Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
149/14.2TTCSC.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: DECISÃO JUDICIAL
PRAZO
MEIOS DE PROVA
VIDEOVIGILÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Em regra, o Juiz deve diligenciar por observar estes prazos estabelecidos na Lei. Contudo, casos há em que apesar do Juiz respeitar a natureza urgente do procedimento e de se empenhar numa tramitação célere, não lhe é praticamente possível observar a rigidez daqueles prazos. As razões podem respeitar ao próprio tribunal, designadamente, em face de um volume processual elevado ou por correrem em simultâneo vários processos com natureza urgente -  o que não é invulgar na jurisdição laboral, já que na sua maioria os processos são considerados urgentes (cfr. art.º 26.º do CPT) -, mas também podem resultar da própria complexidade do procedimento cautelar ou da própria conduta processual das partes, assim como também podem concorrer simultaneamente todos esses factores.

II. O facto de não ter sido respeitado o prazo estabelecido na lei processual para ser proferida a sentença não importa qualquer efeito processual.
III. Do quadro normativo que regula a reserva da vida privada e, em particular, os meios de vigilância à distância, ressalta que, verificados os pressupostos legais, mormente a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, a lei não obsta à instalação dos meios de vigilância à distância, incluindo a captação de imagem, nos locais de trabalho.
IV. Contudo, dele decorre igualmente que essa vigilância apenas poderá ser utilizada quando vise a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem, não podendo nunca ter a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
V. É de aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente acção judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere -  maior protecção do que aquela que é  conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível.
VI. Como resulta do art.º 52.º n.ºs 1 e 2, da Lei do Jogo, o sistema de videovigilância nas salas de jogos de estabelecimentos legalmente autorizados, é uma “medida de protecção e segurança de pessoas e bens”, acrescendo que é obrigatória.
VII. A Lei do Jogo, no seu art.º 83.º, impõe aos trabalhadores que prestam serviço nas salas de jogos, atenta a natureza das funções exercidas e a actividade em que se inserem, um conjunto de proibições, entre elas “Ter(em) em seu poder (..) dinheiro (…) cuja proveniência ou utilização não possa(m) ser justificada(s) pelo normal funcionamento do jogo [83.º 1, al. c)].  A violação desse dever constitui ilícito contra-ordenacional, punível com coima e “(..) interdição do exercício da profissão (..) até 60 dias, no caso da alínea c)” [Artigo 139.º da Lei do Jogo].
VIII. O n.º3 do artigo 83.º, começa por dizer que “Além dos previstos no artigo 52.º2, para prosseguir, dizendo “as concessionárias podem utilizar quaisquer outros meios para fiscalizar o cumprimento do disposto no n.º 1.”, resultando, assim, que esse meio- videovigilância -, na medida em que é obrigatório, está já a ser considerado para fiscalizar também a actividade “dos empregados que prestam serviço nas salas de jogos”.
IX. A fiscalização por visionamento – expressamente indicada na lei - tem dois propósitos: dissuadir o trabalhador a adoptar um comportamento desconforme àquelas proibições legais, reportadas todas elas a condutas contrárias à transparência e lisura que deve estar presente na prossecução da actividade legalmente autorizada de exploração de  jogos de fortuna ou azar; e, quando esse efeito dissuasor não resultar, permitir detectar as infracções que sejam praticadas.
X. Considerando-se:  i) que  foram observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados no que respeita à autorização do sistema de videovigilância; ii) que nem a sua colocação nem as imagens captadas visam exclusivamente controlar o desempenho profissional dos trabalhadores, antes sendo obrigatório por lei a sua existência, quer como “medida de protecção e segurança de pessoas e bens” quer para o controle das “[A]ctividades proibidas aos empregados que prestam serviço nas salas de jogos”; iii) que “Todos os trabalhadores do casino sabem que existe recolha de imagem com CCTV no interior do mesmo e que são filmados enquanto trabalham, estando afixado tal aviso”; resta concluir que não se verifica qualquer violação dos princípios enunciados no art.º 20.º n.ºs  1, 2 e 3, bem como do n.º1, do art.º 21.º., do CT
     (Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal do Trabalho de Cascais, AA veio requerer   como preliminar de ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nos termos do artigo 34º do Código de Processo do Trabalho e artigo 386.º do Código do Trabalho, o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento, contra a sociedade - ESTORIL SOL (III) – Turismo, Animação e Jogo, S.A,  pedindo o seguinte:

- (seja) “decretada a suspensão do despedimento do ora Requerente, por ilícito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, com as legais consequências”.

Apresentados os autos para despacho liminar, foi proferida decisão facultando ao requerente a possibilidade, caso ainda não tivesse apresentado o formulário previsto no art.º 98º-C do Código de Processo do Trabalho, de reformular o requerimento inicial por forma a requerer impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob pena de não o fazendo, ser declarada a extinção do procedimento cautelar, nos termos do disposto no art.º 34º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho; ou, no caso de já o ter apresentado, de fazer prova nos autos.

Notificado, o requerente veio apresentar requerimento inicial reformulado. Para sustentar os pedidos alegou, no essencial, o seguinte:

                (…)

Na consideração de se mostrar cumprido pelo requerente o disposto no n.º 4 do artigo 34.º do CPT, foi ordenada a citação da requerida para deduzir oposição, querendo-o, e designada data para a realização da audiência final, bem assim para aquela juntar aos autos o procedimento disciplinar (art.º 34 n.º 2, do CPT).

A requerida apresentou oposição e juntou aos autos o procedimento disciplinar.

    Inicia a oposição sustentando que o requerimento inicial deveria ter sido rejeitado, como expressamente determina o n.º 4 do artigo 34 do CPT, por nele não se encontrar formulado o pedido de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nem tal pretensão tinha antes sido apresentada no Tribunal por outro meio adequado. Para além disso, não se fazia acompanhar da decisão de despedimento, sendo também fundamento para a rejeição.

              Alega, ainda que o segundo requerimento foi apresentado para além do prazo em que é permitida a impugnação do despedimento, o que importava o seu indeferimento liminar, bem assim que não contém indicação do pedido, sendo inepto, com a consequente nulidade de todo o processado conduzindo à absolvição da instância.

Para o caso de assim não se entender, prossegue, sustentando que foram observadas todas as formalidades legalmente exigíveis, conforme decorre do procedimento disciplinar, quanto a tal não existindo fundamento legal para decretar a suspensão do despedimento.

Quanto à probabilidade séria de o despedimento ser ilícito em virtude de se afigurar provável inexistir justa causa, também tal possibilidade não existe. O Requerente foi despedido, com invocação de justa causa, alicerçada no facto seguinte: durante o turno de trabalho e quando se encontrava no exercício das suas funções de caixa, no Casino Lisboa, ter furtado dinheiro da caixa da Sala de Máquinas Automáticas, cuja guarda lhe estava confiada, em diversos dias no período temporal que decorreu de 12/11/2013 a 11/12/2013, o que configura uma grave e repetida violação dos deveres de mútua honestidade e de lealdade para com a entidade patronal, bem como do dever de executar com zelo e diligencia as suas funções e ainda o dever de bem cumprir as obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Alega os factos que considerou provados e imputou ao requerente como fundamento para sustentar a justa causa de despedimento.

Impugna, ainda, os factos alegados pelo requerente que se mostram em contradição com o que consta do procedimento disciplinar observado e com o que nele foi considerado provado.

Conclui, pugnando pela anulação do despacho de aperfeiçoamento;  e, caso assim  não se entenda, pela procedência das excepções invocadas; ou, caso também assim se não entenda, pela procedência da oposição.

Realizada a audiência final foi proferida a decisão seguinte

- “(julgo) indiciariamente lícito o despedimento promovido pela requerida Estoril Sol (III) – Turismo, Animação e Jogo, S. A., contra o requerente AA; e consequentemente,

- indefiro a suspensão do despedimento».

I.2 Inconformado com essa decisão, o A. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:

(…)

        I.3 A Recorrida apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:

(…)

Conclui pugnando pela improcedência do recurso, com a integral confirmação da decisão recorrida.

I.4 O Digno Magistrado do Ministério Público teve visto nos autos, para os efeitos do disposto no art.º 87.º 3 do CPT, pronunciando-se no sentido do recurso estar bem sustentado, sendo capaz de motivar reparo na apreciação jurídica da sentença.

I.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6 Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável, dado que a sentença foi proferida a 18 de Outubro de 2013, já na sua vigência (art.º 7.º 1)] as questões colocadas para a apreciação consistem em saber o seguinte:

i) Se os prazos indicados por lei para o procedimento cautelar de suspensão de despedimento não podiam ser ultrapassados pelo Tribunal a quo, “inclusive” dado que  “a M. Juíza de Direito do Tribunal a quo não proferiu a decisão logo após o término da produção de prova”;

ii) Se “As imagens de vídeo vigilância que serviram de meio de prova no procedimento disciplinar e na providência cautelar de suspensão de despedimento são ilícitas por violação do direito de reserva da vida privada”, devendo a “ decisão da M. Juíza de Direito do Tribunal a quo deverá ser substituída por outra no sentido de considerar que o meio de prova – vídeo vigilância – captado pela ora Apelada, (..) não podia ser utilizado como meio de prova no processo disciplinar, nem tão pouco em processo laboral”;

iii) Se, “Em consequência”, deverá ser alterada a matéria de facto fixada – nos termos pretendidos pelo recorrente (…) – “[J]ulgando-se, a final, que não existem indícios de justa causa de despedimento, bem como o despedimento promovido pela ora Apelada contra o ora Apelante é indiciariamente ilícito (motivado em prova ilícita)”, deferindo-se a suspensão do despedimento.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1     MOTIVAÇÃO DE FACTO

i) A matéria de facto considerada relevante e fixada pelo tribunal a quo, é a que se passa a transcrever:

(…)

ii) E, como Factos não provados, foram considerados os seguintes:

(…)

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO

II.2.1 Começa o recorrente por se insurgir, alegando que os prazos indicados por lei para o procedimento cautelar de suspensão de despedimento não podiam ser ultrapassados pelo Tribunal a quo, “inclusive” dado que  “a M. Juíza de Direito do Tribunal a quo não proferiu a decisão logo após o término da produção de prova”.

Porém, note-se, não pede qualquer efeito processual decorrente do alegado desrespeito dos prazos.

(…)

De todo o modo, como também é consabido, o facto de não terem sido respeitados os prazos estabelecidos para a prática daqueles actos pelo Tribunal não importa qualquer efeito processual. Com efeito, não se encontra qualquer norma processual que estabeleça uma determinada consequência para o desfecho da causa em razão, por exemplo, por a sentença não ter sido proferida no prazo estabelecido na lei processual. De resto, como parece claro, nem tão pouco seria admissível uma solução desse género, pois certamente importaria consequências infundadas e indesejáveis para uma das partes ou mesmo para ambas.

Poderá, sim, importar consequências disciplinares para o juiz titular do processo, se fundamento houver para tal, isto é, se o desrespeito dos prazos não tiver uma justificação assente em causas que não lhe são imputáveis. E, como é óbvio, está na livre disponibilidade da parte que se sinta lesada accionar os meios adequados para desencadear o eventual procedimento disciplinar junto do órgão competente para o efeito, isto é, o Conselho Superior da Magistratura.

Por isso mesmo, salvo o devido respeito, não se vislumbra qual a finalidade da alegação do recorrente a este propósito, sustentando que o Tribunal a quo não produziu a decisão logo após o término da produção de prova (..) como estaria obrigada por Lei, lesando o direito do trabalhador”. Aliás, como já se disse, nem tão pouco o recorrente conseguiu indicá-la.

O que bem se percebe, pois, como é consabido, a este tribunal ad quem apenas cumpre sindicar a decisão, revogando-a, mantendo-a ou alterando-a.

Concluindo, não cumpre, pois, apreciar a questão no sentido de retirar quaisquer consequências processuais.

II.2.2 Sustenta o recorrente, no essencial, que a “As imagens de vídeo vigilância que serviram de meio de prova no procedimento disciplinar e na providência cautelar de suspensão de despedimento são ilícitas por violação do direito de reserva da vida privada (..)” [concl. XIV], e que “(..) não podem ser utilizadas como meio de prova em sede de procedimento disciplinar, pois, nestas circunstâncias, a sua divulgação constitui uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem (..)” [Concl. XXXIII]  devendo a “ decisão da M. Juíza de Direito do Tribunal a quo (…) ser substituída por outra no sentido de considerar que o meio de prova – vídeo vigilância – captado pela ora Apelada, (..) não podia ser utilizado como meio de prova no processo disciplinar, nem tão pouco em processo laboral”.

Na sua perspectiva, ao ter sido admitido e visualizado este meio de prova, foram violados, segundo a ordem pela qual surgem indicados nas conclusões, os normativos legais seguintes: art.º 52.º n.º4 e 7, da Lei do Jogo;  art.º 20.º  n.º3, do Código do Trabalho; art.º  26.º da Constituição da República Portuguesa; e,  art.º 79.º do Código Civil.

Vejamos se assiste razão à recorrente.

(…)

O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, está previsto no artigo 26º da Constituição.

A caracterização deste direito, à falta de uma definição legal do conceito de "vida privada", foi feita no Acórdão n.º 355/97 [Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37º vol., págs. 7 e segs.], seguindo o que esse tribunal afirmara já nos Acórdãos n.ºs 128/92 e 319/95 [Diários da República, II Série, de 24 de Junho de 1992 e de 2 de Novembro de 1995, respectivamente], nos seguintes termos: "o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular".

O artigo 12.º da Declaração Universal do Direitos do Homem proclama que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência […]. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.”.

A Constituição da República Portuguesa dita que a “todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação” (art. 26.º n.º 1) e que “[s]ão nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” (art. 32.º n.º 8).

Também o artigo 126.º do Código de Processo Penal prevê que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas (n.º 1), tendo por ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos [n.º 2, alínea a)].

O art.º 79.º do Código Civil protege o direito à imagem.

E, doutro passo, a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, refere, no artigo 6.º, que o tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para os fins previstos nas suas alíneas a) a e), mediante notificação e prévia autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (artigos 27.º a 31.º da lei citada).

O Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (CT/03), dedicou, pela primeira vez na legislação laboral portuguesa, um conjunto de normas aos direitos de personalidade do trabalhador, nomeadamente: “Liberdade de expressão e de opinião” [art. 14.º]; “Reserva da intimidade da vida provada” [art. 16.º]; “Protecção de dados pessoais” [art. 17.º]; “Integridade Física e Moral” [art. 18.º]; “Testes e exames médicos” [art. 19.º]; “Meios de Vigilância a distância” [art. 20.º] e “Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação” [21.º].

Com as alterações operadas no Código do Trabalho pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (CT/09), tais direitos passaram a constar essencialmente dos artigos 14.º a 22.º, que estatuem, respectivamente, sobre “Liberdade de expressão e de opinião”, “Integridade física e moral”, “Reserva da intimidade da vida privada”, “Protecção de dados pessoais”, “Dados biométricos”, “Testes e exames médicos”, “Meios de vigilância a distância”, “Utilização de meios de vigilância a distância” e “Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação”.

Sobre esta temática, na jurisprudência dos superiores encontram-se arestos tratando, essencialmente, os temas seguintes:

i)             Utilização da internet no local de trabalho;

ii)    Destrinça entre mensagens de conteúdo pessoal e mensagens que se inserem no exercício da actividade pelo trabalhador;

iii) Possibilidade de regulamentação pelo empregador da utilização da internet pelos seus trabalhadores no local de trabalho e com os meios da empresa;

iv) Efeitos do direito à reserva e à confidencialidade de mensagens pessoais e à informação não profissional que o trabalhador receba, consulte ou envie através de correio electrónico.

Em regra, todas essas questões surgem sempre ligadas à apreciação sobre a existência de justa causa de despedimento.

Para o caso em apreço releva o art.º 20.º CT/09 [Meios de vigilância à distância], dispondo o seguinte:

[1] O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

[2] A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.

[3] Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.

[4] (..).

Releva, ainda, o disposto no n.º1, do artº 21.º, onde cansta: “A utilização de meios de videovigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados”.   

Deste quadro normativo ressalta que, verificados os pressupostos, mormente a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, a lei não obsta à instalação dos meios de vigilância à distância, incluindo a captação de imagem, nos locais de trabalho. Contudo, dele decorre igualmente que essa vigilância apenas poderá ser utilizada quando vise a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem, não podendo nunca ter a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

No que concerne à videovigilância, a jurisprudência tem-se debruçado essencialmente sobre três questões em particular: i) a possibilidade da sua instalação; ii) se a instalação ilícita configura justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador; iii) se pode ser utilizada como meio de prova de ilícitos disciplinares pelos trabalhadores.

No que aqui interessa, relevam os arestos que incidem sobre este último ponto, de resto aquele que tem suscitado maior intervenção dos tribunais superiores, nomeadamente os seguintes: (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt):

i) - «I- A licitude da videovigilância afere-se pela sua conformidade ao fim que a autorizou.

II- Sendo o fim visado pela videovigilância exclusivamente o de prevenir ou reagir a casos de furto, vandalismo ou outros referentes à segurança de um estabelecimento, relacionados com o público – e, ainda assim, com aviso aos que se encontram no estabelecimento ou a ele se deslocam de que estão a ser filmados - só, nesta medida, a videovigilância é legítima.

III- A videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizado como meio de prova em sede de procedimento disciplinar pois, nestas circunstâncias, a divulgação da cassete constitui, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem do trabalhador, - arts. 79º do Cód. Civil e 26º da Constituição da República Portuguesa – criminalmente punível – art. 199º, nº 1, alínea b) do Cód. Penal.

