Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4707/13.4TTLSB.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INQUÉRITO PRÉVIO
SANÇÃO DISCIPLINAR CONSERVATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Um inquérito realizado ”Por despacho da Sr.ª Directora da Direcção de Segurança e Coordenação Técnica, (..) para apurar a ocorrência com o funcionamento do freio da UTD 592-061, no comboio 4113 do dia 11 de Setembro de 2011”, não deve confundir-se com um procedimento de inquérito prévio realizado já no âmbito do processo disciplinar para fundamentar a nota de culpa.

II. A intervenção da comissão de inquérito não foi determinada para apurar se existia um ilícito disciplinar, mas antes para apurar a existência de eventual falha técnica com o funcionamento de um órgão mecânico e, para além disso, para que se pudesse considerar um procedimento de inquérito prévio disciplinar, a realização do mesmo teria que ser determinada por superior hierárquico que tivesse tido conhecimento dos factos e com competência para exercer o poder disciplinar.

III. Tratando-se de procedimento disciplinar que tenha em vista aplicar qualquer outra sanção menos gravosa que o despedimento, em conformidade com o estabelecido no n. º 2, do art.º 329.º, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. E, diversamente do estabelecido no n.º3, do art.º 353.º para o processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção desse prazo ocorre com a notificação da nota de culpa.

IV. Este procedimento disciplinar menos complexo nem sequer está sujeito a forma escrita. O que é indispensável é que sejam observados os princípios da audiência prévia (art.º 329.º n.º 6), do direito de defesa do trabalhador e da proporcionalidade da aplicação da sanção, bem como respeitados os prazos para o exercício do poder disciplinar (329.º/2), punibilidade da infracção (329.º/1) e aplicabilidade da sanção (329.º/3).

V. No procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade, apenas relevando o que consta do n.º2, do art.º 329.º, ou seja, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se (…)”, entendendo-se como tal a decisão de instauração do procedimento disciplinar.

VI. No caso concreto essa decisão foi tomada em 10 de Janeiro de 2012, quando a direcção executiva da Ré decidiu pela instauração de processo disciplinar ao autor, o que vale por dizer que o prazo de caducidade de 60 dias, iniciado a 29 de Novembro de 2011, foi interrompido antes de se ter completado, sendo irrelevante que a nota de culpa tenha sido notificada ao Autor em 12.03.2012.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO:

I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CP – Comboios de Portugal, SE, que veio a ser distribuída ao 3.º Juízo – 1.ª Secção, pedindo que a sanção disciplinar de dois dias de suspensão com perda de vencimento e antiguidade que lhe foi aplicada, seja considerada ilícita, deixando de ter efeitos, sendo a R. condenada na sua anulação e a retirá-la do seu registo disciplinar, com as demais consequências legais.
Para sustentar a sua pretensão alega que ocorreu a caducidade do direito de acção disciplinar, por terem ocorrido mais de 60 dias sobre o dia em que a Ré teve conhecimento dos factos e o exercício daquele direito, estribando-se no art.º 329.º n.º2, do CT. Para o caso de assim não se entender, impugna os factos que lhe são imputados.

Procedeu-se à realização de audiência de partes, mas sem que se tenha logrado obter a solução do litígio por acordo.

A R veio contestar a acção, pugnando pela improcedência da excepção arguida e sustentando os factos imputados ao A..  Quanto à arguida caducidade de instauração do procedimento disciplinar, opõe, no essencial, que a Direcção Executiva da CP Porto, superior hierárquico com competência disciplinar, cumpriu o prazo legal e convencional para o efeito, uma vez que teve que aguardar pelo processo de inquérito que foi realizado.

Foi proferido despacho saneador julgando verificados os pressupostos processuais. Na consideração da causa ser simples, foi dispensada a enunciação dos temas de prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.

I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Nos termos e fundamentos expostos julgo improcedente a acção e, em consequência, absolve-se a Ré CP – Comboios de Portugal, E.P.E. do pedido.
Custas a cargo da Ré.
(..)»
I.3  Inconformado com a decisão proferida o A. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. Com as alegações apresentou as respectivas conclusões delas constando o seguinte:
(…)
I.4. A recorrida apresentou contra alegações, mas sem que as tenha finalizado com conclusões.

No essencial sustenta que foi respeitado o prazo de 60 dias, dado ter sido necessário constituir uma comissão de inquérito que levou a recomendar a instauração de processo disciplinar. A Direcção Executiva, superior hierárquico com competência disciplinar, quando tomou conhecimento dos factos ordenou a instauração de processo disciplinar, cumprindo o prazo legal e convencional para o efeito, uma vez que teve que aguardar pelo processo de inquérito.

Concluiu pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

I.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6 Delimitação do objecto do recurso:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso a única questão que se coloca para apreciação é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter considerado improcedente a excepção de caducidade do direito de acção disciplinar arguida pelo A..

II. FUNDAMENTAÇÃO:
II.1    MOTIVAÇÃO DE FACTO:

A decisão recorrida fixou a matéria de facto que adiante se passa a transcreve (…)

II.2 Nulidade da sentença:
Na conclusão 12, o Autor alega que “Tendo tal matéria sido alegada, e os respectivos factos considerados provados, sentença é nula, face ao disposto na alínea c) do número 1 do artigo 615° do C. P. C.”.

Como é sabido, a arguição de nulidades da sentença em processo laboral apresenta especificidades em relação regime regra do processo civil, estando sujeita a um regime especial.
Com efeito, o artigo 77º do Código de Processo do Trabalho, estabelece o seguinte:
“[1] A arguição da nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
[2] Quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
[3]  A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ao ou juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso”.
Sendo pertinente assinalar que este regime próprio do processo laboral provém já do CPT de 1963, onde constava consagrado no art.º 72.º, para depois ter sido mantido no CPT de 1981,  (aprovado pelo Decreto-lei n.º 272-A/81 de 30 de Setembro), aí constando também no art.º 72.º, em cujo n.º 1 se dizia que “A arguição da nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso”.

Entendia-se, já então pacificamente, que “Em processo laboral a arguição de nulidade de sentença deve ser feita logo no requerimento da interposição do recurso (artigo 72 n.º 1 do Código do Processo de Trabalho). Arguida apenas nas alegações, não pode conhecer-se de tal nulidade” [Cfr. Acórdão do STJ de 09-03-1994, proc.º 003832 CHICHORRO RODRIGUES, disponível em www.dgsi.pt/jstj].
No mesmo sentido, o Acórdão, também do STJ, de 23-04-1998, onde se explica que a razão da norma radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade” [BMJ 476, 1998, 276].

 Posteriormente, a mesma regra passou a constar no n.º1 do art.º 77.º do CPT/99 (aprovado pelo Decreto-lei n.º 480/99, de 9 de Dezembro), embora com alteração de redacção, aditando-se-lhe a expressão “expressa e separadamente”, de modo a tornar a interpretação da norma mais evidente, mas no preciso sentido do entendimento que vinha sendo sufragado pelos tribunais superiores. Assim, a norma passou a dispor “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”, redacção que se mantém intocável, já que as alterações introduzidas ao CPT pelo Decreto-Lei  nº 259/2009, de 13 de Outubro, não incidiram sobre este artigo.

Em suma, decorre deste normativo, como já decorria dos correspondentes artigos das versões anteriores do CPT, que a arguição das nulidades da sentença em processo laboral deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso. Tal exigência, é ditada por razões de celeridade e economia processuais e destina-se a permitir ao Tribunal recorrido que detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento. Quando assim não se proceda, sendo a arguição feita apenas nas alegações, a arguição é inatendível, porque intempestiva, o que significa que o tribunal superior não deve dela conhecer.
Como se afirma no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-02-2013, este é o entendimento firmado, reiterada e pacificamente, pela jurisprudência dos tribunais superiores [proc.º 2018/08.6TTLSB.L1.S1, FERNANDES DA SILVA www.dgsi.pt/jstj]. 

Revertendo ao caso, o A. não arguiu a nulidade expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, com a indicação dos respectivos fundamentos. No requerimento dirigido ao Senhor Juiz do tribunal a quo limita-se a requerer a admissibilidade do recurso.

Consequentemente, por intempestiva, rejeita-se a apreciação da arguida nulidade da sentença.

II.3 As partes não impugnaram a matéria de facto.
Contudo, conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”, mais adiante elucidando que “O actual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2.als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222 e 225].
Na petição inicial o A. alegou - como aqui invoca no recurso -  que [art.º 10.º]  ”(..) existiu um inquérito, iniciado a 14.09.2011 e terminado a 28.11.2011”; [art.º 11.º] “Tendo sido tomada decisão de abertura do processo disciplinar a 10.01.2012”.

Por seu turno, sobre esse inquérito a R. alega, para além do mais que [36º] “Para esclarecimento da ocorrência foi constituída uma comissão de inquérito, que constatou que pelo "auto de exame local e exames periciais efectuados à coluna de freio instalada na unidade à data da ocorrência, concluiu-se que a válvula de freio não foi a causadora do incidente"; e, [52º] “Ora, a Direcção Executiva da CP Porto, superior hierárquico com competência disciplinar, quando tomou conhecimento dos factos pelos quais o A. vem acusado ordenou a instauração do processos disciplinar, cumprindo o prazo legal e convencional para o efeito, uma vez que teve que aguardar pelo processo de inquérito que foi realizado e que teve até a intervenção de peritos espanhóis”.

Acresce que a R. juntou aos autos o relatório realizado pela comissão que realizou esse inquérito, constando a fls 66 a 79 do processo electrónico.

O documento não foi impugnado quanto à sua genuidade.

Na sentença recorrida deu-se por provado que [2.1.2] “Em 14.09.2011 foi iniciado um processo de inquérito a factos ocorridos com o autor em 11.09.2011”; e, que  [2.1.3] “Em 28 de Novembro de 2011 a Comissão de Inquérito propôs que fosse instaurado processo disciplinar ao maquinista AA, ora autor”.

Percorrendo o elenco factual nada mais consta relativamente ao inquérito, nem qualquer alusão ao relatório.

Ora, salvo o devido respeito, sendo certo que a primeira questão que cabia conhecer é a da arguida caducidade do exercício do direito do poder disciplinar por parte da R., teria sido adequado dar como provado o que consta no relatório relativamente às razões que levaram à constituição da Comissão de Inquérito. Com efeito, estando esses elementos disponíveis, importaria deixar provado o que permitisse determinar a finalidade desse inquérito.

Como tal não foi observado, adita-se aos factos provados o seguinte:
2.1.2a “Do Relatório apresentado pela comissão, que se dá por reproduzido, consta, para além do mais, no seu início, o seguinte: ”Por despacho da Sr.ª Directora da Direcção de Segurança e Coordenação Técnica, datado de 14.09.2011, foi instaurado o presente processo de inquérito para apurar a ocorrência com o funcionamento do freio da UTD 592-061, no comboio 4113 do dia 11 de Setembro de 2011”.

 II.4 MOTIVAÇÃO DE DIREITO:
A única questão que se coloca é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter considerado improcedente a excepção de caducidade do direito de acção disciplinar arguida pelo A..

Importa começar por atentar na posição processual assumida pelas partes quanto a essa questão nos respectivos articulados.
Sustentou o A. que, atenta a regra do n.º2, do art.º 329.º do CT, “[O] procedimento disciplinar já não podia ser aberto na data em que o foi “, alegando o seguinte:
[6.º PI] “(..) estamos perante factos passados em 11 de setembro de 2011, que não podem ter deixado de ser, nessa data, conhecidos”.
[9.º PI “O autor foi notificado da Nota de Culpa a 12 de março de 2012”.
[10.º Pi] “Certo que existiu um inquérito, iniciado a 14.09.2011 e terminado a 28.11.2011”.
[11.º PI] “Tendo sido tomada decisão de abertura do processo disciplinar a 10.01.2012”.
[12.º PI] “Contudo, mesmo que considerássemos como data de abertura do processo data anterior, a da decisão indicada no artigo anterior, à da notificação da nota de culpa, tal prazo de 60 dias teria, igualmente, de ser respeitado entre esse despacho de abertura e a aquela notificação”.
[13.º] ”O que também não sucedeu”.

Contrapôs a Ré, no essencial, o seguinte:
[50.º Cont.] «Na verdade, e como bem se refere, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 329º do Código de Trabalho, “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infracção”».
[51.º Cont.] «Foi exactamente o que aconteceu no caso em apreço, pois para efeitos de contagem do referido prazo não releva o dia em que o arguido é notificado da nota de culpa, mas sim o dia em que o processo disciplinar é efectivamente instaurado, uma vez que não está aqui em causa um processo com intenção de despedimento, assim como não releva o dia em que os factos ocorreram, mas o dia em que o superior hierárquico com competência disciplinar tomou conhecimento dos mesmos».
[52.º Cont.] «Ora, a Direcção Executiva da CP Porto, superior hierárquico com competência disciplinar, quando tomou conhecimento dos factos pelos quais o A. vem acusado ordenou a instauração do processos disciplinar, cumprindo o prazo legal e convencional para o efeito, uma vez que teve que aguardar pelo processo de inquérito que foi realizado e que teve até a intervenção de peritos espanhóis».
[53º] «A doutrina e a jurisprudência entendem que o processo disciplinar se inicia com a manifestação clara e objectiva da sua instauração contra o trabalhador, e não com a elaboração ou recebimento da nota de culpa».

Partindo destas posições e na consideração do elenco dos factos provados, o Tribunal a quo apreciou a excepção, no essencial, nos termos seguintes:
- «Invoca o autor a caducidade do procedimento disciplinar alegando para o efeito que devendo o procedimento disciplinar iniciar-se nos 60 dias subsequentes à do conhecimento da infracção o mesmo já não podia ser na data em que o foi.
O art. 329º n.º 2 do Código de Trabalho dispõe que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
De acordo com o disposto no art. 352º CT, “(C)aso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo”.
Por seu turno dispõe o n.º 3 do art. 353º do CT, que a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do art. 329º.
(…)
Antes do Código de Trabalho de 2003 a jurisprudência vinha entendendo ser de caducidade o prazo estabelecido no art. 31º n.º 1 do RJCIT, defendendo-se nomeadamente a inexistência de caducidade do procedimento no caso de a entidade patronal ter ordenado por despacho a instauração do processo disciplinar com a nomeação do instrutor, dentro do prazo de sessenta dias ali previsto considerando que o procedimento disciplinar se iniciava, não com a nota de culpa, mas com a declaração pela entidade patronal de instaurar o respectivo procedimento.
Assim passou a entender-se que é com a comunicação da nota de culpa que suspende o prazo de caducidade ou com o procedimento prévio de inquérito (cf. Ac. STJ de 13.01.2010, domiciliado em www.dgsi.pt).
Decorre de modo inequívoco do art. 329º n.º 2 CT que o prazo aí previsto se inicia na data em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infracção.
Ora o autor não alega e por isso não provou como lhe competia a data em que a entidade patronal teve conhecimento da infracção.
Contudo resulta provado, o próprio autor o refere, que no dia 14.09.2011 foi iniciado um processo de inquérito aos factos ocorridos no dia 11.09.2011, que terá terminado no dia 28.11.2011, o referido prazo se terá interrompido com a instauração daquele, não estando por isso prescrito o direito da ré iniciar o procedimento disciplinar.
Questão diversa da enunciada é a prevista na parte final do art. 352º do CT que não é expressamente invocada pelo autor e não sendo de conhecimento oficioso não nos compete sobre a mesma pronunciar.
Assim, impõe-se concluir que o direito da ré iniciar o procedimento disciplinar não se encontrava caduco/prescrito».
II.3.1 O n.º 2 do artigo 329.º do CT, disposição cuja violação é invocada pelo A., dispõe o seguinte: [2] O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.

Por outras palavras, o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, após ter tido conhecimento da infracção disciplinar e, necessariamente, do respectivo autor, dispõe do prazo de sessenta dias para iniciar o processo disciplinar.
Esta norma não trouxe qualquer inovação em relação às correspondentes normas que lhe antecederam, mais precisamente, na Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (DL 64-A/89 de 27 de Fevereiro) e no Código do Trabalho, na versão anterior, aprovada pela Lei n.º 99/2003.
Com efeito, na vigência da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho, por remissão do n.º11, do seu art.º 10.º, para o disposto no art.º 31.º n.º1 da Lei do Contrato de Trabalho (DL n.º 49 408, de 24 Novembro de 1969), resultava que a “(..) entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar (..)” após ter tido conhecimento da infracção disciplinar, dispunha do prazo de sessenta dias para iniciar o processo disciplinar.
E, no Código do Trabalho na versão anterior (03), dispunha o n.º1 do art.º 372.º: “O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
Aparentemente a norma não oferece especial dificuldade de interpretação. Contudo, importa assinalar que legislador nunca tomou posição expressa quanto à natureza do prazo de 60 dias para início do procedimento disciplinar, tornando inevitável que sucessivamente se tenha colocado a questão de saber se é um prazo de caducidade ou de prescrição.
Reportando-se à legislação anterior ao CT/03, mais precisamente à LCCT, o STJ, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 21-05-2003 [Proc.º n.º 02S452, Conselheiro Azambuja da Fonseca, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj], fixou jurisprudência no sentido de se tratar de um prazo de caducidade, de conhecimento não oficioso, aplicando-se-lhe, consequentemente, o disposto no n.º2, do art.º 298.º do CC, ao decidir o seguinte: "A caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do art. 31º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969, não é de conhecimento oficioso".
A questão não foi ultrapassada com o CT/03 nem com a revisão operada àquele pelo CT/09, mantendo a doutrina e a jurisprudência entendimentos distintos. No sentido de se tratar de um prazo de prescrição, pronuncia-se, por exemplo, o Acórdão desta Relação e Secção de 10-2010 [proc.º 58/10.4TTPDL.L1-4, Desembargadora ISABEL TAPADINHAS, disponível em www.dgsi.pt], com apoio na  doutrina que cita, conforme resulta do extracto seguinte:
- “Como observa Romano Martinez (“Código do Trabalho Anotado”, 8.ª edição, 2009, pág. 881) este prazo de sessenta dias não é qualificado pelo legislador, pelo que recorrendo à regra geral do nº 2 do art. 298.º do Cód. Civil, dir-se-ia que o prazo seria de caducidade; contudo atendendo ao disposto no art. 352.º.º e nº 4 do art. 353.º os prazos estabelecidos nos nºs 1 e 2 do art. 329.º interrompem-se com o inquérito prévio e com a comunicação da nota de culpa, a alusão a prazos no plural e a referência aos dois números do preceito permite concluir que o prazo, tanto o de um ano como o de sessenta dias se interrompem. Como o prazo de caducidade não se interrompe – art. 328.º do Cód. Civil – (no dizer de Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, vol. II, pág. 97, o fenómeno da interrupção é em princípio estranho ao instituto da caducidade) dever-se-á concluir que o prazo de sessenta dias estabelecido no nº 2 é de prescrição.
Em idêntico sentido se pronuncia Abílio Neto “Poder disciplinar e despedimento”, Ediforum, Julho de 2004, pág. 24.
Também a nós nos parece indubitável que, actualmente, tendo presente o disposto nos art. 352.º e 353.º nº 4, o mencionado prazo de sessenta dias, fixado no nº 2 do citado art. 329.º é uma prazo de prescrição, tanto mais que o nº 3 do art. 353.º, idêntico ao nº 4 do art. 411.º do Cód. Trab. pré-vigente correspondente ao nº 11 do art. 10.º do Regime Jurídico de Cessação do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (RJCCIT) vem agora determinar que a comunicação da nota de culpa, em vez de suspender o prazo para o para o início do procedimento disciplinar, inserindo, assim, expressamente um desvio à regra geral contida no art. 328.º do Cód. Civil, determina a sua interrupção».
Divergindo, embora sem entrarem nessa discussão, mas assumindo tratar-se de um prazo de caducidade, pronunciam-se António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 281], ao dizer que “A lei estabelece, actualmente, três condicionamentos temporais do exercício da acção disciplinar: dois prazos de caducidade do direito de acção disciplinar (art.º 329.º/1 e 2) e um prazo de prescrição do procedimento disciplinar (art.º329./3”; e, Pedro Furtado Martins [Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ªEdição, Princípia, Julho 2012, p. 197] como resulta, para além do mais, desta passagem: “A contagem dos prazos para iniciar o despedimento – tanto do prazo de caducidade como de prescrição –depende do momento em que se deve ter por verificada a infração. (..)».
Na jurisprudência, entre outros, esse entendimento foi seguido no recente Acórdão desta Relação, de 18-12-2013 [Proc.º4523/06.0TTLSB.L1-4,Desembargadora ALDA MARTINS, disponível em www.dgsi.pt]; e, também, em acórdão desta Relação 25 de Setembro de 2013, proferido na APELAÇÃO N.º 552/12.2TTLRS-B.L1, relatado pelo aqui relator e com o mesmo colectivo.

No nosso entender, sendo certo que o CT/03 e o CT/09 não trouxeram alterações de relevo no que respeita à redacção e ao regime do prazo para o exercício da acção disciplinar, não vimos razões para nos distanciarmos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência acima citado.

Seja como for, e é isso que importa aqui realçar, a diferente qualificação da natureza do prazo para instauração do procedimento disciplinar estabelecida no n.º2, do art.º 329.º, não é determinante para a apreciação do caso concreto.

Prosseguindo, está em causa saber se caducou o direito de acção disciplinar da entidade empregadora, no âmbito de um procedimento disciplinar que não teve como propósito  proceder ao despedimento do trabalhador, mas antes aplicar-lhe uma sanção disciplinar menos gravosa. O ponto tem relevo, posto que, como observa a Senhora Desembargadora Albertina Pereira, a lei laboral distingue este procedimento disciplinar, “(..) mais simples, enunciado em termos genéricos, não sujeito a forma escrita e destinado à generalidade das infracções disciplinares”, daquele outro “(..) mais complexo, obrigatoriamente escrito, com fases expressamente definidas e enunciação dos direitos e deveres das partes, destinado à efectivação do despedimento com justa causa do trabalhador. Qualquer dos procedimentos assume, porém, natureza inquisitória, são-lhe aplicáveis os princípios da audiência prévia, ou direito de defesa do trabalhador arguido, bem como o da proporcionalidade na aplicação de sanções. Continuam ainda a prescrever-se prazos para o exercício do poder disciplinar, punibilidade da infracção e aplicabilidade da sanção” [Procedimento disciplinar – velhas e novas questões, p. 1, disponível em  www.trp.pt].

Mas embora a lei não imponha o mesmo formalismo relativamente aos procedimentos  disciplinares que não tenham a intenção de despedimento,  como defende a autora, em posição que acompanhamos, mesmo nestes casos  “(..) será de toda a conveniência que seja escrito, pois de outro modo, não se vislumbra como poderá o trabalhador arguido defender-se convenientemente da acusação, reclamar da sanção aplicada pelo empregador e este demonstrar que foi devidamente assegurado o direito de defesa do trabalhador, que a sanção foi proporcional à infracção, assim como demonstrar no registo escriturado que deve apresentar às autoridades competentes que foram cumpridas as formalidades exigidas pelo legislador (art. 376) [estudo Cit, p.4].

A prática mostra que as entidades empregadoras, certamente ponderando aquelas mesmas razões, em geral, optam por observar, pelo menos em termos próximos, o formalismo próprio para o procedimento disciplinar com intenção de despedimento, mesmo quanto há apenas o propósito de aplicar sanção disciplinar menos gravosa. Foi exactamente o que aqui aconteceu.
Comecemos, pois, por deixar algumas notas essenciais sobre o procedimento disciplinar com intenção de despedimento, mas necessariamente sem perder de vista que esse não é o caso dos autos. Como adiante veremos há exigências deste procedimento mais complexo que não têm aplicação aos demais casos de procedimento disciplinar, mesmo que a entidade empregadora neles opte por seguir uma tramitação próxima daqueles primeiros.
Em regra, o procedimento disciplinar com intenção de despedimento inicia-se com a comunicação pelo empregador ao trabalhador da intenção de proceder ao seu despedimento. De acordo com o disposto no art.º 353.º n.º1, do CT, essa comunicação deverá ser efectuada por escrito, devendo o empregador juntar-lhe igualmente a nota de culpa com descrição circunstanciada dos factos que imputa ao trabalhador e, que na perspectiva daquele, consubstanciam uma ou mais infrações disciplinares.

Neste procedimento, conforme estabelece o n.º 3 do art.º 353.º do CT, a notificação da nota de culpa interrompe o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no n.º 2 do art.º 329.º do CT (bem como o prazo de prescrição do n.º 1 do mesmo artigo).
Mas como decorre expressamente do art.º 352.º do CT, a interrupção do prazo de 60 dias poderá ocorrer, ainda, com a instauração de inquérito prévio, a que pode haver lugar quando o mesmo seja necessário para fundamentar a nota de culpa. Contudo, o procedimento prévio de inquérito só assegura esse efeito desde que, cumulativamente, se verifiquem os pressupostos seguintes: i) “necessário para fundamentar a nota de culpa; ii)ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos
irregulares” iii)
seja conduzido de forma diligente”; e, iv)a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo”.

A lei não impõe que o procedimento prévio de inquérito deva ser realizado em determinado prazo, apenas exigindo que seja “seja conduzido de forma diligente”. Porém, embora a questão aqui não se coloque, não é despiciendo relembrar que, conforme estabelece o n.º3, do art.º 329.º CT,  “O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final”, sendo que este prazo não se interrompe.

Como elucida António Monteiro Fernandes, o prazo de caducidade de sessenta dias «(..) assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desenvolvimento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta (eventualmente) infractora; o facto de este processo não se iniciar dentro dos sessenta dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção iures et jure de irrelevância disciplinar. Assim, o direito de “agir” contra o trabalhador, iniciando o procedimento disciplinar, extingue-se» [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 282].

Para efeitos do início da contagem do prazo, o que releva é o conhecimento pelo empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar. A interpretação da norma é inequívoca, isto é, não basta que haja conhecimento da infracção disciplinar e do seu autor por um qualquer superior hierárquico. É necessário, cumulativamente, que este, para além dessa posição na estrutura hierárquica da organização, detenha ainda poderes para exercer o direito da acção disciplinar em representação do empregador.

Finalmente, tratando-se de um prazo de caducidade do exercício do poder disciplinar, por força do disposto no n.º1, do art.º 342.º do CC, é sobre o trabalhador que recai o ónus de alegar e provar os factos que permitam concluir que decorreram mais de 60 dias entre a data do conhecimento da infracção e aquela em que se iniciou o procedimento disciplinar, uma vez que se trata de um facto constitutivo da pretensão de declaração de ilicitude do despedimento (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.)[cfr.,  Acórdãos do STJ, de 17/10/2007, proc.º 07S2314, Sousa Peixoto; e, de 13/10/2010, proc.º 673/03.2TBRR.L1.S1, Mário Pereira, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].

Revertendo ao caso, sabemos que os factos ocorreram em 11 de Setembro de 2011. O próprio Autor invoca-o na petição inicial e o processo de inquérito incidiu expressamente sobre factos ocorridos naquela data [Cfr. factos 2.1.2, 2.1.2a e 2.1.4a].
Por outro lado, é também ponto assente, invocado por ambas as partes, que houve um inquérito realizado por uma comissão de inquérito. Importa, pois, saber qual foi a finalidade desse inquérito. A questão tem resposta clara no facto provado 2.1.2a :
- “Do Relatório apresentado pela comissão, que se dá por reproduzido, consta, para além do mais, no seu início, o seguinte: ”Por despacho da Sr.ª Directora da Direcção de Segurança e Coordenação Técnica, datado de 14.09.2011, foi instaurado o presente processo de inquérito para apurar a ocorrência com o funcionamento do freio da UTD 592-061, no comboio 4113 do dia 11 de Setembro de 2011”.

Em suma, como mencionado expressamente no relatório, o inquérito realizado pela Comissão a Comissão de Inquérito “foi instaurado (..) para apurar a ocorrência com o funcionamento do freio da UTD 592-061, no comboio 4113 do dia 11 de Setembro de 2011”, e não para como procedimento de inquérito prévio para fundamentar a nota de culpa”. Por outras palavras, o seu objectivo foi, em primeira linha, o de apurar a existência de eventual falha técnica com o funcionamento do freio.

No entanto, como a comissão de inquérito veio a concluir que não correu qualquer falha técnica de material, mas antes que o incidente ocorrido se ficou a dever à inobservância de determinados procedimentos técnicos estabelecidos em regulamento que o A. deveria ter respeitado, propôs que lhe fosse instaurado processo disciplinar [facto 2.1.3]. Para que fique melhor esclarecido, o relatório – que se deu por reproduzido - é finalizado nos termos seguintes:
- “Pelos dados recolhidos, pelo auto de exame local e exames periciais efectuados à coluna de freio instalada na unidade à data da ocorrência, conclui-se que a válvula de freio não foi a causadora do incidente.

IV- Proposta
Face às circunstâncias em que os factos ocorreram, resumidos na parte I deste relatório e tendo em conta as considerações e conclusões das partes II e III do mesmo, propomos que:
- Seja instaurado Procedimento Disciplinar ao Maquinista AA, (..) por ter reiniciado a marcha da estação de Caíde, sem realizar a respectivo ensaio de freio.
(..)”.
Portanto, só a partir desse relatório, concluído a 28 de Novembro de 2011, é que se pode dizer que houve conhecimento da existência de factos susceptíveis de consubstanciarem a prática de um ilícito disciplinar pelo autor. Tenha-se presente, porém, que apesar daquela conclusão resultar do inquérito realizado, não deve confundir-se o mesmo com um procedimento de inquérito prévio realizado já no âmbito do processo disciplinar. Como se deixou claro acima, a intervenção da comissão de inquérito não foi determinada para apurar se existia um ilícito disciplinar, mas antes para apurar a existência de eventual falha técnica com o funcionamento de um órgão mecânico da UTD 592-061, no comboio 4113 do dia 11 de Setembro de 2011. Mais, para além disso, para que se pudesse considerar um procedimento de inquérito prévio disciplinar, a realização do mesmo teria que ser determinada por superior hierárquico que tivesse tido conhecimento dos factos e com competência para exercer o poder disciplinar [Cfr. Ac. STJ 18-02-2011, proc.º 1214/06.5TTPRT.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].

Assim sendo, a relevância do inquérito que foi realizado prende-se apenas com a data em que foram conhecidos pelo(s) superior(es) hierárquicos com competência disciplinar os factos praticados pelo A. susceptíveis de constituírem uma infracção disciplinar, isto é, quando lhes foi levado ao conhecimento o relatório da comissão de inquérito. O A., sobre quem recaía o ónus de alegação e prova desse facto, não alegou qual a data exacta em que tal ocorreu. Sabe-se é que o relatório foi concluído a 28 de Novembro de 2011 e, na sequência das conclusões e proposta apresentadas pela comissão de inquérito, a direcção executiva da Ré, em 10 de Janeiro de 2012, decidiu a instauração de processo disciplinar ao autor.

Mas acaba por se perceber a razão de não ter cuidado de fazer essa alegação. O art.º 12.º da PI (acima transcrito) é prolixo, mas lido com a devida atenção permite concluir, como veio o Recorrente defender e procurar esclarecer no recurso (cfr. conclusões 8 a 11), que o fundamento para sustentar a caducidade do exercício do direito disciplinar consiste na invocação de que entre a data de decisão de instauração de procedimento disciplinar [10.1.2012] e a da notificação da nota de culpa [12.3.2012], decorreu um período superior a 60 dias.
Não resulta claro da petição inicial (nem mesmo agora) se o A. assume poder ser entendido que o conhecimento pelo superior hierárquico com competência disciplinar ocorreu na data em que foi proferia a decisão de instauração do procedimento disciplinar [10.1.2012], ou antes, com a conclusão do inquérito pela comissão de inquérito. Seja como for, não é esse o seu enfoque. O A. vem defender é que a interrupção do prazo previsto no n.º 2, do art.º 329.º do CT, está sempre dependente da notificação da nota de culpa e desde que sejam respeitado o prazo de 60 dias.

Diversamente, a R. defende, desde a contestação, que não estando em causa um procedimento disciplinar com intenção de despedimento, a decisão de instauração do procedimento disciplinar é quanto basta para provocar a interrupção do prazo do artigo 329.º 2. Assim ressalta da parte final do artigo 51.º da contestação (acima transcrito), onde se lê: “(..) para efeitos de contagem do referido prazo não releva o dia em que o arguido é notificado da nota de culpa, mas sim o dia em que o processo disciplinar é efectivamente instaurado, uma vez que não está aqui em causa um processo com intenção de despedimento”.

Dito por outras palavras, na perspectiva da Ré, estando-se perante um processo disciplinar que tem em vista a aplicação de uma sanção disciplinar conservatória, para que opere a interrupção do prazo de prescrição não é necessária a notificação da nota de culpa, na consideração de relevar antes a instauração do procedimento disciplinar. Se esse entendimento for válido, mesmo ignorando-se a data precisa em que a direcção executiva tomou conhecimento do relatório, não terá ocorrido a caducidade do direito de exercício do poder disciplinar, dado que entre 29 de Novembro de 2011 – primeiro dia seguinte à conclusão do relatório – e 10 de Janeiro de 2012 –data em que foi determinada a instauração do processo disciplinar ao A. – não decorreram 60 dias.
A R. não adianta argumentos para justificar essa sua posição, limitando-se a invocar os sumários de dois arestos do STJ, nomeadamente, os seguintes:
- de 10/04/1991 [proc.º 002643, Conselheiro CASTELO PAULO, disponível em www.dgsi.pt]: [I] O prazo de caducidade do procedimento disciplinar laboral e de 60 dias; [II] Esse prazo inicia-se partir do conhecimento da infracção pela entidade patronal e cessa no momento da instauração do processo de averiguações ou de processo disciplinar.
- de 12-09-2007 [proc.º 07S1698, Conselheiro BRAVO SERRA, disponível em www.dgsi.pt]: [I]  O prazo de caducidade do procedimento disciplinar contemplado no art. 31.º, n.º 1 da LCT inicia-se com o efectivo conhecimento, por banda do empregador, dos factos que podem ser considerados como infracção disciplinar, cessando com a instauração de processo de inquérito ou de averiguações, nos casos em que haja, legalmente, possibilidade de lançar mão destes meios de apuramento, ou com a instauração de processo disciplinar, se este for iniciado imediatamente, como é o caso de haver verificação directa de infracções por parte do agente trabalhador”.

Acontece, porém, que nesses arestos não pode a Ré acolher-se, embora os sumários possam sugerir que foi tomada posição no sentido que defende, pela simples razão que em qualquer deles estão em causa procedimentos disciplinares com intenção de despedimento, estabelecendo o art.º 10.º da Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro [Regime jurídico de cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo], legislação considerada em qualquer dos acórdãos, nos seus n.ºs 11 e 12, o seguinte:
- [11] A comunicação da nota de culpa ao trabalhador suspende o decurso do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 31.º do Regime Jurídico do Contrato individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
[12] Igual suspensão decorre da instauração de processo prévio de inquérito, desde que, mostrando-se este necessário para fundamentar a nota de culpa, seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o inicio do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.
Por seu turno, o n.º1 do art.º 31.º da LCT [DL 49 408, de 24 de Novembro de 1969], estabelecia que “O procedimento disciplinar deve exercer-se nos sessenta dias subsequentes àquele em que a entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
Como facilmente se constata consagravam-se já as soluções que vieram a ser acolhidas no CT/03, que revogou e sucedeu àquele diploma, e que actualmente constam dos art.ºs  329.º n.º2, 352.º e 353.º n.º3. E, como logo se percebe, nos termos expressos da lei, em caso de procedimento disciplinar com intenção de despedimento, é a comunicação da nota de culpa que se repercute sobre o decurso do prazo de 60 dias, interrompendo-o.
Não obstante, a questão colocada pela recorrida não é despicienda. Tratando-se de procedimento disciplinar que tenha em vista aplicar qualquer outra sanção menos gravosa que o despedimento, em conformidade com o estabelecido no n. º 2, do art.º 329.º, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. E, diversamente do estabelecido no n.º3, do art.º 353.º para o processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção desse prazo ocorre com a notificação da nota de culpa.

Convém manter presente que este procedimento disciplinar menos complexo nem sequer está sujeito a forma escrita. O que é indispensável é que sejam observados os princípios da audiência prévia (art.º 329.º n.º 6), do direito de defesa do trabalhador e da proporcionalidade da aplicação da sanção, bem como respeitados os prazos para o exercício do poder disciplinar (329.º/2), punibilidade da infracção (329.º/1) e aplicabilidade da sanção (329.º/3).
Pedro Furtado Martins, reportando-se ao procedimento disciplinar com intenção de despedimento, mas tendo aplicabilidade quanto à questão, observa o seguinte:
- “Em rigor o procedimento não se inicia com a nota de culpa, nem com a respectiva elaboração, nem com a sua comunicação ao trabalhador, embora seja este último momento que a lei toma como referência para a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade. (..) Porém, a determinação do momento em que se inicia o procedimento é relevante para outros efeitos, designadamente para a contagem do prazo estabelecido no artigo 329.º,3.
 Pensamos que o ato que marca o início do procedimento de despedimento é a decisão do empregador – ou do superior hierárquico com competência disciplinar – de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador.
É certo que se pode dizer que esta decisão em si não faz parte do procedimento, pois parece situar-se a montante do mesmo, só tendo o procedimento início quando é praticado algum ato subsequente, como por exemplo a nomeação do instrutor ou a realização por este de alguma diligência preparatória da nota de culpa. Contudo, tendo presentes as razões que estão por detrás da imposição dos prazos do procedimento – evitar que a inação do trabalhador se mantenha, depois de ter conhecimento de certo trabalhador praticou determinada infração grave, susceptível de inviabilizar a prossecução da relação de trabalho  -,  julgamos que se deve entender que, em regra, este se inicia no momento em que é tomada a decisão de instaurar o procedimento» [Op. Cit. Pp. 200/201].

Acompanha-se este entendimento.
Nessa consideração, sendo certo que no procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade, então apenas releva o que consta do n.º2, do art.º 329.º, ou seja, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se (…)”, entendendo-se como tal a decisão de instauração do procedimento disciplinar
Ora, no caso concreto essa decisão foi tomada em 10 de Janeiro de 2012, quando a direcção executiva da Ré decidiu pela instauração de processo disciplinar ao autor (facto 2.14), o que vale por dizer que o prazo de caducidade de 60 dias, iniciado a 29 de Novembro de 2011, foi interrompido antes de se ter completado.

Por isso mesmo, sendo irrelevante que a nota de culpa tenha sido notificada ao Autor em 12.03.2012 (facto 2.1.4a).

A partir do momento em que ocorreu a interrupção do prazo de caducidade para o exercício da acção disciplinar, no que respeita a prazos, a Ré apenas estava limitada a observar o prazo de aplicabilidade da sanção disciplinar estabelecido no n.º3, do art.º 329.º: “O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final”.

Finalmente, poderia questionar-se se a R. não estaria obrigada a comunicar ao trabalhador autor a decisão de instaurar o procedimento disciplinar. Dos factos não decorre se essa comunicação foi feita ou não, nem as partes abordam esse ponto.
Seja como for, não decorre de qualquer preceito legal essa obrigatoriedade. É certo que poderá dizer-se que não havendo essa comunicação fica o trabalhador sujeito ao risco da entidade empregadora fazer constar dos documentos que comprovem a instauração do procedimento disciplinar uma data que salvaguarde o cumprimento do prazo de caducidade. Porém, é preciso não esquecer que a sanção disciplinar não pode ser aplicada sem a audiência prévia do trabalhador e que lhe deve ser assegurada a possibilidade de exercer o direito de defesa, crendo-se que através dessas garantias estará suficientemente salvaguardada a posição do trabalhador.

De resto, no caso concreto, esses direitos foram plenamente assegurados, dado que a R. conduziu o processo disciplinar seguindo uma tramitação própria do procedimento disciplinar com intenção de despedimento, elaborando nota de culpa e notificando-a  ao A. (facto 2.1.4a), que à mesma respondeu por escrito (facto 2.1.5).

Se bem interpretamos a decisão recorrida, foi entendido que o prazo de caducidade foi interrompido com o inquérito realizado pela Comissão de Inquérito. Pelas razões que acima deixámos, não se acolhe esse entendimento, embora sejamos a concluir que o sentido da decisão deve ser mantida.

Por conseguinte, improcede o recurso, embora com fundamento diverso do que sustenta a decisão recorrida.

            III. DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida, embora com fundamentação diversa da que sustentou aquela.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 29 de Abril de 2015
           
Jerónimo Freitas            
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
Decisão Texto Integral: