Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2385/09.4TBMTJ.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: PARAGEM DE VEÍCULO
ATROPELAMENTO
CAUSA DO ACIDENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (da responsabilidade do relator).

“I – Enquanto no art.º 88º do Código da Estrada – que prescinde da referência a um perigo concreto – a imobilização de viatura na berma da via, impõe, só por si, o uso do denominado “sinal de pré-sinalização de perigo”, e a utilização de colete retrorrefletor por parte de quem colocar o dito, já o art.º 63º, n.º 3, alínea a), do mesmo Código, apenas determina a cumulativa utilização das luzes avisadoras de perigo quando, em concreto, tal imobilização na berma da via, “represente um perigo para os demais utentes da via.”.

II – A inobservância do dever de utilização do colete retrorrefletor, para colocação do sinal de pré-sinalização de perigo, não concorre, por si só, para a ocorrência do atropelamento, dentro da berma da autoestrada, do condutor de viatura imobilizada na mesma berma, por avaria.”.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação

I – O A, intentou ação declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra o B, e C, pedindo a condenação da “R.” a pagar ao A. a quantia de €42.681,77, acrescida de juros vincendos desde a citação.

Alegando, para tanto e em suma, que no exercício da sua atividade, prestou cuidados de saúde, que referencia, e a cujo custo reporta o peticionado, a D, os quais ficaram a dever-se a lesões sofridas pelo assistido, em consequência de acidente de viação (atropelamento), ocorrido em 14/01/2007, pelas 23h40, no IC 32, Km 14,9, na berma de acesso à Ponte Vasco da Gama (Montijo), em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..., cujo condutor e proprietário era o 2º R., e que, à data do acidente não dispunha de seguro válido ou eficaz.

Citados os RR., apenas contestou o ISP.

Requerendo, em sede de “questão prévia”, que os autos aguardassem o desfecho do processo comum singular que referencia, por nesses outros ter sido igualmente demandado por D, que aí peticiona uma indemnização que parcialmente quantifica em € 769.205,68, na decorrência do mesmo acidente de viação, em causa na presente acção, e, assim, em ordem a prevenir situação de eventual esgotamento de capital.

Mais deduzindo impugnação e atribuindo ao lesado culpa na produção do sinistro.

Rematando com a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

O processo seguiu seus termos, com indeferimento da requerida suspensão da instância, saneamento e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgando a ação “procedente, por provada”, condenou “os Réus B e C, solidariamente, a pagarem ao Autor a quantia de € 42.681,77 (quarenta e dois mil seiscentos e oitenta e um euros e setenta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento;”.

Inconformado, recorreu o B, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“I – O Recorrente não se conforma com a sentença que condena os RR. e vem impugnar o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal a quo.

II - Na acta da sessão da audiência de discussão e julgamento realizada em 16/10/2012,com a referência citius / habillus 3826100 consta um articulado superveniente formulado oralmente pelo mandatário do R. B e a junção de documentos de prova. Conforme se alcança da mesma acta o ilustre Mandatário do A. opôs-se ao articulado superveniente, mas não impugnou os documentos.

III - O Meritíssimo Juiz a quo indeferiu o articulado, considerando-o extemporâneo, mas admitiu a junção aos autos dos documentos, dizendo nomeadamente: “No entanto, entende o Tribunal poderem ser úteis à descoberta da verdade e, consequentemente a uma correcta decisão da causa a junção aos autos dos documentos, e atenta a data da sua obtenção, não se sanciona.”

IV - Os documentos apresentados em audiência foram como se vê do articulado superveniente que não foi admitido, os seguintes:

c) Comunicação da Delegação Regional de Setúbal das Estradas de Portugal, indicando que a largura total da berma era de 3,15m (e, dizemos nós, não 3,40m, como indicou a autoridade policial).

d) Documento de medições de um veículo BMW absolutamente similar ao veículo do assistido, efectuada pelo B.

V - Da Participação do Acidente de fls._ decorre que o veículo XT estava parado na berma distando o seu lado direito 1,20m do rail de protecção.

VI - Do documento de medição do veículo se retira que o XT tinha 1,84m de largura da porta frente direita na posição fechada (excluindo espelho retrovisor direito) e o extremo do espelho retrovisor esquerdo com a porta da frente esquerda fechada, o que significa que 1,20m + 1,84m somam 3,04m. Sabendo-se que a berma tinha 3,15m de largura, tal significa que o veículo XT estava a meros 11 cm do limite da berma.

VII - 11 cm são insuficientes para qualquer pessoa adulta, mesmo que encostada à porta frente esquerda do veículo na posição de fechada, poder estar integralmente dentro da berma. 11 cm é o comprimento dos sapatos de uma criança com 18 a 24 meses. Mais de 11 cm, e esse é um facto público e notório tem qualquer espelho retrovisor de um veículo automóvel, nomeadamente o veículo do R. que, era um Audi A6.

VIII - Isto para dizer que era fisicamente impossível que o co-R. Martinho, condutor do ON, pudesse ter invadido a berma, onde se encontrava parado o XT sem ter embatido no veículo do assistido.

IX - Na acta denominada de Resposta aos quesitos de 23/01/2013, com a referência 3986490 diz o Meritíssimo Juiz a quo, já no final da sua fundamentação: “a Ré, porém, já não logrou provar que D estivesse fora da berma, ou seja, posicionado na via, aquando do impacto, sendo essa a causa o atropelamento, o ónus probatório que era seu, não houve qualquer testemunha que o referisse e, salvo o devido respeito por opinião contrária, a junção de documentação feita pela Ré, não se mostra suficiente para cobrir essa falta de prova, mesmo aceitando-se ser a largura da berma, a que foi indicada pela concessionária, o que significa uma diminuição da largura da berma em 25 cm.

X - O Tribunal aceitou que a berma tinha 3,15m, como se vê da fundamentação supra, mas, por outro lado, não afastou com qualquer fundamentação, o relatório de medição do veículo, cujo documento havia admitido em 16/10/2012, conforme supra referido, e é esta uma das questões centrais.

XI - Que tenha havido atropelamento, dúvidas não existem, mas que o R. tenha invadindo parcialmente a berma e aí atropelado o D decorre linearmente da documentação admitida e da alegação suporá que era fisicamente impossível ter atropelado o D na berma e não ter embatido no veículo que estava ali parado.

XII - O Tribunal a quo não tomou em conta as medições, não tomou em conta os documentos juntos aos autos, nem fez as contas, para verificar, quanto sobrava de berma, para ver se ali cabia uma pessoa. Violou, pois, o art. 607.º, n.º 4 do C.P.C.

XIII - Já vimos que não. Nem o Tribunal apreciou o documento das medições do veículo e por isso nem o tomou em conta, nem fundamentou o seu eventual afastamento. E essa prova é fundamental para julgar como apenas parcialmente provado o quesito 2.º, sendo o sentido por nós preconizado o seguinte: “Provado que, na via que dá acesso à Ponte Vasco da Gama, o veículo ON atropelou o D.”

XIV - Do mesmo modo, o quesito 4.º deverá ser alterado para integrar toda a factualidade que consta do art. 4.º da base instrutória, ou seja, “Após o que seguiu da viatura pela porta do condutor, invadindo parte da via destinada ao trânsito de veículos.

XV - Não houve qualquer omissão do R. B, relativamente ao seu ónus probandi. Feitos os cálculos eu o douto Tribunal a quo deveria ter feito, facilmente verificaria, e esses elementos estão todos nos autos, que era fisicamente impossível qualquer pessoa adulta estar dentro da berma quando apenas dela restavam uns meros 11 cm.

XVI - Ainda que, no que não concede ou transige, permanecessem intocado o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal a quo, outra consequência teria de ser retirada desses factos, contrária àquela a que o Tribunal chegou.

XVII - Provado está, no quesito 3.º que o veículo parado na berma não tinha qualquer sinalização. No quesito 1.º sabemos que o acidente ocorreu no dia 14 de Janeiro de 2007, pelas 23h40m, no IC32, reconhecidamente com perfil de auto-estrada e com velocidade máxima permitida de 120 kms./hora.

XVIII - As estradas, maxime as auto-estradas ou os itinerários complementares com perfil de auto-estrada e as ruas e vias em geral são para o trânsito de veículos. No caso dos autos, é verdade que o D, teve que parar na berma, mas era sua obrigação ligar os sinais de luzes intermitentes, vestir o colete reflector e de seguida sair cautelosamente do veículo, de preferência pelo lado direito, para ir colocar o triângulo de sinalização a 30 m do veículo.

Não o fez e, aliás, o Tribunal reconhece-o no quesito 3.º, e também na fundamentação de Direito constante da sentença a págs. 5, 1.º parágrafo.

XIX - É certo que na mesma pág. 5, discorre sobre a violação por parte do R. Martinho do art. 13.º do Código da Estrada, para depois vir invocar o art. 63.º, n.º 1 e 3, al. a) do mesmo diploma legal.

XX - Salvo o devido respeito, perde-se a fundamentação de Direito numa dúvida sobre se as luzes sinalizadores do veículo XT estivessem ligadas, se o condutor do ON tê-las-ia vista e se teria afastado e questiona-se o Meritíssimo Juiz a quo: pode ser que sim e pode ser que não, para de seguida vir imputar a exclusiva responsabilidade do acidente ao R. Martinho, - discordância absoluta do ora Recorrente com esta fundamentação: ou é sim ou é não!

XXI - Se o julgador tem dúvidas, até pode lançar mão da responsabilidade objectiva, ou da concorrência de culpas.

XXII - O que temos por certo é que, numa via rápida, um veículo que circule a 120 kms. /hora percorre em cada segundo 33,33 m.