IV- Embora o reconhecimento dos direitos de personalidade do trabalhador no âmbito da relação de trabalho só tenha tido consagração expressa no Código do Trabalho, já anteriormente se entendia que os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa - Capítulo I, Título II - e previstos no Código Civil - art. 70 e seguintes - tinham aplicação plena e directa aos trabalhadores no âmbito da execução do contrato de trabalho, uma vez que a celebração deste não implica a privação dos direitos que a Constituição reconhece a qualquer cidadão e o trabalhador não deixa de ser um cidadão como qualquer outro». [Acórdão da Relação de Lisboa, de 03/05/2006, processo n.º 872/2006-4, Isabel Tapadinhas]

ii) - «I – A instalação de sistemas de videovigilância nos locais de trabalho envolve a restrição do direito de reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e dentro dos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade II – O empregador pode utilizar meios de vigilância à distância sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, devendo entender-se, contudo, que essa possibilidade se circunscreve a locais abertos ao público ou a espaços de acesso a pessoas estranhas à empresa, em que exista um razoável risco de ocorrência de delitos contra as pessoas ou contra o património.

III – Por outro lado, essa utilização deverá traduzir-se numa forma de vigilância genérica, destinada a detectar factos, situações ou acontecimentos incidentais, e não numa vigilância directamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de acção dos trabalhadores;

IV – Os mesmos princípios têm aplicação mesmo que o fundamento da autorização para a recolha de gravação de imagens seja constituído por um potencial risco para a saúde pública que possa advir do desvio de medicamentos do interior de instalações de entidade que se dedica à actividade farmacêutica;

V- Nos termos das precedentes proposições, é ilícita, por violação do direito de reserva da vida privada, a captação de imagem através de câmaras de vídeo instaladas no local de trabalho e direccionadas para os trabalhadores, de tal modo que a actividade laboral se encontre sujeita a uma contínua e permanente observação.”» [Acórdão do STJ de 08/02/2006, processo n.º 05S3139, Fernandes Cadilha].

iii)- “[…]

3. Sendo ilícitas as filmagens utilizadas pelo empregador no processo disciplinar, daí não resulta a nulidade de todo o processo, antes determinando essa ilicitude que a sobredita recolha de imagens não possa ser considerada na indagação da justa causa de despedimento.

   […]”[Acórdão do STJ, de 14/05/2008, processo n.º 08S643, Pinto Hespanhol]

iv) - «Não é admissível, no processo laboral e como meio de prova, a captação de imagens por sistema de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador, incluindo os actos disciplinarmente ilícitos por ele praticados». [Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/11/2008, processo n.º 7125/2008-4, Ramalho Pinto]

v)- «1. A limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender.

2. Por isso e não se tendo admitido o visionamento do DVD com as imagens contendo actuação duma trabalhadora eventualmente atentatória da protecção e segurança de bens vendidos no estabelecimento da agravante, tem que se anular o processado desde o despacho impugnado, com repetição de toda a prova» [Acórdão da Relação de Évora, de 09/11/2010, processo n.º 292/09.0TTSTB.E1, Gonçalves Rocha]

vi) «Tendo-se apurado que o visionamento das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, autorizadas pela CNPD, serviu apenas para a entidade empregadora confirmar a actuação ilícita do trabalhador que foi atentatória da finalidade de protecção de pessoas e bens, e não para o controle do seu desempenho profissional, é lícito o seu tratamento como meio de prova no âmbito do processo disciplinar e judicial» [Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/11/2011, processo n.º 17/10.7TTBRR.L1-4, Paula Sá Fernandes].

vii) «[…]

  III- Não é prova ilegal o visionamento dos suportes de videovigilância, se esta estava autorizada para protecção de pessoas e bens.

[…]» [Acórdão da Relação de Lisboa, de 06/06/2012, processo n.º 18/09.8TTALM.L1,  Maria João Romba]

    viii) «I - O empregador não pode, em caso algum, utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

II - Mas já é lícita a utilização desse equipamento quando o mesmo tiver por finalidade o controlo da organização produtiva, numa perspetiva de proteção e segurança de pessoas e bens.

III - Só neste último caso, e não no primeiro, pode haver necessidade de harmonizar o direito do trabalhador com os demais interesses em confronto, uma vez que o controlo da organização produtiva é suscetível, ainda que incidentalmente, de permitir a verificação da conduta e desempenho do próprio trabalhador.

IV - A licitude da utilização de meios de vigilância à distância não depende apenas dessa concreta ponderação material de interesses divergentes, mas igualmente da verificação das condições e procedimentos objetivos previstos no artº 20º nº3 e 21º do Código do Trabalho.

V - Sendo imputado pelo empregador ao trabalhador a prática de um ilícito disciplinar por violação do dever de lealdade, passível de integrar igualmente um crime de furto, é de admitir a exibição em audiência de julgamento das gravações de imagens num caso em que está alegado, sem impugnação, que o estabelecimento onde ocorreu aquele ilícito está a videovigilância autorizada pela CNPD, a existência e funcionamento desse sistema foi participado ao trabalhador, está devidamente publicitado por dois dísticos afixados nesse estabelecimento e o dito sistema foi implementado com vista a salvaguardar os bens e produtos à venda». [Acórdão da Relação do Porto, de 04/02/2013, processo n.º 229/11.6TTLMG.P1, João Diogo Rodrigues]

Acompanhamos esta linha jurisprudencial dos tribunais superiores. Em jeito de síntese,  no entendimento de que é de aceitar as imagens captadas por sistema de             videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente acção judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere -  maior protecção do que aquela que é  conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível.

Revertendo ao caso, conforme é invocado pelo próprio recorrente, a utilização de videovigilância pela R., está devidamente autorizada e licenciada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, no processo n.º 1577/06, a que corresponde a autorização n.º 1654/2007. A mesma está documentada nos autos, constituindo o doc.3, junto com a oposição, que não foi objecto de impugnação. Aliás, refira-se, o recorrente convoca-o nas suas alegações.

Resulta do mesmo que foi autorizada a videovigilância, através de um sistema composto por “96 câmaras fixas e 28 móveis, num total de 124 câmaras, as quais procedem à captação e gravação de imagem”. Na apreciação do pedido, sob o n.º6, consta o seguinte:

                (…)

Invoca o recorrente este último ponto, mas sem qualquer razão (conclusão XX). Nada decorre dos factos provados que minimamente sustente a hipótese sugerida pelo recorrido, no sentido de que o aludido sistema se destinará a controlar o desempenho profissional dos trabalhadores ou, mesmo, que no caso foi usado com esse propósito.

Por conseguinte, nem há violação do fim para o qual foi concedida a autorização, nem tão pouco está em causa o disposto no n.º1, do art.º 20.º do CT.

Releva também atender ao disposto nos  artigos 52.º e 83.º,  da Lei do Jogo (Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com as sucessivas actualizações, sendo a mais recente através do Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro). No que ao caso importa, dispõe o primeiro o seguinte:

[Artigo 52.º Equipamento de vigilância e controlo]

[1] Compete à Inspecção-Geral de Jogos autorizar a utilização de equipamentos electrónicos de vigilância e controlo nas salas de jogos dos casinos, como medida de protecção e segurança de pessoas e bens.

[2] Quando a instalação do equipamento referido no número anterior não seja contratualmente exigível às concessionárias, será a mesma feita por conta do orçamento da Inspecção-Geral de Jogos.

[3] (…)

[4] As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspecção da Inspecção-Geral de Jogos, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção, só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal.

[5]

 [6]

 [7] Nos locais que se encontrem sob vigilância é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso com os seguintes dizeres: 'Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagens e som'.

[8](..)

 E, o segundo:

[Artigo 83.º Actividades proibidas aos empregados que prestam serviço nas salas de jogos]

[1] - A todos os empregados que prestam serviço nas salas de jogos é proibido:

a) Tomar parte no jogo, directamente ou por interposta pessoa;

b) Fazer empréstimos nas salas de jogos ou em outras dependências ou anexos dos casinos;

c) Ter em seu poder fichas de modelo em uso nos casinos para a prática de jogos e dinheiro ou símbolos convencionais que o representem cuja proveniência ou utilização não possam ser justificadas pelo normal funcionamento do jogo;

d) Ter participação, directa ou indirecta, nas receitas do jogo;

e) Solicitar gratificações ou manifestar o propósito de as obter.

[2] - Para os efeitos do disposto na alínea d) do número anterior, não se considera participação nas receitas do jogo a atribuição de retribuição variável em função das receitas brutas do jogo apuradas pela respectiva entidade patronal.

[3] - Além dos previstos no artigo 52.º, as concessionárias podem utilizar quaisquer outros meios para fiscalizar o cumprimento do disposto no n.º 1.

Em primeiro lugar, não colhe, igualmente a afirmação de que não existirá o aviso sobre a existência desse sistema, referido no n.º 7. Na verdade, parece esquecer o recorrente constar provado sob o n.º 54, que “Todos os trabalhadores do casino sabem que existe recolha de imagem com CCTV no interior do mesmo e que são filmados enquanto trabalham, estando afixado tal aviso”.

Em segundo lugar, como acertadamente se afirma na sentença, “no caso dos casinos, é a própria Lei do jogo que, no art. 52.º do DL 422/89, de 2 de Dezembro impõe equipamento de vigilância e controlo nas salas de jogos dos casinos como medida de protecção de pessoas e bens, sendo que a própria lei avança que quando a concessionária não consiga suportar tal despesa, cabe à própria Inspecção-Geral de Jogos, instalar a custas próprias o referido sistema.

Pelo que, a recolha e gravação das imagens foi legal, bem como a sua utilização como meio de prova, na medida em que estão em causa violação das próprias normas da lei do jogo, algumas até com relevância contra-ordenacional e mesmo criminal.

Acresce que, o próprio art. 83.º, n.º3 da Lei do Jogo, prevê que os trabalhadores sejam fiscalizados por esta forma».

Com efeito, há um conjunto de actividades que a Lei proíbe a estes trabalhadores – empregados que prestam serviço nas salas de jogos -, atenta a natureza das funções exercidas e a actividade em que se inserem, nomeadamente, todas as constantes no transcrito art.º 83.º. Note-se que a obrigação de acatar estas proibições está para além dos deveres gerais dos trabalhadores, consignados no art.º 128.º do Código do Trabalho/09 e, ainda, que não visa controlar se o trabalhador tem um bom desempenho profissional, por exemplo em termos de produtividade. A fiscalização por visionamento – expressamente indicada na lei - tem dois propósitos:  dissuadir o trabalhador a adoptar um comportamento desconforme àquelas proibições legais, reportadas todas elas a condutas contrárias à transparência e lisura que deve estar presente na prossecução da actividade legalmente autorizada de exploração de  jogos de fortuna ou azar; e, quando esse efeito dissuasor não resultar, permitir detectar as infracções que sejam praticadas.

Portanto, não faz qualquer sentido pretender o recorrente defender que as imagens captadas não são lícitas – como meio de prova - , na suposição de que estaria a ser controlado o seu bom desempenho profissional. De resto note-se, como resulta do art.º 52.º n.ºs 1 e 2, o sistema de videovigilância nas salas de jogos de estabelecimentos legalmente autorizados, é uma “medida de protecção e segurança de pessoas e bens”, acrescendo que é obrigatória, já que “Quando a instalação do equipamento referido no número anterior não seja contratualmente exigível às concessionárias, será a mesma feita por conta do orçamento da Inspecção-Geral de Jogos”.

Do mesmo modo, também não merece acolhimento o argumento sustentado na suposta violação do n.º4, do art.º 52.º. Dispondo o artigo que  “As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogo”, esta limitação reconduz-se nas finalidades de “medida de protecção e segurança de pessoas e bens” (n.º1, do mesmo artigo), nela se inscrevendo, o controle das “ [A]ctividades proibidas aos empregados que prestam serviço nas salas de jogos”. Note-se, que o n.º3 do artigo 83.º, começa por dizer que “Além dos previstos no artigo 52.º2, para prosseguir, dizendo “as concessionárias podem utilizar quaisquer outros meios para fiscalizar o cumprimento do disposto no n.º 1.í”, resultando, assim, que esse meio –videovigilância-, na medida em que é obrigatório,  está já a ser considerado para fiscalizar também a actividade “dos empregados que prestam serviço nas salas de jogos”.

Prosseguindo, como decorre logicamente do que foi dito, também não colhe a invocação, sustentada no mesmo n.º4, do art.º 52.º, da Lei do Jogo, na parte em que diz ser “proibida a sua utilização para fins diferentes”. Tenha-se presente que a Lei do Jogo proíbe os empregados que prestam serviço nas salas de jogo de “Ter(em) em seu poder (..) dinheiro (…) cuja proveniência ou utilização não possa(m) ser justificada(s) pelo normal funcionamento do jogo [83.º 1, al. c)]; Ora é precisamente isso que está na base da imputação dos ilícitos disciplinares ao Autor, cabendo assinalar que a violação desse dever constitui ilícito contra-ordenacional, punível com coima e “(..) interdição do exercício da profissão (..) até 60 dias, no caso da alínea c)” [Artigo 139.º da Lei do Jogo].

E, precisamente por isso, também não colhe a invocação da parte final daquele  mesmo preceito legal (n.º4, do art.º 52.º], onde se lê, “(..) sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspecção da Inspecção-Geral de Jogos, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção, só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal”.

