Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28046/21.8YIPRT.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
USO INDEVIDO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art. 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
“AA..., S.A”, com sede na Rua ..., em Lisboa, intentou procedimento de injunção contra “BB..., Ldª”, com sede em … Porto, destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais (DL n.º 62/2013, de 10 de maio), no valor global de € 6 374,92, alegando e concluindo nos seguintes termos:
“A Requerente - CRC disponível através do código …-…-… - celebrou com o Requerido, no âmbito da sua atividade, dois contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações, nas datas e a que foram atribuídos os seguintes números de contrato /conta cliente:
- contrato n.º 1.62377768, de 23-05-2018;
- contrato n.º 844189121, de 28-05-2020.
No âmbito dos referidos contratos, a Requerente obrigou-se a prestar o serviço e a fornecer os bens solicitados pelo Requerido; e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e a manter os contratos pelo período neles fixado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à Requerente, a título de cláusula penal do valor relativo à quebra do vínculo contratual, valor que inclui os encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato.
Com a celebração dos contratos, a Requerente ativou e prestou os serviços, forneceu os bens e emitiu as correspondentes faturas.
Das faturas emitidas e vencidas permanecem em dívida as indicadas na relação abaixo, constando da penúltima fatura do contrato 1.62377768 e da última fatura do contrato 844189121 o valor das respetivas cláusulas penais contratuais reclamadas pela Requerente.
Tais faturas foram enviadas ao Requerido, logo após a data de emissão, para a morada por este indicada para o efeito.
Pelo facto de não as ter pago, apesar das diligências da Requerente, constituiu-se o Requerido em mora e devedor de juros legais desde o vencimento, calculados à taxa de juro comercial, sucessivamente, em vigor - a qual é de 8,00% à presente data -, juros vencidos que totalizam o valor supra indicado.
Relação do capital e juros de mora em dívida:
- contrato n.º 1.62377768: capital em dívida de €3618.54 e juros de mora de €241.39, relativos à(s) fatura(s) abaixo indicada(s) em 1);
-contrato n.º 844189121: capital em dívida de €1693.15 e juros de mora de €68.84, relativos à(s) fatura(s) abaixo indicada(s) em 2).
Relação das faturas em dívida:
1)
- Fatura n.º FT 202012/13184, no valor de €574.15, emitida em 08.01.2020 e vencida em 28.01.2020;
- Fatura n.º FT 202012/58899, no valor de €514.89, emitida em 06.02.2020 e vencida em 26.02.2020;
- Fatura n.º FT 202012/96044, no valor de €428.69, emitida em 06.03.2020 e vencida em 26.03.2020;
- Fatura n.º FT 202012/172705, no valor de €261.83, emitida em 08.05.2020 e vencida em 28.05.2020;
- Fatura n.º FT 202012/211804, no valor de €424.18, emitida em 05.06.2020 e vencida em 25.06.2020;
- Fatura n.º FT 202012/251815, no valor de €291.93, emitida em 07.07.2020 e vencida em 27.07.2020;
- Fatura n.º FT 202012/292452, no valor de €1120.37, emitida em 07.08.2020 e vencida em 27.08.2020;
- Fatura n.º FT 202012/334515, no valor de €2.5, emitida em 07.09.2020 e vencida em 27.09.2020;
2)
-Fatura n.º FT 202092/351446, no valor de €30.64, emitida em 19.02.2020 e vencida em 12.03.2020;
- Fatura n.º FT 202092/537304, no valor de €30.64, emitida em 18.03.2020 e vencida em 12.04.2020;
- Fatura n.º FT 202092/732672, no valor de €28.14, emitida em 18.04.2020 e vencida em 12.05.2020;
- Fatura n.º FT 202092/957850, no valor de €28.14, emitida em 18.05.2020 e vencida em 12.06.2020;
- Fatura n.º FT 202092/1176879, no valor de €11.23, emitida em 18.06.2020 e vencida em 12.07.2020;
- Fatura n.º FT 202092/1387388, no valor de €120.56, emitida em 18.07.2020 e vencida em 12.08.2020;
- Fatura n.º FT 202092/1678568, no valor de €9.62, emitida em 18.08.2020 e vencida em 12.09.2020;
- Fatura n.º FT 202092/1858987, no valor de €1434.18, emitida em 18.09.2020 e vencida em 12.10.2020.
É o Requerido, também, devedor do montante peticionado em "outras quantias" a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida.
Termos em que requer a condenação do Requerido a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.”
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Tendo-se frustrado a notificação da requerida, o processo foi remetido à distribuição nos termos previstos nos arts. 10º, nº 2, al. j), e 16º, nº 1, do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular nº 269/98 de 1/09, após o que passaram os autos a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 7, sob o nº 28046/21.8YIPRT.
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A requerida foi devidamente citada e apresentou contestação no prazo legal, negando dever as quantias reclamadas pela ré, e pedindo, consequentemente, a sua absolvição do pedido.
Reconvindo, pediu a condenação da autora no pagamento da quantia de € 8.000,00, destinada a ressarci-la de danos causados em consequência de não ter procedido à resolução de problemas decorrente de alterações contratuais e de ter procedido a cortes no fornecimento dos serviços de comunicações.
*
Por despacho proferido em 22 de setembro de 2021 (referência citius 408654626) foram as partes convidadas a pronunciarem-se sobre a admissibilidade do recurso à forma de processo especial, em virtude de a requerente peticionar o valor de indemnização resultante de cláusula penal.
*
A autora manifestou-se no sentido de o pedido relativo à cláusula penal ser admissível, por se encontrar contratualmente fixada, ter caráter determinável e ter sido expressamente estipulada pelas partes, devendo considerar-se como obrigação pecuniária emergente do contrato (referência citius 30486072).
A ré não se pronunciou, alegando não vislumbrar o alcance do referido despacho (referência citius 30465677).
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Após, foi proferida a seguinte decisão:
"AA..., S.A." intentou procedimento de injunção contra “BB..., Lda.”, pedindo o pagamento da quantia de 6374,92€, sendo 5311,69€ de capital, 310,23€ de juros de mora, 600,00€ de outras quantias e 153,50€ de taxa de justiça paga.
Indica que está em causa uma transação comercial.
Alega que foram celebrados dois contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações, pelo qual ficou obrigada a prestar os serviços no plano tarifário escolhido pela requerida, e esta obrigou-se a pagar o valor dos serviços e a manter o contrato por determinado tempo, sob pena de ter de pagar cláusula penal. Está em causa o pagamento de dezasseis faturas.
Os autos foram remetidos à distribuição, em virtude da dedução de oposição pela requerida.
As partes foram convidadas a pronunciar-se quanto à admissibilidade do recurso a esta forma de processo especial.
Cumpre apreciar e decidir:
Nos termos do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro, é aprovado um “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00€, …”.
Este regime simplificado pode consistir numa injunção que, não sendo objeto de recusa pela secretaria nem de oposição pelo requerido, se converterá em título executivo, com a aposição de fórmula executória pelo secretário, sem intervenção do Tribunal.
Pode também consistir na propositura no Tribunal de uma ação declarativa especial, ou na sua conversão em virtude da dedução de oposição à providência de injunção.
Este processo especial tem um regime muito simplificado, com apenas dois articulados previstos, com um regime de apresentação da prova no início da audiência de julgamento, sendo as testemunhas imperativamente a apresentar, prova pericial imperativamente singular. O número de testemunhas permitido é inferior ao regime do processo comum, o regime difere do comum também quanto à gravação (apenas quando requerida e nos processos que admitem recurso) e quanto à possibilidade de o agendamento ser efetuado de acordo com as agendas dos mandatários.
Em suma, é inequívoco tratar-se de um regime muito simplificado, oferecendo menos garantias e mais riscos às partes, designadamente no que respeita ao número de testemunhas, a eventuais dificuldades na sua apresentação, impossibilidade de efetuar pedido reconvencional, etc., etc.
Decorre da singeleza deste regime que o legislador o quis reservar para os casos efetivamente simples, lineares, permitindo que nestes casos se obtenha mais facilmente um título executivo, de molde a facilitar as cobranças; e que o quis afastar no caso de situações mais complexas a priori, que não se compadecem com o estreito espartilho da estrutura simplificada desta ação especial, exigindo maior liberdade e amplitude nos articulados, na prova a produzir, nos meios de defesa a apresentar, v.g., com a dedução de reconvenção, e permitindo ao Tribunal um efetivo saneamento prévio ao julgamento, bem como um prazo mais alargado para a prolação de sentença, o que se justifica nos casos que apresentem maior complexidade.
Daí que entendamos que o sentido que o legislador quis dar à expressão “obrigações pecuniárias emergentes de contratos” é um sentido estrito, de obrigação pecuniária expressamente prevista no contrato como contrapartida de uma outra prestação qualquer e cujo pagamento se pretenda exigir, prestação que, na maior parte dos casos, coincidirá com a prestação típica do contrato: o preço, a renda, etc.
E quis excluir da referida expressão as obrigações pecuniárias que não emerjam diretamente do contrato, que não estão no mesmo expressamente fixadas e definidas, mas resultem antes do seu incumprimento culposo, da sua denúncia não atempada, ou de qualquer outra causa que, embora fundada no contrato, não se cinja à exigência do cumprimento deste, mas outrossim à verificação do seu incumprimento, da legitimidade da sua resolução, da intempestividade da sua denúncia, v.g..
Consequentemente, esta ação especial não é aplicável a pedidos de indemnização, mesmo que fundados em cláusula penal consagrada contratualmente, porquanto obrigam a priori a que se aprecie a verificação do incumprimento do contrato e demais pressupostos da aplicação da referida cláusula, e não apenas a exigir o cumprimento de uma prestação contratual.
Finalmente, e de um ponto de vista processual, lançar mão de uma ação especial(íssima) para pagamento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato quando se pretende exigir o pagamento de indemnizações resultantes do incumprimento de períodos de permanência contratados e/ou outro tipo de cláusulas penais não é possível de ser enquadrado como um mero erro na forma do processo, passível de sanação, nos termos do disposto no artigo 193º do Código do Processo Civil.
Isto porque não estaria apenas em causa a prática de alguns atos destinados à aproximação da forma de processo comum. O requerimento inicial não obedece sequer às exigências consagradas nos artigos 147º e 552º para uma petição inicial. A ação é intentada através de um formulário legal concebido para causas de pedir simples, e que não é adequado a uma causa de pedir complexa, que extravasa o permitido pelo DL n.º 269/98.
Em suma, o facto de a ação ter iniciado através de um procedimento de injunção quando o mesmo não era permitido para a causa de pedir subjacente à mesma constitui uma exceção dilatória inominada que determina a absolvição da requerida da instância.
No sentido das posições acima defendidas vide, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 18/6/2009 (Teresa Albuquerque), 3/12/2009 (Isabel Canadas), 23/2/2010 (Maria José Simões), 7/6/2011 (Rosário Gonçalves), 30/4/2013 (Luís Espírito Santo), 27/9/2014 (Octávia Viegas), 12/5/2015 (Maria Amélia Ribeiro), 8/10/2015 (Catarina Arêlo Manso), 15/10/2015 (Teresa Albuquerque), 24/4/2019 (Arlindo Crua), 9/5/2019 (Jorge Leal), 14/5/2020 (Gabriela Marques); da Relação de Coimbra de 25/10/2016 (Jorge Manuel Loureiro); da Relação do Porto de 28/10/2015 (Vítor Amaral), de 15/1/2019 (Rodrigues Pires) todos in www.dgsi.pt.
E ainda, na doutrina, o Conselheiro Salvador da Costa, in “A Injunção e as Conexas Ação e Execução”, 4ª edição, página 40.
É o que sucede nos presentes autos, porquanto a requerente pede o pagamento, além de quatro faturas referentes serviços prestados, de indemnizações contratuais que depende da alegação e prova de um incumprimento contratual culposo distinto do não pagamento: qual o período de permanência contratual convencionada, data do seu início e do seu termo, data da cessação do contrato, razões pelas quais a requerente conclui que se verificam os pressupostos de aplicação da cláusula penal e, finalmente, qual o valor da mensalidade para se poder apurar o valor total.
Como é evidente, o facto de a requerente fazer as suas contas e emitir uma fatura no valor que reputa de correto para a indemnização pretendida não a isenta de alegar e provar todos os factos que possam permitir a um Tribunal concluir que tem direito à indemnização calculada de acordo com a cláusula penal, nem altera a natureza dessa parte do pedido, que respeita a uma indemnização e não a uma prestação emergente diretamente de um contrato.
Em suma, a causa de pedir invocada complexa respeita, entre outros factos, a um incumprimento de uma obrigação de “permanência” contratual e o pedido abrange uma indemnização por esse incumprimento, o que não permitia à requerente lançar mão do procedimento de injunção, que foi utilizado sem que se verificassem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, o que constitui exceção dilatória inominada, determinando a absolvição do requerido da instância.
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Consequentemente, e face a tudo o exposto, verificando-se uma exceção dilatória inominada, absolvo a requerida da instância, ao abrigo do disposto no artigo 278º, n.º 1, alínea e) do Código do Processo Civil.
Custas pela requerente - artigo 527º, n.º 1 do Código do Processo Civil.”
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Inconformada com esta decisão, dela vem a requerente recorrer, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
“1. A decisão recorrida absolveu o Apelado da instância, por julgar verificada a excepção dilatória inominada de erro na forma de processo.
2. Salvo, porém, o devido respeito, a relação jurídica invocada pela Autora também tem por base o atraso no pagamento dos serviços e correspondentes juros de mora.
3. E a Apelante discriminou no requerimento inicial os montantes peticionados.
4. Pelo que, ainda que o Tribunal recorrido pudesse concluir pela não aplicação do art.º 193º do CPC em relação ao valor das cláusulas penais,
5. Carece de fundamento que tivesse absolvido da instância em relação ao valor dos serviços, juros de mora e demais quantias, os quais são peticionáveis nos termos do DL 269/98 de 01.09.
6. Pelo que, contrariamente ao decidido, nada obsta a que a ação prosseguisse em relação à parte do pedido relativa a faturas de serviços, juros de mora e encargos com a cobrança.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida violou, nomeadamente, o DL 269/98 de 01.09.
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que determine o conhecimento do mérito em relação às faturas de serviços, correspondentes juros de mora e encargos com a cobrança.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso.”
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A requerida não contra-alegou.
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O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância, recebido neste tribunal nos mesmos termos, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
 O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso em apreço cabe decidir da possibilidade dos presentes autos prosseguirem apenas para cobrança dos serviços de comunicação prestados pela autora.
III. Fundamentação de Facto
Os factos a atender são os supra relatados.
IV. Fundamentação de Direito
O Decreto-Lei nº 269/98, de 1/09 aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, publicado em anexo a tal diploma, emergindo do art. 7º que o procedimento de injunção constitui uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.
O art. 7º deste diploma, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, dispõe o seguinte:
“1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.”
A requerente “AA..., S.A”, intentou procedimento de injunção contra a requerida “BB..., Ldª” visando a cobrança das prestações concernentes aos serviços de comunicações que lhe prestou, acrescidas de juros, e bem assim, de quantias liquidadas e faturadas a título de cláusulas penais que haviam sido fixadas nos contratos,  no valor total de  € 6 374,92, ou seja, de valor inferior à alçada da Relação[1].
Tendo presentes as conclusões do recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância, e que acima se deixou transcrita, é ponto assente, em face de tal decisão, que a recorrente reconhece ter feito um uso indevido do procedimento de injunção para a cobrança das quantias liquidadas e faturadas a título de “cláusula penal”.
O objeto do presente recurso, e como acima se deixou assinalado, versa sobre a possibilidade de se determinar o prosseguimento da ação apenas para a satisfação do crédito atinente às prestações pecuniárias emergentes diretamente dos contratos celebrados entre a requerente e a requerida, e relativamente aos quais era possível o recurso ao procedimento de injunção para a respetiva cobrança. Ou seja, cabe decidir se é possível manter a instância para a apreciação da parte do pedido que poderia ter sido deduzido em procedimento de injunção. 
Evidenciam os autos que o procedimento de injunção intentado pela requerente foi transmutado em ação especial para cobrança de obrigações pecuniárias de valor inferior à alçada da Relação, em virtude de se ter frustrado a notificação da requerida para o processo de injunção (cf. arts. 10º, nº 1, al. j), e 16º, nº 1, do regime anexo ao referido DL 269/98).
De acordo com o art. 17º, nº 1, do mesmo regime, verificada a distribuição, segue-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 1.º e nos artigos 3.º e 4.º, estipulando o art. 3º, nº 1, que se “… a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo   procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa”, o que significa que nesta fase inicial da ação e com vista ao conhecimento de qualquer exceção, o juiz terá de apreciar a concreta pretensão que o requerente configurou no requerimento de injunção, e caso conclua, então, pela verificação de qualquer exceção dilatória insuprível, a consequência inevitável é a absolvição do(a) requerido(a) da instância, conforme previsto no art. 278º, nº 1, al. e), do Código de Processo Civil, o que inviabiliza o conhecimento de mérito.
Em casos como o dos autos e à luz do referido regime legal, recairá sempre sobre o juiz o dever de avaliar e decidir, em primeiro lugar, e tendo presente a concreta e global pretensão do requerente, se lhe era lícito recorrer ao procedimento de injunção como meio de obter a satisfação do crédito reclamado.
As exceções dilatórias são enumeradas de forma exemplificativa no art. 577º do Código de Processo Civil.
O recurso ao processo de injunção, quando não se mostram preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para o efeito, configura uma situação de uso indevido daquele meio como forma de exigir o cumprimento das obrigações a que se reporta o art. 1º do referido diploma preambular, que consubstancia exceção dilatória inominada conforme foi decidido pela Mmª juiz de 1ª instância, que afastou expressamente a possibilidade de enquadrar a situação à luz do erro na forma do processo (art. 193º do Código de Processo Civil), não sendo assim correta a afirmação da recorrente constante da 1ª conclusão da sua alegação de recurso.
Concluindo-se que o procedimento de injunção não era o adequado porque por via dele não era possível ao credor obter a cobrança de valores atinentes a cláusulas penais acordadas, como se concluiu nos autos, então a ação especial para cobrança de obrigações pecuniárias de valor inferior à alçada da Relação, iniciada em consequência de transmutação do procedimento de injunção também não poderá ser permitida, nem aproveitada em qualquer parte, por se encontrar por ele inquinada. E estando comprometida a própria instância, não há lugar a qualquer apreciação de mérito, impondo-se a absolvição da requerida nos termos decididos pelo tribunal a quo.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 2012 (relatado pelo Sr. Conselheiro Salazar Casanova, proferido no processo nº 19937/10.3YIPRT.L1.S1, integralmente acessível em www.dgsi.pt) constitui apoio de decisão neste sentido, ao decidir que “(…) as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação ( artigo 7.º/2 do DL n.º32/2003).
Com efeito, neste caso, a circunstância de o crédito não se enquadrar na transação comercial a que alude o artigo 2.º/1 e 3.º do Decreto-Lei n.º 32/2003 não exerce nenhuma influência, rectius, não tem qualquer correlação com a forma de processo a tramitar em momento subsequente.” – sublinhado nosso.
Mas assim não acontece, como também ali se assinala, “(…) na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que a lei determina que seja a aplicável nos casos em que, em razão da oposição[2], se converteu a providência de injunção respeitante a transações comerciais de valor inferior à alçada da Relação.” – sublinhado nosso -, sendo que nestas circunstâncias, como resulta do mesmo acórdão, o processo não pode ser aproveitado, por verificação de exceção dilatória inominada de uso inadequado do procedimento de injunção.
Também no sentido de que o uso indevido do procedimento de injunção compromete a ação para cumprimento de obrigação emergente de contrato em que aquele se transmutou, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, prolatado em 20 de maio de 2014 (processo 30092/13.6YIPRT.C1, acessível em www.dgsi.pt):
“(…) estamos perante uma situação em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, o que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa.
Importa assim rejeitar a utilização do procedimento injuntivo (e do processo especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato), já que, não estando em causa uma transacção comercial, também não se evidencia uma qualquer obrigação pecuniária que emirja do contrato celebrado entre as partes.
Esta situação configura uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 576º (e art.º 577º), do CPC de 2013, e não de erro na forma de processo, ainda que, nesta segunda perspectiva, possa conduzir a idêntico resultado processual. Na verdade, tal excepção dilatória inominada, afectando o conhecimento e o prosseguimento da acção especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento; caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.
7. A transmutação do procedimento de injunção, por via de oposição[3] que seja deduzida, em acção declarativa de condenação - acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato -, não legitima a utilização indevida daquele, derivada da falta de pressupostos que o possibilitariam. E nesse mesmo enquadramento adjectivo, se o crédito reclamado não for nenhum daqueles que a lei correlaciona com este processo especial, a acção não poderá proceder, estado de coisas que, como vimos, também ocorre no presente caso.
Também no seguimento destas decisões, e mais recentemente, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa que a absolvição da instância quando a ação já está transmutada em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, de valor inferior ao da alçada da Relação, determina a inaproveitabilidade total da ação, ou seja, também para os créditos que poderiam ser peticionados por aquela via (injunção) - (Acórdão de 23/11/2021, proferido no processo 88236/19.0YIPRT, Relator Edgar Lopes, acessível em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, improcede o recurso.

V. Decisão
Na sequência do exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Lisboa, 28 de abril de 2022
Cristina Lourenço
Ferreira de Almeida
Teresa Prazeres Pais
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[1]  Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000 (art. 24º, nº 1, LOTJ).
[2] Ou, necessariamente, em razão de distribuição determinada pela falta de notificação do requerido para o procedimento de injunção.
[3] Ou, necessariamente, em razão de distribuição determinada pela falta de notificação do requerido para o procedimento de injunção.