XXIII - Obviamente que, se pelo menos as luzes intermitentes estivessem ligadas e o D, que já estava fora do seu veículo tivesse o colete reflector vestido, seria visível, pelo menos a 70 / 80 m, o que avisaria o condutor do ON da sua presença e da presença do veículo na berma, o que faria, com certeza reduzir a velocidade e tomar as cautelas necessárias na passagem pelo veículo parado na berma.

XXIV - Sempre poderemos dizer que, se o veículo não estivesse parado na berma e não estivesse ali ninguém não haveria qualquer atropelamento, assim contrariando a fundamentação da sentença que diz que o D não tem qualquer responsabilidade e que ela é exclusivamente do Martinho por ter invadido a berma.

XXV - Temos para nós que a mais grave e decisiva violação das regras estradais é aquela que foi preconizada pelo D – art. 63.º, n.º 1 e 3 do Código da Estrada e essa é que constitui o verdadeiro nexo de causalidade com as lesões que foram causadas pelo embate. Tal norma foi, naturalmente, violada pelo douto Tribunal a quo.

XXVI - Sendo possível, e sabendo nós todos que conduzimos, pode acontecer uma avaria numa estrada, numa auto-estrada ou num IC, é relativamente raro de acontecer e não é previsível que os condutores estejam sempre na expectativa de isso acontecer. Não está na natureza das coisas, não é uma situação normal.

XXVII - O que é normal e obrigatório é que quando ocorre uma avaria em qualquer via, o condutor do veículo avariado, ligue imediatamente as luzes intermitentes, vista dentro do carro o colete reflector, tenha cuidado ao sair do veículo, e depois vá buscar o triângulo de sinalização e o vá colocar a 30 m do veículo.

XXVIII - Esta omissão do D é que é causa directa e necessária que leva ao seu atropelamento.

XXIX - Não era exigível ao Martinho que previsse a presença de uma pessoa num carro parado na berma, sem qualquer sinalização.

XXX - Há uma contradição na fundamentação, porque considerando a sentença que o D violou regras essenciais que se destinam a chamara a atenção dos outros condutores de que está ali um veículo imobilizado por avaria e de que pode haver pessoas perto do veículo, depois vem invocar para condenar integralmente o R. Martinho e o B apenas a alegada violação da berma por parte do veículo ON.

XXXI - Existe, pois, erro notório na apreciação da prova e, nomeadamente de quem deu causa inicial e essencial ao ocorrido, entendo o Recorrente que, ainda que, com a matéria de facto intocada, sempre poderia haver uma de três soluções (revendo-nos apenas na primeira): a de absolver o B por culpa exclusiva do D, ao não ter sinalizado o veículo de qualquer forma, ao considerar, eventualmente concorrência de culpas, numa percentagem mais baixa para o condutor do ON do que para o D ou, eventualmente, com tantas dúvidas, decidir pelo risco.

XXXII – A sentença padece, assim, por contradição, da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c) do C.P.C.”.

Não se mostram produzidas contra-alegações.

O senhor juiz a quo sustentou a inexistência da arguida nulidade.

II - Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se se verifica a arguida nulidade da sentença recorrida;

- se é de alterar a decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pelo Recorrente;

- se a responsabilidade pelo acidente, face aos elementos dos autos constantes, deverá ser imputada em exclusivo ao sinistrado D; ou fixar-se a concorrência de culpas, numa percentagem mais baixa para o condutor do ON do que para o D.

Fazendo-se intervir, na ausência de apurada culpa, a responsabilidade pelo risco.

***

 Considerou-se assente, na 1.ª instância, a matéria de facto seguinte:

“1. No dia 14 de Janeiro de 2007 a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ... não se encontrava transferida para qualquer companhia de seguros (alínea A) da Matéria de Facto Assente).

2. Em 03.09.2009 a Autora solicitou ao Réu B o pagamento da factura n.º 8028564, no valor global de € 42.681,77, quantia que não foi paga (alínea B) da Matéria de Facto Assente).

3. No dia 14 de Janeiro de 2007, cerca das 23.40 horas, circulava na IC 32, junto à berma da via que dá acesso à Ponte Vasco da Gama, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..., conduzido pelo seu dono, o Réu C, que ao chegar ao km 14,9 invadiu parcialmente essa berma (resposta ao quesito 1.º).

4. Ao invadir parcialmente a berma da via que dá acesso à Ponte Vasco da Gama o veículo “ON” atropelou D (resposta ao quesito 2.º).

5. Antes do atropelamento, D tinha imobilizado o seu veículo dentro da berma da via, preparando-se para colocar o triângulo sinalizador, sem que tivesse efectuado qualquer outra sinalização (resposta ao quesito 3.º).

6. D saiu da viatura pela porta do condutor (resposta ao quesito 4.º).

7. Em consequência directa e necessária desse atropelamento D sofreu lesões (resposta ao quesito 5.º).

8. Que determinaram que fosse assistido pelo A (resposta ao quesito 6.º).

9. Entre 15.01.2007 e 27.09.2007 o Autor prestou a D os cuidados de saúde descritos na factura n.º 8028564, constante de fls. 7 a 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 7.º).