Em primeiro lugar, como já elucidámos, as imagens visionadas inscrevem-se na finalidade que autoriza a sua captação, isto é, a “fiscalização das salas de jogo”, como “medida de protecção e segurança de pessoas e bens” e controle. Ora, como indica a primeira parte do preceito, seguido da locução “salvo quando”, a parte final só tem aplicação nos casos em que a utilização das imagens captadas não pode ser considerada abrangida no âmbito da “fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio” e na fiscalização do cumprimento do n.º1, do art.º 83.º, relativamente aos empregados que prestam serviço nas salas de jogos.

 Em segundo lugar, a parte final da norma visa proteger o direito à reserva da intimidade da vida privada dos indivíduos, em geral, cuja imagem tenha sido captada pelo sistema de visionamento, isto é, servindo-nos da noção do Tribunal Constitucional acima avançada, está em causa salvaguardar o “direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular". Naqueles 30 dias que se seguem à captação, desde que as imagens tenham sido captadas no respeito pelas finalidades que autorizam a utilização do sistema, é consentida a sua manutenção independentemente do conteúdo. Decorrido aquele período, só o é desde que uma razão suficiente justifique a sua manutenção, entendendo-se como tal “conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser”. E, nesse caso, “serão imediatamente entregues ao serviço de inspecção da Inspecção-Geral de Jogos, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção, só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal”. Porém, salvo melhor entendimento, não decorre da norma, que caso haja justificação para manter as imagens, nomeadamente porque contém matéria susceptível de investigação, mas não tenha sido feita a sua entrega  ao serviço da Inspecção-Geral de Jogos, que tal implique que as imagens devam ser destruídas ou que não possam ser usadas como meio de prova.

Por último, a parte final, “só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal”, tem a ver com as regras sobre a validade da prova, não podendo, por isso,  significar não poderem ser utilizadas no âmbito de procedimento disciplinar, como pretende o recorrente, na consideração implícita de que aquela parte significará que só podem ser utilizadas como prova em procedimentos penais.

Por conseguinte, neste entendimento global, o que importa, pois, é saber se os princípios enunciados no art.º 20.º do CT/09 e nº n.º1, do art.º 21,º, foram respeitados. Esse é o ponto fulcral, tanto mais que, se bem atentarmos nesses normativos, constataremos  incorporarem ou remeterem para a lei própria, no caso daquele último, os princípios gerais sobre a protecção da reserva e intimidade da vida privada.

Importa, pois, ter presentes todos os pontos já tratados e as conclusões a que chegámos, nomeadamente: i) que  foram observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados no que respeita à autorização do sistema de videovigilância; ii) que nem a sua colocação nem as imagens captadas visam exclusivamente controlar o desempenho profissional dos trabalhadores, antes sendo obrigatório por lei a sua existência, quer como “medida de protecção e segurança de pessoas e bens” quer para o controle das “[A]ctividades proibidas aos empregados que prestam serviço nas salas de jogos”; iii) que “Todos os trabalhadores do casino sabem que existe recolha de imagem com CCTV no interior do mesmo e que são filmados enquanto trabalham, estando afixado tal aviso”.

 E, assim sendo, resta concluir que não se verifica qualquer violação dos princípios enunciados no art.º 20.º n.ºs  1, 2 e 3, bem como do n.º1, do art.º 21.º., do CT e, logo, que a prova obtida pela entidade empregadora e considerada na decisão pelo  tribunal a quo é lícita e válida.

Improcede, pois, esta linha de argumentação do recorrente.

III. Impugnação da matéria de facto

Após concluir que a “ decisão da M. Juíza de Direito do Tribunal a quo (…) deve ser substituída por outra no sentido de considerar que o meio de prova – vídeo vigilância – captado pela ora Apelada, (..) não podia ser utilizado como meio de prova no processo disciplinar, nem tão pouco em processo laboral”, prossegue o recorrente pretendendo que, “Em consequência”, deverá ser alterada a matéria de facto fixada, nos termos que indica nas conclusões XXXV a LVI .

A impugnação da matéria de facto assenta, pois, no pressuposto da apreciação da questão anterior ser favorável ao recorrente.

Por conseguinte, em face do que se concluiu nesse ponto, isto é, não tendo a essa impugnação merecido qualquer acolhimento, resta concluir estar prejudicada, na sua totalidade, a apreciação da impugnação sobre a matéria de facto.

IV. Conclusão

(…)

***

Considerando o disposto no art.º 527.º n.º1 e 2, do NCPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre o recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa.

V. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso de apelação improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

  Lisboa, 8 de Outubro de 2014

  Jerónimo Freitas

Francisca Mendes

Maria Celina de J. Nóbrega
I.

Decisão Texto Integral: