de ajuda de uma terceira pessoa.
27ª Assim sendo, das Condições Particulares constam coberturas de ITP e, nas alegadas Condições Especiais, as definições de ITP são definições de IAD!
28ª Os conceitos utilizados nas Condições Particulares e nas Condições Especiais são, assim conceitos distintos.
29ª São incompatíveis as garantias descritas nas Condições Particulares com as definições alegadamente constantes das Condições Especiais, sendo que as Condições Particulares se sobrepõem às Condições Especiais.
30ª As Condições Especiais de um contrato de Seguro, pré-elaboradas e destinadas a ser adoptadas por interessados indeterminados, não deixam de ser Cláusulas Contratuais Gerais, e, como tal, estão submetidas aos ditames do D. L. nº 446/85.
31ª O carácter abusivo de uma cláusula contratual geral, por atentatório do vector da boa –fé, pode e deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal.
32ª Tal conhecimento é permitido pelo ordenamento jurídico nacional e foi especialmente pretendido pela Directiva 93/13/CEE, sendo esta a orientação do Tribunal de Justiça da União Europeia.
33ª É abusiva, por atentatória do princípio da boa fé, proibida e nula a cláusula especial constante das condições de um contrato de seguro de grupo que, em caso de invalidez absoluta e definitiva, exige que o aderente fique, acrescidamente a essa caracterização, na obrigação de recorrer à assistência de uma terceira pessoa, para que funcione a garantia de invalidez.
34ª Tal cláusula introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes – na prática esvazia largamente a utilidade do seguro, na medida em que o objectivo primordial do seguro é obrigar a Seguradora a pagar ao credor hipotecário no caso de o aderente ficar impossibilitado de o fazer e esta finalidade satisfaz-se com a própria invalidez total, sem necessidade de o aderente ficar também dependente de uma terceira pessoa.
35ª Essa cláusula é, portanto, nula e sem efeito.
36ª Foram violadas entre outras disposições, os artºs 5º, 6º, 7º e 8º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, artºs 18º, 78º e 210º da Lei nº 72/2008, de 16 de Abril”.
Conclui, no sentido de ser revogada a sentença recorrida, devendo julgar-se  “procedente e provado o pedido deduzido e consequentemente condenando-se a Ré A….. conforme peticionado (…)”.
7 – A Apelada/Recorrida apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES:
I. Nos artigos 45º e 50º da PI, a Autora referia-se ao facto de não dispor de cópias das apólices, mas não suscitava qualquer questão quanto ao facto de as mesmas nunca lhe terem sido facultadas nem sequer suscitou a questão de se tratarem de cláusulas contratuais gerais.
II. Alegar que, num determinado momento, a Autora não dispunha de cópias das apólices não é o equivalente a alegar que a Autora nunca dispôs de cópia das Condições Gerais.
III. A Autora nunca suscitou nos autos qualquer matéria relativa ao conhecimento do teor dos contratos de seguro, matéria que era, aliás, completamente contraditória com a matéria por si alegada. Basta atentar, por exemplo, nos artigos 33º e 34º da PI.
IV. Perante a PI, a Recorrida não tinha qualquer obrigação de alegar e provar ter dado conhecimento à Autora do teor dos contratos de seguro, justamente porque a Autora não suscitou essa questão.
V. A Recorrida não tinha, evidentemente, de levar aos autos algo que não era controverso: o que a lei impõe é que os predisponentes provem ter dado conhecimento das cláusulas contratuais gerais sempre que a matéria seja controversa e apenas nesses casos.
VI. Nesse sentido, cfr., por todos: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 8493/03.8TVLSB.L1-6, Relatora Ex.ma Senhora Desembargadora Ana de Azeredo Coelho (in dgsi, http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e31ee173284f1c988025  7cca003354ed?OpenDocument), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 801/14.2TBCBR -7, Relator Ex.mo Senhor Desembargador Luís Filipe Pires Sousa (in dgsi,
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4117a9058748ae73802 58274002becd4?OpenDocument), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 06B1016, Relator Ex.mo Senhor Conselheiro Pereira da Silva (in dgs, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c9b122fb06bfbd2d8025 7245004b9aca?OpenDocument), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 04B4826, Relator Ex.mo Senhor Conselheiro Araújo Barros (in dgsi:
 http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bb136d12e31a904b802   56fbf006a983a?OpenDocument)
VII. Tal como refere a Recorrente (cfr. ponto 37 das alegações) “não existe uma definição legal para caracterizar estas formulações no âmbito do seguro de acidentes pessoais, pelo que temos de recorrer à prática comum”
VIII. Os seguros em causa são de tipo facultativo.
IX. Da circunstância de a lei não definir, para efeitos de seguros de acidentes pessoais, os conceitos de incapacidade, não deriva que o intérprete se deva socorrer de textos que extravasem o teor do contrato de seguro, como a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo Decreto lei nº 352/2007, e à legislação de acidentes de trabalho.
X. Justamente porque não estamos perante seguros de tipo obrigatório, mas sim facultativo, estando, por isso, sujeitos ao princípio da liberdade contratual e valendo de acordo com o que as partes neles plasmarem. XI. Não há, de resto, nenhum carácter dúbio nas definições, que se encontram plenamente reflectidas na sentença (pontos 48 e 49 da matéria dada como provada e que a Recorrente, de resto, não impugna)
XII. O que releva é se a Autora estava “impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro” (apólice 31419) ou se estava em situação de “definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade profissional remunerada” (apólice 34956).
XIII. A matéria de facto é absolutamente clara a esse respeito (Cfr. ponto 47 da matéria de facto dada como provada)
XIV. Mesmo que, aplicando a Jurisprudência supra citada quanto à exigência de terceira pessoa, se entendesse que essa cláusula é nula – nulidade que, uma vez mais, não foi tempestivamente suscitada nos autos – a verdade é que essa nulidade seria uma parcial da cláusula.
XV. Nesse sentido, cfr., por todos: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 1499/18.4T8LSB.L1-2, Relator Ex.ma Senhora Desembargadora Inês Moura (in dgsi,http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bef6c66518e88cbd802584ab00342f50?OpenDocument)
XVI. Assim, a exigência de que a incapacidade após consolidação médica determinante da impossibilidade de a pessoa segura trabalhar e de ser remunerada por isso se manteria inserida no contrato de seguro.
XVII. Caso assim não fosse, o contrato de seguro deixaria de ter qualquer regulação da matéria da incapacidade, matéria sem a qual, naturalmente, perderia todo o seu sentido útil (exceto na parte relativa à cobertura morte, naturalmente)
XVIII. A Ré excepcionou que o sinistro não se verificava justamente porque a Autora mantinha a sua capacidade de trabalho – o que provou.
XIX. Razão pela qual andou bem o Tribunal ao determinar a improcedência da ação.
XX. A Sentença em crise não merece a censura que lhe é apontada pela Recorrente, devendo ser mantida integralmente”.
Conclui, no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, com a consequente manutenção da sentença recorrida.
8 – O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – cf., fls. 228.
9 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
A) DA IMPUGNAÇÃO da MATÉRIA de FACTO:
Do requerido aditamento de um facto provado com a seguinte redacção:
54º - A Ré não deu conhecimento à Autora das Condições Gerais e Especiais dos contratos de seguro” – Conclusões 2ª a 14ª e Conclusões contra-alegacionais I a VI ;
B) Da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA:
Neste, conhecer-se-á da inaplicabilidade das Condições Especiais, em virtude:
1. da violação dos deveres de comunicação e informação, determinando a exclusão do contrato das cláusulas que não tenham sido comunicadas – cf., o artº. 8º do DL nº. 446/85 -, ou seja, in casu, as Condições Especiais invocadas pela Ré seguradora, tendo em atenção o dever de informação prescrito nos artigos 4º, nº. 1 (tomador do seguro), 5º e 6º (seguradora) do DL nº. 176/95, de 26/07 - Conclusão  15ª ;
2. da natureza abusiva de uma cláusula contratual geral, por atentatória da boa fé – deve ser considerada proibida e nula a cláusula especial constante das condições de um contrato de seguro de grupo que, em caso de invalidez absoluta e definitiva, exige que o Aderente fique, acrescidamente a essa caracterização, na obrigação de recorrer à assistência de uma terceira pessoa, para que funcione a garantia de invalidez - Conclusões 30ª a 35ª e Conclusões contra-alegacionais XIV a XIX ;
3. da incompatibilidade das garantias descritas nas Condições Particulares com as definições alegadamente constantes das Condições Especiais - Conclusões 16ª a 29ª e Conclusões contra-alegacionais VII a XIII.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificaram-se os lapsos de redacção):
A autora, em 10/11/2006, celebrou quatro contratos de mútuo hipotecário com o Banco Santander Totta, nos termos do qual se obrigou a efectuar um seguro de vida que cobrisse as hipóteses de morte e invalidez.
2º - Nesse contexto contratou com seguradora do Banco Santander – Santander Totta Seguros, Companhia de Seguros de Vida, S.A. - dois contratos de seguro de vida, com as apólices nºs 15.000002 e 15.000003.
3º- Em 2012, a A. contactou o mediador da Ré Nuno ….., que já conhecia, por ter mediado na celebração de seguros no âmbito do protocolo com a Ordem dos Médicos, e questionou-o sobre as condições dos seguros de vida da Ré para compararem com o Seguro de vida que tinha celebrado no Santander e o referido mediador propôs à autora que mudasse de seguradora e fizesse um contrato com igual cobertura junto da Ré.
4º- Nuno ……………, funcionário da ré, garantiu à autora que as garantias seriam as mesmas do seguro de vida do Santander Totta Seguros e que o custo seria inferior.
5º - Na sequência da mesma proposta, Nuno …………. propôs à autora que fosse aproveitada uma apólice de seguro de vida já existente entre a autora e a ré, alterando o beneficiário que passaria a ser o Banco Totta Santander.
A A. já era titular de uma apólice de seguro, com o nº 3TGAMED05456, com o capital de 7.544,32 euros, desde 1983.
7º- No ano de 2006, o Sr. Nuno ………… propôs então à autora que aumentasse o seu valor para 150.000,00 euros – o capital era, em escudos, de aproximadamente 150.000$00 - alterando os seus termos de modo a ficar também com direito a uma indemnização diária por doença e o beneficiário Millenium BCP.
8º- Por carta, datada de 5 de setembro de 2006, endereçada pela ré comunicou à autora, nessa data, que a apólice n.º 64700 – N Ref n.º 00000024697 seria aceite com agravamento do prémio em 25% por motivo de existirem factores agravantes no risco proposto. Solicitou a Ré que até, 25-09-2006, fosse dada uma resposta quanto à proposta apresentada, a fim de se proceder ou não à respectiva emissão. Contudo, findo este prazo e se nada for comunicado, considerar-se-á que está de acordo com as condições propostas e procede-se à emissão da apólice/adesão.
9º - Em 2012, quando o Sr. Nuno ………. apresentou a proposta à autora que passasse os seus seguros da Santander Totta Seguros para a Ré, propôs à autora que alterasse a dita apólice nº 31419, ficando o Banco Santander Totta como beneficiário e que, simultaneamente, contratasse uma nova apólice, de modo a perfazer o capital das apólices existentes na Santander Totta Seguros.
10º A apólice nº 3TGAMED05456 estava em vigor mantendo-se paralelamente com a nova apólice nº OTGA10064700/31419 (3TGAMED31419), de ora avante identificada pelo nº 31419, continuando o respectivo prémio a ser pago anualmente.
11º- A Ré emitiu a apólice com o nº OTGA10064700/31419 (3TGAMED31419), com o capital de 150.000,00 euros, tendo o beneficiário Banco Santander.
12º- Na esteira do referido em 9, foi então proposto à autora um novo seguro que corresponde à apólice nº 0TGA10064700/34956, doravante apólice nº 34956, com o capital de 442.600,00€.
13º- A ré comunicou então à autora, por carta datada de 18 de maio de 2012, e recebida pela autora, no início da semana seguinte, que a nova adesão n.º 615644, “em resultado da existência de factores agravantes de risco apenas podia ser aceite em condições especiais com a exclusão da patologia osteo articular com a prótese da anca esquerda que apresenta e suas eventuais consequências. Solicitamos, portanto, que até 05-06-2012 nos seja dada uma resposta quanto à proposta apresentada nas condições propostas pela seguradora. Caso necessite de informação adicional, contacte-nos pela Linha de Apoio ao Ciente ou através do seu interlocutor habitual A……..”
14º A, A. após a recepção da carta referida em 13º, informou o Sr. Nuno …………. que não estava interessada na nova apólice 34956, que não a aceitava com a exclusão referida na carta, porquanto a apólice, em vigor junto do Banco Santander Totta não tinha qualquer exclusão e que manteria o seguro em vigor contratado com o Santander.
15º- Nuno … disse à autora que esperasse, porquanto iria falar na Ré e que esse assunto da exclusão seria ultrapassado.
16º- A autora manteve o seguro junto do Banco Santander sem prejuízo de aguardar o desenvolvimento das diligências que o Sr. Nuno…….. tinha dito que ia fazer.
17º- A gestora de conta da autora no Banco Santander Totta, Maria….., no decorrer deste processo negocial com a Ré, estabeleceu contacto directo com Nuno ……….
18º- A autora informou a ré, na pessoa de Nuno ……..e, que não aceitava a emissão da apólice com exclusão, pelo que só aceitaria a mesma se não contivesse qualquer exclusão.
19º A Ré veio a emitir a apólice 34956, em 15-06-2012, tendo-a enviado à gestora de conta da autora no Banco Santander Totta, Sra. Dra. Maria …….. a pedido desta, por correio electrónico, de 03/07/2012.
20º- Das condições particulares da Apólice 34956 não consta a exclusão da “patologia osteo articular com a prótese da anca esquerda que apresenta e suas eventuais consequências.”
21º- Maria …………., gestora do Banco Santander Totta, analisou a apólice que lhe foi enviada, e em que o Banco Santander Totta era o beneficiário, e constatou que da mesma apólice não constava qualquer exclusão, pelo que decidiu que naquelas condições seria aceite pelo banco.
22º -Disso deu de imediato conhecimento à autora por mensagem electrónica do mesmo dia.
23º- Face à emissão da apólice e o seu envio Banco Santander e à autora, sem qualquer exclusão, a autora informou Nuno …….. que nessas condições iria cancelar o seguro junto da Santander Seguros, o que fez.
24º- A A., foi submetida a junta médica, a 20-02-2013, e foi-lhe atribuída, por atestado de incapacidade Multiusos - 60,04% de incapacidade.
25º- Nuno ……………., enquanto mediador, continuou a assessorar a autora.
26º- Em Maio de 2015, a autora foi diagnosticada com epilepsia, não sabendo, nessa altura, então o grau de gravidade.
27º - De imediato deu conhecimento a Nuno ……. mediador de seguros junto da ré, informando-o que, por esse motivo, teria um agravamento da sua incapacidade que poderia dar lugar ao acionamento das apólices de seguro junto da ré.
28º - Na data chamou a atenção de Nuno …………. para o facto de uma das apólices, a nº 31419, dizer que o seguro tinha que ser accionado no ano em que perfazia 65 anos de idade, isto é, nesse mesmo ano de 2015.
29º- A autora continuou a insistir com Nuno ……………. e este, já uns meses depois, perante as preocupações da autora com o seu estado de saúde, procurou sossegá-la.
30º - Nuno …… enviou à autora, por mail, as condições particulares dos seguros.
