Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5485/09.7TVLSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: NEGLIGÊNCIA MÉDICA
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
PRESUNÇÃO DE CULPA
INDEMNIZAÇÃO
MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Os erros (faltas/lapsos ou enganos) médicos não são, só por si, actos negligentes. São antes os factos a que se aplica a qualificação de negligência, se merecerem esse juízo.
II - Erros médicos podem corresponder ao cumprimento defeituoso de obrigações de meios, isto é, à prova da ilicitude.
III - Provado o cumprimento defeituoso, cabe ao médico o ónus da prova de que o defeito não procede de culpa sua, por força da presunção do art. 799/1 do CPC.
III - Também nas obrigações de meios se aplica a presunção de culpa (art. 799/2 do CC) mas a base de que se parte, sendo a ilicitude, é diferente em relação às obrigações de resultado; ou seja, o que é diferente, ao fim e ao cabo, é aquilo que se tem que provar relativamente ao cumprimento defeituoso da obrigação. É pois quando se discute a prova do cumprimento defeituoso que a diferente natureza da prestação em causa tem influência.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

“A” (= autor) instaurou a presente acção contra o médico “B” (= réu), alegando que em 25/07/1994 se apresentou perante o réu com sintomas de disfunção eréctil; o réu começou a tratá-lo apenas com medicamentos que não tinham a ver com a área da especialidade do réu; no decorrer de 1995, perante o agravamento dos sintomas, o réu decidiu submetê-lo a uma intervenção cirúrgica para resolução da disfunção eréctil, prescrevendo-lhe a realização de alguns exames e análises, sem experimentar quaisquer outras técnicas ou formas de tratamento, nem aconselhar a procura da ajuda de outro médico, como devia ter feito, sobretudo porque os sintomas de que o autor lhe tinha contado – disfunção eréctil, tonturas, suores frios, diminuição da força muscular das pernas, dificuldade de locomoção e desequilíbrio - e os indícios revelados pelos exames e análises efectuados (potenciais eléctricos com ondas dessincronizadas e irregulares. Traçado anormal), indicavam que a causa de doença não era orgânica, mas antes do foro neurológico; realizada a intervenção cirúrgica em 19/10/1995, no verão de 1996 o autor continuava a não apresentar melhoras, pelo que, por indicação de um outro médico, realizou uma TAC crânio-encefálica em 05/07/1996 e em 02/08/1996 uma ressonância magnética crânio-encefálica, que mostraram que o autor podia sofrer de uma esclerose múltipla, o que lhe foi diagnosticado, sem margem para dúvida, depois de o autor ter sido internado de 14 a 21/10/1996, esclerose de que os exames e análises e os sintomas anteriores já eram claros indicadores; assim, não era indicado fazer a intervenção cirúrgica, pois que a causa da disfunção não se situava no plano andrológico mas no plano neurológico; tudo isto provocou danos não patrimoniais ao autor, que valora em 50.000€, designadamente a frustração de não ter podido iniciar mais cedo o tratamento adequado da esclerose, o que permitiu uma evolução mais rápida da doença; e danos patrimoniais: desde logo os 5.000€ como preço da intervenção cirúrgica contra-indicada; e o não ter podido beneficiar da isenção de IRS por tal doença de 1993 a 1995, em valor a liquidar mais tarde; tudo com juros de mora.
O réu contestou, no essencial dizendo que logo na primeira consulta pediu os exames e análises referidos pelo autor; só cerca de 10 meses depois é que o autor fez a consulta de psicologia que lhe tinha solicitado; nunca o autor lhe deu conhecimento de todos os sintomas que descriminou na petição inicial; só na 2ª consulta é que o réu medicou o autor; os resultados dos exames realizados pelo autor apontavam no sentido da existência de uma causa orgânica para a disfunção eréctil, não havendo indícios de que a causa desta fosse outra que não a diagnosticada; foi o autor que optou desde logo por se submeter à cirurgia, afastando a hipótese de se submeter ao regime de auto-injecção com carácter transitório; o parecer do conselho disciplinar regional da secção sul da ordem dos médicos (= CDRSRSOM) foi no sentido de que face aos dados disponíveis não era exigível outro diagnóstico senão aquele a que o réu chegou; só depois da TAC, da RM e do internamento é que foi possível diagnosticar ao autor a esclerose múltipla; impugna os danos invocados, no essencial ou por desconhecimento ou por falta de ligação a actuação que lhe possa ser censurada.
Depois do julgamento, foi proferida sentença condenando o réu a pagar ao autor 5.000€ por danos patrimoniais e 15.000€ por danos não patrimoniais, tudo com juros, absolvendo o réu do demais pedido.
O réu interpôs recurso desta sentença - para que seja revogada - terminando as suas alegações com 38 conclusões que, descontando considerações genéricas, descrições do que se passou no processo ou se disse na sentença e críticas inconsequentes (por não se tirarem consequências de tais críticas) à sentença (é matéria das conclusões 1 a 4), se podem sintetizar no seguinte:
i) a sentença é nula [art. 668/1b) do CPC] por não fazer referência aos elementos de prova de que se serviu para concluir pela negligência médica, apesar de o dever ter feito por força do art. 659 do CPC; ou é nula, noutra versão, por não ter descriminado os factos que considerou provados e não provados, nem ter indicado de forma clara a interpretação legal que deu às mesmas normas e a subsunção que com tal exercício fez para aplicar ao caso em concreto; ou ainda, numa terceira versão, por ter omitido da decisão os factos que considerou provados por documentos, ou os factos que estiveram na base da mesma que se fundamentaram em documentos, apenas referindo que os resultados dos exames médicos realizados contra-indicavam a realização de qualquer intervenção cirúrgica, nomeadamente a realizada pelo réu – é matéria das conclusões 13 a 18.
ii) há outros factos que ficaram provados [para além dos que estão dados como tal na sentença] – é a matéria que está em causa nas conclusões 19 e 20 do recurso;
iii) a considerar-se que existe responsabilidade do réu, quem devia ser condenada era a clínica onde este trabalha, uma vez que o autor se dirigiu directamente à mesma; ao desconsiderar este facto fez-se uma errada apreciação das concretas normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto e ao tipo de apuramento de responsabilidade e a consequência é a nulidade da sentença nos termos e efeitos do previsto no art. 668º/1d) do CPC - é matéria das conclusões 21 a 27.
iv) existem factos (referidos nas conclusões 28 a 31) que permitem concluir que o autor actuou negligentemente e de forma relapsa, agravando assim o seu problema, sendo evidente que tal actuação se enquadra no art. 570º do CC; ao ignorar tal actuação do autor, apesar do juiz ter conhecimento de tais factos, o juiz não aplicou como devia a lei, violando assim o art. 570.º do CC, o que tem novamente como consequência a nulidade da sentença nos termos e efeitos do previsto no art. 668/1d) do CPC (é matéria das conclusões 31 e 32).
v) a obrigação do réu era uma obrigação de meios, não de resultados; o réu não se obrigou a curar o autor; a actuação do médico não foi culposa ou negligente (conclusões 5 a 12 e 33);
vi) os pontos 7.10 a 7.26 do parecer do CDRSRSOM diz que à data em que o autor foi consultado pelo réu era impossível diagnosticar ao autor a esclerose múltipla e que se tratou apenas de um erro de diagnóstico que, naquela data, e com as manifestações existentes, qualquer médico cometeria, erro que levou a uma terapêutica ineficaz, mas não prejudicial (conclusões 34 a 38).
O autor também interpôs recurso desta sentença – para que seja revogada e dê procedência total ao pedido – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se sintetizam):
- O diagnóstico errado feito pelo réu e posteriores tratamentos e intervenção cirúrgica a que o réu submeteu o autor protelaram o diagnóstico da esclerose múltipla, o que implicou a perda da isenção legal em sede de IRS que lhe cabia por inteiro já desde 1993 ou pelo menos desde 1994. Dito de outro modo: se a actuação do réu tivesse sido correcta, não efectuando o diagnóstico que fez nem a intervenção que realizou, o autor teria certamente recorrido mais cedo ao diagnóstico diferenciado que lhe determinou esclerose múltipla, em tempo útil de ver acolhida a isenção de IRS naquele período e sofreria menos danos (o decorrente do atraso do diagnóstico da esclerose múltipla e o sofrimento e ansiedade por esse facto provocados ao autor);
- estes danos não patrimoniais não foram tidos em conta na sentença, tal como não foram devidamente valorados os dados como provados; se o tivessem sido, a indemnização deveria ter sido fixada no valor pedido (de 50.000€), para mais tendo em conta a gravidade dos danos (muito elevado para mais sendo a operação inútil), o grau de culpa do agente (a interpretação de resultados de exames grosseiramente errada por um médico inscrito, como especialista em urologia, na Ordem dos Médicos a quem é exigível e exigido ter conhecimentos técnicos para saber o que faz), a sua condição económica (o réu é um médico especialista, com reputação no mercado, que exerce a sua actividade há décadas e com elevado sucesso, permitindo, pois concluir-se, que devera ser possuidor de desafogada condição financeira) e as demais circunstâncias do caso.
O autor nas suas alegações já teve em conta as alegações do réu que considera improcedentes [salientando-se, entre o mais, as afirmações de que não podem ser tomados em consideração factos novos nem questões novas (princípios da preclusão, da estabilidade da instância e da igualdade das partes) e a invocação do ac. do STJ de 19/02/2004, publicado sob o nº. 03B4161 da base de dados do ITIJ]. O réu não contra-alegou.
O Sr. juiz no despacho previsto nos arts. 668/4 e 744, ambos do CPC, defende que não se verifica nenhuma das nulidades invocadas pelo réu.
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Questões que importa solucionar: as várias nulidades invocadas; a natureza da obrigação médica (se de meios se de resultado) no reflexo que isto possa ter a nível da prova da negligência do réu; a questão da inevitabilidade dos erros cometidos pelo réu; saber se existe protelamento da descoberta da esclerose que possa ser imputado ao réu e, a existir, o relevo dele na questão da isenção do IRS; o valor dos danos não patrimoniais.
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(…)
Assim, são os seguintes os factos que se têm de ter como provados [os factos sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos; colocam-se alguns dos factos por ordem cronológica, na medida do possível e na medida em que melhora a respectiva compreensão]:
1 A partir do início do ano de 1993, o autor começou a apresentar os primeiros sinais de disfunção eréctil, caracterizada pelo aparecimento de uma diminuição significativa da rigidez peniana.
2 Em 1994, o autor, para além da disfunção eréctil começou a sentir falta de força muscular da perna direita.
A) Em 25/07/1994, o autor consultou o réu, director da Clínica “C”, para tratamento da disfunção eréctil de que padecia.
B) O réu é especialista em urologia e andrologia.
D) O réu prescreveu ao autor a realização dos seguintes exames auxiliares de diagnóstico exames de farmaco-cavernosometria dinâmica com rigidometria peniana, electromiografia dos corpos cavernosos, tendo tais exames sido realizados pelo primeiro, em 12/05/1995.
10 O réu havia prescrito os exames (referidos em D)) logo na 1ª consulta, em 25/07/1994.
42 No ano de 1994, o réu só efectuou uma consulta ao autor e, nessa consulta, não foi medicado mas apenas solicitada a realização de exames auxiliares de diagnóstico referidos em D) e ainda rigidometria peniana radial com rigiscan associado a estimulação sexual visual; exame dopller genital com determinação do índice peno-braquial, consulta de avaliação psicológica e análises clínicas.
43 O autor regressou à consulta do réu em 26/05/1995 (2ª consulta) e foi submetido à consulta de psicologia e entregou os resultados dos exames.
44 Da consulta de avaliação psicológica resultou a sugestão de uma terapêutica anti-depressiva com componente ansiolítica e desfatigante.
45 Na 2ª consulta, em 26/05/95, o réu receitou ao autor arcalion e prozac.
9 Os medicamentos prozac e arcalion, não surtiram efeito.
C) O medicamento arcalion, é um desfatigante.
46 O réu tinha competência e conhecimento médicos para prescrever tais medicamentos.
7 O cansaço e a falta de força começaram a prejudicar a actividade profissional do autor.
48 O autor consultou o réu em 10/07/1995.
49 No dia 10/07/1995 – 3ª consulta – o autor compareceu à consulta e, face à inexistência de evolução do seu estado clínico, foi submetido nas noites de 12 a 14 de Julho, ao exame de rigidometria peniana com rigiscan, durante o sono.
E) O réu decidiu submeter o autor a intervenção cirúrgica que se traduziu em “arterialização associada a laqueação venosa selectiva e plicadura e cura cirúrgica de varicocele bilateral."
52 Consta da ficha clínica do autor que ele não aceitou submeter-se ao regime de auto-injecção.
F) É prática corrente, de acordo com as leges artis, um médico aconselhar o paciente a procurar a ajuda de outro médico, quando apure ou suspeite que o caso não reveste as características da sua área, revelando indícios de pertencer a outra área de especialidade.
G) Em 19/10/1995, o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica que foi realizada pelo réu e que visava resolver o problema da disfunção eréctil manifestado por aquele.
H) No verão de 1996, o autor continuava a não apresentar quaisquer melhorias no seu comportamento sexual intensificando--se, cada vez mais, as tonturas, desequilíbrio, diminuição da força muscular e consequente dificuldade de locomoção.
I) Como não obteve quaisquer melhorias do seu estado clínico, o autor, por indicação do médico neurologista professor Freire de Andrade, realizou uma TAC crânio-encefálica em 05/07/1996.
J) O exame TAC, realizado por especialista do foro neurológico, revelou a existência de sinais de possíveis alterações a nível neurológico pelo que, em 02/08/1996, o autor realizou uma ressonância magnética crânio-encefálica cujo relatório refere que "os aspectos descritos são sugestivos, dentro de um contexto clínico evocador, de doença desmielinizante do SNC (esclerose múltipla). A correlacionar clinicamente".
L) Os relatórios destes dois exames mostraram que o autor podia sofrer de esclerose múltipla e propunham o estudo futuro dos resultados obtidos para confirmação do quadro clínico manifestado pelo que, foi internado no serviço de neurologia do hospital dos ca-puchos, desde 14 a 21/10/1996, tendo-lhe sido, então, diagnostica-do, sem margem de qualquer dúvida, a doença de esclerose múlti-pla.
M) Em 10/04/1997, o autor apresentou queixa crime contra o réu imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar os crimes de ofensa à integridade física grave, por negligência, e de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, previstos e puníveis pelos arts 148°/3, 150° e 156°, nºs 1 e 2, do Código Penal, que deu origem ao inquérito 8027/97.1TDLSB-Y, cujos termos correram na 6ª secção do departamento de investigação e acção penal de Lisboa.
N) O inquérito terminou em 18/10/1999, com despacho de arquivamento por se entender que não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de ilícitos imputados.
O) O autor sentiu grande ansiedade no período anterior à cirúrgica dado que acreditava ser a mesma eficaz para dissipar a disfunção eréctil de que sofria.
P) O autor criou elevadas expectativas relativamente à intervenção cirúrgica que vieram a ser logradas nomeadamente, a dissipação da sua disfunção eréctil.
Q) A intervenção cirúrgica a que o autor foi submetido causou-lhe dores e sofrimento que não tinha que padecer para resolução do seu tratamento clínico.
R) Em consequência da intervenção cirúrgica a que foi submetido ficou com uma cicatriz escrotal no baixo-ventre.
S) O autor pagou ao réu o valor de 5.000€ a título de honorários pela realização da intervenção cirúrgica.
T) O processo iniciado com base na queixa apresentada pelo autor foi arquivado, tendo o conselho disciplinar regional da secção regional do sul da Ordem dos Médicos emitido parecer com o seguinte teor: "25. Concluindo: a) Da análise dos factos não se de-duz qualquer actuação fraudulenta como pretende a acusação. b) Existe sim um erro de diagnóstico que leva a uma terapêutica inefi-caz mas não prejudicial. c) Mas perante os elementos que tínhamos neste processo, somos de opinião que em Outubro de 1995, antes da cirurgia, não havia sinais ou sintomas que permitissem fazer o diagnostico diferencial com esclerose múltipla... ".
13 A decisão de operar deve ser precedida de um processo activo de conhecimento de todas as morbilidades e comorbilidades, mesmo quando a causa da doença não se situa ao nível da especialidade do médico.
14 Dos exames e análises pré-operatórios feitos ao autor, em nenhum é possível concluir-se por indícios de doença orgânica, mormente do foro neurológico.
17 Os exames realizados ao autor antes da intervenção cirúrgica não eram indiciadores de disfunção eréctil de causa orgânica, nomeadamente de causa neurológica.
18 A electromiografia dos corpos cavernosos realizada ao autor apresentou um traçado normal.
21 Os exames realizados ao autor antes da intervenção cirúrgica não eram sugestivos de disfunção eréctil de causa orgânica e contra-indicavam a realização de qualquer intervenção cirúrgica, nomeadamente a que foi efectuada pelo réu ao autor.
24 A intervenção e o tratamento médico-cirúrgico a que o autor foi submetido pelo réu, não eram os métodos indicados para debelar ou minorar a disfunção eréctil de que o autor padecia.
27 Se o autor soubesse que a intervenção cirúrgica era inadequada a tratar a sua disfunção eréctil não teria dado o seu consentimento à respectiva realização.
28 O autor foi induzido pelo réu a acreditar em resultados clínicos que a intervenção cirúrgica não era idónea a atingir.
29 O autor, devido ao logro das suas expectativas relativamente à intervenção cirúrgica, sentiu-se frustrado.
30 e 31 O autor, sentiu tristeza e desânimo.
33 O autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica inútil.
38 A intervenção cirúrgica a que o autor foi submetido causou-lhe dor e sofrimento.
40 O relatório junto a fls 23 - documento nº 1 junto pelo autor - corresponde ao relatório médico elaborado pelo Dr. “D”, em 20/02/1997.
57 Só com os dois exames, altamente especializados e específicos, é que se chegou à conclusão de haverem indícios de esclerose múltipla.
58 E só na sequência do internamento a que o autor foi sujeito é que foi possível diagnosticar a esclerose múltipla.
59 O réu não podia diagnosticar uma doença crónica como a esclerose múltipla por dispor apenas de exames e sintomas específicos e típicos do quadro de disfunção eréctil diagnosticado, nem os especialistas, munidos de equipamento tecnológico de ponta, o conseguem fazer imediatamente.
60 O autor apresenta uma incapacidade permanente desde Janeiro de 1993.
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Da ilicitude e da culpa
De todas as questões que o réu colocava no seu recurso, apenas subsistem, agora, a questão da negligência, ou vista com autonomia nas conclusões 5 a 12 e 33, ou vista através das afirmações de um parecer de um conselho da Ordem dos Médico transcritas pelo réu como argumentos de que a actuação do réu não teria sido negligente, nas conclusões 34 a 38.
Como não houve qualquer alteração nos factos provados é a partir destes que se tem de concluir se o réu agiu ou não negligentemente.
A sentença diz que sim, fazendo para tal a seguinte construção:
[…u]ma falta de cuidado normal ou de atenção é susceptível de produzir um diagnóstico errado, com inevitáveis consequências nos resultados terapêuticos.
Uma interpretação de resultados de exames grosseiramente errada leva a um erro de diagnóstico, com as consequências daí advenientes.
No estado actual da medicina, os exames e testes científicos tornam muito seguro o diagnóstico médico, impondo um aumento de responsabilidade do médico em interpretar devida, cuidada e atentamente o resultado desses exames, para diagnosticar correctamente a doença e assim responder à confiança em si depositada pelo paciente.
Um erro de diagnóstico é um erro médico.
Refere Germano de Sousa (in Negligência e Erro Médico, Boletim da Ordem dos Advogados, nº 6, Fasc. 1, pág. 127 a 142, apud Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, ob. cit. pág. 291) “…erro médico é a conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente…” importando “…diferenciar o erro médico culposo do erro médico resultante de acidente imprevisível, consequência de caso fortuito, incapaz de ser previsto ou evitado”.
E acrescenta aquele autor “…a imperícia resulta de uma preparação inadequada que consiste em fazer mal o que deveria, de acordo com as leges artis, ser bem feito, não devendo o médico ultrapassar os limites das suas qualificações e competências…, a imprudência consiste em fazer o que não devia ser feito… e a negligência em deixar de fazer o que as leges artis impunham que se fizesse…”.
[…]
D[os factos 17, 18,, 21 e 24] resulta que o autor cometeu um erro de diagnóstico. De acordo com as leges artis, era exigível ao médico réu perceber que a disfunção eréctil de que o autor padecia não era de causa orgânica e que os resultados dos exames médicos realizados contra-indicavam a realização de qualquer intervenção cirúrgica, nomeadamente aquela que foi efectuada pelo réu.
Desta factualidade resulta que o réu actuou negligentemente, o mesmo é dizer com culpa”
No essencial, as duas últimas frases do penúltimo parágrafo desta fundamentação resumem o porquê de se poder dizer que o réu actuou negligentemente, fazem-no de forma correcta e podem-se desenvolver assim:
Dos factos G), 14, 17, 18 e 21 consta que, em 19/10/1995, o réu submeteu o autor a uma intervenção cirúrgica que visava resolver o proble-ma da disfunção eréctil manifestado por aquele, mas de nenhum dos exa-mes e análises pré-operatórios feitos ao autor era possível concluir-se por indícios de doença orgânica, mormente do foro neurológico (dito de outro modo, não eram indiciadores de disfunção eréctil de causa orgânica, nomeadamente de causa neurológica - entre o mais porque a electro-miografia dos corpos cavernosos realizada ao autor apresentava um traçado normal). Esses exames contra-indicavam mesmo a realização de qualquer intervenção cirúrgica, nomeadamente a que foi efectuada pelo réu ao autor.
Foi isto que ao fim e ao cabo se apurou e perante estes factos é possível concluir-se, como o fez a sentença, que o réu actuou negligentemente.
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Apesar disso, a leitura de tudo o que antecede, dá logo conta de algumas contradições entre aquilo que o autor alegava e aquilo que se provou e, aparentemente, entre aquilo que se conclui e aquilo que se dá como provado.
O autor dizia que sofria de uma doença neurológica, qual seja, a esclerose múltipla, e não de uma doença orgânica e dizia que os resultados da electromiografia apresentavam um traçado anormal; dizia ainda que o erro de diagnóstico se traduzia em o réu ter concluído por uma doença orgânica, quando devia ter concluído por uma doença neurológica. A sentença, por sua vez, diz que era exigível ao réu perceber que a disfunção eréctil de que o autor padecia não era de causa orgânica.
Ora, estas afirmações estão erradas, tal como resulta das respostas aos quesitos, e a conclusão, à primeira vista, parece estar errada. É que a esclerose múltipla é uma doença orgânica, na espécie neurológica, e os traçados da electromiografia apresentavam um traçado normal e não anormal. E o erro de diagnóstico do réu não foi por não ter dado com a esclerose múltipla, mas sim por ter concluído por uma doença orgânica quando os dados que tinha – por exemplo, como decorre das respostas aos quesitos, o tal traçado normal da electromiografia – apontariam, à data, para uma doença não orgânica (ou seja, para uma doença psicogénica) e por isso é que seria contra-indicado qualquer intervenção cirúrgica.
Estas contradições– que não têm relevo, como se verá mais à frente – e a aparente contradição, implicam a necessidade de uma leitura mais cuidada do que antecede e do que se vai seguir.
Esclarecido isto, continue-se:
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O erro imputável ao réu não é o não ter descoberto a esclerose múltipla
Aquilo que se disse acima, antes deste parênteses, não tem a ver com o facto de o réu não ter acertado com a doença que o autor sofre, que se soube depois que era esclerose múltipla. Não é isso que resulta dos factos referidos, até porque a esclerose múltipla é uma doença orgânica, na espécie neurológica e, como se viu, nenhum dos exames e análises feitos ao autor apontava para uma doença orgânica (e se não era orgânica tinha que ser psicogénica).
Ou seja, os exames feitos ao autor apontavam para uma doença psicogénica e por isso era contra-indicada a intervenção cirúrgica. Mas fazendo-se um diagnóstico de doença psicogénica, também se teria errado, pois que não se teria diagnosticado a doença neurológica de que o autor padecia (como se soube depois). Quer isto dizer que o facto de o réu não ter acertado com o diagnóstico certo – esclerose múltipla – corresponde a um erro de diagnóstico inevitável, que qualquer outro médico cometeria nas circunstâncias e com os dados que se podem dizer conhecidos do réu à data. E isto é confirmado pelos, e resultaria dos, factos 57, 58 e 59 (embora este último também peque por alguma confusão, na parte em que se diz “por dispor apenas de exames e sintomas específicos e típicos do quadro de disfunção eréctil diagnosticado”, quando já se viu que o diagnóstico feito estava errado…; é algo que ficou a mais, na resposta ao quesito, e que está em contradição com as outras respostas já consideradas, sendo evidente, no caso, que são estas que prevalecem, e não a parte daquela, que, dado o contexto, passou desapercebida), tal como pelo que consta do facto T) [invocado pelo réu nas conclusões 34 a 38, embora por remissão; os pontos 7.10 a 7.26, que o réu invoca, do parecer de fls. 499 a 513, são os pontos 10 a 26 do parecer referido no facto T); o réu diz na conclusão 35 que nesses pontos se diz de forma clara e inequívoca que o autor já sofrida, na data em que foi consultado pelo réu, de esclerose múltipla, mas não é assim, pois que naqueles pontos 10 a 26 do parecer não se diz isso; na pág. 18 do corpo das alegações conclusões o réu transcreve em itálico uma longa passagem, respeitante aos pontos 4.2.39 e 4.2.44 do parecer de fls. 499 a 513, mas não diz que aí se está apenas a reproduzir o que foi dito por ele no processo disciplinar, como resulta do ponto 4 de fls, 502]: existe um erro de diagnóstico, mas […] em Outubro de 1995, antes da cirurgia, não havia sinais ou sintomas que permitissem fazer o diagnostico diferencial com esclerose múltipla... ". Daí que, censurá-lo por esse erro, seria errado.
Mas não foi isso que a sentença de facto fez, como se viu, e, assim sendo, não serve de desculpa, no caso, que de facto fosse impossível, à data do diagnóstico feito pelo réu, a descoberta da esclerose múltipla, porque não é isso que se imputa ao réu.
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O erro do réu foi não ter percebido que os exames e análises não apontavam para doença orgânica e contra-indicavam qualquer intervenção cirúrgica
Aquilo que se imputa ao réu a titulo de ilícito é o facto de, apesar de nenhum dos exames e análises pré-operatórios feitos ao autor apontar para indícios de doença orgânica e de, por isso, esses exames contra-indicarem a realização de qualquer intervenção cirúrgica, nomeadamente a que foi efectuada pelo réu ao autor, o réu mesmo assim ter diagnosticado uma doença orgânica e ter feito uma intervenção cirúrgica.
Ora, ao interpretar os resultados dos exames como se apontassem para uma doença orgânica, fazendo pois um diagnóstico da doença como se fosse uma doença orgânica e tratando-a como tal, o réu incorreu em dois erros médicos ou seja, em má prática médica.
Os erros (faltas/lapsos ou enganos) médicos não são, no entanto, só por si, actos negligentes. São antes os factos a que se aplica a qualificação de negligência, se merecerem esse juízo. Daí que Sónia Fidalgo (Responsa-bilidade penal por negligência no exercício da medicina em equipa, Coimbra Editora, 2008, pág. 35) diga que “erro médico não é sinónimo de negligência médica”; Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues (Responsabilidade Civil por Erro Médico: Esclarecimento/Consentimento do Doente) diga que “nem todo o erro médico, como falha profissional, assume relevância […] civil, mas apenas aquele que […] pelos danos causados e reunidos os demais pressupostos da res-ponsabilidade civil (ilicitude, culpa e comprovado nexo de causalidade en-tre os danos e a conduta ilícita), constitua o seu autor no dever de indemni-zar (pág. 3 do seu estudo de Novembro de 2010, publicado em http://www.cej.mj.pt/ cej/forma-ingresso/fich.pdf/arquivo-documentos/FC-responsab_civil_erro_medico.pdf); Pedro Romano Martinez (Responsabilidade civil por acto ou omissão do médico – responsabilidade civil médica e seguro de responsabilidade civil profissional. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor CFA, Vol. II, Almedina, 2011) diga que o lapso (está-se a referir ao lapso em sentido lato, não ao sentido restrito equivalente ao de falta e contraposto ao de engano, na classificação de José Fragata e Luís Martins - O Erro em Medicina (Perspectivas do Indivíduo. da Organização e da Sociedade), Almedina, reimpressão da edição de Novembro/2004, pg. 312/13, citados pelo estudo de Álvaro Rodrigues) do médico será culposo ou não consoante preencha o juízo de censura nos parâmetros tradicionais; basicamente, se não corresponde ao padrão de actuação médio exigível a um médico. De igual modo, no exercício de outras actividades pode haver erros […] e estes erros consubstanciarão um facto culposo caso se incluam na previsão do art. 498/2 do CC, respeitante à apreciação da culpa. Razão pela qual não se justifica autonomizar o erro médico […]. Ou ainda, como diz o ac. do STJ de 24/05/2011 (1347/04.2TBPNF.P1.S1) “[N]ão se pode afirmar, por princípio, que o erro de diagnóstico seja constitutivo de culpa médica, uma vez que se trata de um acto de prognóstico, sendo o resultado de um juízo, podendo, então, o diagnóstico ser erróneo se o juízo for falso” “sendo o erro um equívoco no juízo e não se encontrando o médico dotado do dom da infalibilidade, o erro de diagnóstico será imputável, juridicamente, ao médico, a título de culpa, quando ocorreu com descuido das mais elementares regras profissionais, ou, mais, precisamente, quando aconteceu um comportamento inexcusável em que o erro se formou”.
Por isso, para já, concluindo-se pela existência de um erro médico, está-se apenas a falar da prova, pelo autor, de um cumprimento defeituoso da obrigação do réu, no caso da responsabilidade obrigacional, ou da prática de um facto objectivamente ilícito no caso da responsabilidade extra-obrigacional.
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Da culpa do réu
Acontece, no entanto, que como se está no âmbito da responsabili-dade contratual – como o disse fundamentadamente a sentença, nesta parte com a concordância actual das duas partes (e por isso não se trata agora da questão), embora o autor tenha intentado a acção como se se tratasse de uma acção de responsabilidade civil extracontratual (designadamente dando origem à questão – entretanto ultrapassada com trânsito em julgado – da prescrição), - a culpa do réu presume-se (art. 799 do CC).
E, por isso, cabia agora ao réu tentar demonstrar que o erro de diagnóstico e, por decorrência, de tratamento, não correspondia a qualquer conduta censurável da sua parte, ou seja, que um médico especialista de urologia, naquelas mesmas circunstâncias objectivas, teria caído naqueles mesmos erros (pois que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de caso – arts. 799/2 e 487/2, ambos do CC, Romano Martinez, pág. 470: “a culpa é apreciada segundo um padrão médio, de razoabilidade”, “determina-se, em abstracto, segundo a diligência de um bom pai de família, atendendo a um elemento objectivo, as circunstâncias do caso. Tendo em conta o acto médico, dir-se-á que a culpa do clínico a quem é imputada a responsabilidade pelo dano é apreciada segundo um padrão geral, abstracto portanto, mas sem descurar as circunstâncias do caso, ou seja que o comportamento médio (padrão) tem de ser aferido em função da realidade profissional – actividade médica – e da especialização concreta – por exemplo, cirurgião ou pediatra”.
O que o réu não fez.
Pelo que se conclui pela sua culpa.
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Da não alteração da causa de pedir
Voltando acima (às contradições surpreendidas):
O facto de a censura feita ao réu nesta decisão ser bem diferente daquela que o autor lhe fazia não acarreta qualquer modificação da causa de pedir. O autor de um pedido de indemnização por negligência no cumprimento de uma obrigação, só tem que provar que obrigação não foi cumprida como o devia ter sido, ou seja, o defeito no cumprimento da obrigação, não tem de provar também qual a causa daquele defeito – até porque dificilmente o poderá saber - nem a forma que a negligência assumiu (até porque não a tem que provar, ao menos aqueles elementos que fazem parte da culpa, como se verá mais em pormenor abaixo). O que o autor deste caso diz a esse propósito é, por isso, algo a mais.
Posto de outro modo, é ao réu que cabe ou alegar factos que impeçam a demonstração de que a obrigação foi defeituosamente cumprida ou alegar factos que demonstrem que o cumprimento defeituoso da obrigação não lhe é censurável.
Assim, é irrelevante o autor ter pensado e alegado que uma causa neurológica não é uma causa orgânica (e ainda hoje no seu recurso continuar a dizer que a disfunção eréctil não era de causa orgânica, apesar de o ser manifestamente, já que esclerose múltipla é uma doença orgânica na subespécie neurológica), ou ter escrito que os traçados do resultado do exame de electromiografia eram anormais, quando afinal se apurou que eram normais e esse ser mesmo um dos factos que permitiu concluir que o diagnóstico do médico (que deu tais traçados como anormais) estava errado.
Também por isso, é irrelevante que a resposta aos quesitos correspondentes tenha extravasado aquilo que lhe era permitido. Quer-se dizer com isto que um quesito que pergunta se um traçado era anormal, não deveria ter como resposta que o traçado era normal. Tal como quesitos que têm como pressupostos uma contraposição entre uma causa orgânica e uma causa neurológica, não deveriam ter o resultado de se provar que a causa não era orgânica, nomeadamente neurológica. É que, assim, as respostas estavam a contrariar a própria versão apresentada pelo autor apesar de, aparentemente, lhe estarem a dar razão. Formalmente isto corresponde a dizer, com a generalidade da jurisprudência (apenas por exemplo e por último, veja-se o ac. do STJ de 28/06/2011, publicado sob o nº. 416/07. 1TBFVN.C1.S1), que os quesitos apenas podem ter respostas positivas, restritivas ou negativas, não respostas contrárias ao que se afirmava ou para além do que se afirmava (é certo que há um ac. do STJ de 15/10/1992, publicado no BMJ 420, pág. 468, apoiado por Lebre de Freitas e outros, no CPC anotado, Coimbra Editora, 2008, 2ª edição, pág. 662, que admite a resposta de: ‘provado o contrário do que se afirma’ (ou seja, a prova do facto contrário), mas isso em circunstâncias excepcionais e dificilmente configuráveis, em que os quesitos consubstanciem as duas versões opostas das partes, como se por exemplo se amalgamou num só conjunto de quesitos as duas versões contrapostas de um acidente de viação).
Mas, como se disse, tal é irrelevante no caso, pois que a conclusão da negligência médica do autor resulta simplesmente do seguinte: o réu submeteu o autor a uma intervenção cirúrgica que visava resolver o problema da disfunção eréctil manifestado por aquele, mas de nenhum dos exames e análises pré-operatórios feitos ao autor é possível concluir-se por indícios de doença orgânica. Esses exames contra-indicavam mesmo a realização de qualquer intervenção cirúrgica, nomeadamente a que foi efectuada pelo réu ao autor. Ou seja, retirando-se a parte que nos quesitos se pode dizer estar a mais, o que resta é suficiente para concluir pela negligência e está ainda a coberto da causa de pedir, que se baseia naquilo que se pode dizer – tendo em conta o efeito prático-jurídico da pretensão do autor - ser um cumprimento defeituoso da obrigação.
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Da alteração da qualificação jurídica
Também é irrelevante que o autor tenha feito o pedido baseado em responsabilidade extra-contratual, pois que, tal como há muito se vem defendendo, por exemplo, o autor pode fazer um pedido indemnizatório com base em responsabilidade por culpa e o tribunal condenar com base na responsabilidade pelo risco. Trata-se apenas de um diferente enquadramento jurídico dos factos – diferente daquele que era o inicial do autor – permitido pelo art. 664 do CPC.
Como diz Lopes do Rego, nos acs. de 05/11/2009, de 25/02/2010 e de 02/03/2011, do STJ, publicados sob os nºs. 308/1999.C1.S1, 399/1999.C1.S1 e 823/06.7TBLLE.E1.S1 da base de dados do ITIJ: a qualificação jurídica que a parte realiza quanto à pretensão de tutela processual que deduz não impede que o tribunal possa reconfigurar adequadamente tal pretensão, dando-lhe a adequada configuração jurídico-normativa, suprindo ou corrigindo o erro de direito da parte na formulação jurídica do pedido que deduz: como temos sustentado (veja-se o ac. do STJ de 05/11/2009, proferido no proc. 308/ 1999.C1.S1): o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo este fenómeno que permite compreender, por exemplo, que seja lícito ao tribunal convolar de um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração de ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado (cfr, por exemplo, o acórdão uniformizador 3/2001, de 23/1/2001).
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Das obrigações de meios e de resultados
Salvo alguns casos especiais – designadamente intervenções de cirurgia estética de embelezamento – as obrigações dos médicos são normalmente consideradas obrigações de meios (neste sentido, para além daquilo que a própria sentença recorrida disse, vejam-se os acórdãos do STJ citados abaixo a propósito da presunção de culpa; a questão é desenvolvida no ac. do TRL de 24/04/2007, publicado sob o nº. 10328/2006-1 da base de dados do ITIJ, referindo-se aí autores que defendem posições contrárias; a questão também é desenvolvido no estudo de Ricardo Lucas Ribeiro, Obrigações de meios e obrigações de resultado, Coimbra Editora, Janeiro de 2010).
Será que a consideração da distinção entre obrigações de resultado (“aquelas em virtude das quais o devedor fica adstrito, em benefício do credor, à produção de um certo efeito útil, que actua satisfatoriamente o interesse creditório final ou primário”, Ricardo Lucas Ribeiro, obra citada, págs. 19/20) e de meios (aquelas em que “o devedor se obriga apenas a desenvolver uma actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final (realização do interesse primário do credor), mas sem assegurar que o mesmo se produza” – idem, pág. 20) implicava alguma alteração nos termos das conclusões ou nestas?
Alguns defendem que a distinção entre estas obrigações tem o valor de pôr a cargo do credor o ónus da prova da culpa do devedor pelo não cumprimento das obrigações de meios. Ou seja, a presunção de culpa não teria lugar no domínio da responsabilidade civil médica (vejam-se os vários autores citados no ac. do TRL de 2007, referido acima).
Esta posição tem a seguinte base, que se retira do estudo de Jorge Ribeiro de Faria (Da prova na responsabilidade civil médica, Reflexões em tomo do direito alemão (publicado Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, I/2004, págs. 115 a 195): nas obrigações de meios a dívida é reduzida a um tipo ou modelo de actividade. O que está em jogo é realizar ou comportar-se de um dado modo – o que incorpore a diligência exigível no tráfego e, por isso mesmo, que o desvalor seja, a existir, um mero desvalor da conduta. No fundo, numa obrigação de meios o que está em causa, no caso do seu incumprimento, é uma violação contratual positiva, mas precisamente naquilo que entendemos ser o seu elemento fundante e diferenciador, traduzido na violação da relação de protecção. No fundo, as obrigações de meios são, tal como os actos negligentes da responsabilidade extracontratual, infracções a um dever de diligência, com a diferença da especial relação entre dois sujeitos, ligados por um contrato. Mas, repare-se agora, se a ilicitude é a infracção a um dever de diligência, o que sucede é que se subjectivizou o tipo como os finalistas pretendem. Isto é, e em suma, será o credor que terá de provar a existência de um desvalor da conduta e não o devedor que terá de provar a inexistência desse desvalor (págs. 115 a 118).
Outros defendem a superação desta distinção para efeito da presunção da culpa, não devendo a presunção do art. 799/1 do CC ter dois entendimentos, ou seja, “ainda que a obrigação seja de meios, o devedor é que tem o domínio sobre o modo de realização da prestação, devendo aplicar-se a presunção de culpa. Assim, o médico obrigou-se a realizar bem o diagnóstico, o exame, a cirurgia, etc,. incumbindo-lhe, portanto, provar que actuou sem culpa e que a falha de cumprimento e a consequente lesão do paciente se ficou a dever a uma causa externa, por exemplo, facto de terceiro ou culpa do lesado” (é a posição de Romano Martinez, no estudo já citado, págs. 475 a 480); Tal irrelevância resulta também da posição Nuno Manuel Pinto de Oliveira (Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Maio de 2011, especialmente págs. 40/41): “Os critérios de distribuição do ónus da prova do não cumprimento na responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de meios, alegadamente especiais, são simplesmente os critérios gerais de distribuição do ónus da prova do cumprimento defeituoso de obrigações de prestação de facto”.
A maioria da jurisprudência do STJ defende hoje a existência de uma presunção de culpa no caso de incumprimento defeituoso de uma obrigação médica, mesmo que ela seja de meios (como se pode ver nos acórdãos de 17/12/2002, 02A4057; de 22/05/2003, 03P912; de 18/09/2007, 07A2334 (publicado também na CJ.STJ.III, págs. 54/57); de 27/11/2007, 07A3426; de 04/03/2008, 08A183; de 15/10/2009, 08B1800; de 01/07/2010, 398/1999.E1.S1; e de 22/09/2011, 674/2001.P L.S1 todos na base de dados do ITIJ).
Ricardo Lucas Ribeiro defende que a presunção de culpa aplica-se em ambos os casos, mas “no caso da responsabilidade pela violação de obrigações de resultado, a presunção de culpa tem um alcance maior, de molde a abranger também a ilicitude e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, quase com o sentido de uma presunção de responsabilidade do devedor. Já no caso da responsabilidade pela violação de obrigações de meios, o seu alcance é menor, reduzindo-se a presunção de culpa à questão da censurabilidade pessoal da conduta do devedor” (obra citada, nas conclusões da pág. 168).
A posição deste autor (nesta parte não muito longe da posição referida acima de Ribeiro de Faria) tem por base o entendimento de que a ilicitude, no caso das obrigações de meios, inclui também elementos de negligência, ou seja, a violação de um dever objectivo de cuidado. Pelo que ao dizer-se que o credor, no caso de uma obrigação de meios, tem que provar a ilicitude, tal quer dizer que tem que provar que “o devedor violou um dever objectivo de cuidado que no caso sobre ele juridicamente impendia. Assim, por exemplo, o doente tem de provar a verificação de um erro de técnica profissional do médico, com recurso às leis da arte e da ciência médica(págs. 125 a 131).
Ou seja, embora a presunção de culpa se aplique também à obrigação de meios, tal afirmação tem um alcance mais restrito neste caso, porque um dos elementos da negligência, qual seja, o da violação do dever de cuidado, estaria sistematicamente integrado na ilicitude. Ou seja, a culpa continua a presumir-se, embora a culpa seja entendida de modo mais restrito (a exemplo da posição de Figueiredo Dias que considera que elementos da culpa negligente pertencem ao tipo-de-ilícito e não ao tipo da culpa (veja-se nota 252 da mesma obra).
Isto é, segundo este entendimento, o credor terá que provar a ilicitude (para além do nexo de causalidade) tendo a ilicitude elementos de negligência. Isto é, está mais carregado de ónus de prova do que no caso das obrigações de resultado (e daí que, por exemplo, o primeiro autor – tal como o ac. do TRL de 2007 citado acima e o estudo de Miguel Teixeira de Sousa nele referido - invoque a prova de primeira aparência para facilitar essa prova, enquanto Ribeiro de Faria desenvolve não só a tese desta prova de primeira aparência, mas também as soluções da jurisprudência e da doutrina alemã da inversão do ónus da prova quanto à causalidade nos casos de erro grave do médico).
No fundo, todas estas posições – tirando aqueles que entendem que a presunção de culpa não se aplica – podem ser assimiladas: também nas obrigações de meios se aplica a presunção de culpa (art. 799/1 do CC) mas a base de que se parte, sendo a ilicitude, é diferente em relação às obrigações de resultado; ou seja, o que é diferente, ao fim e ao cabo, é aquilo que se tem que provar relativamente ao cumprimento defeituoso da obrigação. É pois quando se discute a prova do cumprimento defeituoso que a diferente natureza da prestação em causa (de meios) tem influência.
Ora, no caso dos autos já se demonstrou que está preenchido o pressuposto do cumprimento defeituoso da obrigação, no caso concretizado nos referidos erros de diagnóstico e de tratamento, ou seja, um diagnóstico que foi feito sem o cuidado que o réu devia ter tido, pois que dos exames e análises pré-operatórios feitos ao autor não era possível concluir-se por indícios de doença orgânica, ou seja, eles não eram indiciadores de disfunção eréctil de causa orgânica e contra-indicavam a realização de qualquer intervenção cirúrgica.
E quanto ao nexo de causalidade, primeiro, a questão da eventual falta do mesmo não vem posta no recurso (sendo este que delimita o âmbito das questões a conhecer) e, depois, dado o tipo de danos tidos em conta na sentença é evidente a existência desse nexo (embora, quanto ao primeiro, do preço da intervenção, se pudesse discutir o caminho seguido para a sua indemnização, questão que também não foi colocada no recurso do réu).
Ora, provada a ilicitude, no caso sob a forma de cumprimento defeituoso da obrigação, era ao réu que cabia a ilisão da presunção da culpa. Como ele não o fez, a conclusão da negligência, ou melhor, culpa, era à mesma inevitável.
E com isto conclui-se pela improcedência do recurso do réu.
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Do protelamento na descoberta da esclerose do autor
Se não é aquele erro de diagnóstico que pode ser imputado ao réu, por ele ser inevitável, então também não lhe pode ser imputado o protelamento da descoberta da doença de que o autor sofria e os danos dai decorrentes. Como o réu, com os dados que à data tinha, não podia ter conseguido diagnosticar correctamente a doença concreta de que o autor padecia (veja-se neste sentido, expressamente, o facto 59, não impugnado pelo autor), não pode ser imputado a tal actuação o facto de ela não ter sido descoberta mais tarde.
Aliás, isto mesmo está reconhecido em parte pelo autor, nas suas alegações, quando diz: “agindo diligentemente, o réu, poderia não ter diagnosticado a causa neurológica (mais tarde diagnosticada) da disfunção….”.
E é isto que, noutros termos, é dito pela sentença recorrida:
Ora, já vimos que a actuação do réu não protelou o diagnóstico da verdadeira doença do autor, nem o impediu de iniciar o tratamento adequado a essa doença, nem permitiu uma evolução mais rápida da doença e não se provaram os danos não patrimoniais decorrentes desse alegado protelamento da doença, conforme decorre das respostas aos pontos 33º a 37º da base instrutória. Assim, grande parte do fundamento da indemnização pelos alegados danos não patrimoniais, não ficou provada.
Por isso, está certa a sentença quando conclui que ao réu não lhe são imputáveis os danos no protelamento da descoberta e tratamento da esclerose múltipla, nem logicamente, os danos decorrentes de não ter tido benefícios fiscais associados à demonstração da existência da mesma durante o período de 1993 a 1995, ou só durante 1994 a 1995.
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Mas, tivesse a conclusão tivesse sido outra, não se poderia deixar de reparar que o autor apenas em Maio de 1995 acabou de fazer os exames médicos pedidos pelo réu em Julho de 1994, isto é, quase 10 meses depois, período de tempo este que é quase metade do período a que o autor já aceitaria reduzir o pedido. Atraso este que o autor não tentou sequer explicar, tendo sugerido na petição inicial que tais exames apenas tinham sido pedidos pelo réu no decorrer de 1995. Tendo o autor apenas acabado de realizar os exames em Maio de 1995, e só então podendo o réu ter acesso a eles para fazer o diagnóstico da doença do autor, como é que o réu podia ter descoberto a doença do autor em 1993 ou em 1994 ou mesmo antes de Maio de 1995?
Mais ainda, se o autor foi operado em Outubro de 1995, continuou a sentir os mesmos sintomas e só em Julho de 1996 recorreu novamente a um médico e só depois de uma TAC, de uma RM e de um período de internamento em fins de Outubro de 1996, se teve a certeza que o autor sofria de uma esclerose múltipla, temos mais um período de 1 ano até à descoberta da doença que não pode ser imputado ao réu, mas antes ao autor e à dificuldade própria da descoberta da doença em causa.
Sendo assim, que garantia há de que, caso o réu não tivesse feito o diagnóstico errado, se teria descoberto a doença até ao fim de 1995? E se não há essa garantia, porque é que o período de 1993 a 1995 há-de ser posto a cargo do réu no que respeito à impossibilidade de isenção de IRS ou a título de protelamento da descoberto da doença e tratamento da mesma? Onde está a prova – quais os factos que a suportam -, ao fim e ao cabo, de que se o réu não tivesse falhado o diagnóstico, a doença teria sido descoberta antes disso? Se o erro de diagnóstico era inevitável (no sentido de que não seria possível descobrir, à data, a esclerose), quais as razões que existem para crer que qualquer outro médico a descobriria então ou pouco depois?
O autor não tem, pois, razão ao pretender imputar ao réu o protelamento na descoberta e cura da doença e os danos que daí fazia decorrer.
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Quanto ao montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais:
Note-se, desde já, que os danos não patrimoniais a ter em conta são assim apenas os dados como provados na sentença recorrida, e não também aqueles que o autor queria que este tribunal ainda considerasse, ou seja, os decorrentes do protelamento da descoberta da esclerose múltipla, como o início tardio no tratamento da mesma.
Como os danos não patrimoniais não são susceptíveis de avaliação pecuniária, a jurisprudência tem procurado a fixação do valor destes danos com recurso à comparação com os valores de outras indemnizações de danos não patrimoniais (não sendo em regra seguida a sugestão de parte da doutrina de se atribuir 1.000.000€ pela perda do direito à vida, sendo todos os outros danos não patrimoniais alinhados depois abaixo desse valor (neste sentido, veja-se Leite de Campos, Os danos causados pela morte e a sua indemnização, Comemorações dos 35 anos do CC e dos 25 anos da reforma de 1977, vol. III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, pág. 137; e Menezes Cordeiro, (Tratado do Direito Civil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 755).
Recorrendo então à comparação com outros casos jurisprudenciais, vejam-se os seguintes 5 casos (todos retirados da base de dados do ITIJ, dois deles relativos a negligência médica):
O ac. do STJ de 20/06/2006 (06A1641) confirmou a atribuição de 10.000€ por um período de 8 meses de dores decorrentes da compressão de um nervo por um fragmento ósseo não consolidado depois de uma operação de transplante do osso.
O acórdão do STJ de 19/06/2007 (07A1730), deu 25.000€ a um adulto de 55 anos que perdeu o olfacto, sofre de graves dificuldades respiratórias, apresenta deformação da ponta do nariz, sofreu dores e angustia e depressão, deixou de dormir normalmente, acordando com falta de ar; o que lhe criou insónias; nervosismo e depressão e ficou incapacitado e impedido de trabalhar.
O acórdão do STJ de 22/01/2008 (07A4338), deu 35.000€ a um professor que sofreu fracturas do fémur e do úmero direitos, um período de cura directa de mais de 1 ano, uma intervenção cirúrgica do foro ortopédico e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos, tendo o respectivo quantum doloris sido avaliado em 6, numa escala de 7, com períodos consideráveis de internamento, tendo ainda resultado um prejuízo estético avaliado em 3 numa escala de 7, e ficando com sequelas que se traduzem numa incapacidade permanente geral parcial de 25%, agravada no futuro em mais 5%.
O ac. do STJ de 09/12/2008 (08A3323) atribui 25.000€ a uma pessoa submetida a intervenção cirúrgica em que fora deixada no abdómen um pano (destinado a isolar as partes do organismo que exigiam intervenção das partes adjacentes), e de cujo acto negligente veio a resultar infecção que demandou fortes dores e febres durante cerca de cinco meses e que obrigou a nova intervenção cirúrgica com carácter de urgência, havendo a pessoa operada chegado ao ponto de recear muito fortemente pela sua vida.
O acórdão do STJ de 07/07/2009 (704/09.9TBNF.S1) atribuiu 45.000€ a uma jovem de 19 anos que, quer em consequência do acidente, quer com os tratamentos a foi sujeita, quer com as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, sofreu dores de grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, sentiu pavor com a perspectiva da própria morte, sofre pelo facto de ter ficado com as cicatrizes supra referidas, e desde o acidente que se sente complexada e triste com o seu aspecto físico (as cicatrizes afectam o rosto são visíveis e podem não ser passíveis de regressão ou tratamento após cirurgias).
Ora, no caso dos autos, fazendo-se a síntese dos danos em causa são eles os seguintes [reportados aos factos sob O) a R), 29 a 31 e 38]: o autor sentiu grande ansiedade no período anterior à cirúrgica dado que acreditava ser a mesma eficaz para dissipar a disfunção eréctil de que sofria. O autor criou elevadas expectativas relativamente à intervenção cirúrgica, que vieram a ser logradas, nomeadamente, a dissipação da sua disfunção eréctil. A intervenção cirúrgica causou-lhe dores e sofrimento que não tinha que padecer para resolução do seu tratamento clínico. Em consequência da intervenção cirúrgica ficou com uma cicatriz escrotal no baixo-ventre. O autor sentiu tristeza e desânimo. A intervenção cirúrgica a que o autor foi submetido causou-lhe dor e sofrimento.
Ora, comparando estes danos com os dos acórdãos referenciados e tendo em conta o montante pedido pelo autor (50.000€) e o montante atribuído pela sentença (15.000€), pode-se concluir duas coisas: o valor mais baixo de todos estes casos corresponde nitidamente a danos mais graves do que o dos autos (pois que ali está concretizado um período de 8 meses de dores e no caso dos autos o período de tempo de cada um dos sentimentos em causa não está minimamente concretizado, podendo dizer respeito a um período muito curto, como por exemplo, as dores e sofrimento causados pela intervenção; e não se sabe quais as características e dimensões da cicatriz e ela está num local não visível no dia a dia). A outra é: o valor pedido pelo autor corresponde a indemnizações atribuídas a casos muitíssimo mais graves.
Assim, tendo em conta estas comparações, pode-se concluir que a sentença recorrida a ter pecado, o fez por excesso, nunca por defeito. Quer isto dizer que o valor dos danos corresponde ao máximo em que eles podem ser valorizados.
Os factores invocados pelo autor, para pedir um valor mais elevado, nunca, poderiam, por isso, ter esse efeito.
Aliás, eles são normalmente invocados para, a nível da responsabilidade por mera culpa ou pelos danos não patrimoniais, se estabelecer um limite à indemnização (daí a epígrafe do art. 494 do CC). Nunca podem ser invocados para se estabelecer um valor da indemnização acima do valor dos danos. O valor destes é sempre um limite inultrapassável do valor da indemnização.
Para além disso, o recurso do autor sofre aqui do mesmo defeito que imputava ao do réu, isto é, servir-se de factos que não estão dados como provados (como por exemplo, a referência às condições económicas do réu).
Em suma, deve improceder, também, esta parte do recurso do autor.
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Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos do réu e do autor, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011.

Pedro Martins
Sérgio Almeida
Lúcia Sousa