10. Cuidados de saúde que importaram para o Autor um custo total de € 42.681,77 (quarenta e dois mil seiscentos e oitenta e um euros e setenta e sete cêntimos) (resposta ao quesito 8.º).”.

*

Vejamos.

II – 1 – Da invocada nulidade da sentença recorrida.

Sustenta o recorrente, e como visto, ocorrer contradição, na fundamentação, “porque considerando a sentença que o D violou regras essenciais que se destinam a chamar a atenção dos outros condutores de que está ali um veículo imobilizado por avaria e de que pode haver pessoas perto do veículo, depois vem invocar para condenar integralmente o R. Martinho e o B apenas a alegada violação da berma por parte do veículo ON.”.

Verificando-se assim “a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c) do C.P.C.”.

Nos termos do citado normativo – e descartando-se, por tal não estar aqui em causa, o segmento relativo à ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, é nula a sentença quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

Valendo o que, no domínio do lugar paralelo do art.º 668º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, anotavam José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto:[1] “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando. embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade;”.

Ora, e precisamente, o decidido vem na sequência lógica da fundamentação alinhada, nenhuma contradição sendo equacionável, nesse plano.

E assim:

“(…) um condutor cauteloso teria logo que estacionou o veículo accionado a sinalização de perigo, ligando os sinais de luzes intermitentes, vestido o colete reflector e de seguida saído do carro.

D não procedeu deste modo.

Mas foi esta a razão da ocorrência do acidente? Obviamente que não. A razão do acidente foi a circunstância de Martinho circular sem a distância necessária da berma como a lei rodoviária exige, aliás, invadindo mesmo, parcialmente, essa berma.

(…)

Carlos Martinho não observou a respectiva regra, tendo-a violado quando conduzindo de uma forma desadequada, invadiu sem qualquer justificação a berma onde D se encontrava. Este foi o facto causal do atropelamento, da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo ..., tanto mais que não se provou que D, em algum momento, tenha saído da berma para a faixa de rodagem, nem que fosse de forma parcial.

Não se desconhece que devem ser utilizadas as luzes avisadoras de perigo em caso de imobilização forçada do veículo por avaria, sempre que o mesmo represente perigo para os demais utentes da via (…).

Ocorre que o veículo de D estava estacionado, todo ele, dentro da berma, numa via rápida, por onde não circulam pessoas, e onde os veículos não podem circular pela berma, nem disso têm qualquer necessidade.

(…)

Pelo que fica exposto, entende-se que a culpa do acidente apenas ao condutor do veículo … pode ser imputada, dada a forma descuidada e desatenta como conduzia, entrando na berma da via, e dessa forma tendo atingido D, verificando-se, deste modo, estarem reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que atrás deixámos enunciados.”.

De resto o próprio Recorrente, aparentando indeterminação de conceitos, concede a recondução do assinalado “vício” a erro de julgamento, quando, após apontar a tal – inexistente – contradição, na conclusão XXX, afirma, na conclusão XXXI, que “Existe, pois, erro notório na apreciação da prova e, nomeadamente de quem deu causa inicial e essencial ao ocorrido”.

Improcedendo pois, nesta parte, as conclusões do Recorrente.

II – 2 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

1. Propugna o Recorrente a alteração do decidido por reporte aos art.ºs 2º e 4º da base instrutória, devendo passar a constar:

Quanto ao art.º 2º - “Na via que dá acesso à Ponte Vasco da Gama, o veículo ON atropelou o D.”.

E, quanto ao art.º 4º - "Após o que seguiu da viatura pela porta do condutor, invadindo parte da via destinada ao trânsito de veículos.”.

Levando-se à conta de lapso de escrita a referência a “seguiu”, que se concede pretendida a “saiu”.

E isto, assim, convocando os documentos apresentados em audiência, a saber, “Comunicação da Delegação Regional de Setúbal das Estradas de Portugal” e “Documento de medições de um veículo BMW absolutamente similar ao veículo do assistido, efectuada pelo B.”.

2. Sendo que se consignou na fundamentação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, e no que aqui agora pode interessar:

(…)

Estiveram presentes as testemunhas Rui ..., Patrícia ..., Pedro ..., Catarina ..., Sónia ... e José ..., que tiveram, de uma maneira ou de outra conhecimento do atropelamento, umas porque eram transportadas pelo veículo “ON”, uma outra porque seguia no veículo que estacionou na berma da via, outras ainda porque não pertencendo a nenhum dos veículos seguiam na mesma via, num outro veículo.

Por sua vez enquanto que no auto de participação do acidente (cópia junto a fls. 116 a 119) a entidade policial fez consignar que a largura da berma é de 3,40 metros a concessionária veio referir que a berma do lado direito de IC32, ao Km 14,900 (sentido Coina/Montijo) tinha de largura 3,15 metros, em 2007, sendo que no referido local, à data, a referida berma estava dotada de guia sonora. (doc. de fls. 87 a 93).