31º- Das condições particulares da apólice nº 34956 não consta qualquer menção a exclusão ”da patologia osteo articular com a prótese da anca esquerda que apresenta e suas eventuais consequências”.
32º- A 7 de junho de 2016, a A. já sabia que as regalias da apólice 31419, tenham terminado em 31 de Dezembro de 2015.
33º- O Sr. Nuno ……, a partir de meados de 2016, não mais respondeu a qualquer tentativa de contacto nem da autora, nem do advogado signatário.
34º- Em agosto de 2016, na sequência do diagnóstico de epilepsia de 2015, foi submetida a Junta Médica que fixou, por atestado multiusos, o grau de incapacidade no valor de 69,0%.
35º- A autora procurou novo mediador de seguros na A…...
36º- Formalizou participação de sinistro relativamente a ambas as apólices.
37º- Veio a receber da A….., depois de muitas insistências, as cartas de 25 de novembro e de 28 de novembro de 2016, através das quais a ré comunicou que se recusava a pagar qualquer indemnização decorrente das incapacidades.
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38.º O prémio de seguro (€ 5.385,96) da A. foi fixado tendo em conta a exclusão proposta pela Seguradora.
39º- Os certificados individuais juntos pela Autora da congénere tinham um agravamento do prémio em 25%.
40º A apólice 3TGAMED05456 vigorava entre as partes desde 1983 com um agravamento de prémio de 25%.
41º O Acordado entre as partes foi o aumento do valor garantia dessa apólice para €150.000 com efeitos a 23.7.12 e a adesão da Autora ao Seguro de Vida Opção IV do Protocolo Celebrado com a Ordem dos Médicos (Seguro de Grupo), sendo o capital seguro, neste, de €442.600.
42º A autora pagou os prémios dos dois contratos de seguro que existiam.
43º Depois do aumento do capital seguro na apólice pré existente e da contratação do novo seguro o capital seguro passou a ser, no conjunto das apólices, de 592.600€.
44º- A decisão de propor à Autora a exclusão é uma decisão baseada numa análise médica e de risco.
45º- A Ré, a pedido da Autora, depois de 23-07-2012, remeteu a ata adicional para o Banco Santander, que seria o beneficiário primeiro do seguro.
46º- Aquando do envio da acta adicional referido em 45, o prazo concedido na carta, enviada, a 18-05-2012, pela Ré, (que terminava em 5/6/12) já havia decorrido.
47º - A Autora, não obstante a incapacidade de 69% que lhe foi fixada, continua a exercer a sua atividade profissional de médica anestesista, ainda que tenha reduzido o número de consultas e deixado de fazer urgências e noites.
48.º Nos termos do contrato de seguro, com a apólice 31419, na condição especial 09 temporária vida individual – garantia complementar – invalidez total ou definitiva dada a conhecer à A. define-se como invalidez, física ou mental, que após completa consolidação deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro, necessitando do auxílio de uma terceira pessoa para efectuar, com autonomia, os actos normais da vida (higiene pessoal básica, alimentação e vestir).”
49º. Nos termos do contrato de seguro com as apólices 34956 - Invalidez Total e Permanente, dada a conhecer a A. significa, “a incapacidade que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funciona de grau igual ou superior ao estabelecido mediante convenção expressa nas Condições Particulares”.
50º- A A declarou auferiu no ano de 2013, o rendimento anual em sede de IRS, de €60.062,32.
51º- A A auferiu no ano de 2014, declarou ter auferido o rendimento anual de €57249,32
52º- A A., no ano de 2015, declarou auferir o rendimento anual de €27969,32.
53º - A A., ano de 2016 e 2017, declarou ter auferido o rendimento anual de €20.769,32.
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E foi considerado como NÃO PROVADO o seguinte (corrigem-se os lapsos de redacção e procede-se à identificação dos factos mediante letras, suprindo a total omissão identificativa da sentença apelada):
a. Não se provou que o novo seguro seria em substituição da anterior apólice nº 3TGAMED05456.
b. Não se provou que Nuno …. respondeu então que não se preocupasse porque iam accionar o seguro dentro desse prazo mas que, se o não fizessem, isso não seria relevante porquanto, embora as apólices fossem duas, isso devia-se a questões técnicas porque para o Banco Santander tinham que ter as duas a mesma cobertura e o mesmo prazo de validade.
c. Não se provou que a Autora nada respondeu à ora Ré, nem quando esta lhe enviou a apólice de seguro, em 15.6.2012.
d. Não se provou que em 03 de Junho de 2016 a A. enviou nova mensagem: Nuno, por favor não se esqueça de enviar as minhas apólices. Quero resolver este assunto antes de férias. Já tenho as declarações dos médicos.
e. Não se provou o Sr. Nuno … tinha informado que o seguro da A….. produziria efeitos desde Abril pelo que a autora estava a suportar os custos de seguro em duplicado. Era por esse motivo que a gestora de conta perguntava ao Sr. Nuno …… quando é que o assunto ficava esclarecido.
f. Não se provou que sendo as duas apólices complementares o prazo da primeira era o prazo da segunda.
g. Não se provou que em 07 de junho de 2016, logo de manhã, a autora enviou ao Sr. Nuno ………… uma mensagem com o seguinte teor: Nuno, tenho uma dúvida que espero não ser certeza em relação à minha apólice. Telefone quando puder.
h. Não se provou e, no mesmo dia, ao final da manhã, às 13h35, nova mensagem com o seguinte teor: Nuno, por favor verifique a minha apólice. Iria hoje de férias mas não vou sair de Lisboa sem o assunto resolvido. Acho estranho que as regalias tenham terminado em 31 de dezembro, não me tenham avisado e não alteraram o prémio do seguro. Por favor diga qualquer coisa. Obrigado
i. Não se provou que no dia seguinte, 08 de junho de 2016, às 11h53, a autora insistiu com nova mensagem: Nuno, tem alguma notícia para mim? Continuo preocupada.
j. Não se provou que em 17/06/2016, às 18h19, enviou nova mensagem: “Nuno por favor ligue para mim”
k. Não se provou que em 28/06/2016, pelas 16h10, nova mensagem, de igual teor: “Nuno por favor ligue para mim”
l. Não se provou que em 04/07/2016, às 10h43, nova mensagem: “Nuno, já enviei mail e telefonei. Agradeço que me indique alguém para me receber os documentos. Obrigada”.
m. Não se provou que em 05/07/2016, às 12h03, nova mensagem: “Nuno, já enviei os documentos, por favor telefone.”
n. Não se provou que em 06/07/2016 a autora enviou ao Sr. Nuno …….. novo sms com o seguinte teor: Nuno, continuo sem uma resposta sua. Agradeço que me ligue. Recebeu os meus documentos? Se não for oportuno ligar para mim diga a quem me dirigir na companhia. Obrigada.”
o. Não se provou que nesse mesmo dia 6/07/2016, o Sr. Nuno ………. respondeu à autora por mail dizendo: Boa tarde Dra. Peço desculpa de não ter retornado informação. Tenho estado em reuniões consecutivas. Confirmo que recebi a documentação. Obrigado.
p. Não se provou que a este mail a autora respondeu, nesse mesmo dia e logo de seguida: Obrigada. Diga quando nos podemos encontrar. Deve ser necessário assinar outro requerimento. Tenho algumas questões para lhe colocar.
q. Não se provou que no dia 11/07/2016 a autora enviou novo mail dizendo: Nuno, precisa de mais algum documento?
r. Logo no início de 2016, o Sr. Nuno ………, perante a insistência da autora, deslocou-se a casa desta para o accionamento da primeira apólice de seguro, com os documentos necessários para o efeito que foram preenchidos e assinados pela A. que os devolveu. ao Sr. Nuno ………. que disse que iria proceder à sua apresentação na A……...
s. Não se provou que durante todo o primeiro semestre, a autora continuou a insistir com Nuno ……….., não só para saber do estado da sua reclamação, mas também para obter cópias das apólices pois não dispunha das mesmas.
t. Não se provou que a partir da assinatura da documentação necessária ao accionamento da 1ª apólice, a nº 31419, a autora nunca mais conseguiu contactar pessoalmente com o Sr. Nuno ………., conseguindo falar telefonicamente uma ou duas vezes depois de o ter tentado contactar dezenas de vezes.
u. Não se provou que na sequência das mensagens anteriores e como não conseguisse qualquer contacto com o Sr. Nuno …………, em 14/07/2016 a autora enviou-lhe uma mensagem com o seguinte teor: “Nuno, não posso ficar mais tempo a aguardar o seu contacto. Por favor indique alguém para eu falar na companhia. Acho que este procedimento não está a ser o mais correcto. Não queria pedir ao meu advogado para ser ele a contactar a companhia pensando que merecia alguma consideração sua.”
v. Não se provou, mas não obteve resposta.
w. Não se provou que O Sr. Nuno ….. respondeu à autora em 17/07/2016 dizendo: “Tenho estado em reuniões não consegui falar. Já ligo”
x. Não se provou. Mas não ligou. Nem nada disse!
y. Não se provou que em 19/07/2016 a autora enviou nova mensagem:
“Nuno, continua sem me atender o telefone. Não tenho qualquer prova em como entreguei os documentos do meu seguro. Estou um pouco desiludida com a companhia e não esperava esta atitude da sua parte. Se neste momento tenho os meus seguros da casa na Ageas foi porque me deu uma certa segurança para os transferir. Já estou um pouco arrependida e desiludida. Mais uma vez lhe peço que me indique alguém a quem me dirigir para resolver estes assuntos. Obrigada. T….”
z. Não se provou que Esta mensagem não mereceu qualquer resposta.
aa. Não se provou que Em 21/07/2016 a autora enviou nova mensagem: “Nuno, volto a solicitar que indique alguém da sua confiança na companhia. Tenho de resolver todas as situações que aí decorrem. Só quero uma ajuda ou uma explicação”
bb. Não se provou Não obteve resposta.
cc. Não se provou que relativamente aos artigos 1º e 2º da PI, a ora Ré desconhece o teor concreto dos contratos outorgados entre a Autora e a Congénere Santander Totta Seguros; sabe apenas, porque a Autora lho transmitiu, foi a que a mesma teria contratualizada um seguro com as garantias de Morte e Invalidez Absoluta e Definitiva, cujos termos concretos eram desconhecidos da Ré.
dd. Não se provou que a Ré desconhece o teor concreto dos contratos de seguro outorgados com a congénere.
ee. Não se provou que a A. necessita de ajuda de terceira pessoa, nem a sua impossibilidade de exercer actividade profissional, a originária ou outra, remunerada.
ff. Não se provou que a Ré desconhecia o grau de incapacidade que para a Autora derivava da colocação da prótese da anca.
gg. não se provou que O Banco Santander nada lhe perguntou sobre aquela exclusão.
hh. - Não se provou através da qual veio a tomar conhecimento que não existia qualquer processo de reclamação entregue na A……...
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a Apelante Autora não questiona a factualidade provada e não provada, antes pugnando pelo aditamento ao leque factual provado de um novo facto, com a seguinte redacção:
54º - A Ré não deu conhecimento à Autora das Condições Gerais e Especiais dos contratos de seguro”.
Para tanto, invoca, em súmula, o seguinte:
Ø Alegou que não dispunha “de cópia das apólices nem da restante documentação, isto é, condições gerais e especiais”, o que fez no artigo 45º da petição inicial, ao referenciar que “não dispunha de cópias das apólices” ;
Ø Afirmou, ainda, no artº. 50º do mesmo articulado que em “06/06/2016 o Sr. Nuno …… lhe enviou, por mail, as condições particulares dos seguros dizendo ir pedir ao arquivo a restante documentação, mas que não sabia se o Sr. Nuno …….. pediu ou não essa documentação porquanto nunca a recebeu” ;
Ø Provou-se que o referenciado Nuno …. enviou-lhe, alguns meses depois de Maio de 2015, as Condições Particulares das apólices ;
Ø Não tendo a Ré seguradora impugnado a “afirmação da autora de que não dispunha de cópia das Apólices e suas Condições Gerais e Especiais” ;
Ø Considerou-se como não provado que “durante todo o primeiro semestre de 2016, a autora continuou a insistir com Nuno …………, não só para saber do estado da sua reclamação, mas também para obter cópias das apólices pois não dispunha das mesmas” ;
Ø Todavia, a Autora não necessitava de produzir prova de que não tinha conhecimento do teor das condições particulares, especiais e gerais das apólices, pois a Ré não impugnou especificamente tal alegação ;
Ø Sendo que incumbia à Ré o ónus de que a Autora tinha esse conhecimento ;
Ø Efectivamente, o DL nº. 446/85, de 25/10, “impõe às entidades com poder negocial – Seguradora e Tomador do Seguro – os deveres de informação e comunicação às Pessoas Seguras e proíbe cláusulas contrárias à boa fé e ao equilíbrio das prestações (vide artºs 5º e 6º)”, cabendo à seguradora o ónus probatório do cumprimento do dever de informação e comunicação” ;
Ø Devendo, assim, ser aditada à matéria factual um novo ponto, com a redacção consignada.
Na resposta apresentada, a Apelada Ré alega, em resumo, o seguinte:
§ Nos aludidos artigos 45º e 50º da petição inicial, a Autora “referia-se ao facto de não dispor de cópias das apólices, mas não suscitava qualquer questão quanto ao facto de as mesmas nunca lhe terem sido facultadas nem sequer suscitou a questão de se tratarem de cláusulas contratuais gerais” ;
§ Efectivamente, alegar a Autora, num determinado momento, que não dispunha de cópias das apólices “não é o equivalente a alegar que a Autora nunca dispôs de cópia das Condições Gerais” ;
§ Nunca tendo a Autora suscitado nos autos “qualquer matéria relativa ao conhecimento do teor dos contratos de seguro, matéria que era, aliás, completamente contraditória com a matéria por si alegada”, bastando para tanto atentar ao por si alegado nos artigos 33º e 34º da petição inicial ;
§ Assim, perante o teor da petição inicial, não tinha a Ré, ora Recorrida, “qualquer obrigação de alegar e provar ter dado conhecimento à Autora do teor dos contratos de seguro, justamente porque a Autora não suscitou essa questão” ;
§ Ou seja, não tinha a Ré que levar aos autos algo “que não era controverso: o que a lei impõe é que os predisponentes provem ter dado conhecimento das cláusulas contratuais gerais sempre que a matéria seja controversa e apenas nesses casos” ;
§ A questão do conhecimento, por parte da Autora, das condições do seguro não era um thema decidendum, não figurando tal matéria nem no objecto do litígio nem nos temas da prova ;
§ Inexistindo, assim qualquer omissão de pronúncia na sentença, capaz de a inquinar com o vício da nulidade.
Apreciemos.
No aludido artigo 45º da petição inicial consta o seguinte:
durante todo o primeiro semestre [de 2016] a autora continuou a insistir com o Sr. Nuno……, não só para saber do estado da sua reclamação mas também para obter cópias das apólices pois não dispunha das mesmas”.
Por sua vez, consta do artigo 50º do mesmo articulado que:
em 06/06/2016 o Sr. Nuno …………. enviou á autora, por mail, as condições particulares dos seguros dizendo ir pedir ao arquivo a restante documentação. A A. não sabe se o Sr. Nuno…………… pediu ou não essa documentação porquanto nunca a recebeu”.
Por sua vez, em sede de contestação – cf., artigos 43º a 45º -, a Ré referenciou serem falsos os artigos 43º a 45º da petição inicial, mencionando expressamente que “a cliente não contactou o Sr. Nuno ……….. para efeitos de accionamento da apólice”, e que desconhece se a Autora trocou com o mesmo Nuno ………… “as mensagens que elenca nos artigos 45º a 74º da PI nem se procurou contactá-lo dezenas de vezes”, admitindo, porém, que “a Autora e o Sr. Nuno tenham trocado mensagens, cujo teor concreto desconhece”.
Em sede da sentença recorrida, deu-se como provado que “Nuno ………… enviou à autora, por mail, as condições particulares dos seguros” – cf., facto 30º -, considerando-se como não provadoque durante todo o primeiro semestre, a autora continuou a insistir com Nuno ………, não só para saber do estado da sua reclamação, mas também para obter cópias das apólices pois não dispunha das mesmas” – cf., facto s), segundo a identificação ora consignada.
Resulta, assim, que da factualidade aduzida no artigo 45º da petição inicial, nada foi considerado provado, e da aduzida no artº. 50º do mesmo articulado apenas figura como provado que Nuno …….. enviou à autora, por mail, as condições particulares dos seguros.
Deste modo, e independentemente desta factualidade, bem como da prova que sobre a mesma logrou ser efectivada, constata-se que a Autora nunca afirmou nos autos, nomeadamente no articulado inicial, não ter conhecimento “das condições especiais e condições gerais referentes a cada uma das apólices por a ré não lhas ter comunicado e explicado.
O que aduziu, apenas, e ainda assim não logrou provar, foi que num determinado período temporal (todo o primeiro semestre de 2016) insistiu junto de Nuno ……, alegado mediador e funcionário da Ré, no sentido de obter cópias das apólices, pois não dispunha das mesmas, apenas se logrando provar que aquele mesmo Nuno ……, em data não determinada, enviou-lhe, por e-mail, as condições particulares dos seguros.
Ou seja, e explicitando, temos que:
§ A Autora não alegou nos autos que as cópias das apólices de seguro contratadas nunca lhe tenham sido facultadas ;
§ Que nunca tenha tido conhecimento das mesmas, por não lhe terem sido comunicadas ou explicadas ;
§ nunca suscitou nos autos qualquer questão relacionada com o facto de alegadamente as cópias das apólices nunca lhe terem sido facultadas, ou de não ter tido conhecimento do seu conteúdo ;
§ nomeadamente, nunca suscitou a questão de estarmos perante cláusulas contratuais gerais ;
§ a alegação da Autora foi a de que não dispunha de cópias das apólices, no momento em que surgiu a questão em controvérsia, não tendo alegado que nunca tenha disposto de tais cópias, ou de que o teor das Condições Gerais, Especiais e Particulares das apólices nunca lhe tenha sido explicado ou comunicado, desconhecendo as mesmas.
Estatui o artº. 5º, do Código de Processo Civil, prevendo acerca do ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, que:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (sublinhado nosso).
Referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [2]que tão importante quanto a invocação de um determinado direito subjectivo e a pretensão de uma determinada tutela jurisdicional “é a alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, a alegação dos factos constitutivos desse direito. Na verdade, na própria definição, a causa de pedir é entendida como o “facto jurídico de que procede a pretensão deduzida” (art. 581º, nº. 4), cumprindo o autor, que invoca a titularidade de um direito, fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito”. 
Incumbe, assim, às partes “a formação da matéria de facto da causa, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais, isto é, dos que integram a causa de pedir, fundando o pedido, e daqueles em que se baseiam as exceções perentórias. Sem prejuízo de os factos da causa poderem ser alegados por qualquer das partes, cada uma tem o ónus da alegação daqueles que têm um efeito que lhe é favorável (alegação dos factos constitutivos do direito a cargo de quem se arroga tê-lo – art. 552-1-d (…), cuja inobservância dá lugar (…) à improcedência da ação (…), sem prejuízo ainda de a não individualização da causa de pedir pelo autor (art. 581-4), implicando violação do ónus da substanciação, dar lugar á ineptidão da petição inicial (art. 186-2-a)”.
Desta forma, “ás partes cabe alegar os factos principais («essenciais») da causa, isto é, todos aqueles sem os quais a ação ou a exceção não pode proceder”. Pelo que, “se os efectivamente alegados ficarem aquém do acervo desses factos, os que faltem para completar este acervo podem resultar da instrução da causa e integrarão a matéria de facto do processo se alguma das partes nele pretender ainda introduzi-los (nº. 2-b)”.
Nesta situação, “trata-se sempre de casos em que a causa de pedir ou exceção está individualizada, mediante alegação fáctica suficiente para o efeito (diverso é o caso de ineptidão da petição inicial por total falta de factos que integrem a causa de pedir: art. 186-2-a), mas não completa, por não terem sido alegados todos os factos necessários á integração da previsão normativa. Qualquer destes factos integradores da previsão da norma pode surgir em ato de instrução, sendo todos eles entre si permutáveis no papel de complementares: o facto só é complementar por não ter sido inicialmente alegado, não tendo natureza diversa dos que as partes alegaram nos articulados” (sublinhado nosso) [3].
Deste modo, “é inepta a petição que não contenha os factos que constituem a causa de pedir (art. 186º, nº. 2, al. a)), o que implica uma distinção entre os factos que identificam ou individualizam o direito em causa (os factos essenciais nucleares) e aqueles que, não desempenhando tal função, se revelam, contudo, imprescindíveis para que a ação proceda, por também serem constitutivos do direito invocado (factos essenciais complementares). A falta destes últimos revelará uma petição deficiente ou insuficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento que permita suprir as falhas  da exposição ou da concretização da matéria de facto (…), sem embargo da sua atendibilidade na audiência prévia ou da sua inserção na sentença quando resultantes da instrução da causa”.
Todavia, contrariamente ao aduzido por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (nos termos supra transcritos), aduzem que “a consideração dos factos complementares ou concretizadores em resultado da instrução tem agora natureza oficiosa. Se isso não afasta a iniciativa da parte interessada, não é exigida a sua concordância para o efeito[4] (sublinhado nosso).
Desenvolvendo tal entendimento, acrescenta Paulo Pimenta [5] que a alínea b), do nº. 2, do artº. 5º do CPC, “mostra bem que não há preclusão quanto a factos que, embora essenciais, sejam complementares ou concretizadores de outros inicialmente alegados (isto é, factos que, embora necessários para a procedência das pretensões, não têm uma função individualizadora do tipo legal)”.
Desta forma, nas situações “em que a narração fáctica vertida na petição não cumpra cabalmente o ónus que sobre o autor impende, teremos o seguinte quadro: ou a alegação contida na petição inicial é de tal modo deficiente que não permite identificar o tipo legal, caso em que ocorrerá ineptidão, por falta de causa de pedir [art. 186º 2.a)] ; ou a alegação, embora deficiente, permite essa identificação, caso em que se imporá, na altura própria, a prolação de despacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento fáctico do articulado (art. 590º 1). No primeiro caso, dir-se-á que foi omitida a alegação de factos essenciais nucleares, ou seja, factos que integram o núcleo primordial da causa de pedir e desempenham função individualizadora dessa causa de pedir: daí a ineptidão. No segundo caso, apesar de assegurada a individualização da causa de pedir, foi omitida a alegação de factos essenciais complementares ou concretizadores, isto é, factos sem os quais a acção não pode proceder”.
Pelo que, tendo tal por presente, a interpretação do nº. 1, do artº. 5º traduz que “o ónus de alegação respeita aos factos essenciais, quer os nucleares, quer os complementares ou concretizadores. A função da alínea b), do nº. 2 do art. 5º é sinalizar apenas o seguinte: a falta de alegação de factos (essenciais) que sejam complemento ou concretização dos factos (essenciais) alegados não gera preclusão e deve ser resolvida por convite ao aperfeiçoamento (art. 590º 4)” (sublinhado nosso).
Ora, pretende a Autora, ora Apelante, na presente sede recursória fazer-se valer de alegado incumprimento dos deveres de informação e comunicação que imputa à Ré seguradora, fundados quer no Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Lei nº. 72/2008, de 16/04), quer no Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (DL nº. 446/85, de 25/10), referenciando que lhe incumbe o ónus probatório da sua observância.
Todavia, não logrou a Autora densificar factualmente tal incumprimento, que nunca referenciou antecedentemente nos autos, sendo que nunca alegou sequer a matéria factual que ora reclama dever ser dada como provada, ou seja, que a Ré não lhe deu conhecimento das condições gerais e especiais dos contratos de seguro.
Pelo que, não tendo sido tal matéria de facto aduzida e configurando-se a mesma com carácter de essencialidade para a eventual exclusão do clausulado contratual (pelo menos no que concerne às aludidas Condições Especiais invocadas pela Ré seguradora) – cf., as alíneas a) e b), do artº. 8º, do citado DL nº. 446/85, de 25/10 -, sendo ainda certo não estarmos perante factualidade complementar ou concretizadora da alegada, que tenha resultado da instrução da causa, não pode logicamente a mesma figurar na elencagem factual provada.
O que, por si só, se configuraria como suficiente e bastante para determinar a improcedência do requerido aditamento factual.
Todavia, e para além do plasmado, no sufragar do exposto pela Recorrida nas alegações de resposta, urge ainda atentar que da análise do aduzido pela Autora no articulado inicial, nomeadamente pela omissão de tal questão, não tinha a Ré qualquer obrigação ou ónus de alegar e provar ter dado conhecimento à Autora do teor dos contratos de seguro contratados.
E isto, independentemente do grau de vinculação que se reconheça onerar a seguradora Ré quanto ao prestar de tais informações, nos termos expostos nos artigos 5º e 6º do DL nº. 446/85, de 25/10 (institui o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais), por remissão do nº. 2, do artº. 19º, da Lei nº. 72/2008, de 16/04, sendo certo que o dever de informação no âmbito dos seguros de grupo [6] recai, primacialmente, sobre o tomador do seguro, conforme decorre do artº. 78º deste diploma (ainda que sem prejuízo da remissão operada por aquele artº. 19º).
Devendo, ainda, considerar-se que uma das apólices em equação data de 1983, tendo sido actualizada em 2006 – cf., factos provados 6º e 7º -, pelo que à mesma sempre seria aplicável o regime previsto no DL nº. 176/95, de 26/07, o qual estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do Contrato de Seguro.
Nomeadamente o prescrito no artº. 4º, reportado aos Seguros de Grupo, aí se consignando que:
“1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.
3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.º 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.
4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 seja assumida pela seguradora.
5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato (sublinhado nosso).
Bem como o facto de à demais ser aplicável o dever de informar no âmbito do seguro de grupo inscrito no artº. 78º, daquela Lei nº. 72/2008 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), dispondo este que:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador.
2 - No seguro de pessoas, o tomador do seguro deve ainda informar as pessoas seguras do regime de designação e alteração do beneficiário.
3 - Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores.
4 - O segurador deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.
5 - O contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos n.os 1 e 2 seja assumido pelo segurador (sublinhado nosso).
Jurisprudencialmente, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 25/05/2006 [7], que “a prova da comunicação (efectiva, adequada e esclarecedora) e da informação ao aderente a que se reportam os art.s 5º nº 3 e 6º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, cabe, nos termos de tais normativos, ao contraente que submete àquele as respectivas cláusulas contratuais gerais.
2. Previamente à prova do expresso em 1., subsiste o ónus, por aquele que se quer valer da violação dos deveres consignados nos preditos normativos, da alegação de factualidade donde flua tal infracção”.
Consta do corpo decisório, citando aresto do mesmo STJ de 24/02/2015 – Revista nº. 4826/04-7ª [8] -, incumbir “à parte o ónus de produzir no processo as afirmações necessárias à defesa da sua posição, sendo que a prova pressupõe a alegação do facto que se pretende provar.
III - A prova da comunicação efectiva, adequada e esclarecedora ao contraente aderente do conteúdo de uma cláusula contratual geral cabe, nos termos dos art.s 5º, nº 3, e 6 do DL nº 446/85, de 25-10, ao contratante que submete àquele a respectiva cláusula.
IV - Todavia, previamente à prova de que a comunicação e a informação existiram e foram adequadas, subsiste o ónus, para aquele que se quer fazer da violação desses deveres, de alegar a respectiva facticidade, nomeadamente que aderiu ao texto das cláusulas sem que o proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos." (sublinhado nosso).
Acrescenta, então, que, “"in casu", no momento, para tal, processualmente azado (articulados), nada, rigorosamente, tendo a autora alegado em tal sentido, não colhe o vertido na conclusão 5ª da alegação da autora, em ordem à concessão da revista”.
Em idêntico sentido, consignou-se no douto Acórdão do STJ de 17/12/2019 [9] que previamente ao eventual ajuizar acerca da violação dos deveres de comunicação e informação, “sempre recairia sobre a autora o ónus de alegar na petição (e não na resposta aos documentos) que a seguradora não tinha comunicado à autora as condições do contrato. A falta de comunicação da cláusula de exclusão pela seguradora à segurada/aderente deve ser alegada pelo segurado na petição inicial.
Com efeito, a prova de que a comunicação e a informação do teor das cláusulas de exclusão existiram e foram adequadas supõem o ónus, para aquele que se quer valer da violação desses deveres, da alegação da factualidade respectiva, pois sendo certo que é sobre a contraente (a seguradora) que pretende prevalecer-se das cláusulas gerais do contrato de seguro para se eximir da responsabilidade que lhe é pedida que recai o ónus da prova de que dessas cláusulas gerais o contraente autor teve conhecimento adequado, também é certo que cabe àquele que se quer fazer valer da violação desses deveres de comunicação e informação o ónus da alegação prévia da factualidade respectiva, ou seja, que aderiu ao texto da cláusula sem que o proponente lha tivesse comunicado (Ac. STJ de 25.5.2006, relator Pereira da Silva, in www.dgsi.pt). Só depois, pode a ré alegar e provar que a comunicação foi adequada.
Pelo que, conclui, sumariando, que “independentemente de se saber se o dever de informar a segurada recai apenas sobre o tomador do seguro (que deve ser demandado), nos termos do art. 78.º, n.º 2, do DL n.º 72/2008 ou também sobre a seguradora, nos termos do art. 5.º, n.º 3 do DL n.º 446/85 incumbirá sempre à autora/beneficiária a alegação, na petição inicial, do incumprimento desse dever de informação” (sublinhado nosso).
Tendo por base idêntico entendimento, ainda que aplicado a situação não totalmente coincidente, sumariou-se em douto aresto desta Relação de 27/03/2014 [10] que “no contexto de um contrato de crédito ao consumo, o ónus de provar a entrega do exemplar do contrato e o cumprimento do dever de informação cabe ao Autor, quando confrontado com a alegação da omissão desses deveres.
II) Quanto ao ónus da prova do cumprimento do dever de informação quanto ao conteúdo das cláusulas contratuais gerais há norma expressa, a do artigo 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei 446/85.
III) Quanto à entrega do exemplar do contrato, a natureza atípica da invalidade cominada à omissão não lhe retira a sua natureza de determinante para a prova da validade do contrato, quando o consumidor invoque a nulidade.
IV) Assim, a entrega do exemplar é um facto constitutivo das pretensões que se fundam no contrato, embora a necessidade da sua alegação esteja sujeita à arguição da nulidade decorrente da omissão; aquele facto não perde, por isso, a natureza de facto constitutivo, mas ela encontra-se “adormecida”, dada inocuidade da sua invocação na ausência da arguição de nulidade; cabe assim ao mutuante o ónus da prova desse facto.
V) A aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais e do ónus da prova dos factos integrantes do cumprimento do dever de informação, seja por interpretação extensiva, seja por analogia, determina a mesma conclusão quanto à distribuição do ónus da prova da entrega do exemplar do contrato que constitui exigência de cabal esclarecimento do consumidor” (sublinhado nosso).
Por fim, referencie-se, ainda, o aduzido no douto Acórdão ainda desta Relação de 23/01/2018 [11], no qual se exarou que “é ao contraente que pretende prevalecer-se da omissão dos deveres de comunicação que incumbe o ónus de alegação, pelo que o contratante que apresentou as cláusulas contratuais gerais só terá que fazer a prova de que cumpriu adequadamente os deveres de comunicação e de informação, se o outro contratante invocou, em sede alegatória, que tais deveres não foram cumpridos (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2003, Oliveira Barros, 1384/03, de 25.5.2006, Pereira da Silva, 1016/06 e de 21.10.2010, Lázaro Faria, 3214/06). Ora, na petição os Autores não alegaram o incumprimento de tais deveres de informação pelo que não cabia às Rés fazer a prova da sua efetiva comunicação (sublinhado nosso).
Resulta assim, o que se reafirma, que não tendo a Autora apresentado nos autos as afirmações ou alegações factuais necessárias à defesa da sua posição, nomeadamente que a Ré violou os deveres de informação e comunicação relativamente aos contratos de seguro que com a mesma contratualizou, tendo aderido ao teor do clausulado sem que aquela (proponente) lhes tivesse efectivamente comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos, não pode concluir-se que incumbia à Ré a prova daquela comunicação efectiva, adequada e esclarecedora à Autora aderente.
Ou seja, incumbia à Autora, pretendendo prevalecer-se da omissão do cumprimento dos deveres de comunicação e informação, o ónus alegacional de que aqueles deveres não foram cumpridos, o que determinaria, consequentemente, fazer incidir sobre a Ré o ónus probatório de que cumpriu adequadamente aqueles deveres.
Pelo exposto, e sem carência de outras delongas, decai, nesta vertente, a pretensão recursória apresentada.
II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
A sentença apelada começou por referenciar terem sido celebrados dois contratos de seguro de grupo, do ramo vida, tendo como outorgantes:
- a Autora como aderente e pessoa segura ;
- a Ré A… como entidade seguradora ;
- o Banco Santander como beneficiário (mutuante em quatro contratos de mútuo para habitação celebrados com a Autora).
Por referência aos riscos cobertos nas apólices contratadas, enunciou que:
- Apólice 34956:
Garantia Principal: morte ;
Garantia Complementar: invalidez total e permanente da Autora ;
Capital Seguro; 442.600,00 €.
- Apólice 31419:
Garantia Principal: morte ;
Garantia Complementar: invalidez total e definitiva da Autora ;
Capital Seguro; 150.000,00 €.
Na parte que ora releva, no que concerne a aferir se os sinistros reclamados/participados estão no âmbito das garantias invocadas pela Autora, em ambas as apólices, por referência à garantia complementar accionada, consignou:
- relativamente à apólice 31419:
§ Considerou o conceito de invalidez total e definitiva consignado no artº. 1º da Condição Especial 6, traduzindo-se em “invalidez física ou mental que após a completa consolidação deixe a pessoa segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou, lucro, necessitando do auxílio de uma terceira pessoa para efectuar com autonomia os actos normais da vida (higiene pessoal básica, alimentação e vestir)” ;
§ Entendendo que, independentemente da data da efectivação da reclamação do sinistro junto da Ré, a Autora continua a exercer a sua actividade profissional de medica anestesista e a auferir rendimentos ;
§ Neste seguro, para o reconhecimento do estado de invalidez total e definitiva, a incapacidade funcional é fixada em 60% ;
§ Todavia, apesar de à Autora ter sido atribuída uma incapacidade de 69%, desta não resultou a impossibilidade daquela trabalhar, pois continua a exercer a sua actividade profissional de médica anestesista, embora com menor número de consultas e não fazendo turnos e urgências ;
§ Ora, para que a Autora pudesse accionar esta garantia deveria fazer prova:
- da sua incapacidade profissional ;
- da insusceptibilidade de auferir rendimentos da mesma ;
- da sua dependência de terceiros na sua vida diária ;
§ Pelo que, não logrando efectuar tal prova, o sinistro reclamado não se enquadra no âmbito da garantia acordada com a Autora ;
- relativamente à apólice 34956:
§ Nesta apólice, e conforme condição particular, o grau de incapacidade funcional para reconhecimento do estado de invalidez permanente é fixado em 2/3 (66,6 %) ;
§ Considerou o conceito de invalidez total e permanente consignado no artº. 1º da Condição Especial 9, traduzindo-se em “incapacidade que,  após completa consolidação e cura clinicamente comprovados, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua actividade profissional remunerada, e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional de grau igual ou superior ao estabelecido mediante convenção expressa nas Condições Particulares” ;
§ Ora, a Autora continua a exercer a sua actividade de médica anestesista e, embora realizando menos consultas e deixando os turnos da noite e urgências, continua a ter rendimento ;
§ Pelo que, apesar de lhe ter sido atribuída uma incapacidade de 69,4 %, tal não constitui impedimento a que a Autora mantenha a sua actividade profissional e que continue a ter rendimento proveniente de tal actividade ;
§ Pelo que, concluiu-se no sentido do sinistro reclamado não poder ser enquadrado no âmbito da garantia acordada com a Autora.
O que conduziu, irremediavelmente, a juízo de improcedência do pedido accional.
- da inaplicabilidade das Condições Especiais, em virtude da violação dos deveres de comunicação e informação
Defende a Apelante Autora que apenas lhe foram enviadas pela ora Ré as Condições Particulares relativamente aos dois contratos, sendo que nunca lhe foram enviadas as Condições Gerais e as Condições Especiais.
Acrescenta que os contratos em equação possuem a particularidade de tratarem-se de seguros contributivos, em que a Ordem dos Médicos figura como Tomador dos Seguros, tendo por Aderentes as pessoas seguras ou Segurados, que não negoceiam as cláusulas, limitando-se a aderir ao contrato em bloco, pois quem o modela é a Seguradora e o Tomador do Seguro.
Defende, assim, a aplicabilidade do regime previsto no DL nº. 446/85, referente às cláusulas contratuais gerais, por se tratar de uma adesão a um seguro de grupo, cujas condições foram previamente estabelecidas por outras duas entidades. O que determina que a violação dos deveres de comunicação e informação tem como efeito a exclusão do contrato das cláusulas que não tenham sido comunicadas – cf., o artº. 8º do DL nº. 446/85.
Por outro lado, aduz que o facto do DL nº. 176/95 ter estabelecido, nos seguros de grupo, o dever do Tomador do Seguro de informar os Segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro, bem como as alterações posteriores, tal não significa que o legislador “tenha querido exonerar a seguradora do dever de informação previsto nos artigos 5º e 6º (…)”, do mesmo diploma, antes tendo pretendido acautelar, duplamente, que o Segurado recebesse toda a informação.
Assim, negando que o DL 176/95 se configure como lei especial derrogadora do regime das cláusulas contratuais gerais, mesmo quando a Seguradora não contacta directamente com o Segurado, o que não sucedeu in casu, pois só ela contactou com a Autora, não fica exonerada do dever de comunicar-lhe todos os requisitos e condições de segurar, respondendo, assim, perante o Segurado pela falta de informação.
Por fim, defende a aplicabilidade ao caso concreto do mesmo DL nº. 176/95, pois, apesar de ter deixado de vigorar com a entrada em vigor da Lei nº. 72/2008, de 16/04, o primeiro contrato entre a Autora e a Seguradora data de 1983.
Por outro lado, esta Lei nº. 72/2008, de 16/04, nos seus artigos 18º, 78º e 89º, impõe obrigações ao Tomador do Seguro e á Seguradora que permitem concluir em idêntico sentido.
Determinando-se, assim, que por aplicação do citado artº. 8º do DL nº. 446/85, devem-se considerar excluídas as Condições Especiais ora invocadas pela Seguradora, por não as ter informado à Autora.
Analisemos.
- da natureza dos contratos celebrados entre Autora e Ré
Estipulando acerca da regra da pontualidade no cumprimento dos contratos, dispõe o nº1 do art.º 406º do Cód. Civil [12] que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”. Anteriormente, e estatuindo a propósito da liberdade contratual, dispõe o art.º 405º, nº1, que “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
No âmbito do cumprimento, e como princípio geral, prescreve o art.º 762º que:
“1. o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”, acrescentando o n.º 1 do art.º 763º que “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos”.  
Traduz a matéria de facto provada, sem contestação, estarmos perante dois contratos de seguro, do Ramo Vida, de grupo, nos quais figura como Segurada a Autora, como Seguradora a Ré A…., e como Tomadora a Ordem dos Médicos.
Verifica-se, assim, estarmos perante efectivos contratos de seguro, o qual pode ser doutrinariamente definido [13] como aquele “em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à vida humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos” [14] [15].
Acrescenta José A. Engrácia Antunes [16], que tal contrato é aquele “pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contrapartida (prémio) e a última a efectuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro)”.
Estamos, especificamente, perante contratos de seguro de vida de grupo, com coberturas complementares de invalidez total e permanente ou definitiva, anualmente renovável – cf., artigos 183º e 184º, do RJCS (aprovado pela já citada Lai nº. 72/2008, de 16/04) e artº. 8º, nº. 1, alín. b), das Condições Gerais.
A divisão fundamental operada pela Lei do Contrato de Seguro ou Regime Jurídico do Contrato de Seguro é entre seguros de danos – cf. artigos 123º a 174º, do RJCS -, e seguro de pessoas – cf., artigos 175º a 217º, do mesmo diploma -, definindo-se estes como aqueles “que têm por finalidade a cobertura de riscos relativos à vida, saúde e integridade física de uma pessoa ou grupo de pessoas”, constituindo o seguro de vida um subtipo ou subgrupo legalmente previsto [17].
Por outro lado, estando-se perante um seguro de grupo, este é legalmente definido em contraposição ao seguro individual, legalmente tipificado como cobrindo “riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”, podendo ser, no que concerne às suas modalidades, contributivo ou não contributivo. A natureza contributiva resulta dos segurados suportarem “no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro”, enquanto que na modalidade não contributiva tal é assegurado em exclusivo pelo tomador do seguro – cf., artºs. 76º, 77º e 80º, nº. 1, todos do RJCS.
O seguro de grupo possui, assim, sob o ponto de vista estrutural duas vertentes ou fases: “um primeiro momento (fase estática), em que a seguradora e o tomador do seguro (o banco mutuante contrata) estabelecem, entre si as condições de inclusão no grupo e as condições de seguro para os aderentes, designadamente o âmbito da cobertura dos riscos; um segundo momento (fase dinâmica) em que o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos segurados, destinatários do empréstimo” [18].
O que se configura e traduz numa relação triangular, tendo por vértices a seguradora, o tomador do seguro e os aderentes segurados, fundamentalmente disciplinada no contrato de seguro de grupo celebrado entre seguradora e tomador, sendo que as relações estabelecidas entre os segurados aderentes e a seguradora encontram-se perante este contrato “numa «relação de dependência genética e funcional»[19].
Nas palavras de Menezes Cordeiro [20], “o contrato de seguro de grupo cobre os riscos de um conjunto de pessoas, ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar. Temos, pois, uma construção jurídica deste tipo: uma relação entre os participantes no grupo (os segurados) e o tomador: trata-se de uma relação de natureza discutida, mas que desemboca na figura da prestação de serviço e do mandato; uma relação de seguro, entre o tomador e o segurador”.
Ora, analisada a factualidade exposta, primacialmente o facto 42º, temos que os contratos de seguro in casu tratam-se de contratos de seguro do ramo vida, de grupo, contributivos, sendo segurada a Autora, a quem incumbe o pagamento dos respectivos prémios.
- do enquadramento legal
Conforme já vimos expondo, são fundamentalmente três os diplomas equacionáveis, com pertinência para conhecer-se acerca do objecto recursório.
O referenciado DL nº. 176/95, de 26/07 [21], o qual estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do Contrato de Seguro, cujo artº. 4º, que prevê acerca dos seguros de grupo, já transcrevemos.
Referenciemos, ainda, a alín. g), do artº. 1º, que procede à definição de seguro de grupo, enunciando tratar-se de “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum”.
Por sua vez, os artigos 5º e 6º reportam-se aos seguros com exame médico e divulgação das condições tarifárias, estabelecendo a obrigatoriedade de fornecimento de uma panóplia de informações a cargo da entidade seguradora, mas com o alcance específico equacionado naqueles normativos.
Tal diploma, no que concerne aos artigos 1º a 5º (ora em equação, fundamentalmente no que respeita ao artº. 4º) e 8º a 25º, foi objecto de revogação pelo artº. 6º, nº. 2, alín. e), do DL nº. 72/2008, de 16/04.
Todavia, encontrando-se em vigor á data da celebração da apólice nº. 31419 – cf., factos provados 5º a 9º - tem, no que a esta concerne, plena aplicação.
Aplicável é, ainda, a já referenciada Lei nº. 72/2008, de 16/04, que estabeleceu o Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
Para além do já transcrito artº. 78º, que previu acerca do dever de informar no âmbito do seguro de grupo, urge, ainda, ponderar:
- os artºs. 18º a 20º, acerca dos deveres de informação do segurador, com relevo para o prescrito no nº. 2, do artº. 19º, ao enunciar que “sendo o tomador do seguro considerado consumidor nos termos legalmente previstos, às informações indicadas no artigo anterior acrescem as previstas noutros diplomas, nomeadamente no regime de defesa do consumidor” ;
- o artº. 37º estatuindo o que deve constar do texto da apólice ;
- o artº. 87º que prevê acerca do dever adicional de informar no âmbito do seguro de grupo contributivo, prescrevendo que “1 - Adicionalmente à informação prestada nos termos do artigo 78.º, o tomador de um seguro de grupo contributivo, que seja simultaneamente beneficiário do mesmo, deve informar os segurados do montante das remunerações que lhe sejam atribuídas em função da sua intervenção no contrato, independentemente da forma e natureza que assumam, bem como da dimensão relativa que tais remunerações representam em proporção do valor total do prémio do referido contrato.
2 - Na vigência de um contrato de seguro de grupo contributivo, o tomador do seguro deve fornecer aos segurados todas as informações a que um tomador de um seguro individual teria direito em circunstâncias análogas.
3 - O incumprimento dos deveres previstos nos números anteriores determina a obrigação de o tomador do seguro suportar a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda das respectivas garantias, até à data de renovação do contrato ou respectiva data aniversaria” (sublinhado nosso) ;
- o artº. 89º que enuncia acerca das condições da declaração de adesão, igualmente no âmbito de um seguro de grupo contributivo, estatuindo que “da declaração de adesão a um seguro de grupo contributivo, sem prejuízo das condições específicas da adesão, devem constar todas as condições que, em circunstâncias análogas, deveriam constar de um seguro individual” ;
- por fim, o artº. 210º, prevendo acerca da noção de seguro de acidentes pessoais, dispondo que “no seguro de acidentes pessoais o segurador cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível”.
Em derradeiro lugar, urge ainda ponderar o igualmente já referenciado DL nº. 446/85, de 25/10, que veio instituir o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
Tal regime tem o seu âmbito de aplicação definido no artº. 1º, ao prescrever que:
“1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo” (sublinhado nosso).
No âmbito da inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares, e prevendo acerca do dever de comunicação, estatui o artº. 5º que:
“1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (sublinhado nosso).
O normativo seguinte – artº. 6º -, prevê acerca do dever de informação, referenciando que:
“1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.
Por sua vez, o artº. 8º, do mesmo diploma, prevê acerca das cláusulas excluídas dos contratos, referenciando, nas suas alíneas a) e b), que:
“consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo” (sublinhado nosso).
O artº. 9º estatui acerca da subsistência dos contratos singulares, enunciando que “nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé”.
Por fim, no capítulo relativo à nulidade das cláusulas contratuais gerais, estatui o artº. 12º que as “proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”, acrescentando o artº. 15º, como princípio geral, que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
O que se articula com o prescrito no artº. 24º, ainda do mesmo regime legal, que, prevendo acerca da declaração de nulidade, prescreve que “as nulidades previstas neste diploma são invocáveis nos termos gerais”.
Conforme sumariado no douto Acórdão do STJ de 19/12/2018 [22], “os contratos de adesão são um modelo de contratação que se explica, em parte, pela contratação em massa, mas que corresponde, também, a exigências de racionalização, de segurança e de confiança dos particulares aderentes”, impondo a lei ao proponente das cláusulas contratuais gerais “um conjunto de deveres destinados a tutelar a parte presumivelmente mais débil da relação contratual, i.e., o mero aderente”.
Entre tais deveres, surge com realce “o dever de comunicar (art. 5.º da LCCG) integral, prévia e adequadamente o conteúdo dessas cláusulas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las e o dever de informação relativamente a aspetos carecidos de clarificação (art. 6.º da LCCG)”, constituindo-se ambos como “uma emanação da exigência duma formação de vontade negocial isenta de vícios e do princípio da boa-fé, radicando, ultimamente, no direito dos consumidores à informação assegurado pelo art. 60.º, n.º 1, da CRP”.
O dever de comunicação caracteriza-se como “uma obrigação de meios e impõe que o predisponente desenvolva uma atividade que, em função da importância, extensão e complexidade das cláusulas contratuais gerais por si empregues, se revele razoavelmente adequada a que o aderente tome efetivo conhecimento das mesmas, sem que, para tanto, empenhe mais do que uma comum diligência (art. 5.º, n.º 2, da LCCG)”, enquanto que o dever de informação implica, para o predisponente, “a obrigação de prestar aos aderentes as indicações e explicações que se devam ter como razoáveis sobre o conteúdo das cláusulas predispostas que careçam de aclaramento. Trata-se de uma concretização legislativa que resultaria já da boa-fé na fase pré-contratual”.
Por fim, enuncia que o modo, forma e intensidade de cumprimento de tais deveres “dependem das particulares circunstâncias do caso, podendo ter-se como referência as necessidades que seriam sentidas por um aderente normal que use de comum diligência”.
Por sua vez, referencia Ana Prata [23] que uma das características identificadoras das cláusulas contratuais gerais “é a pré-elaboração, destinando-se o modelo a ser usado num conjunto indefinido de contratos”. E, citando Almeno de Sá [24], referencia ser essencial a sua pré-formulação “para uma generalidade de contratos ou uma generalidade de pessoas”, implicando tal que “a proposta não seja projectada tão-só para a concreta conclusão de um contrato com um sujeito determinado, mas antes para funcionar como base de um uniforme regulamento jurídico, dirigido a diversificados parceiros negociais[25].
Apreciando o ónus probatório inscrito no transcrito nº. 3, do artº. 1º, referencia a mesma Autora [26] que “a aplicação das regras gerais sobre ónus da prova determina que o aderente tenha de provar a natureza do contrato para que lhe seja aplicado o regime deste diploma”.
Todavia, ressalva, “quando os factos levados ao conhecimento do tribunal tornam notória a qualidade de adesão do contrato ou, mesmo, quando são bastantes para presumir que ele é dessa natureza, deve o tribunal dispensar tal prova: na primeira hipótese, porque a lei o determina e, na segunda, porque na função de controlo cometida ao poder judicial creio estar compreendida a necessidade de poupar ao aderente prova muitas vezes difícil de fazer, ao menos sempre que existam (….) elementos suficientes para usar do meio de prova que são as presunções judiciais”.
Porém, tal já não será assim, antes se impondo um verdadeiro ónus de alegação “sobre o contraente que pretende prevalecer-se da violação dos deveres de comunicação e informação a que se reportam os arts. 5º e 6º do Dec-Lei 446/85 (…)” (sublinhado nosso).
E, concretizado tal ónus de alegação de falta ou violação do dever de comunicação (o mesmo sucedendo com o dever de informação, com contornos semelhantes e próximos), funcionará, então, o ónus probatório inscrito no citado nº. 3, do artº. 5º, ou seja, a prova daquela comunicação “adequada e efectiva cabe ao predisponente das cláusulas, significando isto que, se, depois de celebrado um contrato com base em cláusulas contratuais gerais, o aderente vier impugnar o contrato (ou uma parte do seu clausulado), alegando que não o conheceu, não tem ele de provar que não lhe foram concedidas possibilidades de conhecimento. Ao invés, é ao predisponente que cabe a prova de que cumpriu esta obrigação, isto é, que proporcionou ao aderente as condições para que ele conhecesse completa e efectivamente o regulamento contratual ; se não conseguir produzir tal prova, corre o risco de ver essas cláusulas retiradas do contrato, nos termos do artigo 8º-a)” (sublinhado nosso) [27].
Desta forma, conforme prescrevem as alíneas a) e b), do transcrito artº. 8º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, “sempre que for incumprida a obrigação de comunicação ou a de informação, as cláusulas não comunicadas ou aclaradas consideram-se excluídas do contrato. Há, pois, uma redução ope legis do contrato, uma amputação deste das cláusulas, que não são consideradas nele integradas, por violação das obrigações pré-contratuais que a lei enuncia. Não estou certa de que haja de distinguir entre as cláusulas nulas e estas que a lei determina que sejam retiradas do contrato ; é verdade que, nesta hipótese, o contraente não tem de arguir e provar a nulidade da cláusula para a ver suprimida do contrato, mas, não estabelecendo a lei o tipo de invalidade de que sofrem, talvez o mais razoável fosse qualificá-la como nulidade, ideia contra a qual milita o facto de não se poder dizer ter havido consenso sobre elas[28].
Ora, deste breve enquadramento resulta que, ocorrendo utilização de cláusulas contratuais gerais na outorga de um contrato, em caso de omissão de comunicação ou de devida informação (ou esclarecimento) aos aderentes, por parte do predisponente, tais cláusulas consideram-se excluídas do contrato.
A violação ou incumprimento daqueles deveres de comunicação e informação, atento o seu conteúdo, deve ser necessariamente alegada pelo aderente, após o que funciona o ónus probatório inscrito no nº. 3, do artº. 5º do DL 446/85, de 25/10, incumbindo ao predisponente contratante provar ter efectuado comunicação, e prestado a devida informação, adequada e efectiva ao aderente, não incumbindo a este, ao invés, provar que não lhe foram concedidas possibilidades de conhecimento.
E isto, independentemente da qualificação do vício ou invalidade em equação (nulidade, inexistência jurídica, ineficácia ou pura exclusão, não chegando sequer a integrar o conteúdo contratual).
Efectuado o presente enquadramento, é tempo de retomar o caso concreto.
Em primeiro lugar, urge considerar que a alegada violação dos deveres de comunicação e informação por parte da Ré Seguradora, determinante da exclusão do contrato das cláusulas que não tenham sido comunicadas, ou seja e in casu, as Condições Especiais invocadas pela Ré, configura-se, na presente sede recursória, como questão nova ou inovatória.
Efectivamente, tal matéria, conforme já supra referenciámos, nunca foi objecto de discussão em sede de 1ª instância, pois a Autora nunca a invocou, isto é, nunca factualizou a violação de tais deveres, que, consequentemente, não figurou como thema decidendum, reflectida no objecto do litígio ou dos fixados temas da prova.
Ora, conforme consignámos noutros arestos [29], o presente Tribunal de recurso não deve ser confrontado com questões que não tenham sido apreciadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido, em virtude dos recursos se configurarem, na sua delimitação objectiva, como meio de impugnação de decisões judiciais, no desiderato ou intuito da sua reapreciação, com a finalidade da sua revogação ou mera alteração – cf., artº. 635º, do Cód. de Processo Civil.
Efectivamente, dispõe este normativo que:
“1 - Sendo vários os vencedores, todos eles devem ser notificados do despacho que admite o recurso; mas é lícito ao recorrente, salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores.
2 - Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre.
3 - Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.
4 - Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso.
5 - Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”.
Refere Abrantes Geraldes [30] que a natureza do recurso, “como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas”.
Com efeito, acrescenta, “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente seguimos um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”.
Pelo que, arquitectado assim o sistema, devem os Tribunais Superiores ser apenas confrontados “com questões que as partes discutiram nos momentos próprios”, sendo que, “quando respeitem às matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas” (sublinhado nosso).
E, recorrendo a vários exemplos jurisprudenciais, aduz que “as questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição[31].
Bem como que “os recursos destinam-se á apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso” (sublinhado nosso) [32].
Idêntico entendimento é perfilhado por Rui Pinto [33], ao referenciar que “o tribunal ad quem apenas conhece dentro do objecto que foi presente ao tribunal recorrido: tantum devolutum quantum iudicatum”, o que é apelidado de “princípio devolutivo, próprio dos recursos de reponderação”.
Pelo que, caso a parte pretenda “colocar pretensões novas deve deduzir acção declarativa própria, desde que não estejam abrangidas pela exceção de caso julgado, limitação que, em princípio, não ocorrerá. De outro modo, a admissão ex novo de questões tolheria a parte contrária do direito a um segundo grau de jurisdição relativamente a elas e os novos atos de instrução atrasariam a decisão de recurso”.
E, citando o Acórdão da RC de 08/11/2011 [34], acrescenta que os recursos “são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas vigorando um modelo de recurso de reponderação, i.e., de base romana, em que o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido”.
Miguel Teixeira de Sousa [35] refere que “no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”.
Mais recentemente, e por todos, referenciou-se no aresto do STJ de 09-03-2017 [36], que “os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões novas.
Assim sendo, não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido suscitadas nem resolvidas na decisão de que se recorre.
Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas.
A preclusão do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça de questões não suscitadas perante a Relação, apenas sofre as restrições advindas da natureza da questão levantada quando a sua apreciação deva ou possa fazer-se ex officio (v.g., nulidade de actos jurídicos; questões de inconstitucionalidade normativa; caducidade em matéria de direitos indisponíveis).
Os recursos ordinários não servem para conhecer de novo da causa, mas antes para controlo da decisão recorrida” (sublinhado nosso).
Ora, revertendo o entendimento exposto ao caso concreto, reafirma-se que a questão da eventual violação dos deveres de comunicação e informação por parte da predisponente Ré Seguradora, ora equacionada em sede recursória, constitui uma questão nova que não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo.
Ou seja, tal questão não foi objecto do contraditório, não foi apreciada em termos da sua eventual ocorrência e efeitos daí decorrentes, nem foi objecto de qualquer discussão em 1ª instância
Pelo que, logicamente, sendo função da presente Relação apreciar questões já valoradas e ajuizadas em sede de 1ª instância, na denominada função de reponderação, aquela matéria, não se configurando, prima facie, com natureza oficiosa, não poderia ser suscitada como fundamento recursório, conducente à sua necessária apreciação ou valoração.
Em segundo lugar, ainda que assim não se entendesse, não espelha ou traduz a factualidade apurada qualquer violação de tais deveres.
O que bem se entende e compreende, atenta a total omissão alegacional, por parte da Autora, da matéria de facto tradutora daquela violação, sendo certo que era a esta que incumbia o ónus alegacional de tal violação.
Com efeito, nos termos supra sufragados, e que ora reiteramos, previamente ao eventual funcionamento do ónus probatório inscrito no nº. 3, do artº. 5º, do DL 446/85, de 25/10, que impõe à predisponente contratante (ora Ré) a prova de ter efectuado comunicação, e prestado a devida informação, adequada e efectiva à Aderente (ora Autora), impunha-se que esta densificasse factualmente a violação ou incumprimento daqueles deveres de comunicação e informação. O que não fez.
E, só após tal alegação factual, e exercendo o contraditório perante a mesma, impunha-se à Ré Seguradora predisponente provar ter efectuado a devida comunicação, de forma integral e completa, bem como ter prestado todas as informações e esclarecimentos legalmente exigíveis, no que se traduz o seu ónus, não incumbindo à aderente Autora provar que não lhe foram dadas tais possibilidades de conhecimento do teor do clausulado contratual.
Ora, sendo concludente aquela omissão, que se veio a traduzir na falta de conteúdo factual tradutor da ora imputada violação daqueles deveres, necessariamente se teria que concluir pela inexistência de fundamento conducente ao reconhecimento daquela violação e consequente exclusão do conteúdo contratual das enunciadas Condições Especiais invocadas pela Ré e aplicadas na sentença em sindicância.
Donde, ainda que se configurasse tal vício ou invalidade como traduzindo uma verdadeira nulidade, enquadrável no artº. 12º do DL nº. 446/85, de 25/10 e, como tal, a admitir oficiosa apreciação e declaração – cf., os artºs. 24º do mesmo diploma e 286º, do Cód. Civil -, não se descortina na factualidade apurada lastro suficiente conducente a tal tipificação ou reconhecimento.
Em terceiro lugar, e ainda que assim não se considerasse, não se configura como pacífica a ora alegada violação dos deveres de comunicação e informação por parte da Ré Seguradora, pois, desde logo, não se tem por concludente a aplicação, nessa matéria, do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
No recente douto Acórdão do STJ de 18/02/2021 [37] procurou-se responder á questão se “num contrato de seguro de grupo, contributivo, em que cabe ao tomador do seguro a obrigação de comunicar aos aderentes as cláusulas do contrato, não é oponível à seguradora o incumprimento dessa obrigação, para o efeito de se ter por excluída do contrato determinada cláusula?”.
Referenciou-se que “o Supremo Tribunal de Justiça já teve a ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo, também no domínio de aplicação, nesta matéria, do regime definido pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/95 (por vezes, referindo que o regime se manteve no artigo 78º do Decreto-Lei nº 72/2008)”. E, citando-se vária jurisprudência, adita-se que “em todos esses acórdãos se decidiu no sentido de que resultava expressamente do nº 1 do citado artigo 4º que era ao tomador que incumbia o dever de informação dos segurados (no mesmo sentido, cfr. o acórdão de 30 de Maio de 2019, www.dgsi.pt., proc. n.º 532/17.1T8VIS.C1.S2, que todavia aplicou o regime decorrente da Lei do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 à informação sobre cláusulas de exclusão, por terem sido posteriores), quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações” (nº 2); e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato” (nº 1 e nº 5)”.
Acrescenta resultar, ainda, do teor de tais arestos “que a imposição do dever de informação ao tomador do seguro, por um lado, está de acordo com a configuração do contrato de seguro de grupo e, por outro, impede o tratamento do Banco-tomador do seguro como um representante ou intermediário da seguradora; e que, não criando a lei nenhuma responsabilidade objectiva da seguradora, pelo incumprimento do Banco tomador do seguro, tal incumprimento não lhe é oponível, não implicando portanto a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos (cfr., em especial, o acórdão de 25 de Junho de 2013).
Isto não significa, todavia, nem que esse incumprimento seja desprovido de sanção – o Banco é responsável pelos prejuízos que causar ao segurado, como hoje se diz expressamente no artigo 79º do Decreto-Lei nº 72/2008 –, nem que o segurado não possa demandar o Banco para o responsabilizar, ou para discutir a violação de qualquer outra regra. A circunstância de se não afirmar expressamente a responsabilidade civil do Banco não significa o afastamento do sistema geral de responsabilidade civil. Essa responsabilização do Banco, todavia, exige que o Banco seja demandado e que contra ele seja formulado um pedido – cfr. o já citado acórdão de 13 de Janeiro de 2011, proc. n.º 1443/04.6TBGDM.P1.S1: “(…) não sendo demandado, não havendo também contra ele qualquer pedido, não pode, aqui (ou nas instâncias) ser apreciada, nesta acção, a responsabilidade em que, eventualmente, a sua omissão o possa fazer incorrer – arts 660.º, nº 2 e 661.º, nº 1, ambos do CPC.”
Assim, não tendo sido demandada a instituição de crédito tomadora do seguro, não pode ser imputada à seguradora – nem ser-lhe oposta a violação do dever de comunicação”.
Aduz, ainda, que o já citado artº. 4º do DL nº. 176/95 (que, com o vimos, é de necessária aplicação in casu à apólice que teve o seu início em 1983) “já dispunha, como sanção, que “Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 [dever de informação] implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação”.
É neste sentido que se observa, no acórdão de 25 de Junho de 2013, que o tomador do seguro pode ser directamente confrontado com eventuais infracções susceptíveis de invocação directa pelo segurado; por exemplo, porque incluiu no próprio contrato de seguro de grupo cláusulas equívocas, ou porque elaborou deficientemente o espécimen a que se refere o nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/85.
É esta orientação que mais uma vez aqui se reitera, no sentido de que o regime especificamente previsto pelo Decreto-Lei nº 176/95 para o contrato de seguro afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo Decreto-Lei nº 446/85 (cfr. acórdãos atrás citados), no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação.
Donde se conclui que a posição que “conduz à exclusão do contrato das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido o dever de informação, em aplicação do regime definido pelas als. a) e b) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, para além de não se mostrar conforme com a configuração do contrato de seguro de grupo, não é a que resulta do disposto no artigo 4.º Decreto-Lei n.º 176/95, que prevê uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas – a imposição ao tomador da “obrigação de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado” (n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95)” (sublinhado nosso).
Em idêntico sentido, referenciou-se no já citado douto Acórdão do STJ de 30/05/2019, estando em causa a introdução num seguro de grupo de uma cláusula de exclusão, que “o incumprimento da obrigação de informar os segurados das alterações ao contrato de seguro de grupo por parte do banco tomador de seguro constitui fundamento para a responsabilização deste nos termos gerais, mas não é oponível à seguradora, pelo que não se pode ter por excluída do âmbito da adesão do seguro a cláusula geral não comunicada.
Equivale isto a dizer, no caso dos autos, que o incumprimento, por parte da ré Caixa DD, da obrigação de informar os segurados da introdução no contrato de seguro da cláusula de exclusão contida no ponto 5.1, al. b) das Condições Gerais da Apólice, não compromete a aplicação desta mesma cláusula nas relações litigiosas entre a seguradora e os segurados, podendo tal cláusula ser validamente invocada, como foi, pela ré seguradora perante os autores” (sublinhado nosso).
Ainda acerca da mesma controvérsia, o douto Acórdão do STJ de 18/10/2016 [38] começa por questionar se o regime especificamente previsto no DL nº. 176/95 para o contrato de seguro afasta a aplicabilidade do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Citando arestos do STJ de 15/04/2015 e 12/10/2010 [39], referencia que “como repetidamente o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, o regime especificamente previsto pelo Decreto-Lei nº176/95 para o contrato de seguro afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo Decreto-Lei nº446/85 (cfr. acórdãos atrás citados), no que é incompatível com aquele. Assim sucede quando à definição dos sujeitos do dever de informação» (sublinhados nossos)”. Bem como que«o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, como lei especial que é, sobrepõe-se às normas que regulam as cláusulas contratuais gerais, na parte referente ao ónus de esclarecimento e informação (…)» (sublinhado nosso)”.
Acrescenta, justificando tal entendimento, resultar do “preâmbulo do citado DL nº176/95 que o mesmo não pretendeu disciplinar todos os aspectos do contrato de seguro, antes tendo por objectivo reduzir os conflitos entre as seguradoras e os tomadores, através da introdução de regras de informação e transparência na fase pré-negocial e negocial do contrato de seguro”.
Resulta, deste modo, como entendimento jurisprudencialmente prevalecente que a regra constante do art.4º, do DL nº176/95, de 26/7, referente ao ónus de esclarecimento e informação, isto é, à definição dos sujeitos do dever de informação, prevalece sobre a regra, diferente, constante dos arts.5º e 6º, do regime aprovado pelo DL nº446/85, de 25/10. Ou seja, sobrepôs-se aquele regime especial a este regime geral, na parte referente ao ónus de esclarecimento e informação.
Mas já no que respeita à validade da própria cláusula em questão, porque não disciplinada especialmente naquele primeiro diploma, foi a mesma escrutinada no regime geral das cláusulas contratuais gerais daquele segundo diploma”.
Donde se conclui que o regime especial do contrato de seguro “apenas exclui a aplicação do regime geral das cláusulas contratuais gerais, na parte referente ao ónus de esclarecimento e informação, não sendo excluída a aplicação daquele regime geral no que respeita à validade da cláusula em questão” (sublinhado nosso).
Por fim, referencie-se a posição assumida pelo douto aresto do STJ de 18/09/2018 [40], algo diferenciada da supra exposta.
Começa por citar douto aresto do mesmo Alto Tribunal de 13/09/2016 [41], em situação referente a um contrato de seguro de grupo contributivo, relacionado com um contrato de empréstimo para a habitação.
Referenciou-se que a situação era a de um seguro de grupo contributivo que desempenha, como se disse, uma função de garantia, a qual é, obviamente, conhecida do segurador. Aliás este admite expressamente, nas Conclusões do seu recurso, a relação existente entre o contrato de mútuo e o contrato de seguro.
O aderente não pode ser concebido, nestes casos, como um mero terceiro totalmente alheio à relação contratual entre as partes do contrato de seguro, como resulta, aliás, de várias considerações: em primeiro lugar, e ainda que esta não seja a mais importante, porque das próprias declarações desses terceiros é que resultará o complexo de riscos assumidos pelo segurador, já que são eles as pessoas seguras; em segundo lugar, porquanto a própria actuação do segurador desempenha um papel relevante na formação do vínculo entre o tomador do seguro e o aderente, como resulta hoje muito claro do artigo 86.º da LCS (que, em todo o caso, só entrou em vigor a 1 de Setembro de 2009); e, finalmente, e sobretudo, do facto de que no seguro de grupo contributivo é o “terceiro” aderente quem assume o dever de pagar, no todo ou em parte, o prémio”.
Partindo da enunciação do ónus da prova a onerar o tomador nos quadros do nº. 2, do artº. 4º, do DL nº. 176/95, acrescenta que “sendo a boa fé e o desejável equilíbrio das partes no contrato, valores que não podem ser postergados, devendo buscar-se uma interpretação que acolha a equação económica negocial, tendo em vista os interesses nela supostos, cumpre indagar se, sendo o contrato de seguro de grupo um contrato de adesão, no caso contributivo, estando a parte mais fraca – os aderentes ao grupo – entre dois protagonistas muito mais fortes negocialmente (banco e seguradora) com quem tem lidar e, não podendo influir quanto a ambos, no conteúdo dos contratos, se uma interpretação que salvaguarde a protecção do aderente, não será de procurar à luz mais intensa da regra da boa fé e da finalidade social e económica da triangulação contratual.
Não deve negligenciar-se que, a partir do momento em que se dá a adesão, constitui-se uma relação trilateral: tomador do seguro, seguradora e aderente, sendo que este é aquele cuja posição contratual, mais fraca, não se coloca no mesmo patamar daqueloutros.
Se a omissão do dever de informar for oponível pela seguradora ao aderente, por se considerar que sobre ela não recai qualquer sanção em virtude da omissão do dever de informação competir ao tomador do seguro (ao banco), a posição jurídica do aderente sofre duro revés.
Se aos aderentes for oponível, pela seguradora, a omissão de informar violada pelo tomador do seguro – a entidade bancária – o contrato vale plenamente em relação aos aderentes, tal como se tivesse sido concluído com respeito total por aquele nuclear dever, cujo incumprimento apenas poderia responsabilizar civilmente o tomador e beneficiário do seguro e não a seguradora em relação a quem o aderente está mais próximo contratualmente após a adesão, sendo que é à seguradora que o aderente paga o prémio por ela calculado.
Não se pode esquecer que, tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica, o aderente fica entre dois colossos: não tem, como consumidor, protecção eficaz perante as duríssimas consequências advenientes de lhe ser oponível a violação contratual perpetrada pelo tomador e beneficiário do seguro” (sublinhado nosso).
Defendendo a aplicabilidade do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, propõe um diferenciado entendimento, alegadamente defensor da posição dos aderentes e introdutor de um maior equilíbrio contratual entre as partes, considerando que “na vigência do artigo 4º do DL. 176/95, de 26 de Julho, não tendo o Banco tomador e beneficiário do seguro provado ter cumprido o ónus de informação “sobre as coberturas e exclusões contratadas”, não podem, nem a seguradora, demandada como Ré, nem o co-réu Banco, opor ao aderente do contrato de seguro de grupo do ..., as cláusulas que não foram informadas, para se eximirem do pagamento do capital seguro, verificado o risco previsto (sublinhado nosso).
Desta forma, da posição jurisprudencial maioritária supra exposta, que se afigura merecedora de acolhimento, resulta o seguinte:
- num contrato de seguro de grupo contributivo (tendo tal natureza os equacionados nos autos), conforme legal imposição – o nº. 1, do artº. 4º, do DL nº. 176/95 e o nº. 1 do artº. 78º, da Lei nº. 72/2008 (salvo, no regime deste diploma, se o próprio contrato prever que tal dever de informação seja assumido pelo segurador, conforme o nº. 5 do mesmo normativo, o que não transparece da apólice 34956, submetida à regulação deste diploma) -, incumbe ao tomador do seguroin casu, a Ordem dos Médicos - a obrigação de comunicar aos aderentes as cláusulas do contrato (coberturas, exclusões, obrigações e direitos em caso de sinistro e posteriores alterações) ;
- pelo que, prima facie, e salvo as expressas obrigações da seguradora inscritas no nº. 5, do artº. 4º, do DL nº. 176/95 e nº. 4, do artº. 78º, da Lei nº. 72/2008, não sendo cumprida tal obrigação pelo tomador, este incumprimento não é oponível à seguradora, para o efeito de se haver por excluída do contrato determinada cláusula ;
- efectivamente, no âmbito de um contrato de seguro de grupo, relativamente à definição dos sujeitos do dever de informação e consequências do incumprimento deste, o regime específico previsto no DL nº. 176/95 (ao qual sucedeu o implementado na Lei nº. 72/2008, de 16/04), afasta, por incompatibilidade, a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, enunciado genericamente no DL nº. 446/85, de 25/10 ;
- a solução consagrada neste regime de cláusulas contratuais gerais para o incumprimento do dever de informação – exclusão das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido tal dever -, por força do prescrito nas alíneas a) e b), do artº. 8º, daquele diploma, não se mostra adequada ou conforme com a configuração o contrato de seguro de grupo, para além de não ser a que resulta do estatuído nos artºs. 4º daquele DL nº. 176/95 e 78º da Lei nº. 72/2008, os quais prevêem uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas – no caso do DL nº. 176/95, a imposição ao tomador de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado (o nº. 3 do artº. 4º) ; no caso da Lei nº. 72/2008, a responsabilização civil do tomador do seguro (o artº. 79º) ;
- donde, in casu, na aplicabilidade daquele entendimento, sendo sujeito do dever de  comunicação e informação a Ordem dos Médicos, enquanto tomadora de ambas as apólices contratadas, não poderia concluir-se pela alegada violação dos deveres de comunicação e informação por parte da Ré Seguradora ;
- efectivamente, afastando-se a concreta aplicabilidade do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, no que se reporta à definição dos sujeitos do dever de informação e consequências do incumprimento deste, a aplicabilidade daquele regime apenas subsistiria na aferição da validade das cláusulas em questão, pois esta vertente não encontra regulação naqueles diplomas tradutores do regime jurídico do contrato de seguro ;
- pelo que, também por este fundamento ou razão, sempre se revelaria inconsistente o reclamado juízo de censura da Ré seguradora relativamente à imputada violação dos deveres de comunicação e informação.
O que determina, por desnecessidade de qualquer outra argumentação, juízo de improcedência, nesta vertente, das conclusões recursórias apresentadas.
- da incompatibilidade das garantias descritas nas Condições Particulares com as definições alegadamente constantes das Condições Especiais
No seu excurso recursório, alega a Autora que a Ré utiliza, nos contratos de seguro com a mesma celebrados, de forma indiscriminada, quatro formulações para as consequências das lesões sofridas pela pessoa segura, nomeadamente:
- Invalidez Total e Definitiva
- Invalidez Total e Permanente
- Incapacidade Funcional
- Invalidez Profissional.
Acrescenta que de acordo com o artº. 210º da Lei nº. 72/2008, “no seguro de acidentes pessoais é garantido o risco de invalidez, temporária ou permanente, ou de morte”, sendo que nas “Condições Particulares, há uma Cobertura de Invalidez Total e Permanente na 1ª apólice e de Invalidez Total e Definitiva na 2ª”, sendo ambas as qualificações -  Permanente e Definitiva – sinónimas, contrapondo-se ao conceito de temporária.
Aduz, ainda, que as “condições particulares da apólice 31419 (150.000,00€) dizem que para efeitos de invalidez a incapacidade funcional deverá ser superior a 60%. E diz também serem aplicáveis as Condições Especiais nº 06 e nº 10.
(i) - Condição Especial 06 - A Seguradora obriga-se a liquidar o capital seguro caso se verifique Invalidez Total e Definitiva, e a Invalidez Total e Definitiva é definida como invalidez que deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração, necessitando do auxílio de uma terceira pessoa
- (ii) - Condição Especial 10 - A Seguradora obriga-se a liquidar o capital seguro, caso se verifique a Invalidez Total e Permanente e, cumulativamente uma Incapacidade Funcional de grau igual ou superior ao estabelecido nas Condições Particulares – 60%”.
E, nas Condições Especiais “a Invalidez Total e Permanente é definida como invalidez que deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho remunerado e cumulativamente apresente uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 60%”.
Por sua vez, a “Incapacidade Funcional é definida como uma diminuição, com carácter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para os actos normais da sua vida diária, independentemente da actividade exercida”.
Aduz que de acordo com a melhor prática e doutrina seguradora, “existe uma diferença, ao nível dos seguros de acidentes pessoais ou de vida com garantia complementar de invalidez. Essa diferença é entre Incapacidade Total Permanente ou Definitiva (ITP ou ITD) e a Incapacidade Absoluta Definitiva (IAD)”.
Assim, na ITP, “a incapacidade resulta de uma doença ou acidente, em que o grau de desvalorização, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, é superior a 66,6%”, enquanto que na IAD “a incapacidade resulta de uma doença ou acidente, em que o grau de desvalorização, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, é superior a 80% e em que o inválido fica impedido de exercer qualquer actividade remunerada e precisa para as actividades normais do dia a dia de ajuda de uma terceira pessoa”.
Desta forma, considera que das “Condições Particulares constam coberturas de ITP e, nas alegadas Condições Especiais, as definições de ITP são definições de IAD”, pelo que são distintos os conceitos utilizados nas Condições Particulares e nas Condições Especiais.
Donde, conclui, são “incompatíveis as garantias descritas nas Condições Particulares com as definições alegadamente constantes das Condições Especiais, sendo que as Condições Particulares se sobrepõem às Condições Especiais.
Na resposta apresentada, enuncia a Apelada Ré que tal como refere expressamente a Recorrente, “não existe uma definição legal para caracterizar estas formulações no âmbito do seguro de acidentes pessoais, pelo que temos de recorrer à prática comum”.
Acrescenta que os seguros em equação são do tipo facultativo, pelo que a circunstância da lei “não definir, para efeitos de seguros de acidentes pessoais, os conceitos de incapacidade, não deriva que o intérprete se deva socorrer de textos que extravasem o teor do contrato de seguro, como a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo Decreto lei nº 352/2007, e à legislação de acidentes de trabalho”.
Efectivamente, não se estando perante seguros do tipo obrigatório, mas antes facultativo, a vinculação ocorre relativamente ao princípio da liberdade contratual, “valendo de acordo com o que as partes neles plasmarem”.
Acrescenta, por outro lado, inexistir qualquer “carácter dúbio nas definições, que se encontram plenamente reflectidas na sentença (pontos 48 e 49 da matéria dada como provada e que a Recorrente, de resto, não impugna)”, sendo que o que releva “é se a Autora estava “impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro” (apólice 31419) ou se estava em situação de “definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade profissional remunerada” (apólice 34956)”, sendo a esse respeito absolutamente clara a matéria de facto provada, conforme resulta do ponto 47º provado.
Apreciemos.
Resultou provado o seguinte:
“Nos termos do contrato de seguro, com a apólice 31419, na condição especial 09 temporária vida individual – garantia complementar – invalidez total ou definitiva dada a conhecer à A. define-se como invalidez, física ou mental, que após completa consolidação deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro, necessitando do auxílio de uma terceira pessoa para efectuar, com autonomia, os actos normais da vida (higiene pessoal básica, alimentação e vestir).” – facto 48º.
“Nos termos do contrato de seguro com as apólices 34956 - Invalidez Total e Permanente, dada a conhecer a A. significa, “a incapacidade que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional de grau igual ou superior ao estabelecido mediante convenção expressa nas Condições Particulares” – facto 49º.
Ora, constata-se, desde logo, existir lapso no facto provado 48º, reportado à Apólice 31419, pois a Condição Especial em referência não é a 09, mas antes a 06, reportando-se a noção de Invalidez Total e Definitiva ao que consta do artigo 1º de tal Condição Especial – cf., fls. 41 vº. e 154.
Por sua vez, no que respeita à Apólice 34956, a que se refere o facto provado 49º, a noção de Invalidez Total e Permanente ali feita constar encontra-se enunciada no artº. 1º, da Condição Especial 09 – cf., fls. 43 e 183.
Por referência a cada uma das apólices, na análise da prova documental junta, que não mereceu controvérsia quanto à sua idoneidade, resulta, ainda, o seguinte:
Apólice 31419:
- constam das Condições Particulares, como Garantias, entre outras, as de:
§ Garantia Complementar – Invalidez Total e Definitiva (condição Especial 06)
Em caso de Invalidez Total e Definitiva da Pessoa Segura, antes dos 65 anos, o Capital Seguro é igual a 100% do capital base seguro (número 1 do artigo 2º)
§ Garantia Complementar – Invalidez Profissional (condição Especial 10)
Em caso de Invalidez Profissional da Pessoa Segura, antes dos 65 anos, o Capital Seguro é igual a 200% do capital base seguro (número 1 do artigo 2º)
A incapacidade funcional para reconhecimento do estado de invalidez prevista no número 1 do artigo 2º é fixada em 60%” – cf., fls. 31 vº, 32 e 163, bem como a Acta Adicional de fls. 167 e 168 ;
- consta do nº. 1, do artº. 2º, da Condição Especial 06, referente a Garantia Complementar – Invalidez Total e Definitiva, sob a epígrafe Garantia, que:
1. Ao abrigo da presente garantia complementar, e sem prejuízo do estipulado no Artº. 6º das Condições Gerais e nos Artºs. 3º e 4º da presente Condição Especial, a Seguradora obriga-se a liquidar, por antecipação, o capital seguro indicado nas Condições Particulares para a cobertura de Morte, caso se verifique a Invalidez Total e Definitiva da Pessoa Segura em consequência de:
a) Acidente – pagamento imediato após a sua comprovação pela Companhia, nos termos previstos no Artº. 5º da presente Condição Especial ;
b) Doença – pagamento um ano depois da sua comprovação pela Companhia (prazo elevado a três anos nos casos de doença do foro psiquiátrico)” – cf., fls. 154 ;
- consta do nº. 1, do artº. 2º, da Condição Especial 10, referente a Garantia Complementar – Invalidez Profissional, e sob a epígrafe Garantia, que:
1. Ao abrigo da presente garantia complementar, e sem prejuízo do estipulado no Artº. 6º das Condições Gerais e nos Artºs. 3º e 4º da presente Condição Especial, a Seguradora obriga-se a liquidar o capital seguro fixado nas Condições Particulares para esta garantia caso a pessoa segura seja atingida por uma Invalidez Profissional e, cumulativamente, por uma incapacidade funcional de grau igual ou superior ao estabelecido mediante convenção expressa nas Condições Particulares, em consequência de:
a) Acidente – pagamento imediato após a sua comprovação pela Companhia, nos termos previstos no Artº. 6º da presente Condição Especial ;
b) Doença – salvo estipulação em contrário nas Condições Particulares, pagamento um ano depois da sua comprovação pela Companhia (prazo elevado a três anos nos casos de doença do foro psiquiátrico)” – cf., fls. 156 vº. ;
- encontrando-se definidos no artº. 1º da mesma Condição Especial 10 os conceitos de Invalidez Profissional e Incapacidade Funcional, nos seguintes termos:
Invalidez Profissional - “a incapacidade total para o trabalho, em consequência de doença ou acidente, que após completa consolidação e cura clinicamente comprovada ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a profissão declarada à Companhia e efectivamente desempenhada à data do acidente ou do início da doença” ;
Incapacidade Funcional – “diminuição, com carácter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental da Pessoa Segura para o exercício dos actos normais da sua vida diária, independentemente da actividade profissional exercida” – cf., fls. 156 vº.
Apólice 34956:
- constam das Condições Particulares, como Garantias, entre outras, as de:
§ Garantia Complementar – Invalidez Total e Permanente
Em caso de invalidez total e permanente da Pessoa Segura, ou no caso de se tratar de um contrato de seguro sobre duas pessoas seguras, após a primeira invalidez total e permanente que ocorrer entre as Pessoas Seguras, durante a vigência do contrato, seja qual for a causa e o local onde ocorrer, antes de 31 de Dezembro do ano em que a Pessoa Segura atinja 70 anos de idade, ou no caso de um contrato de seguro sobre duas pessoas seguras antes de 31 de Dezembro do ano em que a Pessoa Segura mais velha atinja 70 anos de idade, o Segurador garante, por antecipação, o pagamento do capital seguro indicado nas Condições Particulares ao abrigo da garantia principal Morte, em vigor na data em que ocorrer o evento.
No entanto, a garantia complementar Invalidez Total e Permanente poderá ser prolongada até 31 de Dezembro do ano em que a Pessoa Segura atinja 75 anos de idade, ou no caso de um contrato de seguro sobre duas pessoas seguras até 31 de Dezembro do ano em que a Pessoa Segura mais velha atinja os 75 anos de idade, desde que exista um credor hipotecário.
O grau de incapacidade funcional para reconhecimento do estado de invalidez previsto no nº. 1 do Artº. 2º da presente condição especial, é fixada em dois terços” – cf., fls. 21, 45 vº., 46 e 185 ;
- consta do nº. 1, do artº. 2º, da Condição Especial 09, referente a Temporário Vida Individual – Invalidez Total e Permanente Protocolos, sob a epígrafe Garantia, que:
1. Ao abrigo da presente garantia complementar, e sem prejuízo do estipulado nos Artºs. 3º e 4º da presente Condição Especial, a Seguradora obriga-se a liquidar, por antecipação, o capital seguro, em vigor à data do evento, indicado nas Condições Particulares em caso de Morte, nos seguintes casos:
a) Nos contratos de seguro sobre uma pessoa segura – em caso de invalidez total e permanente da Pessoa Segura ;
b) ” Nos contratos de seguro sobre duas pessoas seguras – após a primeira invalidez total e permanente que ocorrer entre as pessoas seguras ;
e, cumulativamente, por uma incapacidade funcional de grau igual ou superior ao estabelecido mediante convenção expressa nas Condições Particulares, em consequência de:
a) Acidente – mediante pagamento imediato após a sua comprovação pelo Segurador, nos termos previstos no Artº. 5º da presente Condição Especial ;
b) Doença – salvo estipulação em contrário nas Condições Particulares, mediante pagamento após decorrido 1 ano a contar da sua comprovação pelo Segurador, sendo este prazo elevado a 3 anos nos casos de doença do foro psiquiátrico – cf., fls. 42, 43 e 183 ;
- encontrando-se definido no artº. 1º da mesma Condição Especial 09, e para além do de Invalidez Total e Permanente, o conceito de Incapacidade Funcional, nos seguintes termos:
Incapacidade Funcional – “o estado físico ou mental, consequente de doença ou acidente ocorridos na vigência da presente garantia que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma diminuição, com carácter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para o exercício os actos normais da sua vida diária, independentemente da actividade profissional exercida” – cf., fls. 42, 43 e 183.
Exposto o presente quadro, que nos auxiliará a entender a utilização, em ambas as apólices, dos indicados conceitos, temos então que:
Apólice 31419:
§ Diferencia, no âmbito das Garantias Complementares previstas nas Condições Particulares, a Garantia Complementar de Invalidez Total e Definitiva e a Garantia Complementar de Invalidez Profissional ;
§ O conceito de Incapacidade Funcional, definido no artº. 1º da Condição Especial 10, apenas tem utilidade e é exigível no preenchimento da Garantia Complementar de Invalidez Profissional, não sendo necessário para o preenchimento do conceito da Garantia Complementar de Invalidez Total e Definitiva
Apólice 34956:
§ A presente apólice não prevê como garantia complementar autónoma a de Invalidez Profissional (antes parecendo integrar-se, desde logo, no conceito de Invalidez Total e Permanente) ;
§ Nesta, para o preenchimento do conceito de Invalidez Total e Permanente, já se apela ao conceito de Incapacidade Funcional, definido no artº. 1º da Condição Especial 09.
Resulta do exposto que a utilização dos vários conceitos em equação – Invalidez Total e Definitiva, Invalidez Total e Permanente, Incapacidade Funcional e Invalidez Profissional – encontra-se perfeitamente definida e em harmonia, com concreta delimitação e campo de aplicabilidade perfeitamente definidos, sem que, contrariamente ao aduzido pela Recorrente Autora, existam quaisquer incompatibilidades das garantias descritas nas Condições Particulares com as definições constantes das Condições Especiais.
Exemplificativamente, por referência à Apólice nº. 31419, as Garantias Complementares descritas nas Condições Particulares, nomeadamente a de Invalidez Total e Definitiva (Condição Especial 06) e de Invalidez Profissional (Condição Especial 10), encontram o seu campo de definição conceptual no artº. 1º de tais Condições Especiais, sem que se possa a afirmar existir qualquer incompatibilidade, pois, desde logo, as Condições Particulares não procedem a qualquer definição.
Nesta apólice, ainda, o recurso ao conceito de Incapacidade Funcional apenas se verifica no preenchimento da Garantia Complementar de Invalidez Profissional (e não já no preenchimento da Garantia Complementar de Invalidez Total e Definitiva).
Por sua vez, no que concerne à apólice 34956, a Garantia Complementar de Invalidez Total e Permanente, descrita nas Condições Particulares, densifica-se no artº. 1º da Condição Especial 09, aí se recorrendo, cumulativamente, para o seu preenchimento, ao conceito de Incapacidade Funcional definido no mesmo artº. 1º da Condição Especial 09.
O que se verifica sem que se vislumbre, minimamente, qualquer incompatibilidade ou distonia entre o exarado nas Condições Particulares e as definições feitas constar nas Condições Especiais, que apenas explicitam, densificando ou concretizando, os conceitos naquelas utilizados, mas aí não definidos ou concretizados.
Por outro lado, conforme bem refere a Apelada Ré, não se estando perante seguros obrigatórios mas antes de natureza facultativa, vigora, como princípio básico, o da liberdade contratual – o artº. 405º, do Cód. Civil -, balizado pelos limites legais, o que permite e proporciona às partes contratantes a adopção dos conceitos que tenham por adequados e convenientes, desde que perceptíveis, não equívocos ou dúbios, e não atentatórios dos ditâmes da boa fé – o artº. 227º, do Cód. Civil.
Ora, os campos de definição conceptual feitos constar nas Condições Especiais são perfeitamente entendíveis e perceptíveis, eivados da necessária objectividade que permite uma adequada compreensão das garantias em equação, bem como a forma de preenchimento dos conceitos aí utilizados.
Por fim, estando-se perante duas apólices distintas, resulta evidente que, na adopção daquele espaço de liberdade contratual, as Garantias Complementares previstas nas Condições Particulares não têm de ser preenchidas de idêntica forma ou com o mesmo conteúdo, nada havendo, assim, de censurável, por exemplo, no facto do conceito de Incapacidade Funcional não ser necessário para o preenchimento do conceito da Garantia Complementar de Invalidez Total e Definitiva (apólice 31419), mas já o ser para o preenchimento do conceito da Garantia Complementar de Invalidez Total e Permanente (apólice 34956).
Por todo o mesmo, de forma irremediável, improcedem, igualmente neste segmento, as conclusões recursórias enunciadas.
- da natureza abusiva de uma cláusula contratual geral, por atentatória da boa
Referencia, ainda, a Autora Recorrente dever ser considerada proibida e nula, por que abusiva e atentatória do princípio da boa fé, a cláusula especial constante das condições de um contrato de seguro de grupo que, em caso de invalidez absoluta e definitiva, exige que o Aderente fique, acrescidamente a essa caracterização, na obrigação de recorrer à assistência de uma terceira pessoa, para que funcione a garantia de invalidez.
Concretiza que as “Condições Especiais de um contrato de Seguro, pré-elaboradas e destinadas a ser adoptadas por interessados indeterminados, não deixam de ser Cláusulas Contratuais Gerais, e, como tal, estão submetidas aos ditames do D. L. nº 446/85”, sendo que aquele carácter abusivo de uma cláusula contratual geral, “por atentatório do vector da boa –fé, pode e deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal”, conforme “permitido pelo ordenamento jurídico nacional e foi especialmente pretendido pela Directiva 93/13/CEE, sendo esta a orientação do Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Especifica que tal cláusula “introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes – na prática esvazia largamente a utilidade do seguro, na medida em que o objectivo primordial do seguro é obrigar a Seguradora a pagar ao credor hipotecário no caso de o aderente ficar impossibilitado de o fazer e esta finalidade satisfaz-se com a própria invalidez total, sem necessidade de o aderente ficar também dependente de uma terceira pessoa”, pelo que a mesma é nula e destituída de qualquer efeito.
Na resposta apresentada, alega a Recorrida Ré que mesma aplicando a jurisprudência referenciada, e “se entendesse que essa cláusula é nula – nulidade que, uma vez mais, não foi tempestivamente suscitada nos autos – a verdade é que essa nulidade seria uma parcial da cláusula”, pelo que sempre se manteria “a exigência de que a incapacidade após consolidação médica determinante da impossibilidade de a pessoa segura trabalhar e de ser remunerada por isso se manteria inserida no contrato de seguro”.
Pois, aduz, a não se entender assim, “ o contrato de seguro deixaria de ter qualquer regulação da matéria da incapacidade, matéria sem a qual, naturalmente, perderia todo o seu sentido útil (exceto na parte relativa à cobertura morte, naturalmente)”.
Ora, tendo a Ré excepcionado “que o sinistro não se verificava justamente porque a Autora mantinha a sua capacidade de trabalho – o que provou”, bem andou o Tribunal ao determinar a improcedência da acção.
Apreciando:
A cláusula contratual geral, alegadamente abusiva, por que atentatória da boa fé [42], cuja proibição e nulidade é invocada, reporta-se ao teor da 2ª parte da definição de Invalidez Total e Definitiva feita constar no artº. 1º da Condição Especial 06 Garantia Complementar – Invalidez Total e Definitiva, constante da apólice 31419, por remissão efectuada pelas Condições Particulares.
Tal cláusula, relembre-se, tem o seguinte conteúdo:
Invalidez Total e Definitivaa invalidez, física ou mental, que após completa consolidação deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro, necessitando do auxílio de uma terceira pessoa para efectuar, com autonomia, os actos normais da vida (higiene pessoal básica, alimentação e vestir)”.
E, a sua eventual natureza proibida, resultante da sua contrariedade à boa fé, teria como lastro de enquadramento legal o estatuído no artº. 15º do DL nº. 446/85, de 26/10, já supra transcrito, enunciando serem “proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé”.
Acrescenta o normativo seguinte – 16º - que na concretização der tal proibição devem  “ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.
Acrescentando o artº. 12º que as cláusulas gerais proibidas por disposição daquele diploma, “são nulas nos termos nele previstos”.
Ora, por um lado, tal cláusula reporta-se, apenas, à apólice nº. 31419, não tendo equivalência na apólice nº. 34956 e, por outro, resulta cristalinamente da sua análise ser enformada por dois diferenciados segmentos definidores da Invalidez Total e Definitiva, perfeitamente delimitados e susceptíveis de fragmentação.
No primeiro segmento, define-se aquela invalidez como “a invalidez, física ou mental, que após completa consolidação deixe a Pessoa Segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro”.
E, num segundo momento, adita-se, em cumulação, a exigência de necessitar “do auxílio de uma terceira pessoa para efectuar, com autonomia, os actos normais da vida (higiene pessoal básica, alimentação e vestir)”.  
Verifica-se, contudo, que relativamente a ambas as apólices, para que se considere preenchido quer o conceito de Invalidez Total e Definitiva (apólice nº. 31419), quer o conceito de Invalidez Total e Permanente (apólice nº. 34956), era mister a Pessoa Segura (ora Autora) ficar total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro (apólice 31419), ou ocasionar a incapacidade à Pessoa Segura (ora Autora) uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade profissional remunerada (apólice 34956).
Ora, conforme resultou provado, a Autora, não obstante a incapacidade de 69% que lhe foi fixada, continua a exercer a sua actividade profissional de médica anestesista, ainda que tenha reduzido o número de consultas e deixado de fazer urgências e noites – facto 47º -, tendo declarado, para efeitos de IRS, os rendimentos anuais descritos nos factos provados 50º a 53º.
Donde, não tendo a Autora Segurada logrado efectuar prova da sua total incapacidade profissional e da insusceptibilidade de auferir rendimentos daí provenientes, aqueles conceitos de Invalidez Total e Definitiva (apólice nº. 31419), e de Invalidez Total e Permanente (apólice nº. 34956), não logram efectivo preenchimento, ou seja, o sinistro reclamado não pode ser enquadrado no âmbito da garantia acordada com a Autora. O que determina, desde logo, juízo de improcedência do pedido accional formulado.
Pelo que, a questão de preenchimento do 2º segmento da definição do conceito de Invalidez Total e Definitiva (apólice 31419) surge como espúria e irrelevante, ou seja, mesmo que este segmento daquele cláusula contratual geral fosse declarado proibido, por que contrário à boa-fé e, como tal, afectado pelo vício da nulidade [43], manter-se-ia o enunciado juízo de improcedência, pois o 1º segmento daquele definição também não logrou êxito probatório.
E isto tendo em atenção, como parece evidente, que o vício da nulidade decorrente da proibição daquele conteúdo clausular apenas afectaria a cláusula especificamente naquele segmento ora invocado, inexistindo qualquer justificação para inquinasse, afectando, o demais conteúdo clausulado. 
Pelo que, conclui-se, aquele conhecimento mostra-se prejudicado – cf., o artº. 608º, nº. 2, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil -, pois não se revela com utilidade ou relevância para o conhecimento do equacionado objecto recursório, determinando, nesta parte, o que se consigna e decide, juízo de prejudicialidade no conhecimento da presente vertente recursória.
Pelo exposto, e sem outras delongas, o juízo só pode ser o de total improcedência da pretensão recursória apresentada, com a consequente confirmação da sentença apelada.
Relativamente à tributação, decaindo a Apelante Autora no presente recurso, é a mesma responsável pelas custas devidas, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante MARIA ……………., em que figura como Ré/Apelada A………….., S.A., confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida/apelada.
Custas a cargo da Autora/Apelante – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
                      
Lisboa, 07 de Outubro de 2021
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 257, pág. 23.
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edição, Almedina., pág. 36 e 39.
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 27 e 28.
[5] Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 155 e 156.
[6] Surge incontroverso que, conforme se extrai dos factos provados 9º, 12º e 41º, bem como do teor de fls. 17 vº. e 21, que ambas as apólices, com os nº.s 31419 e 34956, com o capital seguro, respectivamente, de 150.000,00 e 442.600,00 €, sendo a Autora, enquanto pessoa segura e destinatária do crédito mutuado, a assumir o encargo de pagamento dos prémios, estamos perante um designado seguro de grupo contributivo.
[7] Relator: Pereira da Silva, Processo nº. 06B1016, in www.dgsi.pt (citado na resposta às alegações recursórias).
[8] Relator: Araújo Barros, Processo nº. 04B4826, in www.dgsi.pt .
[9] Relator: António Magalhães, Processo nº. 155/16.2T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[10] Relatora: Ana de Azeredo Coelho, Processo nº. 8493/03.8TVLSB.L1-6, in www.dgsi.pt (citado na resposta às alegações recursórias).
[11] Relator: Luís Filipe Pires Sousa, Processo nº. 801/14.2TBCBR-7, in www.dgsi.pt, (citado na resposta às alegações recursórias).

[12] todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, referem-se ao presente diploma.
[13] Repare-se que, avisadamente, até pela controvérsia da sua conceptualização, foi afastada qualquer definição legal do contrato de seguro.
[14] Cfr., Moitinho de Almeida, Estudo Sobre o Contrato de Seguro, Parte I, 1970, pág. 12 e 13.
[15] Pinheiro Torres, Ensaio Sobre o Contrato de Seguro, Porto, 19398, pág. 17, definia-o como a “operação pela qual uma das partes (o segurado) obtém, mediante certa remuneração (prémio) paga à outra parte (segurador), a promessa de indemnização para si ou para terceiro, no caso de se realizar um risco”.
[16] O Contrato de Seguro na LCS de 2008, in www.portal.oa.pt , pág. 821.
[17] Idem, págs. 824 e 825.
[18] Assim, o douto Acórdão do STJ de 30/05/2019, Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 532/17.1T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt .
[19] Cf., Nuno Trigo Reis, Os Deveres de Informação no Contrato de Seguro de Grupo, pág. 20, in www.asf.com.pt .
[20] Direito dos Seguros, Almedina, 2013, pág. 731.
[21] Posteriormente alterado pelo DL nº. 60/2004, de 23/03 e DL nº. 357-A/2007, de 31/10.
[22] Relatora: Maria do Rosário Morgado, Processo nº. 857/08.7TVLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt .
[23] Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, pág. 152 e 153.
[24] Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas. 2ª Edição Revista e Aumentada, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 214 e 215.
[25] Referencia-se no douto Acórdão do STJ de 29/10/2009 – Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 2157/06.8TVLSB.S1, in www.dgsi.pt – que as cláusulas contratuais gerais caracterizam-se pela “pré-formulação, generalidade e imodificabilidade”.
[26] Ob. cit., pág. 178 e 179.
[27] Idem, pág. 250.
[28] Ibidem, pág. 266, citando-se, a fls. 271 a 274, vária doutrina e jurisprudência do STJ acerca da natureza do tipo de invalidade em equação. Exemplificativamente, Almeno de Sá – ob. cit., pág. 251 e 252 – referencia ser “radical a solução da nossa lei, pois determina que as cláusulas […..] não chegam sequer a fazer parte do conteúdo do contrato [….] celebrado: pura e simplesmente [….] se têm como não escritas” ; o aresto do STJ de 15/05/2008 – Relator: Mota Miranda, Processo nº. 08B357 -, alude aos conceitos de invalidade e de exclusão.
[29] Por todos, cf., o recente Acórdão de 23/09/2021 – Processo nº. 5334/17.2T8FNC.L1, deste mesmo Colectivo -, que seguiremos de perto.
[30] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 109 e 110.
[31] Citando o Acórdão do STJ de 01/10/2002, in CJSTJ, Tomo 3, pág. 65.
[32] Mencionando o Ac. do STJ de 29/04/1998, in BMJ, nº. 476, pág. 401 ; ainda, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC anot., Vol. III, Tomo I, 2ª Edição, pág. 8.
[33] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 265.
[34] Relator: Henriques Antunes, Processo nº. 39/10.8TBMDA.C1.
[35] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 395.
[36] Processo nº. 582/05.0TASTR.E1.S1 – 3.ª Secção, in www.dgsi.pt .
[37] Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº. 418/19.5T8FLG.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[38] Relator: Roque Nogueira, Processo nº. 183/14.2T8AGD.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[39] Relatados, respectivamente, por Maria dos Prazeres Beleza e Sebastião Póvoas.
[40] Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 838/15.4T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt .
[41] Relator: Júlio Gomes, Processo nº. 1445/13.1TVL.SB.L2.S1, in www.dgsi.pt .
[42] Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85 anotado, pág. 172, referencia ser “uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificada.
[43] Tal solução é defendida em douto aresto desta Relação e Secção, datado de 24/10/2019 – Relatora: Inês Moura, Processo nº. 1499/18.4T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt , citado na resposta alegacional.
Referencia-se neste aresto que tal exigência, ora consubstanciada no 2º segmento da definição do conceito de Invalidez Total e Definitiva, reduz, “de forma que se crê substancial e desproporcionada os casos de verificação do risco de cobertura de invalidez ou incapacidade, por fazer exigências que vão para além da verificação objetiva da incapacidade para o segurado fazer uma vida normal – concretizando-a relativamente a atos muito básicos - e de continuar a exercer a sua atividade profissional com a continuação da obtenção de proventos, riscos que estão na origem da celebração de tal seguro.
Podem ocorrer situações em que o segurado está limitado e incapaz de fazer a sua vida normal quando, por exemplo: não pode conduzir, não pode praticar uma atividade física ou não pode pegar em pesos, ainda que consiga vestir-se, comer ou fazer a sua higiene sem o auxilio de terceira pessoa. É fácil verificar-se a circunstância de uma pessoa estar incapaz para exercer uma profissão remunerada, embora não esteja num estado de dependência contínua da assistência de terceiro para os atos mais básico da vida diária, como sejam alimentar-se ou cuidar da sua higiene”.
Acrescenta, ainda, que “a exigência da necessidade de auxílio de terceira pessoa para os atos mais básicos da vida diária, contemplada na definição de incapacidade absoluta e permanente pode representar por esta via uma restrição da intervenção da seguradora, que se tem por injustificada, em face da finalidade que está na origem da celebração do contrato de seguro.
O equilíbrio contratual fica afetado, com uma cláusula em que o contraente mais forte limita de tal forma a possibilidade de preenchimento da condição do acionamento do seguro, num sentido que vai além da razão de ser do próprio seguro, visando apenas a proteção da sua posição contratual e dos seus interesses, pondo dessa forma em causa o equilíbrio de interesses das partes contratantes, bem como a confiança ou expectativa depositada pelo segurado na celebração do contrato, sendo por isso contrária à boa fé”.
Argumenta, em corroboração do decidido, e citando jurisprudência, que “a finalidade deste tipo de contrato de seguro é orientada para a obtenção de um capital em caso de morte ou invalidez permanente do segurado, pretendendo, neste último caso o seguro acautelar a situação de uma eventual incapacidade significativa e geradora da impossibilidade do segurado fazer a sua vida normal e de exercer a sua atividade profissional remunerada o que pode determinar não só a situação do mesmo passar a ter outras despesas em razão das debilidades de saúde geradoras da incapacidade, como também a impossibilidade do mesmo assegurar a sua subsistência por não poder obter rendimentos.
O risco ocorre precisamente quando a pessoa segura fica totalmente impossibilitada de exercer qualquer profissão ou atividade lucrativa, em razão de invalidez absoluta e definitiva, bem como vê diminuídas as capacidades para os atos normais da vida diária espelhadas numa incapacidade de 60% ou mais (que não no limite de uma total falta de autonomia para comer, vestir-se e fazer a sua higiene sem auxílio de terceiro) – é naquela previsão que, com lealdade e seriedade, se encontra o equilíbrio das prestações”.
Pelo que, conclui, a “segunda parte da cláusula em questão que exige, na consideração da situação de invalidade absoluta e definitiva, que a pessoa segura necessite de recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária, identificados como os mais básicos, exigindo na prática uma total e absoluta falta de autonomia, quase só equiparável a um estado vegetativo, já nada tem a ver com a afetação da sua capacidade de trabalho e de obter rendimentos ou com uma diminuição das capacidades para o exercício de uma vida normal que sempre é indiciada por uma incapacidade funcional de 60%, antes vai além deste conceito e da razão de ser do contrato, determinando um desequilíbrio das prestações contratuais e frustração da confiança do segurado, sendo por isso abusiva por desproporcionada e contrária boa fé”.
Realça, por fim, que na sendo do decidido pelo Tribunal a quo, “é forçoso considerar que as cláusulas em questão estão afetadas pelo vício da nulidade, nos termos do disposto nos art.º 15.º e 16.º do DL 446/85 de 25 de outubro, na parte em que exigem que a verificação da incapacidade permanente e absoluta para efeitos do seguro esteja dependente da falta de capacidade do segurado para a prática dos atos mais básicos da vida diária como aqueles que indica, no sentido do segurado ficar num estado de dependência contínua da assistência de terceira pessoa para os atos normais da vida diária (sublinhado nosso).