Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1065/13.0TYLSB-R.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE RECUPERAÇÃO
CAPITAL SOCIAL
HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O juiz pode, oficiosamente, recusar a homologação do plano de insolvência verificado o condicionalismo previsto no art. 215.º do CIRE e pode igualmente fazê-lo a solicitação dos interessados, nas hipóteses contempladas no art. 216.º do mesmo diploma.
2. Constando do plano de insolvência apresentado por um credor uma providência com reflexos na estrutura do capital social, por via de uma operação harmónio – com redução do capital social, com a finalidade de cobertura de perdas, para zero, e subsequente aumento de capital, a ser subscrito pelos credores com hipotecas de primeiro grau ou por quem estes indicarem –, a admissibilidade dessa medida depende apenas da conformidade do valor do aumento com o montante correspondente ao mínimo legal para cada tipo de sociedade (art. 198.º, nº2, alínea a) do CIRE); no caso de sociedades anónimas, esse mínimo é de  50.000,00€ (art. 276.º, nº5 do CSC).
3. Assim, não pode o tribunal recusar oficiosamente a homologação do plano, ao abrigo do disposto no art. 215.º do CIRE, com fundamento em que a medida é “totalmente inócua para o efeito de cobrir prejuízos” atenta a “desproporção” entre o valor do aumento do capital social (50.000,00€) e o “valor dos créditos sobre a insolvência”, que ascende a mais de duzentos e setenta milhões.
4. Só deve recusar-se a homologação desse plano de insolvência – plano de recuperação -, se se concluir que das estipulações do plano resulta um tratamento diferenciado ou desigual entre os credores, sem que se alcance razão objetiva para tal; não é o que acontece quando a diferenciação de tratamento é justificada em função (i) das classes de créditos, (ii) da ponderação da situação em que os vários credores se encontrariam num cenário alternativo de liquidação e (iii) com base numa avaliação feita num quadro em que, de acordo com um escrutínio de evidência, os elementos constantes do processo também não indiciam que qualquer credor obtenha, por via do plano de recuperação, vantagens patrimoniais desrazoáveis ou indevidas.
(Pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  

I.RELATÓRIO
Ação
Processo de insolvência [ [1] ].
Devedora Insolvente
IPV- GIT SA, declarada insolvente por decisão proferida em 30 07-2013.
Credora/apelante
F V SA.
Assembleia de credores
Na assembleia de credores realizada em 23-04-2017 foi apreciada a proposta de plano de insolvência apresentado pela sociedade F V SA [ [2] ], proposta que foi aprovada pelos credores identificados na ata respetiva.
Decisão recorrida [ [3] ]
Em 20-09-2021 foi proferida decisão com o seguinte segmento dispositivo:
“Tudo visto e ponderado, decido recusar ao abrigo do disposto no artigo 215.° do CIRE a homologação do plano de insolvência com vista à recuperação da sociedade IPV- GeIT SA, apresentado a fls. 2375 a 2542, pelo credor F V, SA.
*
Sem tributação autónoma - artigo - 303.° do CIRE
*
Notifique”.
Recurso
Não se conformando, a sociedade F V SA apelou, formulando as seguintes conclusões:
“2.1.     OBJETO DO RECURSO
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 20 de setembro 2021 (ref.a Citius 404862750), que recusou homologar a proposta de plano de recuperação que havia sido apresentada pela ora Recorrente em 29 de janeiro de 2018 (doravante, o “Plano de Recuperação” ou o “Plano”) “por se verificar uma redução de capital a zero legalmente inadmissível e uma violação do princípio da igualdade entre credores" (sic).
2.2. DA MATÉRIA DE FACTO
2.2.1. O acionista único da Insolvente e a situação de insolvência em que o mesmo se encontra
2. Conforme resulta provado (i) da sentença de declaração de insolvência, proferida nos presentes autos em 30-07-2013, (ii) da página 2 do relatório elaborado pelo administrador de insolvência nos termos do artigo 155.° do CIRE, (iii) dos capítulos 1 e 3 e da nota de rodapé n.° 3 do Plano de Recuperação e (iv) da própria sentença recorrida:
a) O único acionista da Insolvente é a sociedade «I II - GII S.A. (em liquidação)»; e
b) A dita «I II - G II S.A. (em liquidação)» foi declarada insolvente, estando em curso o respetivo processo de insolvência, que corre termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 4, sob o n.° 860/11.0TYLSB.
3. Assim sendo, requer-se o aditamento dos seguintes factos à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
a) “A I II - G I I, S.A. é a única acionista da Insolvente”.
b) “A I II - G I I S.A. foi declarada insolvente, estando em curso o respetivo processo de insolvência que corre termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 4, sob o n° 860/11.0TYLSB.”
2.2.2.    Do total de créditos reconhecidos na lista de credores a que alude o artigo 129.° do CIRE
4. Conforme alegado no ponto 4.1.2.(B) do Plano de Recuperação e provado da lista de créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.° do CIRE, junta como Anexo VI do aludido Plano de Recuperação, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida o seguinte facto:
Na lista de créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.°do CIRE, de fls. 894 a 908 do apenso de reclamação de créditos, o administrador de insolvência reconheceu créditos sobre a insolvência no montante total de € 271.484.653,44, dos quais:
a) €234.471.142,71 correspondentes a créditos garantidos;
b) € 140.858,11 correspondentes a créditos da Fazenda Nacional;
c) € 18.877.280,92 correspondentes a créditos comuns;
d) € 2.023.172,75 correspondentes a créditos subordinados;
e) € 1.996.190,15 correspondentes a créditos garantidos condicionais;
f) € 1.150.000,00 correspondentes a créditos da Fazenda Nacional condicionais; e
g) € 14.826.008,81 correspondentes a créditos comuns condicionais.
2.2.3. Da avaliação do C Algarve realizada pela CBRE
5. Conforme alegado no ponto 4.1.1.(B) do Plano de Recuperação e provado pela avaliação do Empreendimento «C Algarve» elaborada pela CBRE, junta como Anexo V do aludido Plano de Recuperação, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida o seguinte facto:
“A CBRE emitiu um relatório de avaliação junto como Anexo V da proposta de plano de recuperação apresentada pelo credor F V, S.A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual atribuiu ao Empreendimento “C Algarve” um valor de € 99.793.000,00.”
2.2.4. Da composição do C Algarve
6. Conforme resulta provado (i) da página 3 do relatório elaborado pelo administrador de insolvência nos termos do artigo 155.° do CIRE, (ii) da avaliação do Empreendimento «C Algarve» elaborada pela CBRE, junta como Anexo V do aludido Plano de Recuperação e (iii) das págs. 3 e 17 do Plano de Recuperação, devem ser aditados à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida os seguintes factos:
“O imóvel descrito em 8 i) é composto por um edifício de hotel, com 154 quartos, 80 apartamentos e 2 residências.”
" Os 80 apartamentos e 2 residências do imóvel descrito em 8 i) carecem de obras de acabamento profundas, conforme referido na página 17 do Plano de Recuperação, sendo esse o principal objetivo do financiamento previsto na cláusula 6.7. do Plano. ”
2.2.5. Da proposta de plano de recuperação apresentada pelo administrador de insolvência
7. Conforme resulta de fls.1079 a 1325 dos presentes autos, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida o seguinte facto:
“Por requerimento de 9 de setembro de 2016, foi junto pelo administrador de insolvência proposta de plano de recuperação e anexos, com o teor constante de fls. 1079 a 1325, que se dá por integralmente reproduzido.”
2.3. DA OPERAÇÃO-HARMÓNIO PREVISTA NO PLANO DE RECUPERAÇÃO
8. O Plano de Recuperação prevê a redução do capital social da Insolvente para € 0,00, seguida de um aumento para € 50.000,00 por novas entradas em dinheiro, a subscrever pelos credores titulares de créditos garantidos por hipotecas de primeiro grau sobre o C Algarve, na proporção dos respetivos montantes, ou por quem os aludidos credores indicarem para o efeito.
9. Os credores titulares de hipotecas de primeiro grau sobre o C Algarve são a ora Recorrente, a OCM L Opps IX S.A R.L. e a OCM L Opps IX (P 2) S.à R.L. (doravante, os “Credores Hipotecários de Primeiro Grau”).
10. O tribunal recorrido julgou que esta operação-harmónio não preenchia os requisitos exigidos pelo artigo 198.°, n.° 2, alínea a), n.° 3 e n.° 4, do CIRE, por considerar, em síntese “que a lei [só] admite a designada operação harmónio no âmbito do plano de insolvência com o intuito taxativo de cobertura de prejuízos” e que “atenta a desproporção entre o valor do capital social, que ascende a cinquenta mil euros, e o valor dos créditos sobre a insolvência, que ascende, de acordo com o plano, a duzentos e setenta e um milhões e quatrocentos e oitenta e quatro mil e seiscentos e cinquenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos, a cobertura de prejuízos apenas se poderia fazer mediante um aumento proporcional de capital social’ (sublinhado e negrito no original).
11. O primeiro reparo a fazer à sentença recorrida reside no facto de ter analisado isoladamente a operação harmónio e os seus efeitos, ignorando a unidade do Plano de Recuperação.
12. De facto, o Plano de Recuperação prevê: (i) o perdão de 85% dos créditos comuns; (ii) o perdão de 85% dos créditos hipotecários de 2.° a 4.° e 6.° a 8.° graus; e (iii) o perdão de 85% dos créditos garantidos por hipoteca de 5.° grau, na parte que exceder os € 21.500.000,00.
13. Considerando que os três Credores Hipotecários de Primeiro Grau detêm, em conjunto, créditos comuns e hipotecários de 2.° a 8.° grau no montante global de € 122.999.761,49, o Plano de Recuperação implica para estes três credores um perdão de créditos no montante global de € 86.274.797,27.
14. Deste modo, os três Credores Hipotecários de Primeiro Grau reforçam os capitais próprios da Insolvente quer pela via da operação harmónio quer pela via de um perdão de mais de oitenta e seis (86) milhões de euros de dívida.
15. O impacto destas duas operações é um reforço dos capitais próprios da Insolvente em € 50.000,00 (por conta da operação harmónio) mais € 86.274.797,27 (por conta do perdão de créditos e consequente redução do passivo).
16. Este perdão de créditos só tem razão de ser porque os três Credores Hipotecários de Primeiro Grau gozam da faculdade de se tornar (ou de indicar) os novos acionistas da Insolvente.
17. Por isso, a operação harmónio é condição necessária para os Credores Hipotecários de Primeiro Grau viabilizarem o Plano de Recuperação, o qual acarreta o saneamento financeiro da Insolvente através de uma redução substancial do seu passivo e da reestruturação do passivo remanescente.
18. O segundo reparo a fazer à sentença recorrida consiste no facto de interpretar a norma          do artigo 198.°, n.° 2, alínea a), do CIRE, no sentido de apenas admitir a redução do capital caso a mesma permita, por si só, cobrir efetivamente todos os prejuízos da sociedade insolvente.
19. A interpretação perfilhada pela sentença recorrida não é correta, em primeiro lugar, porque a letra do artigo 198.°, n.° 2, alínea a), do CIRE, se refere à cobertura de prejuízos, e não dos prejuízos, admitindo, por isso, uma cobertura parcial dos mesmos.
20. Em segundo lugar, esta interpretação também não é correta porque a alusão à finalidade de “cobertura de prejuízos’’ serve apenas para designar para uma das três modalidades de redução de capital admitidas no ordenamento jurídico português.
21. Com efeito, no direito português, as três modalidades de redução de capital social são as seguintes: (i) redução cobertura de prejuízos; (ii) redução do capital exuberante ou excessivo; e (iii) redução destinada a finalidade especial, tais como liberação de entradas, amortização de participações ou extinção de ações próprias (cf. artigo 94.°, n.° 1, do Código das Sociedades Comerciais).
22. Como é evidente, não faria sentido aludir - numa norma relativa ao plano de insolvência - à redução do capital para libertação de excesso de capital nem para finalidades especiais, razão pela qual a norma remete para a única modalidade pertinente: a redução para cobertura de prejuízos.
23. Em terceiro lugar, a interpretação adotada pela sentença recorrida não é correta porque não existe qualquer disposição legal específica que exija que a redução do capital prevista no artigo 198.°, n.° 2, alínea a), do CIRE, cubra todos os prejuízos da sociedade insolvente, ao contrário do que sucede, por exemplo, com o artigo 95.°, n.° 1, do Código das Sociedades Comerciais.
24. Acresce que, segundo a melhor doutrina (Professores PAULO DE TARSO DOMINGUES, PAULO OLAVO CUNHA e RUI PINTO DUARTE), o artigo 95.°, n.° 1, do Código das Sociedades Comerciais só é aplicável à redução do capital exuberante ou excessivo, não se aplicando à redução de capital para cobertura de prejuízos (35).
25. ou seja, nem mesmo no domínio societário a tese da sentença recorrida estaria correta...
26. ... pelo que muito menos poderia estar correta em sede falimentar.
27. Aliás, a interpretar-se a norma do artigo 198.°, n.° 2, alínea a), do CIRE, como o faz o tribunal a quo, raros seriam os casos que a mesma teria aplicação, porque é altamente improvável que, numa sociedade insolvente, o capital social tenha uma dimensão que permita a cobertura de todos os prejuízos ou estes sejam tão exíguos que sejam inteiramente cobertos por uma redução desse mesmo capital.
28. De resto, se uma exigência tão relevante e gravosa como a imposta pelo tribunal recorrido resultasse efetivamente do disposto no artigo 198.°, n.° 2, alínea a), do CIRE, a mesma seria certamente objeto de tratamento pela doutrina e pela jurisprudência.
29. Porém, nem a doutrina nem a jurisprudência aludem, em circunstância alguma, a semelhante exigência, limitando-se - para o que aqui interessa - a condicionar a operação-harmónio à verificação do requisito imposto pelo n.° 3 do artigo 198.° do CIRE (36)(37).
30. Em quarto lugar, o argumento que a sentença recorrida invoca em abono da interpretação que preconiza é manifestamente improcedente.
31. Contrariamente ao que o tribunal a quo sustenta, o objetivo da norma do artigo 198.°, n.° 2, alínea a), do CIRE não consiste em permitir a recuperação de uma sociedade, muito menos controlada por um determinado “corpo acionista’’.
32. O CIRE, o processo de insolvência e o plano de insolvência cuidam única e exclusivamente da preservação da realidade objetiva que é a empresa - organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica - e não da realidade subjetiva que é a sociedade.
33. Porém, o Plano de Recuperação em análise nestes autos preserva a sociedade, leia-se, a Insolvente; só que, ao invés do sustentado na sentença recorrida, uma sociedade anónima - como é o caso da Insolvente - não se confunde com os seus acionistas, dado que possui personalidade jurídica própria e autonomia patrimonial, além de ser uma sociedade de capitais (e não de pessoas).
34. Em quinto e último lugar, a interpretação perfilhada pela sentença recorrida conduziria a resultados absurdos no caso concreto.
35. Por um lado, o “corpo acionista” da Insolvente é composto por um acionista único, a III - G I I, S.A. (“I II”), que está insolvente e em liquidação.
36. Nestas condições, a manutenção do atual “corpo acionista” em nada contribui para a recuperação da Insolvente. Bem pelo contrário.
37. Ao que acresce o facto de o dito corpo acionista se poder alterar a todo o momento, bastando que as ações representativas do capital social da Insolvente sejam vendidas no âmbito do processo de insolvência da sociedade-mãe, I II.
38. Atenta a situação de insolvência da acionista única, I II, é, aliás, da natureza das coisas que o corpo acionista se altere, independentemente da operação harmónio.
39. Por outro lado, um plano de insolvência que - como acontece com o Plano de Recuperação - prevê a manutenção da Insolvente em atividade e pagamentos aos credores à custa dos resultados dessa atividade deve obrigatoriamente acautelar a gestão da empresa.
40. Sucede que é impossível acautelar essa gestão se os acionistas forem terceiros, que podem, a todo o tempo, nomear novos órgãos sociais para conduzir a atividade da empresa a seu talante, fazendo perigar o cumprimento do plano de recuperação e a satisfação dos credores
41. Em suma, o Plano de Recuperação é um daqueles casos em que, parafraseando a sentença recorrida, a “preservação do corpo acionista colide com os interesses dos credores, que, no processo de insolvência se sobrepõem aos interesses particulares desses acionistas.’’
42. Por todo o exposto, é forçoso concluir que a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 198.° do CIRE.
43. Ou seja: contrariamente ao entendimento perfilhado na sentença recorrida, não constitui requisito de licitude da operação harmónio prevista no artigo 198.° do CIRE que a redução do capital cubra os prejuízos da sociedade.
44. Pelo contrário, das disposições conjugadas do artigo 198.°, n.° 2, alínea a), n.° 3 e n.° 4, alínea a), do CIRE, resulta que o único requisito para a operação harmónio nos moldes previstos no Plano de Recuperação - i.e., para a redução do capital social a zero seguido de aumento por novas entradas, com exclusão do direito de preferência dos sócios - consiste em ser “de presumir que, em liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios’’ (artigo 198.°, n.° 3, do CIRE), conforme se demonstrou nos parágrafos 132 a 143 e 182 a 189 das alegações, que se dão por integralmente reproduzidos.
45. Ora, resulta dos autos - e a própria sentença recorrida não questiona - que o valor de liquidação do ativo da Insolvente é manifestamente insuficiente para satisfazer a totalidade dos créditos sobre a insolvência.
46. De facto, os créditos sobre a insolvência, tal como reconhecidos na lista do 129.° do CIRE, ascendem a 271,484 milhões de euros, enquanto o ativo não excede, mesmo de acordo com a avaliação mais elevada (e totalmente desfasada da realidade) os 190,8 milhões de euros.
47. Consequentemente, está sobejamente demonstrado nos autos que, em liquidação integral da Insolvente, não haveria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios, como exige o artigo 198.°, n. 3, do CIRE.
48. Logo, a operação harmónio, tal como prevista no Plano de Recuperação, satisfaz plenamente os requisitos do artigo 198.°, n.° 2, alínea a), n.° 3 e n.° 4, alínea a), do CIRE, sendo, por isso, plenamente lícita e não constituindo fundamento para recusar a homologação do Plano.
2.4. DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE CREDORES
49. A sentença recorrida julgou que o Plano de Recuperação violava, de forma não-negligenciável, o princípio da igualdade dos credores da insolvência, em virtude do tratamento dispensado aos Credores Hipotecários de Primeiro Grau.
50. Antes de mais, importa relembrar que o princípio da igualdade dos credores da insolvência não é sinónimo de igualitarismo entre os credores da insolvência.
51. Pelo contrário, a doutrina considera de forma unânime que: (i) o princípio da igualdade implica tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual; (ii) a classe do crédito constitui um fator objetivo de desigualdade / diferenciação face aos créditos de classe diferente (mais ou menos sénior); e (iii) dentro da mesma classe de créditos, o grau hierárquico dos mesmos constitui um fator objetivo adicional de desigualdade / diferenciação  .
52. As diferentes classes e graus hierárquicos dos créditos são - em si mesmos - fatores objetivos de desigualdade que resultam da própria lei - mais especificamente, do artigo 604.° do Código Civil, conjugado com as normas específicas que regulam as diferentes garantias reais e privilégios creditórios.
53. O princípio da proporcionalidade não serve para corrigir ou subverter os resultados da aplicação das normas legais sobre a ordem de preferência dos créditos, mas apenas - quando muito - para justificar tratamentos diferenciados dentro da mesma classe de créditos, como bem refere a Professora MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO (40).
54. Um caso de escola - com o qual os tribunais são confrontados frequentemente no contexto de processos especiais de revitalização - são as diferenças de tratamento entre os créditos comuns de fornecedores e os créditos comuns de instituições de crédito, ou entre credores “estratégicos” e “não-estratégicos".
55. Mas nada disto se aplica no caso concreto, pois as diferenças de tratamento ocorrem entre classes diferentes e de forma plenamente justificada, à luz das causas legítimas de preferência estipuladas na lei.
56. Com efeito, o Plano de Recuperação foi concebido de forma a respeitar escrupulosamente o princípio da igualdade, nas suas duas vertentes: tratando de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, conforme se demonstrou supra, nos parágrafos 220 a 257 das alegações, que se dão por integralmente reproduzidos.
57. Os ativos da Insolvente são (i) o imóvel do C Algarve, (ii) as ações representativas de 100% do capital social da G T, e (iii) um crédito subordinado sobre a insolvência da Imocom II.
58. O valor estimado de liquidação desses ativos é de 90 a 100 milhões de euros para o imóvel do C Algarve e de zero para os demais, como se demonstrou supra nos parágrafos 226 a 231 das alegações, que se dão por integralmente reproduzidos.
59. Conclui-se, assim, que, em liquidação, só seriam pagos os créditos garantidos por hipotecas de primeiro grau sobre o C Algarve, porquanto o valor dos mesmos (€ 110.290.721,46) é manifestamente superior ao preço de venda estimado do imóvel hipotecado (90 a 100 milhões de euros), conforme demonstrado nos parágrafos 232 a 235 das alegações, que se dão por integralmente reproduzidos.
60. Assim sendo, o Plano prevê que os créditos garantidos por hipoteca de primeiro grau sejam pagos na íntegra, mas em 12 prestações anuais e após um período de carência de 3 anos (contado a partir do trânsito em julgado da decisão homologatória), sendo remunerados a uma taxa de juro de 2% ao ano (cf. cláusula 5.3.2.(B) do Plano).
61. Este tratamento diferenciado é objetivamente justificado pelo facto de os créditos garantidos por hipoteca de primeiro grau (i) se encontrarem no topo da hierarquia dos créditos sobre a insolvência, (ii) serem previsivelmente pagos (em parte) mesmo em liquidação e (iii) serem previsivelmente pagos mais rapidamente em liquidação (2-4 anos) do que ao abrigo do Plano (15 anos).
62. Por estarem no topo da hierarquia dos créditos sobre a insolvência e serem previsivelmente pagos, em grande parte, num cenário de liquidação, o Plano prevê pagamento integral dos créditos garantidos por hipoteca de primeiro grau; para compensar de alguma forma o custo económico da dilação do pagamento no tempo, o Plano prevê um juro anual de 2%.
63. Em contraponto, o Plano equipara, para efeitos de pagamento, os demais créditos garantidos por hipoteca sobre o C Algarve aos créditos comuns, com base no fundamento (objetivo) de que o valor do bem hipotecado seria previsivelmente insuficiente para assegurar a sua satisfação. Ora, o artigo 47.°, n.° 4, alínea a), do CIRE, clarifica que os créditos só são havidos como garantidos “até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto das garantias (...), tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes", sendo o excesso havido como comum (cf. cláusula 5.3.2. (C) e (E) do Plano).
64. Esta equiparação aos créditos comuns não se aplica aos créditos garantidos por hipoteca de 5.° grau sobre o C Algarve, na medida em que os mesmos também se encontram garantidos por penhor sobre os créditos detidos pela Insolvente sobre a GT.
65. Deste modo, o Plano prevê que estes créditos sejam pagos à custa dos créditos empenhados, até ao limite do penhor (21,5 milhões de euros), uma vez que o penhor é um dado objetivo que não só justifica como até impõe esta diferenciação. Acima do limite do penhor, o Plano equipara estes créditos aos comuns (cf. cláusula 5.3.2.(D) do Plano).
66. Relativamente aos créditos comuns e a todos os créditos "equiparados” aos mesmos, o Plano prevê um perdão de 85% e o pagamento dos restantes 15% em 20 prestações anuais, após um período de carência de três anos a contar do trânsito em julgado da decisão homologatória (cf. cláusula 5.3.2.(F), conjugada com (C), (D) e (E)).
67. O tratamento diferenciado dos créditos comuns stricto sensu é objetivamente justificado pelo facto de não beneficiarem de garantia real nem de qualquer causa legítima de preferência, enquadrando-se, por isso, numa categoria de créditos sobre a insolvência de nível menos sénior do que os créditos garantidos e privilegiados, acrescido do facto de previsivelmente não virem a ser satisfeitos em cenário de liquidação da massa insolvente.
68. A equiparação dos créditos hipotecários de 2.° a 8.° graus aos créditos comuns é objetivamente justificada pelo facto de - mesmo pertencendo à classe dos créditos garantidos - serem de grau hierárquico inferior aos créditos hipotecários de primeiro grau e, sobretudo, pelo facto de o bem onerado com a garantia real não assegurar a sua satisfação, nem sequer parcial, em virtude das onerações prevalecentes.
69. Por fim, o Plano prevê: (i) o pagamento integral dos créditos da Fazenda Nacional, em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e em obediência ao princípio da indisponibilidade dos créditos tributários consagrado no artigo 36.° da Lei Geral Tributária; e (ii) o perdão integral dos créditos subordinados, atenta a sua natureza e o disposto no artigo 197.°, alínea b), do CIRE (cf. cláusulas 5.3.2.(A) e (G) do Plano).
70. Atento o exposto, é manifesto que o Plano de Recuperação respeita de forma escrupulosa o princípio da igualdade de tratamento de credores, tratando de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, tendo em consideração simultaneamente a classe dos créditos, o grau hierárquico dentro de cada classe e as reais perspetivas de recuperação em cenário de liquidação.
71. Doutro prisma, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a aquisição, pelos Credores Hipotecários de Primeiro Grau (ou por quem estes indicarem) da totalidade do capital social da Insolvente, através de operação harmónio, não importa qualquer violação do princípio da igualdade entre credores.
72. A este propósito, importa ter presente que os três Credores Hipotecários de Primeiro Grau são simultaneamente titulares de créditos garantidos por hipotecas de grau inferior - 1.° a 8.° graus, no caso da ora Recorrente; 1.° a 5.° graus, no caso das sociedades OCM Opps IX - perfazendo os seus créditos hipotecários o montante total de € 226.572.600,16.
73. Assim sendo, existe um conjunto de motivos objetivos que justificam atribuir aos três Credores Hipotecários de Primeiro Grau a faculdade de subscrever o aumento de capital da Insolvente (ou de indicar quem o faça).
74. Em primeiro lugar, o facto de serem titulares de créditos da classe mais sénior (i.e., créditos garantidos), no montante global de € 226.572.600,16.
75. Em segundo lugar, o facto de serem titulares dos créditos de grau mais elevado no seio da classe de créditos mais sénior (i.e., da classe dos créditos garantidos).
76. Em terceiro lugar, o facto de serem os únicos credores que, em liquidação, iriam previsivelmente conseguir recuperar uma parte dos seus créditos.
77. Em quarto lugar, o facto de - sendo os únicos credores que seriam pagos em liquidação - serem também os únicos credores que arriscam alguma coisa com o Plano de Recuperação.
78. Por conseguinte, dever ser-lhes concedida a faculdade de se tornarem nos acionistas da Insolvente (ou de designar quem o faça), por forma a, de alguma maneira, controlar o risco e assegurar o bom cumprimento do Plano de Recuperação, em particular no que se refere ao plano de pagamento aos credores (garantidos, comuns e Fazenda Nacional).
79. O que seria verdadeiramente absurdo era esperar que estes três credores confiassem a qualidade de acionista - com todos os direitos políticos que essa qualidade acarreta - a pessoas que desconhecem ou que nada arriscam nesta empresa.
80. Relembre-se que a única acionista da Insolvente é uma outra sociedade, que também está insolvente, a I II, e, como tal, não tem condições para assegurar a boa condução dos negócios sociais da Insolvente durante o período de vigência do Plano, que são 23 anos,...
81. ... ao que acresce o facto de, no processo de insolvência da I II, o capital social da Insolvente poder ser vendido a qualquer pessoa, caso em que os credores da Insolvente estariam a confiar a satisfação dos seus créditos a um perfeito desconhecido.
82. Portanto, existe um motivo objetivo ponderoso para os três Credores Hipotecários de Primeiro Grau assumirem (ou indicarem quem assuma) o controlo acionista da Insolvente.
83. Em quinto lugar, o facto de estes três credores terem - no limite - a faculdade de requerer a adjudicação dos ativos, para satisfação total ou parcial dos seus créditos hipotecários e pignoratícios (garantidos por penhor sobre o capital social da G T), o que significa que poderiam obter, por outra via, um resultado análogo à aquisição do capital social da Insolvente.
84. Justificadas as razões que levaram a atribuir aos Credores Hipotecários de Primeiro Grau a faculdade de subscreverem o aumento de capital da Insolvente (ou de indicar quem o fizesse), cumpre desmistificar a ideia segundo a qual a aquisição da qualidade de acionista seria uma forma de enriquecimento desses credores.
85. A propósito deste enriquecimento, a sentença recorrida formula o seguinte raciocínio: (i) quem adquirir as ações da Insolvente torna-se “proprietário” do seu património; (ii) se esse património vale, no mínimo, 91,72 milhões de euros, quem adquirir as ações da Insolvente enriquece, no mínimo, o valor correspondente a 91,72 milhões de euros a multiplicar pela sua percentagem no capital social; (iii) logo, a ora Recorrente, ao subscrever 70,16% do capital social, enriquece, no mínimo, 60 milhões de euros (€ 91.720.000,00 x 0,7016 = € 64.350.752,00).
86. O primeiro vício deste raciocínio consiste no facto só atender ao ativo da Insolvente, ignorando pura e simplesmente o passivo.
87. Ora, mesmo depois de aplicados os perdões previstos no Plano de Recuperação, as dívidas da insolvência ascendem a € 153.422.868,02, ultrapassando, assim, o valor do ativo e fazendo que a Insolvente apresente capitais próprios negativos de mais de 13,8 milhões de euros desde o primeiro ano de vigência do Plano.
88. Considerando que o valor do passivo da Insolvente ultrapassa o valor do ativo e os capitais próprios são negativos, o valor económico (contabilístico) das ações da Insolvente é € 0,00, o que significa que não existe qualquer enriquecimento dos novos acionistas.
89. Em alternativa, poder-se-ia pensar em considerar o valor das ações no término do Plano e assumindo o cumprimento integral do mesmo.
90. Porém, como o Plano de Recuperação tem a duração de 23 anos, é preciso atualizar esse valor à data de hoje, mediante aplicação de uma taxa de desconto.
91. A Deloitte realizou este exercício - não apenas para as ações da Insolvente, mas para todos os fluxos financeiros (incluindo pagamentos) previstos ao abrigo do Plano - no parecer junto aos autos pela ora Recorrente em 17 de maio de 2018, com a ref.a Citius 29168583 (cf. ponto 6 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida).
92. A Deloitte concluiu que o valor atualizado de todos os fluxos financeiros previstos no Plano (incluindo o valor das ações da Insolvente no término do Plano) era de 135 milhões de euros, assim discriminados:
a) Créditos garantidos por hipoteca de 1.° grau: valor nominal de € 110.290.721,46; valor atualizado de € 106.722.000,00;
n) Caso dos créditos garantidos por hipoteca de 2.° grau: valor nominal de € 1.538.691,16; valor atualizado de € 90.000,00;
d Créditos garantidos por hipoteca de 3.° grau: valor nominal de € 56.552.689,02; valor atualizado de € 3.290.000,00;
d Créditos garantidos por hipoteca de 4.° grau: valor nominal de € 22.210.080,64; valor atualizado de € 1.292.000,00;
e) Créditos garantidos por hipoteca de 5.° grau: valor nominal de € 23.147.497,95; valor atualizado de € 18.201.000,00;
Créditos garantidos por hipotecas de 6.° a 8.° graus: valor nominal de € 19.956.341,16; valor atualizado de € 1.161.000,00;
gi Créditos comuns: valor nominal de € 18.877.280,92; valor atualizado de € 1.960.000,00.
93. Por conseguinte, está demonstrado que os Credores Hipotecários de Primeiro Grau não enriquecerão injustificadamente graças à aquisição, por si ou pelas entidades por si indicadas, do capital social da Insolvente, uma vez que (i) no momento da subscrição do capital social, o valor dessas ações é nulo, e (ii) o valor que essas ações podem eventualmente vir a ter daqui a 23 anos, após o integral cumprimento do Plano, não é suficientemente grande para que o valor económico que o dito Plano proporciona lhes proporciona ultrapasse o valor nominal dos seus créditos (como exige o artigo 216.°, n.° 1, alínea b), do CIRE, para que haja fundamento de não-homologação).
94. Para concluir, cumpre refutar o entendimento da sentença recorrida, segundo o qual o Plano de Recuperação violaria o princípio da igualdade de credores consagrado no artigo 194.° do CIRE ao prever, na sua cláusula 6.7., que os créditos emergentes dos financiamentos que viessem a ser concedidos pelos novos acionistas durante o período de fiscalização do Plano, beneficiariam da prioridade conferida pelo artigo 221.°, n.° 1, do CIRE, até ao limite de € 8.250.000,00, mediante confirmação do administrador de insolvência, em novo processo de insolvência aberto antes do término do período de fiscalização.
95. Em primeiro lugar, o princípio da igualdade consagrado no artigo 194.° do CIRE diz respeito à relação entre os credores da insolvência.
96. Ora os créditos emergentes dos financiamentos concedidos pelos novos acionistas no âmbito do disposto na cláusula 6.7. do Plano não são créditos sobre a insolvência, na medida em que não têm fundamento anterior à declaração de insolvência proferida nos presentes autos.
97. Consequentemente, o princípio da igualdade de credores estabelecido no artigo 194.° do CIRE não se lhes aplica.
98. Em segundo lugar, é a própria lei que admite, no artigo 221.°, n.° 1, do CIRE, a criação de uma categoria de créditos “séniores” em relação a todos os créditos sobre a insolvência atual, como explicam o Professor CARVALHO FERNANDES e do Dr. JOÃO LABAREDA (41).
99. Os créditos que beneficiem da prioridade conferida pelo artigo 221.°, n.° 1, do CIRE gozam de preferência sobre todos os outros créditos da insolvência, incluindo sobre os próprios créditos garantidos em relação aos bens onerados; logo, por maioria de razão, gozam de preferência sobre os créditos privilegiados, comuns e subordinados.
100. Acresce que o artigo 221.°, n.° 1, do CIRE não estabelece qualquer tipo de exigência quanto à natureza do crédito que gozará da prioridade por ele conferida, não estando excluída, à partida, nenhuma classe de créditos (garantidos, privilegiados, comuns ou subordinados).
101. Faz sentido que assim seja, uma vez que - como bem refere a doutrina e a jurisprudência supramencionadas - o artigo 221.°, n.° 1, do CIRE consagra, por si mesmo, um privilégio especialíssimo a favor dos créditos a que se aplica.
102. De resto, nada justifica reduzir o âmbito de aplicação do artigo 221.°, n.° 1, do CIRE para dele excluir créditos que, de outra forma, seriam subordinados.
103. Isto porque o risco assumido por qualquer pessoa - seja ela acionista ou não - ao aceitar conceder crédito a uma sociedade que acabou de sair de um processo de insolvência é sempre muito elevado, servindo a norma do artigo 221.°, n.° 1, do CIRE para incentivar a concessão desse crédito, que pode ser indispensável para a recuperação da empresa.
104. Pelo contrário, a melhor doutrina salienta a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação desta norma, como escreve a Professora CATARINA SERRA: “Seria oportuna uma norma de caráter mais geral, que determinasse a prioridade dos créditos «instrumentais» à recuperação em todos os casos de execução de plano de insolvência aprovado e homologado (i.e. também quando o processo se encerra sem fiscalização do administrador e ainda quando o processo não se encerra de todo) (42). 
105. Por todo o exposto, o Plano de Recuperação não viola o princípio da igualdade de credores consagrado no artigo 194.° do CIRE.
2.5. NORMAS LEGAIS VIOLADAS
106. A sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente as disposições do artigo 604.° do Código Civil e dos artigos 194.°, 198.°, n.° 2, alínea a), 198.°, n.° 3, 198.°, n.° 4, alínea a), 221.° e 215.°, todos do CIRE.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a sentença proferida em 20 de setembro 2021 (ref.a Citius 404862750) ser revogada, homologando-se a proposta de plano de recuperação apresentada pela ora Recorrente em 29 de janeiro de 2018”.
A Sociedade M V & Associados - Sociedade de Advogados, R.L., apresentou contra-alegações, propugnando pela confirmação da sentença recorrida [ [4] ].
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância entendeu dever “considerar a seguinte matéria de facto que resulta dos autos”:
1. Foi junto pelo credor F V plano de recuperação e anexos, com o teor constante de fls. 2380 a 2542, que se dá por integralmente reproduzido, sendo de consignar com relevância para a decisão da causa o seguinte.
“(...)4.L3 Conclusão
O valor global dos bens que integram a massa insolvente é de €99.793.000,00. Por comparação, foram reconhecidos créditos sobre a insolvência no montante global de €271.484.653,44, aos quais ainda acrescem as dívidas da massa insolvente. Temos por isso que o ativo da insolvente é de €171.691.653,44 (...) inferior ao seu passivo.
Vale isto por dizer que a insolvente apresenta uma situação patrimonial altamente deficitária, na exata medida em que o valor dos bens que integram a massa insolvente não permite satisfazer a maior parte dos créditos sobre a insolvência.
4.2 Situação Financeira
A situação financeira da insolvente é fortemente deficitária, na medida em que a receita da sua atividade não é suficiente para suportar todos os encargos inerentes à mesma, com especial destaque para o serviço da dívida acumulada antes da declaração de insolvência
4.3 Situação reditícia
Atualmente, as únicas receitas da Insolvente são as provenientes das rendas devidas pela GT ao abrigo do contrato de trespasse e de definição de condições de exploração celebrado em 10 de agosto de 2012 (Anexo I). Sucede que as referidas rendas se encontram empenhadas a favor da FV, da COM Opps IX (Parallel 2), S.A.R.L e da COM Opps IX, S.A.R.L (na proporção de 70% para a primeira, de 0,273% para a segunda e de 29,727% para a terceira), até ao montante de €21.500.000,00, para garantia dos créditos emergentes do contrato de abertura de crédito com hipoteca celebrado em 22 de dezembro de 2011 entre a insolvente, na qualidade de mutuária, e o BCP e o Barclays, na qualidade de mutuantes (cfr. Contrato de penhor que se junta como Anexo VII).
As receitas da insolvente são, assim, integralmente absorvidas pelo pagamento das dívidas da massa insolvente e dos créditos garantidos da F V, da OCM Opps IX, S.A.R.L, nada restando para pagamento aos restantes credores.
5. CONTEÚDO DO PLANO
5.1 Finalidade
O presente plano de recuperação tem por finalidade a recuperação da insolvente e o pagamento e satisfação dos credores nos termos nele previstos.
5.2 Meios de satisfação dos credores
O presente plano prevê a manutenção em atividade da empresa, na titularidade da insolvente, sendo o pagamento aos credores efetuado à custa dos rendimentos gerados por essa atividade, designadamente os rendimentos provenientes:
• Das rendas pagas pela G T ao abrigo do contrato de trespasse e definição de condições de exploração do estabelecimento hoteleiro.
• Das vendas dos apartamentos e moradias turísticas de que a insolvente é proprietária
O Anexo VIII, contém (i) conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência dos pagamentos previstos no presente plano, (ii) balanço pró-forma em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respetivos valores, e (iii) plano de investimentos.
5.3 Providências
5.3.1 Restruturação societária
(A) Redução e Aumento do Capital Social
1. O capital social da insolvente é reduzido a zero (€0,00) e aumentado de imediato para €50.000,00.
2. O aumento de capital é realizado por novas entradas em dinheiro, subscritas exclusivamente pelos credores hipotecários de primeiro grau ou por quem estes indicaram para o efeito, na proporção dos respetivos créditos hipotecários de primeiro grau, sendo emitidas 50.000 novas ações, com o valor nominal de €1,00 cada.
3. Caso algum ou alguns credores hipotecários de primeiro grau não pretenda(m) subscrever o aumento de capital nem indicar quem o faça, a sua quota deverá ser subscrita pelos credores hipotecários de primeiro grau que optem por subscrever o aumento de capital ou por quem estes credores indicarem, na proporção dos respetivos créditos hipotecários de primeiro grau.
4. As entradas deverão ser integralmente efetuadas no prazo de dez dias úteis a contas da aprovação do presente plano pela assembleia de credores, através de depósito à ordem do senhor Administrador da Insolvência.
5. Quaisquer ónus, encargos, garantias ou privilégios que incidam sobre as ações que representam atualmente o capital social da insolvente são integralmente extintos, não se transmitindo, por isso, para as ações que vierem a ser emitidas em resultado do aumento do capital social acima referido. Por conseguinte, as novas ações serão emitidas livres de quaisquer ónus ou encargos.
(...)
6.7 Novos Créditos
1. Os novos acionistas da insolvente conceder-lhe-ão um ou mais financiamentos até ao montante global de €7.000.000,00 de capital destinados a apoio à tesouraria da empresa e à realização de despesas de capital (Capex) nos seus ativos.
2. Os acionistas participarão no(s) financiamento(s) na proporção correspondente à sua participação no capital social da insolvente.
(...)
4. O(s) financiamento(s) vencerão juros à taxa anual de 2% sobre o montante efetivamente em dívida em cada momento, numa base atual de trezentos e sessenta e cinco dias. O capital e os juros deverão ser pagos no final do terceiro ano de vigência do plano de recuperação.
5. Nos termos do disposto no artigo 221.° do CIRE, os créditos emergentes do(s) financiamento(s) em apreço, constituídos durante o período de fiscalização, até ao limite global de €8.250.000,00 (capital e juros), terão prioridade sobre os créditos sobre a insolvência, em novo processo de insolvência aberto antes de findo o período de fiscalização, devendo essa prioridade ser-lhes reconhecida expressamente por escrito, com indicação do montante abrangido e confirmação pelo administrador da insolvência.
6. A prioridade reconhecida no número anterior é igualmente válida face a outros créditos de fonte contratual constituídos durante o período de fiscalização.
7. Os acionistas poderão recusar conceder o(s) financiamento(s) em apreço, caso o administrador da insolvência não confirme a respetiva prioridade, nos termos do número 5.
6.8 Efeitos do cumprimento do plano
O cumprimento do presente plano exonera a Insolvente e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes. (...)
7. IMPACTO EXPECTÁVEL DAS ALTERAÇÕES PROPOSTAS POR COMPARAÇÃO COM A SITUAÇÃO QUE SE VERIFICARIA NA AUSÊNCIA DE QUALQUER PLANO DE INSOLVÊNCIA (ART. 195.°, N.° 2(D) DO CIRE)"
Na ausência de qualquer plano de insolvência, o património da Insolvente seria liquidado de acordo com o regime supletivo previsto no CIRE. Neste cenário, o grau de satisfação dos direitos dos credores seria substancialmente menor do que o resultante da aplicação das medidas previstas no presente plano.
Com efeito, o principal ativo da massa insolvente é o próprio Hotel Apartamento.
Como o valor de liquidação deste imóvel é de 99.793.000,00€, o produto da sua venda em liquidação seria inteiramente absorvido pelas dívidas da massa insolvente e pelos créditos hipotecários, cujo valor global (€234.467.332,86) corresponde a mais do dobro do valor do imóvel. Nada restaria para distribuição pelos credores hipotecários de 2.° grau em diante, pelos credores comuns ou pelos credores subordinados.
Por seu turno as 10.000 ações representativas do capital social da G T respondem prioritariamente pelo pagamento dos créditos garantidos por penhores de 1.°, 2.° e 3.°graus, cujo valor global ascende a €43.103.839,11. (...) o valor desta participação social é nulo e, ainda que assim não fosse, nunca permitira reembolsar mais do que uma pequena parte dos créditos pignoratícios, nada restando para pagar aos demais credores.
Por último, o valor do crédito da insolvente sobre a respetiva sociedade mãe, I II, é igualmente nulo, por se tratar de um crédito irrecuperável (...) a I II encontra-se insolvente, o crédito em questão é de natureza subordinada, existem créditos no valor de €280.035.645,01 graduados à frente do crédito da Insolvente. Vale isto por dizer que este ativo em nada contribui para melhorar as perspetivas de satisfação dos credores da Insolvente.
(...)
Posto isto a posição de cada classe de credores ao abrigo do presente plano por comparação com a sua posição num cenário de liquidação é a seguinte:
• Credores da massa insolvente: os credores da massa insolvente são integral e pontualmente pagos em qualquer cenário.
• Credores garantidos por hipoteca de 1.° grau (€ 110.290.721,46): (i) num cenário de liquidação, estes credores recuperariam na melhor das hipóteses, entre 85% e 100% do total dos seus créditos, através da distribuição do produto da venda do Hotel Apartamento (avaliado em € 99.793.000,00), depois de descontadas as quantias necessárias para pagamento das dívidas da massa insolvente; (ii) ao abrigo do presente plano, estes credores recuperam a totalidade (100%) dos seus créditos e ainda são remunerados a uma taxa de juro anual de 2%, o que significa que, no termo do plano de pagamentos, terão recebido a importância global de cerca de €132.257.000,00. A esta luz, os credores hipotecários de 1.° grau ficam, ao abrigo do plano, numa situação, senão melhor, pelo menos idêntica àquela em que ficariam na ausência de plano. (...)
 • Credores garantidos por hipotecas de 2.°, 3.° e 4.° graus (€81.072.772,29): (ii) num cenário de liquidação estes credores recuperariam 0% dos seus créditos, uma vez que o produto da venda do Hotel Apartamento (€99.793.000,00) seria inteiramente absorvido pelas dívidas da massa insolvente e pelos créditos hipotecários de primeiro grau; (ii) ao abrigo do presente plano, estes credores recuperam 15% do total dos seus créditos, o que os coloca numa situação nitidamente mais favorável do que aquela em que estariam na ausência de plano.
• Credores garantidos por hipoteca de 5. ° grau e por penhor de 1.° grau sobre as ações da G T (€23.147.497.,95): (i) num cenário de liquidação estes credores recuperariam 0% dos seus créditos (...) (ii) diferentemente, ao abrigo do presente plano, estes credores recuperarão (a) um valor de até 21.500.000,00 (correspondente a 92,9% do valor nominal dos seus créditos) por via do penhor das rendas devidas pela G T à Insolvente ao abrigo do contrato de trespasse e definição das condições de exploração (...) e recuperarão ainda (b) mais €247.124,69€, correspondente a 1,07% do valor nominal dos seus créditos.
• Credores garantidos por hipotecas de 6.°, 7.° e 8.° graus e por penhores de 1.°, 2.° e 3.° graus sobre as ações da G T (€19.956.341,16): (i) num cenário de liquidação da massa insolvente, estes credores recuperariam 0% dos seus créditos, (...) (ii) em contrapartida, ao abrigo do presente plano, estes credores conseguem recuperar 15% do valor nominal dos seus créditos, o que os coloca numa posição claramente mais favorável do que aquela em que estariam na ausência de plano.
• Fazenda Nacional: (i) num cenário de liquidação da massa insolvente, a Fazenda Nacional recuperaria 0% dos seus créditos, uma vez que os mesmos são de natureza comum e o produto da liquidação da massa  insolvente sempre seria insuficiente para pagar os créditos comuns (...) (ii) ao invés, através do presente plano de recuperação, a Fazenda Nacional logrará recuperar 100% dos seus créditos, com juros de mora, ficando numa posição nitidamente mais favorável do que aquela em que se encontraria num cenário de liquidação.
• Créditos comuns (€33.703.289,73): (i) num cenário de liquidação d amassa insolvente, os credores comuns conseguiam recuperar 0% dos seus créditos (...) (ii) pelo contrário, ao abrigo do presente plano, os credores comuns conseguem recuperar 15% do valor nominal dos seus créditos (...).
ANEXO X
MEMBROS DOS ÓRGÃOS SOCIAIS DESIGNADOS POR EFEITO DA HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA
1.Conselho de Administração
a) Presidente do Conselho de Administração - GB, com domicílio profissional na Av. Da República n.°, 1050-185 Lisboa, NIF
b) Vogal do Conselho de Administração - DS, com domicílio profissional na Av. Da República n.°, 1050-185 Lisboa, NIF
c) Vogal do Conselho de Administração - MM, com domicílio profissional na Av. Da República n.°, 1050-185 Lisboa, NIF,”
2. Do plano apresentado e parcialmente transcrito no ponto antecedente constam os seguintes montantes de créditos garantidos por hipoteca:
a) F V - 163.601.535,27€ repartidos da seguinte forma:
Hipoteca de 1.° grau - 77.386.444,22€
Hipoteca de 2.° grau - 1.529.522,79
Hipoteca de 3.° graus - 39.590.866,17€
Hipoteca de 4.° grau - 15.577.217,63€
Hipoteca de 5.° grau - 16.198.456,39€
Hipoteca de 6.°grau - 6.332.745,04€
Hipoteca de 7.° grau - 5.293.116,70€
Hipoteca de 8.° grau - 1.693.166,33€
b) O.C.M Opps IX SARL - 62.398.028,20€ repartidos da seguinte forma:
Hipoteca de 1.° grau - 32.604.848,32€
Hipoteca de 2.° grau - 00,00€
Hipoteca de 3.° graus - 16.807.470,26€
Hipoteca de 4.° grau - 6.099.904,34€
Hipoteca de 5.° grau - 6.885.805,28€
c) O.C.M. Opps IX (Parallel 2) SARL - 573.036,69€, repartidos da seguinte forma:
Hipoteca de 1.° grau - 299.428,92€
Hipoteca de 2.° grau - 00,00€
Hipoteca de 3.° graus - 154.352,59€
Hipoteca de 4.° grau - 56.018,90€
Hipoteca de 5.° grau - 63.236,28€
d) O.C.M Opps IX Blocker SARL - 5.917.374,17€ repartidos da seguinte forma:
Hipoteca de 6.°grau - 2.689.335,87€
Hipoteca de 7.° grau - 2.247.835,42€
Hipoteca de 8.° grau - 980.202,88€
e) O.C.M Opps IX (Parallel 2) Blocker SARL - 54.342,62€ repartidos da seguinte forma:
Hipoteca de 6.°grau - 24.697,71€
Hipoteca de 7.° grau - 20.643,15€
Hipoteca de 8.° grau - 9.001,76€
f) Barclays Bank
Hipoteca de 4.° grau - 476.939,78€
g) BCP
Hipoteca de 8.° grau- 665.596,30€
h) Nor e Lis Hipoteca de 2.° grau - 9.168,37€
3. Foi realizada assembleia de credores para discussão e votação da proposta de plano de insolvência, tendo sido aprovado o plano de recuperação apresentado, com a seguinte votação:
A favor do plano:
Autoridade Tributária e Aduaneira
Banco Comercial Português, SA
F V, SA
E, SA
G T - Administração de Empreendimentos Turísticos, SA
MRM Holding B.
M - Imobiliária SA
M - Investimentos Turísticos e Hoteleiros, SA
Contra o plano:
O.C.M. Opps IX (Parallel 2) Blocker, SARL
O.C.M. Opps IX, SARL
O.C.M. Opps IX (Parallel 2), SARL
O.C.M. Opps IX Blocker, SARL
N Comunicações SA
DA
PH
AH
IE
JG
AK
AU
MV & Associados Abstenção
H Internacional CO.
4. Foi junto relatório de avaliação por N Comunicações S.A. e AM, com o teor constante de fls. 2615 a 2704 e que concluiu por um valor total atribuído ao Empreendimento “C Algarve” de 190.799.517,00€
5. F - Empresa de Investimentos, Gestão e Desenvolvimento S.A. apresentou requerimento constante de fls. 2799, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual designadamente se refere que: “Nesse sentido manifestamos interesse na eventual aquisição de ativos que, em termos sumários, correspondente ao “Hotel C” e imóveis associados, indicando um valor de referência da ordem dos 102 milhões e 300 mil euros (Proposta Não Vinculativa) - fls. 2799.
6. F V S.A. juntou aos autos relatório de avaliação da Duff & Phelps e Parecer da Deloitte, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (requerimento referência n° 29168585 de 17.05.2018) e que conclui por um valor total atribuído ao Empreendimento “C Algarve” de 91.720.000€
7. F V S.A, no âmbito da operação harmónio em que se traduz o plano apresentado indicou para subscrever a sua parte de capital social as sociedades B N SA, pessoa coletiva n.° 513771093 e a sociedade L I SA, pessoa coletiva n.° 513766456
8. O ativo da insolvente é composto por:
i) Prédio urbano denominado “C - Palácio V Resort & SPA - Hotel Apartamento” sito na Estrada da Quinta do, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número 10127/20070918 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 13635.
ii) Dez mil ações no valor unitário de 5,00€ representativas da totalidade do capital social da sociedade G T - Admininstração de Empreendimentos Turísticos, SA, pessoa coletiva n.° 510089747.
iii) Crédito subordinado sobre a insolvência da sociedade I II - Gestão e Investimentos Imobiliários SA, declarada insolvente no processo que corre termos pelo J4 deste Juízo de Comércio de Lisboa sob o n.° 860/11.0TYLSB.
9. O ativo descrito em 8 i) tem área de 62835 metros quadrados, sendo 11341 m2 de área coberta e 51494 m2 de área descoberta, possuindo complexo de piscinas, elementos de animação (ribeiros, espelhos de água, piscinas aventura), dois campos de ténis e espaços de diversão infantil, 243 unidades de alojamento, com capacidade de 576 camas fixas e 248 convertíveis, num total de 824 camas e 376 lugares de estacionamento [ [5] ].
10. A insolvente adquiriu o terreno onde foi construído o empreendimento turístico, por compra à sociedade M.R.M Holding BV, tendo a aquisição sido registada mediante a apresentação 27 de 09 de fevereiro de 2007.
11. A sociedade M.R.M Holding B.V., pessoa coletiva n.° 980148170 intentou ação executiva contra a insolvente, que correu termos no Tribunal Judicial de Loulé, 2.° Juízo Cível, tendo sido penhorado o imóvel para garantia de quantia exequenda no valor de 9.635.726,71€ e inscrita a penhora no registo mediante a apresentação 34 de 04 de março de 2013.
12. A administradora da insolvente é MR.
13. A sociedade G T - Administração de Empreendimentos Turísticos SA foi constituída em 21 de dezembro de 2011 sob a firma S Administração de Empreendimentos Turísticos SA, tendo como administrador único CD
14. MR foi nomeada administradora única da sociedade GT - Administração de Empreendimentos Turísticos SA em 26 de dezembro de 2011, tendo sido reconduzida pela última vez para o biénio 2019/2020
15. M R assinou o contrato de trespasse celebrado entre a insolvente a sociedade G T - Administração de Empreendimentos Turísticos SA no dia 10 de agosto de 2012, na qualidade de representante legal de ambas as sociedades. (fls. 2405).
16. A sociedade F V, SA foi constituída em 23 de dezembro de 2011 e o seu Conselho de Administração é atualmente composto pelo presidente GB, e os vogais DS e MM.
17. MR na qualidade de administradora única da sociedade B 2007 Sociedad Unipersonal, transferiu para a conta da Massa Insolvente de I II - Gestão e Investimentos Imobiliários SA, a quantia de um milhão de euros no dia 27 de janeiro de 2020.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela credora/apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
Ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Se, no caso, se impunha a recusa de homologação do Plano aprovado, com fundamento em violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos termos do art. 215 do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, perspetivada em dois planos, a saber (i) da conformidade legal da denominada operação harmónio em face, nomeadamente, do regime previsto no art. 198.º e (ii) se ocorreu um tratamento diferenciado entre os credores sem justificação material bastante.
2. Da impugnação do julgamento de facto  
A apelante impugnou o julgamento de facto pretendendo o aditamento aos factos provados de determinada matéria, nada obstando ao conhecimento da impugnação atento o cumprimento dos ónus a que alude o art. 640.º do CPC.
Está em causa, fundamentalmente, o aditamento de factos que consubstanciam meras vicissitudes processuais que estão, pois, perfeitamente documentadas no processo de insolvência e apensos respetivos  [ [6] ], como a apelante refere, salientando-se que, em bom rigor, tratando-se de factos processualmente relevantes, a omissão da sua indicação expressa pela primeira instância é inócua porquanto sempre esta Relação os pode/deve ter em conta em sede de apreciação jurídica das questões suscitadas; em todo o caso e atenta a metodologia adotada na decisão recorrida, temos que se justifica, em parte, o aditamento, nos moldes que passamos a apreciar.
*
Pretende a apelante que se dê como assente a seguinte factualidade:
- “A I II - Gestão e Investimentos Imobiliários, S.A. é a única acionista da Insolvente”.
- “A I II - Gestão e Investimentos Imobiliários, S.A. foi declarada insolvente, estando em curso o respetivo processo de insolvência que corre termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 4, sob o n° 860/11.0TYLSB.”
É inequívoco, em face dos elementos constantes do processo de insolvência – cfr., nomeadamente, a decisão que declarou a insolvência da devedora, no seu ponto 4 da factualidade dada por provada, em que se considerou que “[ a] requerente é detida a 100% pela I II - Gestão e Investimentos Imobiliários, S.A., sociedade que se encontra em liquidação após ter sido declarada insolvente em 12 de julho de 2011” - que se trata de matéria que nenhum interveniente processual discute e está provada, salientando-se que o administrador da insolvência das duas sociedades é o mesmo, JC [ [7] ].
Assim, procede a impugnação, devendo essa matéria ser aditada à factualidade assente, sob os números 18 e 19, respetivamente.
*
Pretende a apelante que se dê como assente a seguinte factualidade:
- “Na lista de créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.°do CIRE, de fls. 894 a 908 do apenso de reclamação de créditos, o administrador de insolvência reconheceu créditos sobre a insolvência no montante total de € 271.484.653,44, dos quais:
a) €234.471.142,71 correspondentes a créditos garantidos;
b) € 140.858,11 correspondentes a créditos da Fazenda Nacional;
c) € 18.877.280,92 correspondentes a créditos comuns;
d) € 2.023.172,75 correspondentes a créditos subordinados;
e) € 1.996.190,15 correspondentes a créditos garantidos condicionais;
f) € 1.150.000,00 correspondentes a créditos da Fazenda Nacional condicionais; e
g) € 14.826.008,81 correspondentes a créditos comuns condicionais”.
O que se pode dar como provado é o seguinte facto, processualmente relevante e que resulta diretamente do processo (apenso B, de reclamação de créditos):
20. Por requerimento de 31-10-2013 – objeto de retificação por requerimentos de 08-11-2013 e 21-11-2013 – o administrador da insolvência apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, “elaborada nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 129.º do C.I.R.E.” procedendo, nomeadamente, à especificação da identidade dos credores, montante dos créditos respetivos e natureza do crédito, conforme daí consta, especificando, nomeadamente que o “[t]otal dos créditos reconhecidos”, englobando os reclamados (no montante de 254.781.103,93€) e os “constantes da contabilidade ou por outra forma reconhecidos” (no montante de 16.703.549,52€) é de 271.484.653,45€.
Efetivamente, no mais, trata-se de operação de cálculo que deve ser feita ponderando os elementos que, de forma discriminada, constam dessa lista, se tal for relevante em sede de análise jurídica; saliente-se que o anexo VI junto pela apelante com a proposta do plano de insolvência – a que se refere também o número 1 dos factos dados como provados pela primeira instância – constitui exatamente uma cópia dessa peça processual apresentada pelo administrador da insolvência.     
Procede, pois, parcialmente, a impugnação, justificando-se o aditamento da matéria indicada, sob o número 20, com a redação referida.
*
Pretende a apelante que se dê como assente a seguinte factualidade:
- “A CBRE emitiu um relatório de avaliação junto como Anexo V da proposta de plano de recuperação apresentada pelo credor F V, S.A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual atribuiu ao Empreendimento “C Algarve” um valor de € 99.793.000,00”;
- “O imóvel descrito em 8 i) é composto por um edifício de hotel, com 154 quartos, 80 apartamentos e 2 residências”;
- “ Os 80 apartamentos e 2 residências do imóvel descrito em 8 i) carecem de obras de acabamento profundas, conforme referido na página 17 do Plano de Recuperação, sendo esse o principal objetivo do financiamento previsto na cláusula 6.7. do Plano”.
A matéria em causa relaciona-se, como a apelante refere, com a avaliação e composição do C Algarve, sendo que, a esse propósito, já consta a factualidade indicada na decisão recorrida sob os números 1 – na medida em que remete para o “plano de recuperação e anexos, com o teor constante de fls. 2380 a 2542, que se dá por integralmente reproduzido”, sendo que um desses anexos (V) reporta-se exatamente a um relatório de avaliação da autoria da CBRE, datado de 18-07-2016, a que já supra se aludiu, aí se indicando como “[v]alor de Mercado com Restrição Temporal de Venda €99.793.000” [ [8]  ] – e sob os números 6, 8 e 9.
Desse relatório consta, nomeadamente, o sequente:
“Estado de Conservação
Não procedemos a nenhuma inspecção técnica ao edifício, não verificámos os serviços, não fizemos investigações independentes, não inspeccionámos o estado das madeiras, não expusemos parte da estrutura que se encontra a coberto, a descoberto ou inacessível, nem propusemos que fosse feita qualquer investigação que determinasse o uso de qualquer técnica ou matéria nociva ou perigosa ou se estas se encontram em qualquer parte da propriedade. Tendo em vista o acima descrito, não garantimos que a não existência de defeitos na propriedade” (sublinhado nosso).
E ainda:
“Hotel
Conforme a informação fornecida, o hotel tem as seguintes características:
 Quartos e Suites
1 Suite Roof Garden 
1 Suite C 
18 Suites Deluxe e Grand Deluxe 
134 Quartos Deluxe e Grand Deluxe
 Todos os quartos tem acabamentos de excelente qualidade e de acordo com os standards C.
 Restaurantes
Existem 3 restaurantes e 3 bares cada um com ambientes diferentes:
• Lago: Um lounge contemporâneo.
• Louro: Um restaurante descontraído que oferece diariamente cozinha de inspiração portuguesa moderna.
• Gusto: O restaurante principal do C Algarve. Mediterrânico com design de inspiração escandinava.
• Dado: O restaurante e bar da piscina com menu de inspiração sul-americana.
• Sereno: O deck da piscina do C Algarve.
• Tempo Sports Lounge: O Tempo Sports Lounge é um espaço que dispõe de uma área de putting, uma loja de golfe e uma mesa de snooker, que se pode adaptar para refeições e acolher pequenos eventos privados.
 Health Club and Spa
O C Algarve Spa & Health Club é um spas mais luxuosos e elegantes de Portugal. 
 Outros serviços Piscinas exteriores.
Campos de ténis.
Sala de jogos.
Kids Club.
Serviço Shuttle para praia e campos de golfe.
Estacionamento privado com 128 lugares.
Imobiliário Residencial
No total existem 80 apartamentos e 2 moradias com piscina que compõem a parte do imobiliário residencial.
Os apartamentos estão divididos em dois blocos de 3 pisos e cobertura que se desenvolvem ao longo da avenida que leva ao hotel.
As tipologias são as seguintes:
8 apartamentos T1, 46 apartamentos T2, 22 apartamentos T3 e 4 apartamentos T4 que tem áreas entre os 124m2 e os 225 m2, todos com varandas que variam entre 20m2 e 90m2 para os maiores.
As duas moradias são contíguas e situam-se junto ao SPA, nas traseiras do empreendimento” (sublinhado nosso).
Em suma, afigura-se-nos que parte da matéria cujo aditamento a apelante pretende já está contida na factualidade enunciada na decisão recorrida; ainda assim, e considerando que quanto a outro relatório de avaliação a primeira instância especificou em concreto o seu teor, como consta do número 4 dos factos assentes, entendemos que nada obsta a que se especifique em concreto o seguinte, uma vez que tal não foi feito na decisão recorrida, procedendo-se ao aditamento respetivo:
21. Com a proposta do plano de insolvência apresentado, a apelante juntou vários anexos, conforme indicado sob o número 1 dos factos provados, nomeadamente o anexo V, alusivo a um relatório de avaliação emitido por CBRE, constando desse relatório, nomeadamente, o seguinte:
- “Data do Relatório      18 de Julho de 2016.
Destinatário I VALVERDE S.A.
 Identificação da Propriedade Hotel C
Descrição da Propriedade Hotel 5 estrelas e 82 residências.
Instrução De acordo com as instruções do Cliente, determinar o Valor de Mercado com limitação temporal de venda.
Data de Avaliação 1 de Julho de 2016.
Condição do Avaliador Independente.
Propósito da Avaliação Processo de insolvência
Valor de Mercado com Restrição Temporal de Venda €99.793.000
(NOVENTA E NOVE MILHÕES E SETECENTOS E NOVENTA E TRÊS MIL EUROS)
 A nossa conclusão de Valor de Mercado é válida à data da avaliação e enquanto se mantiver a situação económica e do mercado imobiliário a essa mesma data”;
- “Estado de Conservação
“Não procedemos a nenhuma inspecção técnica ao edifício, não verificámos os serviços, não fizemos investigações independentes, não inspeccionámos o estado das madeiras, não expusemos parte da estrutura que se encontra a coberto, a descoberto ou inacessível, nem propusemos que fosse feita qualquer investigação que determinasse o uso de qualquer técnica ou matéria nociva ou perigosa ou se estas se encontram em qualquer parte da propriedade. Tendo em vista o acima descrito, não garantimos que a não existência de defeitos na propriedade”. (sublinhado nosso)
- “Hotel
Conforme a informação fornecida, o hotel tem as seguintes características:
 Quartos e Suites
1 Suite Roof Garden 
1 Suite C 
18 Suites Deluxe e Grand Deluxe 
134 Quartos Deluxe e Grand Deluxe
 Todos os quartos tem acabamentos de excelente qualidade e de acordo com os standards C.
 Restaurantes
Existem 3 restaurantes e 3 bares cada um com ambientes diferentes:
• Lago: Um lounge contemporâneo.
• Louro: Um restaurante descontraído que oferece diariamente cozinha de inspiração portuguesa moderna.
• Gusto: O restaurante principal do C Algarve. Mediterrânico com design de inspiração escandinava.
• Dado: O restaurante e bar da piscina com menu de inspiração sul-americana.
• Sereno: O deck da piscina do C Algarve.
• Tempo Sports Lounge: O Tempo Sports Lounge é um espaço que dispõe de uma área de putting, uma loja de golfe e uma mesa de snooker, que se pode adaptar para refeições e acolher pequenos eventos privados.
 Health Club and Spa
O C Algarve Spa & Health Club é um spas mais luxuosos e elegantes de Portugal. 
 Outros serviços Piscinas exteriores.
Campos de ténis.
Sala de jogos.
Kids Club.
Serviço Shuttle para praia e campos de golfe.
Estacionamento privado com 128 lugares.
Imobiliário Residencial
No total existem 80 apartamentos e 2 moradias com piscina que compõem a parte do imobiliário residencial.
Os apartamentos estão divididos em dois blocos de 3 pisos e cobertura que se desenvolvem ao longo da avenida que leva ao hotel.
As tipologias são as seguintes:
8 apartamentos T1, 46 apartamentos T2, 22 apartamentos T3 e 4 apartamentos T4 que tem áreas entre os 124m2 e os 225 m2, todos com varandas que variam entre 20m2 e 90m2 para os maiores.
As duas moradias são contíguas e situam-se junto ao SPA, nas traseiras do empreendimento”.
No mais, o processo não fornece elementos que permitam dar como provado, como a apelante pretende, que “[o]s 80 apartamentos e 2 residências do imóvel descrito em 8 i) carecem de obras de acabamento profundas”, juízo que aliás é conclusivo, não estando alicerçado em factos – não relevando para o efeito que esse segmento de texto conste da proposta apresentada, cujo teor a primeira instância deu por reproduzido, porquanto o documento elaborado por um interveniente processual (credora interessada) não se confunde com o facto reportado no documento, que constitui uma realidade diferente; idem relativamente ao “principal objetivo do financiamento previsto na cláusula 6.7. do Plano” associado àquela alegação. O que a esse propósito se pode referir é que foi consignado no plano o que consta sob a rubrica “6.7 Novos créditos”, matéria cujo aditamento é desnecessário porque já está contida no número 1.  
Procede, pois, parcialmente, a impugnação, justificando-se o aditamento da matéria indicada, sob o número 21, com a redação referida.
*
Pretende a apelante que se dê como assente a seguinte factualidade:
“Por requerimento de 9 de setembro de 2016, foi junto pelo administrador de insolvência proposta de plano de recuperação e anexos, com o teor constante de fls. 1079 a 1325, que se dá por integralmente reproduzido.”
Compulsando o processo de insolvência verifica-se que o administrador da insolvência apresentou em 09-09-2016 uma proposta, acompanhada de vários anexos, proposta que foi objeto de modificações introduzidas pelo mesmo na assembleia de credores realizada – para discussão e votação dessa proposta – em 19-04-2017, modificações admitidas pela Juiz, por despacho proferido e constante da ata respetiva, tendo os credores procedido à votação; por decisão de 14-07-2017 foi recusada a “homologação do plano de recuperação apresentado nos autos, por violação de normas aplicáveis ao seu conteúdo nos termos do art. 215.º do C.I.R.E.”, na sequência do que foi apresentada nova proposta. 
Não se vislumbram razões para aditar à factualidade assente a aludida matéria, não se afigurando constituir uma técnica processual correta fazer espelhar na parte da sentença alusiva aos factos provados matéria que mais não constitui senão o relato do que se passou no processo [ [9] ], tanto mais que, insiste-se, tal não obsta a que a mesma seja ponderada em sede de fundamentação de direito, se tal se justificar.   
Improcede a impugnação.
*
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação do julgamento de facto, determinando-se o aditamento da matéria supra indicada sob os números 18 a 21.
3. Da operação harmónio [ [10] ].
O tribunal de primeira instância [ [11] ] concluiu pela recusa de homologação com base em “violação não negligenciável em matéria de redução do capital social”, assentando esse juízo na seguinte fundamentação:
“Da operação harmónio
O plano prevê uma redução do capital social da sociedade a zero euros e, no âmbito de uma operação harmónio, uma entrada de novo capital social de 50.000,00€, a assegurar pelos credores que beneficiam de hipotecas de primeiro grau na proporção em percentagem dos respetivos montantes, designadamente de 70,16% relativamente ao credor F V SA, 29,56% quanto ao credor O.C.M. Opps IX SARL e 0,27% quanto ao credor O.C.M. Opps IX (Parallel 2) SARL. A operação encontra-se legalmente prevista no artigo 198.° do CIRE que dispõe o seguinte no seu n.° 2 alínea a):
“Podem, porém, ser adotados pelo próprio plano de insolvência uma redução do capital social para cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou outro montante inferior ao mínimo estabelecido na lei para o respetivo tipo de sociedade, desde que, neste caso, a redução seja acompanhada de aumento do capital para montante igual ou superior àquele mínimo” (sublinhado e destacado nosso). A lei admite a designada operação harmónio no âmbito do plano de insolvência com o intuito taxativo de cobertura de prejuízos e, no caso da redução a zero do capital social se for de presumir que, em liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios - artigo 198.° n.° 3 do CIRE. Nos presentes autos, atenta a desproporção entre o valor do capital social que ascende a cinquenta mil euros e o valor dos créditos sobre a insolvência que ascende, de acordo com o plano, a duzentos e setenta e um milhões e quatrocentos e oitenta e quatro mil e seiscentos e cinquenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos, a cobertura de prejuízos apenas se poderia fazer mediante um aumento proporcional de capital social. A mera redução de capital social a zero e subsequente entrada de valor equivalente é totalmente inócua para o efeito de cobrir prejuízos porque cerca de cinco mil quatrocentas e trinta vezes inferior ao prejuízo a cobrir. É irrelevante a eventual constatação de que em liquidação não subsistiria remanescente a distribuir pelos acionistas, nos termos do n.° 3 do artigo 198.° do CIRE, porque esta norma apenas se aplica aos casos também abrangidos pela previsão do n.° 2 alínea a) do mesmo artigo. Percebe-se a exigência do legislador na cobertura de prejuízos. É que a norma em causa contorna o regime societário aplicável à transmissão de ações, podendo contrariar o estipulado no contrato social nos termos do artigo 272.° alínea b) do Código das Sociedades Comerciais e afastar o consentimento e direito de preferência previstos no artigo 328.° n.° 1 e 2 alíneas a) e b) e 329.° n.° 1 do Código das Sociedades Comerciais. Se o objetivo é recuperar uma determinada sociedade, dever-se-á preservar essa sociedade na medida do possível, designadamente o seu corpo acionista, se tal não colidir com os interesses dos credores que no processo de insolvência se sobrepõem aos interesses particulares desses acionistas, nos termos do artigo 1.° do CIRE. Sendo o corpo acionista parte integrante da constituição e identidade de uma sociedade comercial - artigos 1.°, 5.°, 9.° alínea f) e 271.° do Código das Sociedades Comerciais - possibilitar o total afastamento do corpo acionista da sociedade, à revelia do mesmo e sem a contrapartida de uma redução proporcional nos prejuízos, extravasa o alcance da exceção prevista no artigo 198.° n.° 2 alínea a) do CIRE. Conclui-se que o plano prevê uma redução de capital a zero em moldes legalmente inadmissíveis, o que traduz uma violação de regra não negligenciável aplicável ao conteúdo do plano, de conhecimento oficioso” [ [12] ].
O Juiz não tem razão e a interpretação feita situa-se, em nosso entender, à margem do regime legal.
A restruturação da sociedade devedora em situações de manifesto desequilíbrio financeiro [ [13] ] por via da denominada operação-acordeão consiste, basicamente, numa redução do capital social seguida [ [14] ] de um aumento do mesmo sendo que, no regime geral, o capital social, depois dessa operação, não pode ser inferior ao valor correspondente ao mínimo legal - cfr. os arts. 94.º, nº1, alínea a) e 95.º nº2 do Cód. das Sociedades Comerciais (CSC) – [ [15] ], o mesmo acontecendo quando essa operação é realizada no âmbito da insolvência, como expressamente resulta do art. 198.º, nº2, alínea a); estamos perante hipótese em que a redução se destina à “cobertura de prejuízos” salientando-se a coincidência do texto da lei na utilização da partícula “de” e não “dos” [ [16] ] – art. 94.º, nº1, alínea a) do CSC e art. 198.º nº2, alínea a) do CIRE) –, sendo que a única baliza imposta pelo legislador reporta-se ao valor do aumento de capital, nos termos enunciados.
Assim, cumprida que esteja a exigência aludida, como aconteceu, atenta a previsão do aumento de capital social para a quantia de 50.000,00€ e o tipo de sociedade em causa, e não se equacionando quaisquer outras questões pertinentes, no âmbito da tutela da posição da devedora, nomeadamente tendo em conta o disposto nos números 3 e 4 do art. 198.º, é admissível a referida operação, nos moldes em que a mesma se encontra fixada no plano.
Basicamente, a primeira instância considerou que a operação em causa “é totalmente inócua para o efeito de cobrir prejuízos”, partindo dessa constatação para concluir pela inadmissibilidade da operação, sem justificação em nosso entender, porquanto não decorre do citado regime que a ponderação da legalidade da operação deva ser feita nessa vertente:  não decorre do art. 198.º que a redução do capital com a finalidade em apreço só tenha valia quando ocorra uma efetiva (e significativa, na economia da decisão recorrida) eliminação de perdas. Essa exigência não decorre nem da letra do art. 198.º nem da ratio legis, o que bem se compreende porquanto inviabilizaria, na prática, este tipo de operações [ [17] ]. Acrescente-se que também não impressionam as referências feitas pelo tribunal à defesa do “corpo acionista” da devedora, desde logo considerando o cenário alternativo, de liquidação do património da sociedade e consequente extinção da mesma.
Como muito sugestivamente refere Maria do Rosário Epifânio, no parecer junto aos autos pela apelante:
“Em terceiro lugar, "a operação de acordeão «total» envolve uma efectiva redução do capital a zero, por falta de correspondência patrimonial, resultante de perdas ou prejuízos havidos; [...] essa falta de correspondência ou cobertura patrimonial significa que as «entradas» que estão na base das participações também se perderam, deixando estas igualmente de ter correspondência patrimonial e correndo os titulares o risco dessa perda; além disso, a redução do capital significa ficarem as participações sem o necessário valor nominal; daí a sua extinção, concomitante com o aumento de que depende a redução" (MENDES, Evaristo, Operação Unitária de Redução e Aumento do Capital Afetado por Perdas (Operação de harmónio ou acordeão), PARECER (ano: 1999), p. 4.)
Para além de que, a redução do capital a zero "para cobertura de prejuízos" (em rigor, de perdas) é "um reajustamento nominal ou formal da cifra do capital (ao respectivo valor patrimonial de referência, que é um valor contabilístico, o da situação líquida) "(NUNES, Vitor Sérgio de Castro, "As Operações Acordeão" nas Sociedades Anónimas, dissertação de mestrado, Lisboa, 2005, pp. 145 e 146. Também, ANTUNES, José Engrácia, Da Redução do Capital Social, in: "Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hõrster", Almedina, Coimbra, 2012, p. 589). Ou seja, a redução do capital a zero "para cobertura de prejuízos" não pode nunca confundir-se com a redução do passivo, muito menos com a sua eliminação total, uma vez que visa, apenas e só, repor o capital social, para fazer face a uma situação de perda (de capital). Isto porque, como afirmámos supra, o capital social é tão-só uma cifra que "funciona como uma espécie de linha de fronteira meramente ideal ou "imaginária" (na imagem plástica e celebérrima de Jean Thaller cunhada há um século), que poderá ser deslocada para cima (aumento de capital: cf. artigos 879 e segs. do CSC) ou para baixo (redução de capital: cf. artigos 94. º e segs. do CSC (ANTUNES, José Engrácia, Da Redução do Capital Social, in: "Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hõrster", Almedina, Coimbra, 2012, pp. 584 e 585. THALLER, Jean, De L'Augmentation du Capital par Transformation en Actions, Soit du Passif, Soit des Réserves de Ia Société, in: "Annales de Droit Commercial Français, Étranger et International", 1907, p. 194).
 Em suma, sobretudo no contexto de um plano de recuperação, a redução do capital a zero permite expurgar a sociedade das participações (e não do passivo) que já se perderam e injetar sangue novo (participações novas) por forma a facilitar a obtenção de financiamentos avultados (na ordem dos 7 milhões de euros, que não serão seguramente fáceis de conseguir) de que tanto depende a recuperação da INSOLVENTE” [ [18] ].
Afastamo-nos, pois, da orientação propugnada por Carolina Cunha, em parecer também junto aos autos, agora pela interveniente MV & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.[ [19] ] [ [20] ]. 
Concluindo, constando da proposta do plano de insolvência apresentado pela credora uma providência com reflexos na estrutura do capital social, por via de uma operação harmónio – com redução do capital social, com a finalidade de cobertura de perdas, para zero, e subsequente aumento de capital, a ser subscrito pelos credores com hipotecas de primeiro grau ou por quem estes indicarem –, a admissibilidade dessa medida depende apenas da conformidade do valor do aumento com o montante correspondente ao mínimo legal para cada tipo de sociedade (art. 198.º, nº2, alínea a) do CIRE); no caso de sociedades anónimas, esse mínimo é de  50.000,00€ (art. 276.º, nº5 do CSC).
Assim, não pode o tribunal recusar oficiosamente a homologação do plano, ao abrigo do disposto no art. 215.º do CIRE, com fundamento em que a medida é “totalmente inócua para o efeito de cobrir prejuízos” atenta a “desproporção” entre o valor do aumento do capital social (50.000,00€) e o “valor dos créditos sobre a insolvência”, que ascende a mais de duzentos e setenta milhões.
No contexto apontado, o tribunal não se pode substituir aos credores no exercício da liberdade de estipulação do conteúdo do plano, competindo-lhes ajuizar sobre o mérito dessa específica providência, no conjunto do plano, como medida de saneamento da empresa devedora, escrutínio que exercem por via do voto.
Pelo exposto, ao contrário do que considerou a primeira instância, o plano de recuperação apresentado e aprovado pela maioria legalmente exigida, quanto a esta específica providência, não contém qualquer vício de conteúdo que justifique a recusa de homologação.

4. Do tratamento diferenciado entre os credores da insolvência
O juiz pode, oficiosamente, recusar a homologação, verificado o condicionalismo previsto no art. 215.º ([n]ão homologação oficiosa) e pode igualmente fazê-lo a solicitação dos interessados, nas hipóteses contempladas no art. 216.º ([n]ão homologação a solicitação dos interessados); os fundamentos da recusa oficiosa são de vária ordem, a saber, a violação não negligenciável (a) de regras procedimentais, (b) das normas aplicáveis ao seu conteúdo [ [21] ], seja qual for a sua natureza e (c) quando, “no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”.
No caso em apreço, a primeira instância considerou existir fundamento para a recusa oficiosa, considerando que ocorre “uma violação do princípio da igualdade”.
Importa, pois, apreciar se do plano resulta um tratamento diferenciado ou desigual entre os credores, sem que se alcance razão objetiva para tal [ [22] ], em violação do princípio da igualdade dos credores consagrado no art, 194.º [ [23] ], sendo que é admissível a derrogação desse princípio desde que fundadamente; uma razão objetiva suscetível se suportar essa diferenciação é a diferente classificação dos créditos (artº 47º, nº 4) – principio par conditio creditorum [ [24] ] [ [25] ].
Como se referiu no acórdão do TRC de 17-03-2015, “a cláusula da igualdade a que o plano está submetido não garante a cada credor o mesmo tratamento ou benefício que é atribuído a outros; garante-lhe apenas que, na concessão do benefício ou na imposição do sacrifício, o credor será tratado com igual preocupação e respeito, ou seja, o princípio da igualdade não garante a cada credor o mesmo tratamento – mas antes o tratamento como igual.
A igualdade – material – dos credores conduz, inevitavelmente, a um padrão de controlo da sua observância que remete para juízos de valoração que incidem sobre os fundamentos ou os critérios que pretendem justificar, em caso de desigualdade de tratamento, a distinção ou discriminação, levada a cabo pelo plano e, em caso de igualdade, a equiparação ou indiferenciação produzida” [ [26] ].
No caso, os créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência na lista a que alude o art. 129.º, constante do apenso de reclamação de créditos (e junta como anexo VI ao plano), no valor global de 271.484.653,44€, foram delimitados no plano nestes termos [ [27] ]:


Natureza Não condicionais Condicionais Total
Créditos Garantidos € 232.471.142,71 € 1.996.190,15  €234.467.332,86)
Créditos da Fazenda Nacional (comuns) € 140.858,11 € 1.150.000,00 € 1.290.858,11
Créditos Comuns € 18.877.280,92 € 14.826.008,81 € 33.703.289,73
Créditos Subordinados € 2.023.172,75 € 2.023.172,75
TOTAL € 253.512.454,49 € 17.972.198,96 € 271.484.653,44

No plano aprovado propõe-se o pagamento dos créditos nos termos enunciados sob o número 1 da factualidade relevante supra indicada, ou seja, em termos diferenciados, resultando dos elementos constantes dos autos que:
- Os créditos do Estado (Fazenda Nacional) são integralmente pagos (incluindo capital, juros vencidos e vincendos, custas, coimas e demais acréscimos) [ [28] ], o que não aconteceria num cenário de liquidação, conforme é indicado no plano, porquanto o Estado nada receberia, o que não suscita controvérsia;
- Os créditos que gozam de garantia real de 1º grau (hipoteca) [ [29] ], são integralmente pagos; os titulares desses créditos [ [30] ], em caso de liquidação lograriam obter integral pagamento, sendo o valor do ativo da insolvente suficiente para esse efeito, mesmo salvaguardando previamente o pagamento das dívidas da massa insolvente [ [31] ], o que também temos por inequívoco;
- O pagamento de todos os demais créditos (à exceção dos subordinados), a saber, créditos garantidos com hipoteca de 2.º, 3.º, 4º, 5º, 6º, 7.º e 8.º graus, créditos garantidos com penhor [ [32] ] [ [33] ] e créditos comuns é feito com um perdão parcial da dívida, ainda que em valores diferentes relativamente aos créditos também garantidos por penhor sendo que, grosso modo, para os credores comuns e os garantidos que a eles são equiparados o perdão da dívida é de 85%.      
- Quanto aos créditos sob condição suspensiva e créditos controvertidos o plano remete, em síntese, para a estipulação feita para os créditos da mesma classe.   
- Quanto aos créditos subordinados, está previsto o perdão total, abrangendo o capital, juros, “penalidades e quaisquer outros acréscimos ou importâncias”.
Relativamente às condições e prazos de pagamento é estabelecida a seguinte distinção:
- O Estado é pago, sem período de carência, em prestações (150), vencendo-se a 1ª no prazo de 30 dias após a homologação do plano e as demais no mesmo dia dos meses subsequentes;
- Quanto aos demais credores, o pagamento está previsto que seja feito com um período de carência de três anos a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, sendo o pagamento feito em prestações anuais (iguais e sucessivas), mais precisamente, 12 prestações para os créditos garantidos por hipotecas de 1º grau e, para os demais, 20 prestações (as primeiras 12 prestações com reembolso de 2% e as últimas 8 de 13%).
Da análise do plano, quanto às providências com incidência no passivo, verifica-se, pois, que se operou uma distinção consoante a classe dos créditos, mormente entre alguns créditos garantidos e os créditos comuns, o que temos por correto como decorre do que se referiu.
Convocou-se, ainda, outro elemento de ponderação para estabelecer diferenças entre os vários credores [ [34] ], na medida em que se fez apelo, num juízo de prognose, ao confronto entre a situação desses credores num cenário de liquidação versus um cenário de recuperação da empresa, o que igualmente temos por correto. Como se sabe, o art. 216º [ [35] ] impõe ao credor que solicita a não homologação do plano o ónus de alegar e provar que se verifica uma das situações a que aludem as alíneas a) e b) do nº1 do preceito [ [36] ]. Trata-se de uma apreciação casuística, que deve ser feita com base num juízo de prognose, pondo em confronto, no caso da alínea a), a situação que para o credor resulta da execução do plano de pagamento aprovado, nos termos que resultam do mesmo – nomeadamente quanto a valores e prazos de pagamento – e aquela situação em que previsivelmente se encontraria em caso de prosseguimento do processo sem qualquer acordo, sendo que se trata de uma demonstração com base num critério de verosimilhança, de plausibilidade, como expressamente mencionado no preceito. Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda o modo como se acha formulada a al. a) “implica que na prova da situação nele evidenciada se procede a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele. Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. Quanto ao devedor, sócios, associados e membros, trata-se de avaliar eventuais remanescentes conforme se opte, ou não, pela alternativa à liquidação do património.
Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exactamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.
Casos haverá, porém, em que a prova não será tão difícil, como sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento – ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior á estabelecida no plano” [ [37] ].
O que ressalta do plano aprovado é que, nessa vertente, têm um tratamento mais favorável, com justificação,  os credores que são titulares de hipotecas de 1º grau, porquanto, como se referiu, em cenário de liquidação sempre teriam assegurado o pagamento integral dos créditos respetivos; foi ponderado, para todos os demais credores, que nada receberiam num cenário de liquidação, mesmo aqueles cujos créditos gozam de hipoteca de 2º, 3.º e 4.º graus e, nesse contexto, considerou-se, basicamente que os credores garantidos por hipoteca que não de 1.ºgrau seriam equiparados aos credores comuns, que também nada receberiam num cenário de liquidação, tendo a proponente optado por um pagamento nivelado para todos, ainda que com especificidades relativamente aos credores garantidos também  por penhor; aceitando-se que o pagamento de 15% representa um perdão significativo da dívida, ainda assim não pode ter-se aquele valor como insignificante ou irrisório, até ponderando o valor elevado de alguns dos créditos hipotecários que não de 1º grau, salientando-se que a apelante proponente também é titular de créditos hipotecários de 2.º, 3.º, 4.º, 5º, 6º, 7.º e 8.º graus, atingindo estes o montante global de 86.215.091,05€ sujeitando-se, pois, quanto a estes créditos, às mesmas condições de pagamento que os demais credores – cfr. a factualidade indicada sob o número 2.
Saliente-se que, nos termos do plano, os novos acionistas da devedora – sejam os credores com hipotecas de 1º grau, sejam terceiros que estes indiquem com vista à subscrição das ações na sequência do aumento de capital – podem ser chamados a cobrir dívidas da massa insolvente e a prestar financiamentos, nos moldes consignados no plano [ [38] ] [ [39] ], com o custo de oportunidade e o risco que uma aplicação de capital sempre envolve, por mínimo que seja. Acrescente-se que é também nesse quadro e de acordo com um escrutínio de evidência que se pode aceitar a previsão do pagamento de uma taxa de juros remuneratória de 2% aos credores garantidos com uma hipoteca de 1.º grau [ [40] ]: existe seguramente, como se explicitou, a sua associação a uma álea, ponderando que num cenário de liquidação estes credores teriam o pagamento salvaguardado a curto prazo.
No que respeita ao valor do ativo da devedora, divergindo os intervenientes quando ao valor do empreendimento C-  Valverde Resort  SPA- Hotel Apartamento, é apodítico que uma venda executiva, particularmente no contexto da insolvência, com prazos de liquidação pré-definidos, tende quase inevitavelmente a gerar uma transação por valor inferior àquele que decorreria do normal funcionamento do mercado; assim e ponderando até o “valor de referência” indicado na proposta aludida no número 5 da factualidade assente, tendemos a considerar que o montante de 190.799.517,00 € indicado no relatório de avaliação junto pela N Comunicações SA – cfr. o número 4 dos factos provados – suscita reservas, o que obsta à sua ponderação em termos de avaliação do plano.        
Afastamo-nos, pois, genericamente, da apreciação do caso feita pelo Senhor Juiz, na abordagem que fez sob a epígrafe “[d]o princípio da igualdade entre os credores”, mormente quando refere, partindo de pressupostos de facto e de direito que temos por inconsistentes, o seguinte:
“Nos presentes autos alega-se pretender a recuperação da empresa, mantendo a atividade a cargo da insolvente, mas como facilmente se conclui do acima exposto, o plano não visa esse fim, porque após o seu cumprimento as únicas coisas que restarão da sociedade que se apresentou à insolvência é a atividade desenvolvida que se pretende manter e a designação da respetiva firma. Alega-se também que o plano visa a satisfação dos credores, mas como se conclui, os principais e desproporcionalmente beneficiados serão os credores hipotecários de primeiro grau, com especial incidência para o credor F V, SA. E não seria difícil que o plano apresentado facilmente atingisse o almejado objetivo de satisfazer os credores, blindando a sua homologação. Bastaria, como supra se referiu, que as novas entradas de capital social fossem proporcionais ao valor do ativo da insolvente e que essa entrada acarretasse a extinção integral ou proporcional dos créditos garantidos e titulados pelos novos acionistas, tal como previsto no artigo 216.° n.° 3 alínea a) do CIRE, facilitando e possibilitando o pagamento integral ou quase integral de todos os créditos. Nos presentes autos, não é o que ocorre. Os credores beneficiários de hipoteca de primeiro grau entrando com 50.000,00€ de capital social imediatamente após a sua redução a 00,00€, adquirem por um valor desproporcionalmente baixo a propriedade de património que os próprios alegam valer 91.720.000,00€. Adquirem ainda o controlo da exploração do empreendimento turístico e dos seus rendimentos, pois ficam titulares de 100% do capital social da sociedade que os explora, G - Administração de Empreendimentos Turísticos SA, nos termos do plano e totalmente fora do controlo dos credores da insolvência. Ausência de controlo, designadamente da contabilidade, que tem permitido o não pagamento das rendas devidas por esta sociedade, com a complacência do senhor administrador da insolvência e destes credores, o que facilmente se manteria com a homologação do plano. É manifesto que os credores hipotecários de primeiro grau, não só não sofrem qualquer prejuízo com a execução deste plano, como lucram com o mesmo, independentemente do seu integral cumprimento. A insolvência traduz um contexto de insuficiência económica que incapacita o devedor de solver as suas dívidas. Já o processo de insolvência visa menorizar na medida do possível e de forma justa, equilibrada e proporcional dentro de princípios de igualdade, o prejuízo dos credores do insolvente economicamente incapacitado. Se no conjunto dos credores da insolvência, se destacam credores que ao invés dos demais que irão recuperar ou minimizar o seu prejuízo, acabam por lucrar e bastante com o processo, é forçoso concluir por uma violação inadmissível do princípio da igualdade entre credores” (sublinhado nosso).
Concorda-se com a posição expressa, a este propósito, por Maria do Rosário Epifânio no parecer a que já se aludiu, quando a autora refere, sob a epígrafe “[terceira questão: o valor económico dos créditos dos credores da insolvente”:
“O princípio da igualdade de tratamento dos credores impõe também que, perante a insuficiência do património do devedor para a satisfação integral de todas as dívidas, exista uma igualdade de perdas e de ganhos. Por isso, a lei não permite que, à custa do sacrifício de uns credores, o plano atribua um favorecimento indevido a outros credores: nos termos do artigo 216.º, n.º 1, alínea b) do CIRE, existirá favorecimento indevido quando o plano confere a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido de valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. A fórmula legal desse favorecimento indevido pode ser assim apresentada: Valor Económico dos Créditos > Valor Nominal dos Créditos sobre a Insolvência + Contribuições do Credor.
A invocação deste fundamento parece intimamente ligada à necessidade de salvaguarda do princípio da igualdade de tratamento dos credores. E, a este respeito, repare-se que o legislador atribui não só aos credores, mas também ao devedor e aos seus sócios, membros e associados, a função de guardiões deste princípio, parecendo assim que não se trata para estes sujeitos da tutela de um interesse próprio, mas sim de um princípio fundamental do próprio processo concursal (Veja-se o nosso Os Credores e o Processo de Insolvência, in: "Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hôrster", 719 e 720). Porém, tenha-se em consideração que não se trata de matéria de conhecimento oficioso.
A SENTENÇA que recusou a homologação do PLANO considera que "é manifesto que os credores hipotecários de 1. 2 grau, não só não sofrem qualquer prejuízo com a execução deste plano, como lucram com o mesmo, independentemente do seu integral cumprimento"
Vejamos se assim será.
Comecemos por apurar o valor económico que do PLANO resulta para os credores garantidos por hipoteca de 1.º grau. Para apreciar se o PLANO proporciona aos credores F V, S.A., OCM Opps IX, S.À.R.L., e OCM Opps IX (PARALLELL 2), S.À.R.L., um valor económico superior ao valor nominal dos seus créditos sobre a insolvência, não basta ter em conta os respetivos créditos hipotecários de 1.º grau.
Para fazer este juízo no caso concreto, é preciso ter em consideração os demais créditos hipotecários detidos pelas credoras hipotecárias de 1.º grau. Isto porque o artigo 216.º n.º 1, alínea b), do CIRE toma por referência o montante total que o referido credor recebe à luz do plano e não o montante que esse credor recebe por conta de determinado crédito. E efetivamente, as credoras F V, S.A., OCM Opps IX, S.À.R.L., e OCM Opps IX (PARALLELL 2), S.À.R.L., são, não só, credoras hipotecárias de 1.º grau, mas também, em simultâneo, credoras hipotecárias de 2.º, 3.º, 4.º e 5.º graus (cf. SII a 515 do elenco de factos constante do capítulo 1.1 acima). Ora, os créditos hipotecários de 1.º a 5.º grau destas três credoras ultrapassam os 213 milhões de euros. E, além disso, a credora F V, S.A. é ainda credora hipotecária de 6.º a 8.º grau (cf. 516 a 518 do elenco de factos constante do capítulo 1.1 acima). Na verdade, o valor nominal dos créditos detidos pelas credoras hipotecárias de 1º grau (e 2.º a 8.º graus) é € 225.999.563,47 (cf. § 11 a §18 do elenco de factos constante do capítulo 1.1 acima).
Mas, este valor não é ainda o valor económico dos créditos, pois devemos ainda proceder a uma atualização; à data de hoje, não só dos pagamentos previstos ao abrigo do PLANO ao longo dos seus 23 anos de vigência, como também do valor residual do Hotel C.
Assim, o valor atual (com referência a 30 de junho de 2018) dos fluxos financeiros previstos no PLANO (incluindo o valor residual do Hotel C no final do PLANO) é de cerca de 135 milhões de euros (cfr. anexo VIII do PLANO, que foi dado integralmente como provado peto facto provado 1 da SENTENÇA).
Isto significa que, contas feitas, o PLANO proporciona às credoras hipotecárias de 1.º grau (…) um valor económico de 135 milhões de euros.
Consequentemente, podemos concluir com segurança que o valor nominal dos créditos sobre a insolvência detidos pelas credoras hipotecárias de grau (…) ultrapassa o valor económico que estas credoras irão receber ao abrigo do PLANO em mais de 90 milhões de euros.
Em terceiro e último lugar, a lei exige que se tenha em consideração as eventuais contribuições que o credor deva prestar (artigo 216.º, n.º 1, alínea b), do CIRE). Efetivamente, se está em causa uma proibição legal de enriquecimento indevido de um credor, deve atender-se também a todo o esforço financeiro que do plano resulta para esse mesmo credor (Assim, entre nós, FERNANDES, Luís A. Carvalho/LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 32 edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, p. 788, nota 9.). Ora, o PLANO estabelece que os novos acionistas da INSOLVENTE (as credoras hipotecárias de 1.º grau ou quem estas indiquem para o efeito) se obrigam a conceder-lhe um ou mais financiamentos até ao montante total de € 7.000.000,00 de capital, com vista ao apoio à tesouraria da empresa e à realização de despesas de capital (Capex) nos seus ativos.
Podemos, assim, preencher a nossa fórmula com os dados referidos e concluir que não há favorecimento indevido dos credores hipotecários de 1.º grau, pois: Valor Económico dos Créditos < Valor Nominal dos Créditos sobre a Insolvência + Contribuições do Credor, ou seja,
€135 milhões de euros < € 225.999.563,47+ € 7.000.000,00
Do exposto, resulta que não existe fundamento legal para a recusa de homologação nos termos do artigo 216.º n.º 1, alínea b .
Não podemos por isso acompanhar a tese da SENTENÇA e que voltamos a transcrever: "É manifesto que os credores hipotecários de primeiro grau, não só não sofrem qualquer prejuízo com a execução deste plano, como lucram com o mesmo, independentemente do seu integra: cumprimento". Não é, de todo, esse o caso” [ [41] ].
Por último, há evidente favorecimento do crédito do Estado, o que entendemos não merecer censura, considerando que estamos perante créditos por impostos, sendo do interesse público a sua cobrança – particularmente num país em que são conhecidas as dificuldades orçamentais –, salientando-se em todo o caso que, por ora, o valor em causa se queda pelos 140.858,00€, como resulta do que já se indicou.
Só deve recusar-se a homologação do plano de insolvência apresentado por um credor – plano de recuperação -, se se concluir que das estipulações do plano resulta um tratamento diferenciado ou desigual entre os credores, sem que se alcance razão objetiva para tal; não é o que acontece quando a diferenciação de tratamento é justificada em função (i) das classes de créditos, (ii) da ponderação da situação em que os vários credores se encontrariam num cenário alternativo de liquidação e (iii) com base numa avaliação feita num quadro em que, de acordo com um escrutínio de evidência, os elementos constantes do processo também não indiciam que qualquer credor obtenha, por via do plano de recuperação, vantagens patrimoniais desrazoáveis ou indevidas.
Em suma, também quanto a este fundamento se impõe considerar que não ocorre a apontada “violação do princípio da igualdade”, nos moldes em que a primeira instância tratou a questão.
5. Da responsabilidade quanto a custas
A interveniente M V & Associados - Sociedade de Advogados, R.L., deduziu em sede de recurso oposição infundada, uma vez que propugnou a confirmação da sentença recorrida, sem êxito como se viu. Assim, deve ser responsabilizada pelas custas que forem devidas na presente fase recursiva, atento o disposto no art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC.
Quanto às custas devidas na primeira instância, devem ser a cargo da insolvente, com taxa de justiça reduzida a 2/3 (art.ºs 301.º e 302.º nº 2).
*
Pelo exposto, julgando procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida e decide-se homologar o Plano de Insolvência apresentado pela credora/apelante F V SA em 29-01-2018, alusivo à sociedade devedora I - Valverde - Gestão e Investimentos Turísticos SA.
Custas pelo recurso a cargo da interveniente M V & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.
Quanto às custas devidas na primeira instância, são a cargo da insolvente, nos moldes indicados.
Notifique, comunicando-se ainda este acórdão à primeira instância.

Lisboa, 07-07-2022
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________
[1] Por apresentação, datando o requerimento inicial de 05-06-2013.
[2] Proposta apresentada em 29-01-2018; na mesma data foi apresentada pela credora um “certificado de avaliação” da autoria de CBRE, com data de avaliação fixada em 01-07-2016 e que constitui um dos anexos à proposta.
[3] A decisão foi proferida na sequência do acórdão do TRL de 30-04-2019, que incidiu sobre a sentença proferida em 28-05-2018, tendo por objeto a apreciação da referida proposta apresentada pela credora em 29-01-2018.
A sentença tem o seguinte segmento dispositivo:
“ 4. Decisão.
Pelo exposto: 
- Declara-se não verificada a invocada exceção de litispendência.
- Declara-se a intempestividade do pedido de não homologação apresentado por MV & AS de Advogados R.L., não se conhecendo consequentemente do mesmo.
- Declara-se não ter legitimidade para apresentar pedido de não homologação do plano de recuperação AM, não se conhecendo do pedido apresentado, no que respeita a este credor; 
- Declara-se a irregularidade de representação da sociedade I II para apresentar pedido de não homologação do plano de recuperação nos autos, não se conhecendo do pedido apresentado, no que respeita a este credor; 
- Homologa-se por sentença, nos termos do art.º 214º do CIRE, o plano de insolvência aprovado nos presentes autos, em assembleia de credores da sociedade IPV – GIT S.A., realizada no dia 23.04.2018.
Com a sentença de homologação produzem-se os efeitos previstos no art.º 217º CIRE.
Custas pela insolvente, com taxa de justiça reduzida a 2/3, (art.ºs 301º e 302º nº 2 do C.I.R.E.).
Registe e notifique.                                                             
Corrija-se a data constante da ata inclusa de fls. 2790 a 2796, devendo passar a constar 23-04-2018, onde consta 23-04-2017”.
O acórdão (que se encontra publicado in www.dgsi.pt) tem o seguinte segmento dispositivo:
“V – Decisão
Termos em que se decide:
- julgar parcialmente improcedente a apelação do Credor 6 e confirmar a decisão recorrida na parte em que não conheceu do pedido de não homologação do plano de insolvência por motivos não oficiosos;
- julgar parcialmente procedente a apelação dos Credores 1, 2, 3 e 4 e, consequentemente, anular a decisão recorrida que homologou o plano de insolvência, devendo ser proferida uma nova decisão sobre a questão depois de facultado aos aludidos credores a possibilidade de exercerem o contraditório relativamente aos documentos juntos com a resposta ao seu pedido de não homologação do plano.
Custas da apelação do Credor 6 pelo respectivo apelante, fixando-se a taxa de justiça global (em função do valor da causa, da complexidade do recurso e da capacidade contributiva evidenciada) em 4.000 €, dispensando-se o demais remanescente.
Custas da apelação dos Credores 1, 2, 3 e 4 pelos respectivos apelados (a Insolvente, o Credor 8, a Presidente da Comissão de Credores e o Membro 2 da Comissão de Credores, conjuntamente, fixando-se a taxa de justiça global (em função do valor da causa, da complexidade do recurso e da capacidade contributiva evidenciada) em 4.000 €, dispensando-se o demais remanescente.
Valor: 99.793.000,00 €”.      
[4] Que aqui não se transcrevem atenta a ausência de conclusões.
[5] Por lapso manifesto, que ora se retificou, na sentença recorrida a remessa foi feita para o número “7 i)”.
[6] A que esta Relação tem acesso, por consulta eletrónica.
[7] A credora N COMUNICAÇÕES, S.A. pediu a destituição do administrador da insolvência, tendo sido proferida decisão em 08-11-2021, que indeferiu essa pretensão, decisão objeto de recurso, tendo sido proferido acórdão em 21-06-2022 que confirmou a decisão da primeira instância (apenso S).
[8] O relatório começa nestes moldes:
“Data do Relatório              18 de Julho de 2016.
Destinatário         I VALVERDE S.A.
Identificação da Propriedade           Hotel C
Descrição da Propriedade Hotel 5 estrelas e 82 residências.
Instrução              De acordo com as instruções do Cliente, determinar o Valor de Mercado com limitação temporal de venda.
Data de Avaliação              1 de Julho de 2016.
Condição do Avaliador      Independente.
Propósito da Avaliação     Processo de insolvência
Valor de Mercado com Restrição Temporal de Venda              €99.793.000
(NOVENTA E NOVE MILHÕES E SETECENTOS E
NOVENTA E TRÊS MIL EUROS)
A nossa conclusão de Valor de Mercado é válida à data da avaliação e enquanto se mantiver a situação económica e do mercado imobiliário a essa mesma data”.
[9] Sem prejuízo de se aceitar referências pontuais relevantes, como no caso até aconteceu relativamente a outras matérias.
[10] Ou operação “acordeão”.
[11] Com referência às duas decisões proferidas, em sentidos divergentes, incidindo sobre o (mesmo) plano de insolvência apresentado pela apelante, é evidente que o tribunal é o mesmo, mas cumpre acentuar que foram proferidas por juízes diferentes, sendo que o segundo juiz não está obviamente vinculado pela anterior decisão que, na parte que ora interessa, foi anulada pelo tribunal superior.
[12] Destaques constantes da própria decisão.
[13] Como é o caso, considerando, linearmente, o valor do passivo, superior a duzentos e setenta e um milhões de euros, por confronto com o ativo aludido no número 8 dos factos provados e independentemente do entendimento que se tenha quanto ao valor do património, linearmente, o empreendimento “C Algarve” (99.793.000,00€, numa avaliação do “[v]alor de mercado com limitação temporal de venda” versus 190.799.517,00€); ou seja, é evidente que o valor do capital próprio da empresa é negativo, independentemente da sua concreta medida.
[14] Ou em simultâneo.
[15] Que é de 50.000,00€ para as sociedades anónimas (art. 276.º, nº5 do CSC), exatamente o valor indicado no plano como correspondendo ao aumento do capital.
[16] Do ponto de vista linguístico, a diferença entre a preposição simples ("de") e a sua contração com os artigos definidos ("do(s)"/"da(s)") reside no facto de a primeira forma ser mais genérica do que a segunda, sendo esta, consequentemente, mais específica, já que a presença do artigo definido "o(s)"/"a(s)" implica uma particularização e individualização de seres, objetos ou coisas da realidade.
A expressão "cobertura de prejuízos" traduz a referência a uma categoria em abstrato; mas "cobertura dos prejuízos" implica terem sido já previamente definidos, especificados, ou seja, convoca uma análise focada nas circunstâncias concretas do caso.
[17] Concorda-se, pois, com Rui Pinto Duarte, quando, a este propósito, refere em parecer junto aos autos pela apelante:
“Ora, nada na lei exige que uma redução de capital social para cobertura de prejuízos os elimine totalmente e ninguém defende essa opinião – que tornaria as reduções de capital inviáveis quando o capital social não é suficiente para «enxugar» todos os resultados negativos (…).
De resto, é fácil de compreender que numa operação harmónio com redução de capital a zero a probabilidade de eliminação total de prejuízos é igual ou inferior à de ganhar o Euromilhões, pois tal eliminação total só se dará quando o valor dos prejuízos (normalmente um número «com bicos») for exatamente igual ao valor do capital social (normalmente um número «redondo»). O que acontece em todos os casos de operação harmónio com redução de capital a zero é a eliminação não total dos prejuízos inscritos no balanço.
O terceiro equívoco da fundamentação da sentença na parte sob análise está na ideia de que a redução de capital para cobertura de perdas depende de uma qualquer proporção entre o seu valor e o do capital social espelhado na seguinte afirmação, também integrada em trecho antes transcrito: «[…] a cobertura de prejuízos apenas se poderia fazer mediante um aumento proporcional de capital social.» (pág. 17).
(…)
Antes da demonstração de que se trata de mais em equívoco, nota-se que também este é repetido nas contra-alegações da credora M V & Associados, nomeadamente na seguinte passagem:
«Certamente que no cenário concreto dos autos, apresentando a empresa recuperada uma situação líquida negativa superior 170 milhões de euros (diferença entre o valor dos ativos e o valor dos créditos reconhecidos), não será um aumento de capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) que equilibrará essa situação patrimonial líquida.
É manifesto que, havendo um aumento de capital para cobertura de (ou dos) prejuízos, esse terá de contemplar pelo menos um valor equivalente às dívidas vencidas (créditos reconhecidos) que suporte a anulação desse desequilíbrio – sendo que no caso, a recorrente ou entra com valores em dinheiro de montantes equivalentes ou, como seria mais normal e expectável, converte créditos em capital – o que facilmente se conclui que não acontece no plano de recuperação apresentado pela recorrente.» (pág. 9)
Não há aumentos de capital social para cobertura de prejuízos. Um aumento do capital social gera um aumento do capital próprio, mas não elimina prejuízos. A eliminação de perdas ocorre por efeito da redução do capital social - o que é o mesmo que dizer que a cobertura de perdas elimina capital social (totalmente se os prejuízos cobertos forem de valor igual ao do capital social).
No quadro de uma «operação harmónio», o valor do aumento de capital social subsequente à sua redução (indispensável à manutenção da sociedade, no caso de redução a zero) é independente do valor das perdas eliminadas, sendo livremente fixado por quem tem o poder de decidir (sendo as únicas condicionantes as regras sobre mínimos de capital social, mormente a do n.º 5 do art. 276 do CSC que para as sociedades anónimas fixa esse mínimo em € 50.000,00).
Tal independência entre o valor das perdas registadas no balanço e o valor do capital social (salvo quanto à proporção entre o valor da redução do capital social e o valor dos prejuízos eliminados) é de justificação reforçada no ambiente insolvencial, porque neste é viável articular medida alteração do capital social com outras que, não incindindo sobre o capital social, também se refletem no capital próprio, nomeadamente medidas de redução do passivo – como no caso sucede. Na verdade, o retrato completo do capital próprio da sociedade insolvente após um plano como aquele que os credores aprovaram na situação em análise só se obtém pela consideração do conjunto das medidas aprovadas: a melhoria do capital próprio não vai resultar apenas (e, no caso, sobretudo) da operação harmónio, mas também da redução do passivo, que naturalmente determinará a alteração do valor do património líquido e o da sua expressão contabilística (o capital próprio).     
Como se escreveu atrás, foram reconhecidos créditos sobre a insolvência no montante global de € 271.484.653,44, o que significa que o passivo da Insolvente, antes do Plano, é desse valor (sem contar com as dívidas da massa insolvente). As medidas do Plano com incidência no passivo implicam a redução do mesmo para cerca de 178.000.000,00. É sobretudo daí que resulta a grande alteração do valor do capital próprio: passará de € 89.851.301,00 negativos para um valor só marginalmente negativo: cerca de € 1.100.000, 00. 
 Nenhum preceito legal ou princípio exige que uma «operação harmónio» elimine a totalidade dos prejuízos existentes ou que determine que a situação líquida dela resultante seja positiva – o que, aliás, é coerente com a inexistência de qualquer regra legal ou princípio que imponha congruência entre o capital social e o objeto social . O facto de, após a «operação harmónio», o balanço continuar a registar resultados negativos, incluindo de valor superior ao capital social, não é modo nenhum ilícito.  
Poderá gerar para os sócios dificuldades de relacionamento com o «mercado», em especial com alguns possíveis novos credores, mas a lei não impede isso.
 Mais: no quadro da insolvência, essas dificuldades até tendem a não existir ou a ser muito menores do que no «ambiente normal». Havendo um plano de insolvência que defina quem são os credores, os valores dos seus créditos e os prazos de pagamento dos mesmos, as relações da empresa com os mesmos estão disciplinadas, pelo que o que conste do balanço quanto às rubricas do capital próprio tende a ser menos relevante do que no «ambiente normal». Relevante é o conhecimento do ativo e das possibilidades da sua rendibilização de modo a assegurar simultaneamente a atividade normal da empresa e os pagamentos a credores previstos no plano da insolvência.
 Acresce que o Plano (n.º 6.7) prevê que os novos acionistas da Insolvente lhe concederão «um ou mais financiamentos até ao montante global de € 7.000.000,00 de capital, destinados a apoio à tesouraria da empresa e à realização de despesas de capital (Capex) nos seus ativos», valor esse que naturalmente contribuirá para a solvência da empresa”.
[18] Ressalva-se que as referências de autoria são inseridas pela autora em nota de rodapé.
[19] Cfr. fls. 17 a 36 do parecer.
[20] Afigurando-se-nos que não se retira da posição adotada por Maria do Rosário Epifânio sentido diferente daquele espelhado no parecer junto aos autos. Pode ler-se, in Manual de Direito da Insolvência (janeiro de 2019), Coimbra: Almedina, 7ª edição, p. 350:
“Segundo o art. 198, nº2, alínea a), o plano pode “prever uma redução do capital social para cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou outro montante inferior ao mínimo estabelecido na lei para o respetivo tipo de sociedade, desde que, neste caso, a redução seja acompanhada de aumento do capital para montante igual ou superior àquele mínimo”. Pode consistir apenas numa redução do capital para cobertura de prejuízos ou numa redução do capital seguida do seu aumento. Quanto à primeira hipótese, trata-se de uma “modificação dos estatutos que consiste na substituição do montante do capital (elemento essencial obrigatório daqueles), que consta da cláusula do contrato vigente nesse momento, por um montante inferior, implicando necessariamente uma operação contabilística: uma (nova) cifra de capital de montante inferior figurará no passivo, permitindo o reequilíbrio das contas sociais, pela adequação daquela ao património existente”(CUNHA, Paulo Olavo, Providências Específicas do Plano de Recuperação de Sociedade in: “I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2014, p. 119). Quanto à segunda hipótese, trata-se da conhecida “operação acordeão”, também designada pela doutrina de “operação harmónio” que “consiste em reduzir o capital social nominal – reduzindo proporcionalmente as participações sociais – e, simultaneamente aumentá-lo através de novas entradas a realizar pelos sócios” (Domingos Paulo de Tarso, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, pp.547 e 548). Estas novas entradas podem ser realizadas em dinheiro ou em espécie (máxime, através da conversão de créditos em capital”.                   
[21] Quanto ao conteúdo do plano, cfr. o disposto nos arts. 195.º e 196.º.
[22] Sendo relevante verificar se o proponente (seja a devedora, um credor ou o administrador da insolvência) aduz na proposta que apresenta qualquer motivo justificativo.
[23] Com a seguinte redação:
Princípio da igualdade
1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
 3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.
[24] Outra razão poderá ser a de salvaguarda do interesse público de manutenção de empresas viáveis, parecendo-nos que se insere nesta linha o ac. STJ de 25-03-2014, processo 6148/12.1TBBRG.G1.S1 (Relator: Fonseca Ramos), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais arestos a que aqui se fizer referência, assim sumariado:
1. Com a Reforma de 2012, o CIRE mudou de paradigma, tendo agora como desiderato principal a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano o que antes era o objectivo precípuo do diploma – a liquidação como meio de sanear a economia de empresas que não geravam riqueza.
2. O art. 194º, nº1, do CIRE consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto em que, implicitamente, ressalva excepções assentes em “diferenciações justificadas por razões objectivas”. O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente.
3. No processo falimentar, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos, abrindo-se duas vias; a da liquidação da empresa ou a sua recuperação. Daí que, tendo em conta a tendencial igualdade dos credores no processo falimentar – “par conditio creditorum” – haverá que não esquecer que, decretada a insolvência, desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social, nos termos do art. 97º, nº1, al. a) do CIRE.
4. O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles beneficiam, um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha. Esse direito de crédito pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana – art. 1º da Lei Fundamental.
5. Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública.
[25] Outros atendem ainda à fonte da obrigação de pagamento pela devedora, ou à origem do crédito, distinguindo, em determinadas circunstâncias, no plano dos créditos comuns, entre aqueles contratos que assumem dimensão estratégica para o exercício da atividade pela devedora, de outros que não têm essa relevância. 
[26] Acórdão do TRC de 17-03-2015, Processo: 338/13.7TBOFR-A.C1 (Relator: Henrique Antunes).
[27] Não se fizeram consignar as notas 1, 2 e 3 apostas nesse quadro, conforme o plano, explicativas dos valores aí referidos nos montantes de “€1.996.190,15” e “€234.467.332,86”.
[28] O crédito do Estado é fixado no plano como segue:
“2. Consideram-se créditos da Fazenda Nacional sobre a insolvência os créditos tributários com fundamento anterior à data da declaração de insolvência (artigo 47.º, n.º 1, do CIRE), juntamente com os respetivos juros vencidos e vincendos, custas, coimas e demais acréscimos, incluindo:
(i) Um crédito por Imposto do Selo e respetivos juros e custas, no valor de € 140.858,11 (acrescido de juros vencidos e vincendos, coimas, custas e demais acessórios), relativo ao processo de execução fiscal n.º 385920100104700;
(ii) Um crédito condicional por “contingências” no valor de € 1.150.000,00 (acrescido de juros vencidos e vincendos, coimas, custas e demais acessórios), relativo ao processo de execução fiscal n.º 1082201001054015 (7); e
(iii) Um crédito de IVA no valor de € 2.133.545,62, apurado por relatório de inspeção tributária de 22 de maio de 2017 (8) (9).                                                 
7 Este crédito condicional (contingências fiscais) apenas será pago na medida em que se verifique a condição suspensiva a que se encontra sujeito.
8 Este crédito de IVA é um crédito controvertido, na medida em que a liquidação que lhe deu origem foi objeto de impugnação judicial pela Insolvente. Nada no presente plano pode ser interpretado como um renúncia ou desistência, expressa ou tácita, relativamente a essa impugnação judicial, a qual prosseguirá os seus termos até final”.
[29] A hipoteca é um direito real que confere ao credor beneficiário o direito de ser pago pelo valor da coisa objeto da garantia, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art. 686.º do Cód. Civil).
[30] Ou seja:
- A ora apelante, no valor de 77.386.444,22€;
- OCM Opps IX SARL, no valor de 32.604.848,32€;
- OCM Opps IX (Parallel 2) SARL, no valor de 299.428,92€, tudo no valor de 110.290.721,46€.
[31] Saliente-se que consta expressamente do Plano que “[o]s credores hipotecários de primeiro grau ficarão automaticamente sub-rogados, para todos os efeitos legais, nos créditos sobre a massa insolvente que tiverem pago, devendo ser reembolsados com a maior brevidade possível, mas sem comprometer a continuidade da empresa”.
[32] Nos termos do art. 666.º do Cód. Civil, o “penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro” (nº1).
[33] Refira-se que a devedora é acionista única da G T Administração de Empreendimentos Turísticos SA mas o ativo desta sociedade consiste, segundo o que é referido no plano, “no direito de explorar esse estabelecimento hoteleiro por trinta anos”, nos termos fixados nos acordos celebrados com a devedora em 10-08-2012, que as partes intitularam de “[c]ontrato de trespasse e definição de condições de exploração” e “[a]cordo de nomeação de entidade exploradora Hotel – Apartamentos C Palácio da Quinta Resort & SPA”, cfr. documentos juntos com a proposta (anexo I).
Cfr., ainda o documento junto sob o Anexo VII alusivo a contrato celebrado em 22-12-2011, que as partes intitularam “penhor de direitos”.
[34] Aqui se incluindo os credores com garantias hipotecárias que não são de primeiro grau e os credores comuns, por confronto com os credores com garantia hipotecária de 1º grau.
[35] Artigo 216.º
Não homologação a solicitação dos interessados
1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
[36] No caso, credores há que requereram a não homologação, matéria que foi apreciada na sentença posteriormente anulada pela Relação. Saliente-se que, notificados da presente decisão recorrida, o único interveniente que apresentou contra-alegações foi a sociedade M Vitorino & Associados - Sociedade de Advogados, R.L. com quem o litígio se estabeleceu na fase recursiva – cfr. os vários requerimentos apresentados a partir da apresentação do recurso, quer na primeira instância quer depois da remessa do processo a esta Relação. Nenhum outro interveniente apresentou contra-alegações, mormente com vista à ampliação do âmbito do recurso (art. 636.º do CPC).  
[37] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 2015, Lisboa: Quid Juris, pp. 786-787.
[38] Consta do plano:
“(J) Dívidas da massa insolvente
1.As dívidas da massa insolvente serão pagas na sua totalidade com os rendimentos da massa insolvente, que se estimam suficientes para o efeito.
2.Caso os rendimentos da massa insolvente venham a revelar-se insuficientes para satisfazer pontualmente as dívidas da massa, os credores hipotecários de primeiro grau que subscreverem o aumento de capital ou que indiquem outrem para o fazer em seu lugar comprometem-se a assegurar o pagamento das mesmas, nos termos legais.
3.Nas relações internas, os credores hipotecários de primeiro grau que subscreverem o aumento de capital ou que indiquem outrem para o fazer em seu lugar respondem pelas dívidas da massa insolvente na proporção dos respetivos créditos garantidos por hipoteca de primeiro grau.
4.Os credores hipotecários de primeiro grau ficarão automaticamente sub-rogados, para todos os efeitos legais, nos créditos sobre a massa insolvente que tiverem pago, devendo ser reembolsados com a maior brevidade possível, mas sem comprometer a continuidade da empresa”.
[39] E ainda:
“6.7 Novos créditos
1.Os novos acionistas da Insolvente conceder-lhe-ão um ou mais financiamentos até ao montante global de € 7.000.000,00 de capital, destinados a apoio à tesouraria da empresa e à realização de despesas de capital (Capex) nos seus ativos.
2.Os acionistas participarão no(s) financiamento(s) na proporção correspondente à sua participação no capital social da Insolvente.
3.O(s) financiamento(s) serão contraídos e disponibilizados a partir da data da sentença homologatória do presente plano de recuperação e ao longo do seu período de vigência, no prazo de 15 dias após notificação dirigida aos acionistas pela administração da Insolvente.
4.O(s) financiamento(s) vencerão juros à taxa anual de 2% sobre o montante efetivamente em dívida em cada momento, numa base atual de trezentos e sessenta e cinco dias. O capital e os juros deverão ser pagos no final do terceiro ano de vigência do plano de recuperação.
5.Nos termos do disposto no artigo 221.º do CIRE, os créditos emergentes do(s) financiamento(s) em apreço, constituídos durante o período de fiscalização, até ao limite global de € 8.250.000,00 (capital e juros), terão prioridade sobre os créditos sobre a insolvência, em novo processo de insolvência aberto antes de findo o período de fiscalização, devendo essa prioridade ser-lhes reconhecida expressamente por escrito, com indicação do montante abrangido e confirmação pelo administrador da insolvência.
6.A prioridade reconhecida no número anterior é igualmente válida face a outros créditos de fonte contratual constituídos durante o período de fiscalização.
7.Os acionistas poderão recusar conceder o(s) financiamento(s) em apreço caso o Administrador da Insolvência não confirme a respetiva prioridade, nos termos do número 5”.
[40] Assim:
“(B) Créditos garantidos por hipotecas de primeiro grau
Os créditos garantidos por hipoteca de primeiro grau sobre o Hotel Apartamento (no valor de € 110.290.721,46) serão pagos nos seguintes termos e condições:
i. Período de carência de capital e juros: três anos a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação;
ii. Reembolso de 100% dos créditos garantidos por hipoteca de primeiro grau – incluindo capital, juros, penalidades, despesas e demais acréscimos, reconhecidos na lista de créditos reconhecidos (artigo 129.º do CIRE) –, sem qualquer perdão ou redução, em 12 (doze) prestações anuais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no dia 31 de Dezembro do quarto ano seguinte ao ano em que ocorrer o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação e as seguintes prestações no mesmo dia dos anos seguintes;
iii. Os créditos garantidos por hipoteca de primeiro grau vencerão juros remuneratórios, calculados sobre o valor efetivamente em dívida em cada momento, numa base atual de trezentos e sessenta e cinco dias, à taxa anual de 2%;
iv. Os juros remuneratórios constituídos durante o período de carência serão capitalizados anualmente;
20/40
v. Os juros remuneratórios serão pagos anualmente, em conjunto com as prestações referidas no ponto ii supra”.
[41] Destaques da autora.