As respostas aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º resultaram da apreciação e interpretação dos seguintes depoimentos:

A testemunha Rui ... era ocupante do veículo automóvel de D, tendo referido que este parou o veículo dentro da berma, dado ter-se apercebido de ter um furo no pneu traseiro do lado direito.

(…)

A testemunha Patrícia ..., disse que seguia num veículo automóvel em direcção à Ponte Vasco da Gama, ao lado do condutor desse veículo, quando o carro em que seguiam foi ultrapassado por um veículo, pela direita, que saiu da faixa de rodagem, entrando na berma, (…)

As testemunhas Catarina ... e Sónia ... afirmaram que seguiam no veículo “ON”, pertença de C, que o conduzia. A primeira afirmou que seguia ao lado do condutor e a impressão que teve é que bateram com a frente do veículo em alguma coisa. Viu um carro parado, não tendo visto sinalização nem ninguém junto ao carro, tendo mesmo pensado que era um carro abandonado. Confirmou que o carro onde seguia passou entre os dois veículos, tendo o espelho de lado, ficado pendurado. Por sua vez, Sónia Serras disse que seguia sentada atrás e lembrar-se que o condutor, o Martinho fez uma travagem, não muito brusca quando passaram por um veículo branco. Afirmou que estava tudo muito escuro, não tendo visto luzes.

Por último a testemunha José ..., militar da G.N.R., depôs sobre o que viu no local, onde compareceu por força do atropelamento, confirmando as medidas constantes do croquis que elaborou, explicando como obteve essas medidas, as quais, pelo menos no que respeita à largura da berma estão desfasadas em relação à largura indicada pela concessionária.

Deste conjunto de prova testemunhal resulta que a Ré B logrou provar que o veículo de D estava estacionado sem a necessária sinalização. De todas as testemunhas ouvidas apenas a testemunha Patrícia disse ter visto o triângulo sinalizador, mas dentro do veículo, o que de alguma forma é coincidente com o depoimento da testemunha Rui .. que referiu que o porta bagagens estava aberto, tendo tido a percepção de que D tinha ido à procura do triangulo.

(…)

A Ré, porém, já não logrou provar que D estivesse fora da berma, ou seja, posicionado na via, aquando do impacto, sendo essa a causa do atropelamento, o ónus probatório que era seu. Não houve qualquer testemunha que o referisse e, salvo o devido respeito por opinião contrária, a junção da documentação feita pela Ré não se mostra suficiente para cobrir essa falta de prova, mesmo aceitando-se ser a largura da berma, a que foi indicada pela concessionária, o que significa uma diminuição da largura da berma em 25 cm.”.

3. Ora, isto visto, temos que baseando-se a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, e na parte posta em crise, também e essencialmente nos depoimentos produzidos em audiência, que gravados foram, fundamentou o Recorrente a deduzida impugnação apenas em meios de prova documental.

Sendo que, nessa circunstância, apenas terá lugar a modificação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto – e para lá da hipótese aqui liminarmente desinteressante de apresentação de documento superveniente – “se os factos tidos por assentes” e, ou, “a prova produzida (…) impuserem decisão diversa”, cfr. art.º 662, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Mas assim certo que “É aos factos essenciais admitidos por acordo que o legislador se refere quando emprega a expressão “factos tidos como assentes”.”.[2]      

E que ““a prova produzida" sobre os factos controvertidos ou carecidos de prova abrange a prova por confissão ou por documento. Trata-se da prova produzida perante o tribunal a quo;”.[3]

Mas importando também assinalar que embora com a formulação do atual art.º 662º, n.º 1, se tenha deixado de prever especificamente a alteração da decisão da matéria de facto “Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas” – como se contemplava no art.º 712º, n.º 1, alínea b), do anterior Código de Processo Civil – essa é, para Abrantes Geraldes, uma “possibilidade que agora se inscreve no preceituado no nº 1, de âmbito mais genérico.”.[4]

Isto sem prejuízo da atuação dos poderes cassatórios previstos na alínea c) do n.º 2 do mesmo art.º 662º, para a hipótese, aqui não configurada, de se reputar deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.

Tratando-se então de saber se os referidos documentos impõem o não provado de que o veículo ... invadiu parcialmente a berma da via que dá acesso à Ponte Vasco da Gama, e o provado de que o sinistrado D após sair da viatura pela porta do condutor, “invadiu” parte da via destinada ao trânsito de veículos.

O que, aliás, interessa também à “resposta ao quesito 1.º” – n.º 3 da matéria de facto – que o Recorrente não impugna…

4. Curiosamente, o Recorrente colhe da “Participação do acidente” elaborada pela BT de Setúbal, e junta por certidão a folhas 115 a 119, o que serve os seus raciocínios, rejeitando porém o que àqueles se não ajusta da melhor maneira.

Aceitando a distância do rail de proteção, a que o veículo XT é dado como estando parado na berma, no sobredito documento, mas já preferindo a inferior largura total da berma indicada pela Delegação Regional de Setúbal das Estradas de Portugal, à consignada na dita participação.

Ora nesse particular da largura total da berma, não se concede à informação prestada à Recorrente, em via de correio eletrónico, pela sobredita Delegação – cfr. folhas 92 – e com base desconhecida, mas que bem poderá ser apenas a consulta do projeto respetivo, sobrelevância probatória absoluta no confronto da medição efetuada, in loco, pelo soldado da BT da GNR.

Nem cabendo apelar à “aceitação”, na fundamentação da decisão da matéria de facto, da largura de 3,15m para a aludida berma.

 Com efeito, do que se trata, no segmento visado de tal peça, não é da afirmação de ser aquela a largura exata, mas sim de uma consideração subsidiariamente adjuvante, do julgamento como não provado de que D estivesse fora da berma.

Assim, e novamente reproduzindo: “A Ré, porém, já não logrou provar que D estivesse fora da berma, ou seja, posicionado na via, aquando do impacto, sendo essa a causa do atropelamento, o ónus probatório que era seu. Não houve qualquer testemunha que o referisse e, salvo o devido respeito por opinião contrária, a junção da documentação feita pela Ré não se mostra suficiente para cobrir essa falta de prova, mesmo aceitando-se ser a largura da berma, a que foi indicada pela concessionária, o que significa uma diminuição da largura da berma em 25 cm..

Sendo meridiano que o eventual erro de julgamento plasmado na invocação de tal subsidiariamente adjuvante fundamento, não acarreta o provado – em desprezo da demais prova considerada, em primeira linha, na fundamentação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto – de se encontrar o sinistrado, aquando do seu atropelamento, na faixa de rodagem.

Por outro lado, e no tocante à também esgrimida largura da viatura do sinistrado, com matrícula do ano 2004,[5] diga-se que o modelo E46 3 Series Touring 320d, versão vendida entre 2003 e 2005, tem, como ver-se pode no site http://www.ultimatespecs.com/pt/car-specs/BMW/5013/BMW-E46-3-Series Touring-320d.html, a largura de “174 cm ( 68.5 inches )”.

O mesmo resultado de 1740,00mm, se alcançando em todos os demais sites disponíveis, e, assim também, v.g., em http://www.carinf.com/es/1c40411268.html, onde se esclarece que “los espejos, manijas de las puertas, luces y demás dispositivos no están incluidos en las mediciónes. El ancho se mide a puertas cerradas y las ruedas de posición hacia adelante.”.

Não merecendo um documento elaborado pelo Recorrente, com a colaboração do gerente de um “Stand” de automóveis – que não é referenciado, de resto, como concessionário da marca – credibilidade superior.

E, assim, desinteressando a – pelo Recorrente – alcançada “largura” “entre a porta frente direita na posição de fechada (excluindo espelho retrovisor exterior direito) e o extremo do espelho retrovisor exterior esquerdo, com a porta da frente esquerda na posição de fechada: 1,84m.”.

Nem tendo o espaço disponível para o sinistrado, entre o seu automóvel e o fim da berma, que medir-se a partir da extremidade do retrovisor exterior (esquerdo).

Trata-se esse apenas de um ponto sobressaindo da volumetria do veículo, e que não é de todo impeditivo do “aproveitamento” do espaço existente entre a carroçaria daquele e o limite da berma, designadamente por parte de quem sai do lugar do condutor para se dirigir à parte traseira da viatura, como assim foi o caso, vd. n.ºs 5 e 6 da matéria de facto.

Nesta conformidade “sobrando”, e pelo que aqui se discute, entre a parte lateral esquerda do veículo do sinistrado e o fim da berma, um espaço de 46cm [3,40m - (1,20m+1,74m)]…

…O qual – o que apenas marginalmente se assinala – como decorre do referido pela testemunha Patrícia ... – que seguia num veículo automóvel em direção à Ponte Vasco da Gama, ao lado do condutor desse veículo, quando o carro em que seguiam foi ultrapassado pela direita, pelo veículo conduzido pelo Martinho, que saiu da faixa de rodagem – foi assim por aquele invadido, seguindo-se um “estrondo”, obviamente correspondente ao atropelamento do sinistrado, aqui A.

*

Em suma, os elementos de prova invocados pelo Recorrente não impõem decisão diversa – e desde logo no sentido pretendido por aquele – no tocante à matéria dos art.ºs 2º e 4º da base instrutória (n.ºs 4 e 6 dos factos provados).

Com improcedência, por igual nesta parte, das conclusões do Recorrente.

II – 3 – Da responsabilidade pela produção do sinistro.

1. Sustenta o Recorrente, e em síntese, que se pelo menos as luzes intermitentes estivessem ligadas e o D, que já estava fora do seu veículo tivesse o colete refletor vestido, seria visível, pelo menos a 70 / 80 m, o que avisaria o condutor do ON da sua presença e da presença do veículo na berma, o que faria, com certeza reduzir a velocidade e tomar as cautelas necessárias na passagem pelo veículo parado na berma.

E que se o veículo não estivesse parado na berma e não estivesse ali ninguém não haveria qualquer atropelamento,

Não sendo exigível ao Martinho que previsse a presença de uma pessoa num carro parado na berma, sem qualquer sinalização.

Posto o que a omissão do D relativa à pré-sinalização de perigo e uso de colete refletor, “é que é causa directa e necessária que leva ao seu atropelamento.”.

2. Como é sabido, a responsabilidade civil delitual ou aquiliana supõe a ilicitude do facto, a culpa do agente, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A primeira, considerando a conduta do agente “objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica”.[6]

E, assim, logo sendo de dar por verificada relativamente ao atropelamento de um peão, pelo que tal acarreta de ofensa à integridade/personalidade física e moral daquele, cuja tutela é assegurada nos art.ºs 25º da Constituição da República Portuguesa e 70º, do Código Civil.

A culpa, exprimindo um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, “em face das circunstâncias do caso, devia e podia ter agido de outro modo”, assentando “no nexo existente entre o facto e a vontade do A.”.[7]

Abarcando aquela a mera negligência, e na sua modalidade mais “benigna” de culpa inconsciente, em que “o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida. É o caso do (…) condutor imprudente e distraído que, em animada discussão com os outros ocupantes do veículo, se não apercebe sequer da passagem no cruzamento perigoso onde devia afrouxar a velocidade.”.[8]

3. No caso em apreço temos que – está provado – o condutor do veículo ..., circulava na IC 32, junto à berma da via que dá acesso à Ponte Vasco da Gama, e ao chegar ao km 14,9 invadiu parcialmente essa berma, e, ao assim fazer, atropelou D.

Violando pois o disposto no art.º 13º, n.º 1, do Código da Estrada – na redação introduzida pelo art.º 1º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Janeiro, vigente à data do acidente dos autos – normativo de acordo com o qual “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.”.

Tratando-se de violação culposa, posto nada se ter apurado – sequer havendo sido alegado – que desligasse da vontade do agente a verificada invasão parcial da berma, sendo exigível ao homem médio, ao volante de viatura em autoestrada, que, na ausência de circunstancialismo justificativo, mantenha a viatura por si conduzida dentro da faixa de rodagem, observando a distância cautelar a que se refere a norma.

É certo provado estar igualmente que antes do atropelamento, D tinha imobilizado o seu veículo dentro da berma da via, e, saindo pela porta do condutor, preparava-se para colocar o triângulo sinalizador, sem que tivesse efetuado qualquer outra sinalização.

Não sendo porém de concluir, sem mais, incorrer o sinistrado – na ausência da aludida “outra sinalização” – em infração, ao disposto no art.º 63º, n.º 3, alínea a), do mesmo Código da Estrada.

E por isso que de acordo com tal inciso, as luzes avisadoras de perigo – vulgo, pisca-pisca dos dois lados em simultâneo – ou, na sua falta, as luzes de presença, cfr. n.º 4 do mesmo art.º - devem ser utilizadas “Em caso de imobilização forçada do veículo por acidente ou avaria, sempre que o mesmo represente um perigo para os demais utentes da via;”.

Ora, ainda que se deva entender fazerem as bermas parte da autoestrada – cfr. art.ºs 1º, alínea b), e 72º, n.º 2, alínea b), do C.E. – ponto é não se conceder que a imobilização de uma viatura fora da faixa de rodagem de tal via, e na berma da mesma, represente, como regra e para efeitos do disposto no supracitado art.º 63º, n.º 3, alínea a), um perigo para os demais utentes da via.

Retenha-se que aquela é definida, na alínea a) do citado art.º 1º, como a “via pública destinada a trânsito rápido, com separação física de faixas de rodagem, sem cruzamentos de nível nem acesso a propriedades marginais, com acessos condicionados e sinalizada como tal;”.

Posto o que, e por um lado, quem na berma respetiva – com a confortável largura de mais de 3 m – se vê forçado a imobilizar a sua viatura em consequência de avaria, não tem que contar com “trânsito” nesse espaço, nem prever a eventualidade da invasão de tal berma, por viatura em descontrolo ou deliberadamente assim conduzida.

E, por outro, os condutores que sigam na faixa de rodagem respetiva em nada podem ser molestados pela situação de imobilização, na referida berma, de viatura avariada – como, v.g., na hipótese de um pneu furado.

Diga-se ainda que quem “recolhe” à berma de uma autoestrada, em virtude de acidente ou avaria, o faz, de acordo com a normalidade das coisas, a baixa velocidade, que lhe permitirá – e, sendo de noite, desde que a manobra seja efetuada, como deve ser, com as luzes ligadas – aperceber-se da supina coincidência que seria a anterior imobilização, no mesmo segmento da berma, de um outro veículo.

Posto o que, e em matéria de sinalização de perigo prevista no art.º 63º, n.º 3, alínea a), do Código da Estrada, se não integra infração de banda do sinistrado.

4. Sendo já porém de dar por verificada – e concedida a abrangência da utilização de colete retrorrefletor na “outra sinalização” não efetuada, a que se refere o n.º 5 da matéria de facto assente, atento até o que da motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto consta – a violação do disposto no art.º 88º, n.º 4, do mesmo Código da Estrada.

Com efeito devendo todos os veículos a motor em circulação, dotados de quatro rodas, estar equipados com um sinal de pré-sinalização de perigo e um colete, ambos retrorrefletores (n.º 1) e sendo obrigatório o uso do sinal de pré-sinalização de perigo sempre que o veículo fique imobilizado na faixa de rodagem ou na berma, “sem prejuízo do disposto no presente código quanto à iluminação de veículos” (n.º 2), “quem proceder à colocação do sinal de pré-sinalização de perigo (…) deve utilizar o colete refletor”, cfr. cit. n.º 4.

Mas descartada ficando – face ao provado de antes do atropelamento e após imobilizar o seu veículo, se preparar o D para colocar o triângulo sinalizador – a violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do sobredito art.º 88º, que não prescindiria da alegação e prova de negligente dilação entre o momento da imobilização e o do preparativo da colocação daquele sinal de pré-sinalização.

Assinalando-se ainda, resultar do cotejo do art.º 88º – que prescinde da referência a um perigo concreto – com o sobredito art.º 63º, n.º 3, alínea a), que a imobilização na berma da via, impondo o uso do denominado “sinal de pré-sinalização de perigo”, e a utilização de colete refletor por parte de quem colocar o dito, apenas determina a cumulativa utilização das luzes avisadoras de perigo quando, em concreto, tal imobilização “represente um perigo para os demais utentes da via.”.

Porém e retomando o tema da violação do art.º 88º, n.º 4, do Código da Estrada, temos que a inobservância do dever de utilização do colete retrorrefletor, para colocação do sinal de pré-sinalização de perigo, não concorre, por qualquer forma, para a ocorrência do atropelamento.

Aquele verifica-se porque a viatura conduzida por Martinho invadiu parcialmente a berma da autoestrada, assim colhendo o sinistrado D que naquela se encontrava.

Pretender que se aquele último envergasse o dito colete teria sido visto pelo condutor do veículo ..., e que este, nessa circunstância…já não invadiria – ou lograria não invadir – a berma respetiva, assume foros de profissão de fé, de resto sem qualquer correspondência no alegado pelo Réu ISP-B, na apresentada contestação.

Nenhuma relação de causalidade adequada – na formulação negativa, que segundo a melhor doutrina se mostra consagrada no espírito da norma do art.º 563º do Código Civil, “colhido principalmente através dos trabalhos preparatórios do Código”[9] – se podendo estabelecer entre a referenciada omissão e o verificado atropelamento.

Mas já se verificando tal relação entre a conduta do Carlos Martinho e o ocorrido atropelamento de D.

Com efeito, e de acordo com a acolhida formulação, “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (gleichgültig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.”.[10]

Circunstancialismo aquele a que de todo se não reconduz a omissão da utilização do colete retrorrefletor, por parte do D, que atropelado foi, reitera-se, dentro da berma da autoestrada.

Em suma, não se verifica concorrência de culpas quanto ao verificado atropelamento, a que apenas o condutor do veículo …, deu causa, em violação culposa de norma do Código da Estrada.

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Com improcedência, também aqui, das conclusões do Recorrente.

III - Não sendo posto em crise o nexo de causalidade entre o atropelamento e as lesões sofridas pelo sinistrado, nem o montante em que importaram os cuidados de saúde prestados àquele pelo aqui A. – cfr. n.ºs 7 a 10 da matéria de facto provada – e visto assim o disposto nos art.ºs 48º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, 23º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, e 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15-06, tinha de proceder a ação, como julgado na 1ª instância.

IV – Nestes termos, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

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Lisboa, 2014-11-06

(Ezagüy Martins)

(Sousa Pinto)

(Jorge Vilaça)

[1] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras notas ao novo Código de Processo Civil”, 2014, Vol. II, Almedina, págs. 93, 94.
[3] Ibidem.
[4] In “Recursos no novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 225.
[5] Vd. http://www.anecra.pt/gabtec/p002.aspx.
[6] Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., 2003, pág. 586.
[7] Idem, pág. 566.
[8] Idem, pág. 573.
[9] Assim, Antunes Varela, in op. cit., págs. 899-901.
[10] Ibidem, com citação de Enneccerus – Lehman, in “Recht der Shuldverhältnisse, 14ª ed., 1954, pág 63.