Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
36/13.1GBALQ.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: DETENÇÃO DE ESTUPEFACIENTE
CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I–Ainda que não resultando expressamente do artigo 40º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, na aferição das quantidades de consumo médio individual diário de produtos estupefacientes, importa considerar os valores fixados pelo mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03.
II–Esses valores não são de aplicação automática, mas meramente indicativos, podendo afastar-se a sua aplicação desde que demostrado esteja que o arguido consome diariamente dose superior à fixada no mapa.
III–Existindo exame toxicológico que determinou a concentração do princípio activo da canabis (resina) detida pelo agente, sendo 5,791 e 1,871 gramas com um grau de pureza de 8,6% e 16,3%, respectivamente e não estando assente que consumia diariamente dose superior a 0,5 gramas, conclui-se por um total de 15 doses diárias, ou seja, que tinha consigo canabis para consumo próprio durante 15 dias [5,791 x (8,6% : 10%) : 0,5] e [1,871 x (16,3% : 10%) : 0,5].
IV–Detendo quantidade de estupefaciente que excede a necessária ao seu consumo individual pelo período de 10 dias, a conduta do arguido subsume-se na previsão do artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

(Sumário elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


1.Nos presentes autos com o NUIPC 36/13.1GBALQ, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Alenquer, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido L. condenado, por sentença de 23/02/2017, nos seguintes termos:

Pela prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros;

Pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d), por referência ao artigo 2º, nº 1, alínea ae), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros;

Após cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 200 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros.

2.O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso.
2.1Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1.–Na ala N) dos factos provados, diz-se que ao arguido foram apreendidas 5,791 gramas de cannabis (resina), com um grau de pureza de 8,6%, a que correspondem 9 doses individuais, bem como 1,871 gramas da mesma substância, com 16,3% de grau de pureza, correspondentes a 6 doses individuais.
2.–No ponto O) dos factos provados, que o arguido destinava o produto estupefaciente ao seu consumo próprio e exclusivo.
3.–Na parte consignada ao Direito, ponto 3.2 da Douta Sentença, a mesma considera que a quantidade detida pelo arguido, era superior ao consumo médio individual durante o período de dez dias, uma vez que totalizava 7,662 gramas, ultrapassando as 5 gramas que de forma meramente indicativa, se indicam na Portaria 94/96, de 26/03.
4.–O Tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo artº 40º nº 2 do DL 15/93, de 22/01.
5.–Não se concorda com tal decisão, porque, no nosso entender, a quantidade de cannabis que foi apreendida ao arguido 7,662 gramas, não excede a quantidade média individual durante o período de dez dias.
6.–Plúrimos Acórdãos dos nossos Tribunais Superiores, consideram que para se apurar a natureza e quantidade do produto estupefaciente apreendido, não só é necessário identificar a natureza dessa substância, como também apurar a percentagem do princípio ativo existente nesse produto, e só depois isso aferir se essa quantidade é ou não enquadrável nas quantidades previstas na Portaria 94/96, de 26/03.
7.–O arguido detinha na sua posse dois pedaços de cannabis, tendo um deles o peso de 5,791 gramas, com um grau de pureza de 8,6%, bem como um segundo pedaço com o peso de 1,871 gramas, com um grau de pureza de 16,3%.
8.–No total o arguido detinha dois pedaços de cannabis que pesavam 7,662 gramas.
9.–No primeiro pedaço, atento o grau de pureza desse estupefaciente, obtemos um peso líquido de cannnabis de 0,086 gramas, sendo que a diferença, isto é, 5,705 gramas, correspondem a produtos misturados com a droga, mas que não se enquadram nas tabelas anexas ao DL 15/93, de 22/01.
10.–Na segunda situação, considerando o grau de pureza desse estupefaciente 16,3%, e a quantidade apreendida - 1.871 gramas, apura-se que o cannabis, enquanto princípio ativo se fixa nos 0,163 gramas, sendo que o restante 1,708 gramas, são tudo menos produto estupefaciente.
11.– Parece lícito concluir-se que das 7,662 gramas de cannabis apreendido ao arguido, 7,413 gramas NÃO SÃO PRODUTO ESTUPEFACIENTE, obtendo-se um montante residual de cannabis, produto considerado estupefaciente e constante das tabelas anexas ao DL 15/93, de 0,249 gramas.
12.–Face a tal raciocínio, e no caso concreto, estaremos perante uma quantidade bem inferior ao consumo médio - DIÁRIO, que a Portaria 94/96, de 26/03, considera para o consumo de cannabis, que ali considera o 0,5 gramas/dia.
13.–Amplamente defendido na nossa Jurisprudência e na Doutrina, é que o nº 2 do artº 2º da Lei nº 30/00, de 29/11, deve ser entendido, como meramente indicativo ou seja, de ter sido feito constar na Lei com o propósito de habilitar o julgador com uma medida orientadora para a conclusão a extrair na circunstância.
14.–As quantidades diárias indicadas na portaria 94/96 e o exame pericial não devem ser de mera aplicação automática. A determinação da quantidade necessária superior para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, deverá basear-se em vários critérios, sempre de acordo com o caso concreto, nomeadamente, o modo de consumo do arguido, mas sempre atendendo no grau de pureza, sendo tal conclusão indispensável para se concluir estar-se em presença da prática de um crime ou de uma contra-ordenação.
15.–Face às alterações legislativas operadas no ano 2000, parece lícito conclui-se que o legislador descriminalizou todo o consumo, mas não liberalizou o consumo de droga. A detenção de produto estupefaciente, em quantidades superiores ao necessário para o consumo médio durante dez dias, tomando por aport as quantidades indicadas na Portaria 94/06, de 26/03, desde que se destine a exclusivo consumo privado próprio, deverá de ser considerada como contra-ordenação, nos termos do artº 2º da Lei nº 30/200, de 29/11.
16.–E justamente essa a posição que, modestamente, defendemos, consubstanciada no facto de ao arguido não lhe ter sido apreendido produto estupefaciente, in casu, cannabis, em quantidade igual ou superior ao seu consumo privado próprio, para dez dias, quer pelo que já foi anteriormente explanado nos artºs 10º a 14º desta motivação, quer pela própria natureza desse produto estupefaciente, quer ainda pelo facto de para o habitual consumidor dessa substância, o consumo diário é, por norma, e do conhecimento generalizado do significativo mundo de consumidores de cannabis, bem superior ao indicado na Portaria 94/86, de 26/03, ou seja, acima do 0,5 grama/dia, o que também foi dito pelo arguido em audiência de julgamento.
17.–O legislador optou por não criminalizar tais condutas - as de deter estupefaciente nas quantidades superiores às indicadas na portaria 94/96, de 26/03, desde que destinadas ao exclusivo consumo privado próprio, o que foi o caso, e com o granus salis que deve estar presente na determinação da quantidade necessária para os tais dez dias, levando a punir tais condutas, não como crime, mas como contra-ordenação.
O Tribunal a quo ao considerar a conduta do arguido como crime, e não como contra-ordenação, violou o disposto nos artºs 40º nº 2 e 71º nº 1 ala c), do DL 15/93, de 22/01, Portaria nº 94/96, de 26/03 e artºs 2º e 28º da Lei nº 30/2000, de 29/11, devendo a Douta Sentença, ser substituída por outra que se atenha ao Direito aplicável aos factos provados.
TERMOS EM QUE: Sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso, deve a Douta Sentença recorrida ser corrigida, com as legais consequências do ora peticionado.

3.O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando por lhe ser negado provimento.

4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer (transcrição):

O presente recurso vem interposto, pelo arguido L. Renan da S... S..., da sentença que o condenou pela práctica de um crime de consumo de estupefacientes p. p. pelo artº 40º nº 2 do DL nº 15/93 de 22/01.
Vistas as conclusões do recurso interposto, a questão de que importará conhecer consiste apenas em saber se a substância apreendida ao arguido não excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante 10 dias, não integrando a sua actuação a prática do crime p. e p. pelo artigo 40º, nº 2 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01, mas tão só a práctica de uma contraordenação p. p. pelo artº 2º nº 1 e 2 da Lei nº 30/2000, de 29/11.
O Ministério Público, na respectiva resposta á motivação, defende a confirmação do decidido.
Afigura-se-nos, que no essencial, assiste razão ao recorrente.
Dos factos provados resulta que o arguido detinha na sua pose 5,791 gr. de cannabis (resina), com um grau de pureza de 8,6% e 1,871 gr. de cannabis (resina), com um grau de pureza de 16,3%, que destinava ao seu consumo próprio e exclusivo.(pontos N) e O).
Antes de mais, importa ter presente que as tabelas anexas à Portaria nº 94/96, de 26/3 se referem apenas ao princípio ativo das substâncias, ou seja, à "droga pura", e não a um qualquer composto que tenha estupefaciente, pois só a droga pura permite uma quantificação como aquela que consta das tabelas.
Só depois, com estes valores fixados no exame laboratorial,- é essencial esta identificação- é que podemos socorrer-nos dos valores referidos na referida tabela.
E, é perante a percentagem do princípio activo constante da substância apreendida, é que podemos avaliar se a quantidade detida é «superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».
A este propósito, ou seja, no sentido de que, os valores que constam do mapa anexo à Portaria nº 94/96 não impõem conclusões rigidamente determinadas quanto às quantidades de consumo médio individual, desde logo porque não pode ser ignorada a maior ou menor percentagem de produto activo, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2008, proc. nº 07P4723, relatado por Raul Borges; do Tribunal da Relação de Évora de 18 de novembro de 2007 proc. nº 1989/07-1, relatado por Gomes de Sousa, e da Relação do Porto de 17 de fevereiro de 2010, proc. nº 871/08.2PRPRT.P1, relatado por Vasco Freitas; in www.dgsi.pt.
No caso em apreço, o relatório de exame pericial do produto detido pelo arguido determina a percentagem de produto ativo.
Assim, satisfazendo os exames laboratoriais as exigências da Portaria, nada justifica o seu afastamento, tendo os limites fixados na referida tabela um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial.
De acordo com tal mapa, é, de 0,5 gr a quantidade de cannabis (resina) correspondente ao consumo médio individual diário. Assim, e se nos ativermos apenas a este valor, não restam dúvidas de que a quantidade de cannabis detida pelo arguido e recorrente excede o consumo médio individual durante dez dias.
Teremos de considerar, porém, e como já atrás referimos , que não deve ser ignorado o grau de pureza da substância submetida a exame pericial no LPC, que no caso concreto era o seguinte: 5,791 gr. de cannabis (resina), tinham um grau de pureza de 8,6% e 1,871 gr. de cannabis (resina), tinham um grau de pureza de 16,3%.
Em síntese, só se pode ver se uma determinada porção desse produto excede ou não um determinado limite depois de ter sido determinado o seu peso líquido e o grau de pureza.
E como no caso em apreço, os valores de grau de pureza são diferentes, então afigura-se-nos que tais valores deverão ser adaptados tendo em conta esse grau de pureza superior, da mesma forma que o deverão ser se o grau de pureza dor inferior, como acontece na presente situação.
Assim sendo, e fazendo uso da fórmula aritmética utilizada quer na sentença, quer na resposta á motivação apresentada pela magistrada do Ministério Público, temos que :
5,791x8,6= 0,498
1,871x16,3=0,340
0,498: 0,5= 0,996
0,340:0,5= 6,8.
De acordo com este entendimento, o arguido detinha cerca de 8 doses e não 15, como refere aquela magistrada.
E isto, porque se nos afigura, que existindo exame pericial do produto detido pelo arguido que determina a percentagem de produto ativo, não fará sentido recorrer ao grau de concentração média de 10%, o que só se justificava, caso o exame laboratorial fosse omisso quanto a tal princípio, o que não é o caso.
De acordo com este critério, parece-nos que a quantidade de estupefaciente detida pelo arguido não excedia o necessário para o consumo médio durante dez dias de um toxicodependente.
Assim a conduta do arguido apenas integra, a previsão da contraordenação de consumo p. e p. pelo artigo 2º n.ºs 1 e 2 da Lei 30/2000.
Deverá pois, ser ordenada a extracção da pertinente certidão para procedimento de natureza contraordenacional.
Nestes termos, afigura-se-nos que o recurso merece provimento.

5.Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

6.Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

IIFUNDAMENTAÇÃO.

1.Âmbito do Recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a do enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido/recorrente no que tange à detenção do produto estupefaciente.

2.A Decisão Recorrida                                              
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

A)-No dia 05 de Dezembro de 2013, cerca das 11h00, a arguida Telma M... encontrava-se no interior da Escola Básica 2,3 Pêro de A..., em A..., estabelecimento de ensino que à data frequentava.
B)-Aí, mais precisamente no corredor em frente ao WC masculino, a arguida utilizando um isqueiro que tinha consigo, acendeu o rastilho de um artifício pirotécnico designado por “petardo” que tinha consigo, e atirou-o ao chão, originando o seu rebentamento.
C)-Tal artifício pirotécnico designado por “petardo” tinha-lhe sido dado, nesse mesmo dia pelo arguido L. Souza.
D)-O arguido L. Souza e a arguida Yuliya M... mantinham, em finais de 2013 e inícios de 2014, uma relação de namoro.
E)-No dia 06 de Janeiro de 2014, a arguida Yuliya trouxe da Ucrânia três artifícios pirotécnicos designados por “petardos” e pelo menos três caixas de engenhos explosivos de pequeno porte, que ofereceu ao arguido L., como prenda de Natal.
F)-O arguido L., em data não concretamente apurada, mas anterior a 05.12.2013, comprou pelo Ebay, uma caixa contendo 20 artifícios pirotécnicos designados por “petardos”.
G)-Em data não concretamente apurada, mas anterior a 05.12.2013, o arguido L. deu 10 artifícios pirotécnicos designados por “petardos” a um amigo, André N....

H)-No dia 10 de Janeiro de 2014, o arguido L. detinha, no interior do seu quarto, na residência sita na Praceta G... C... Real, lote ..., ....º Direito, 2... C...:
a)- 3 caixas de engenhos explosivos de pequeno porte (3,5 cm) da marca “Piccolo Corsair”, contendo 60 unidades cada, que se encontravam em cima de uma pequena mesa de apoio junto à mesinha de cabeceira;
b)-2 artifícios pirotécnicos designados por “petardos”, da marca “Exotic – Fire Works”, modelo “Circoblitz TR-2”, que se encontravam numa prateleira junto ao guarda-fatos;
c)-11 engenhos explosivos de pequeno porte (3,5cm), que se encontravam no interior de uma bolsa de tecido com o padrão Jamaica, que se encontrava numa prateleira junto do guarda-fatos;
d)-102 engenhos explosivos de pequeno porte (3,5cm), que se encontravam no interior de um saco de plástico de cor roxa, que se encontrava cima de uma pequena mesa de apoio junto à mesinha de cabeceira;
e)-Uma caixa de engenhos explosivos de pequeno porte (3,5cm), vazia, que se encontrava dentro do roupeiro;
f)-Duas caixas de engenhos explosivos de pequeno porte (3,5cm), vazias, que se encontravam debaixo da cama;

g)-uma espingarda caçadeira semiautomática, de marca “Benelli – Armi – Urbino”, modelo “121 SL 80”, com o n.º 241777, de calibre 12, para cartucho de caça, com as seguintes características:
funcionamento: semiautomático por culatra móvel actuada por acção indirecta de gases, sem tomada de gases no cano;
sistema de percussão: central e indirecta;
mecanismo de disparo: um percutor e um gatilho;
peso do gatilho: 2,18 kg, aproximadamente;
cano: um cano com alma lisa, com fita de refrigeração, encontrando-se roscado externamente, à sua boca, para colocação de ponteira;
comprimento do cano: 610 mm, aproximadamente;
comprimento da câmara: 70 mm;
diâmetro à boca do cano: 18,3 mm, aproximadamente;
sistema de segurança: por fecho;
alimentação: carregador tubular com capacidade para dois cartuchos, apresentando botão de bloqueamento do cartucho no carregador, simultaneamente de desbloqueio do bloco de culatra à retaguarda;
extractor/ejector: extracção e ejecção automáticas;
aparelho de pontaria: ponto de mira fixo;
carcaça (material): metal;
coronha e fuste (material): em madeira, com chapa de coice em plástico;
comprimento total da arma: 1130 mm, aproximadamente;
fixadores de bandoleira: anterior e posterior, com bandoleira ausente;
em boas condições de funcionamento, sem qualquer deficiência que afecte a realização de disparos ou a obtenção da sequência de automatismo; e,
h)-cinco cartuchos de calibre 12, marca “Trap” de 28 gramas, em boas condições de utilização, que se encontravam atrás do roupeiro.
i)-As caixas referidas em H), alínea a) têm, nas laterais de cada uma, uma lixa, sendo que no interior têm cilindros de papel preto, com as dimensões aproximadas de 4 cm de comprimento e 0,45 cm de diâmetro cada; no topo de cada cilindro encontra-se o sistema de iniciação, sendo composto por substância compatível com pólvora / mistura pirotécnica;
j)-Os artigos referidos nas alíneas E) e H), alíneas b), c) e d) são concebidos para uso individual, após a sua iniciação, por recurso a uma fonte de calor resulta efeito sonoro e luminoso
k)-Os engenhos referidos nas alíneas E) e H), alíneas c) e d) são vulgarmente conhecidos por “bombinhas chinesas”, tendo um comprimento total externo de 38 mm e interno de 37 mm, sendo o corpo constituído por papel rígido e peso total de 0,65 gramas, com um diâmetro externo de 5 mm e interno de 5mm; têm na sua composição pólvora, composta por nitratos, cloratos ou percloratos, substâncias estas deflagrantes, forma granulada, com um peso de 0,25 gramas; a cabeça do fósforo é composta por substância, não concretamente apurada, de tipo deflagrante, forma compacta, com peso de 0,14 gramas; este engenho pode ser iniciado através de fricção, choque, calor ou por recurso a elementos ácidos, consumindo por combustão a cabeça do fósforo que por sua vez inicia a carga explosiva e provoca a explosão do mesmo;

L)–Os artigos referidos nas alíneas B), F) e H), alínea b) vulgarmente designados por “petardos” têm um comprimento total de 85 mm, sendo o corpo constituído por papel rígido e peso total de 78 gramas, com um diâmetro externo de 38 mm e interno de 20 mm; o rastilho tem um comprimento de 50 mm; têm na sua composição pólvora, composta por nitratos, cloratos ou percloratos, substâncias estas deflagrantes, com um peso de 3,75 gramas; a carga de retardo é composta por substância, não concretamente apurada, de tipo deflagrante, forma granulada, com peso de 4,17 gramas; este engenho pode ser iniciado através de fricção, choque, calor ou recurso a elementos ácidos, consumindo por combustão o rastilho que por sua vez inicia o motor de pólvora que enceta um movimento do artefacto, seguidamente inicia a carga explosiva, que provoca o efeito sonoro e luminoso, após ser consumida a carga de retardo.

M)–Nas mesmas circunstâncias, detinha ainda o arguido:
a)-Uma bola de resina de haxixe, que se encontrava na primeira gaveta da mesinha de cabeceira, dentro de um guarda-jóias de porcelana;
b)-Uma caixa de uma balança digital de precisão, contendo no seu interior 30 pequenos sacos de plástico, vulgarmente utilizados para acondicionar produto estupefaciente, que se encontrava no interior do roupeiro;
c)-Uma caixa de plástico contendo 1,88 gramas de haxixe, que se encontrava no interior de um bolso de um casaco do arguido, que se encontrava junto da cama.

N)–O produto estupefaciente em posse do arguido L. revelou ser 5,791 gramas de cannabis (resina), com um grau de pureza de 8,6%, correspondente a 9 doses individuais diárias, e 1,871 gramas de cannabis (resina), com um grau de pureza de 16,3%, correspondente a 6 doses individuais diárias.
O)–O arguido L. Souza destinava o produto referido em N) ao seu consumo próprio e exclusivo.
P)–A arguida Telma não é titular de licença de uso e porte de arma, nem era possuidora de qualquer documento que a autorizasse a deter o artifício designado por “petardo” supra referido.
Q)–O arguido L. não é titular de licença de uso e porte de arma, nem era possuidor de qualquer documento que o autorizasse a deter os artifícios designados por “petardos” e demais engenhos supra referidos.
R)–O arguido L. agiu de forma livre deliberada e consciente, conhecendo a natureza e características da arma e cartuchos, bem sabendo que a sua detenção, naquelas circunstâncias, é proibida.
S)–Agiu ainda o arguido L. de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de deter o produto estupefaciente que possuía, bem sabendo a natureza estupefaciente do mesmo e que lhe era vedada a sua posse e cedência.
T)–Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, sabendo o arguido L. que as condutas descritas em R) e S) eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou que,
U)–O arguido L. Souza não tem antecedentes criminais.
V)–O arguido encontra-se em prisão preventiva, sendo que antes disso vivia com os pais com os quais mantém uma relação de proximidade, consubstanciando-se os mesmos como suporte afectivo, económico e emocional.
W)–Antes da detenção encontrava-se a trabalhar há cerca de um ano.
X)–Mantém igualmente bom relacionamento com a irmã e o agregado familiar da mesma.
Y)–À data dos factos os pais encontravam-se ausentes, durante período alargados, uma vez que são motoristas de transportes internacionais.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

Z)–Sem prejuízo do referido em N) o arguido detinha 6,119 gramas de cannabis (resina).
AA)–Em datas não concretamente apuradas, mas anteriores a 10.01.2014, o arguido L. cedeu produto estupefaciente a dois indivíduos seus amigos, de identidade completa não concretamente apurada, mas que se sabe chamarem-se Wilson e Cristóvão.
BB)–A arguida Telma conhecia a natureza e características do artifício pirotécnico designado por “petardo” que tinha consigo e utilizou em 05.12.2013, bem sabendo que a sua detenção, naquelas circunstâncias, é proibida.
CC)–O arguido L. conhecia a natureza e características dos artifícios pirotécnicos designados por “petardo” e engenhos explosivos de pequeno porte que detinha, bem sabendo que a sua detenção, naquelas circunstâncias, é proibida.
DD)–O arguido L. bem sabia que não podia ceder os artifícios pirotécnicos designados por “petardos” a Telma Mesquita e André Nunes, por serem considerados como arma proibida e não ter qualquer autorização para o efeito.
EE)–A arguida Yuliya bem sabia que não podia ceder os artifícios pirotécnicos designados por “petardos” e engenhos explosivos de pequeno porte a L. Souza, por serem considerados como arma proibida e não ter qualquer autorização para o efeito.
Sabiam ainda os arguidos serem as suas condutas referidas de AA) a DD) proibidas e punidas pela lei penal.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da avaliação englobante do contexto probatório dos autos, designadamente, os documentos que deles constam e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Concretizando.
Alíneas A) a T) e Y) a EE): acerca desta factualidade os arguidos reconheceram os factos integralmente os factos objectivos aqui descritos, sendo que a única questão que se coloca no que concerne aos mesmos se reporta ao denominado elemento subjectivo, pois que nesta sede os arguidos mencionaram desconhecer, quanto aos “engenhos explosivos” desconhecer que a sua detenção fosse proibida por lei, necessitando os mesmos de alguma licença para tal.
Em abono do mencionado referem o seguinte: a arguida Yuliya menciona que o “presente” que trouxe da Ucrânia, onde se dirigiu na época das festas, porquanto sabia que o arguido L., seu namorado à data, gostava deste tipo de engenhos, sendo que o carro foi fiscalizado na fronteira da Ucrânia, nada lhe tendo sido dito acerca dos mesmos, pelo que sempre esteve crente que os pudesse deter, transportar e oferecer.
O arguido L., em termos consentâneos com tal, afirma que também desconhecia que não os pudesse deter, tanto que adquiriu os demais na internet, nunca lhe tendo sido feita qualquer advertência, pergunta ou foi colocada qualquer restrição à acusação, sendo que era usual o seu rebentamento na época das festas.
Do mesmo modo, a arguida Telma refere que só pediu o “petardo” por brincadeira e que apenas pensava que era contrário ao regulamento interno da escola.
Ora, esta versão aventada pelos arguidos não é absolutamente contrária às regras da experiência comum, tanto assim que a testemunha Manuel Joaquim Santos Pereira, chefe da Secção de Inactivação de Engenhos Explosivos da GNR, refere quando ouvido em audiência que à data dos factos tinha havido várias alterações legislativas, existindo mesmo junto dos operadores de mercados dúvidas acerca da comercialização/disponibilização e detenção deste tipo de engenhos.
Por outro lado, verifica-se que por exemplo o arguido L. Souza que no seu quarto guardava a espingarda atrás do roupeiro (o que claramente indicia que sabia não a poder deter) quanto a estes engenhos tinha-os visíveis. Mais se constante que também os comportamentos das arguidas (uma a transportar passando por fronteiras e outra procedendo ao rebentamento do “petardo” na escola), existe pelo menos uma dúvida razoável sobre se os factos mencionados de AA) a EE) correspondem à realidade, mais não seja atento O princípio do in dubio pro reo[1].
No que concerne às características especificas dos engenhos apreendidos e aqui descritos atendeu-se ao teor da diversa prova documental e pericial junta aos autos, a saber: auto de notícia de fls. 3-6 quanto ao incidente ocorrido na escola, que permite contextualizar espácio-temporalmente os factos; auto de apreensão de fls. 9 relativo aos vestígios apreendidos nessa mesma situação; reportagem fotográfica de fls. 12-14 que enquadra o local em que foi efectuado o rebentamento; auto de detenção de fls. 41-42, 50-51 e reportagem fotográfica de fls. 52-58, relativos aos bens apreendidos no quarto do arguido; auto de exame directo relativo á espingarda, constante a fls. 64-65, autos de pesagem de fls. 66-67 quanto ao produto estupefaciente apreendido ao arguido; auto de exame directo de fls. 68, 93-99, quanto ao material apreendido; relatórios de exame pericial ao mesmo material de fls. 152-155, 207-220, da conjugação dos quais se extraem as concretas características dos bens apreendidos.
Importa referir que quanto à espingarda e munições já não colhe a versão aventada pelo arguido de que desconhecia que não a podia deter sem licença. Com efeito, é notícia frequente nos meios de comunicação social a apreensão de armas similares, nas quais são exibidas imagens, sendo que o próprio lugar onde o arguido tinha tais objectos leva-nos a considerar que só assim pode ter agido exactamente porque conhecedor da ilicitude do seu comportamento.
Em face do exposto, e porquanto é do conhecimento comum que objectos com o apreendido nos autos, podem ser perigosos e como tal a sua detenção, sem autorização, é proibida por lei, deram-se como provados os factos relativos ao dolo quanto a tal.
No que concerne à detenção da cannabis o arguido reconheceu os factos constantes da acusação, designadamente as circunstâncias de tempo, modo e lugar, acrescentando todavia que a cannabis era para seu consumo exclusivo, sendo que não conseguiu ser preciso quanto ao lhe tempo que lhe daria para consumo, tanto assim que parte desta a teria há mais de um mês. Não se olvida que o mesmo em sede de inquérito (cfr. fls. 78-80) afirmou que a partilhava com amigos. Todavia, considerando que tal pode ser facilmente reconduzível a uma partilha do comportamento e não do produto em si, a quantidade apreendida, o facto de não terem sido encontrados objectos que conduzam a considerar-se que a cedia ou vendia a terceiros (a caixa da balança era isso mesmo a caixa e não a balança em si, sendo que os sacos por si só nada indiciam), a que acresce o depoimento dos familiares e amigos que referiram que o mesmo é consumidor, entende-se nada existir que coloque em causa a versão do arguido.
Veja-se que o produto estupefaciente não se encontrava acondicionado em doses individuais, não foram encontrados instrumentos usualmente destinados à venda [balanças, instrumentos de corte, etc.], Ora, em face destes factos, certo é que persistindo após a produção da prova uma dúvida razoável quanto ao destino do produto estupefaciente atentos os princípios da presunção da inocência e da culpa e, bem assim, do in dubio pro reo (cfr. artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), tal dúvida terá que ser resolvida a favor do arguido, considerando-se que a mesma era destinada ao consumo – neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.09.2010, proferido no processo n.º 1161/08.6TACBR, Juiz Desembargador Relator Ribeiro Martins, disponível em www.dgsi.pt, assim se impondo dar como provado o facto referido na alínea F).
No que concerne ao produto estupefaciente apreendido [cfr. alínea E)], atendeu-se ao teor dos autos de pesagem já mencionados e ao teor do relatório pericial de fls. 184 quanto à natureza, peso e características do produto apreendido.
Em concreto quanto à quantidade e natureza de droga em causa, revelou-se determinante o relatório pericial de toxicologia forense elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária que constitui fls. 184 conforme referido. A quantidade de droga referida na acusação correspondia ao peso bruto, o qual, naturalmente não tem relevância probatória porquanto não poderá atender-se à tara. Consabidamente, o peso líquido de cada estupefaciente deve ser calculado subtraindo-se a tara ao respectivo peso bruto, sendo que o peso líquido da amostra cofre já não tem incluído o produto que é utilizado para o exame em si, motivo pelo qual também não pode ser atendido.
A consciência da ilicitude e vontade de acção quanto à detenção do produto estupefaciente, por seu lado, extraem-se do próprio desenrolar dos eventos, não sendo credível outra actuação que não a deliberada ou sequer que os arguidos desconhecesse a ilicitude do seu comportamento e a punibilidade do mesmo, do geral conhecimento dos cidadãos, mormente quando se assume como consumidor.
Quanto às condições pessoais, familiares e profissionais do arguido, foram ponderadas as declarações por este prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais se mostraram sérias e não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova, antes sendo corroboradas pelo teor mencionado pelas testemunhas abonatórias ouvidas, Hiran L...S...F..., Gislene S...L...M...S..., António C...J...B... e Tiago A...T..., que deram nota de todo o apoio familiar que o arguido tem tido.
Relativamente à ausência de antecedentes criminais do arguido, levou-se em conta o teor do Certificado de Registo Criminal juntos aos autos a fls. 355.
Para a determinação da matéria de facto dada como não provada o Tribunal louvou-se na ausência de produção de prova da sua realidade, nos termos já mencionados.

Apreciemos.

O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a factualidade dada como assente na sentença recorrida.

O recorrente insurge-se contra a sua condenação pela prática do crime p. e p. pelo artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, considerando que as quantidades de canabis que detinha, atendendo ao respectivo grau de pureza e a que se destinavam ao consumo próprio exclusivo, integram conduta não criminalizada, apenas susceptível de se configurar como contra-ordenação.

Provado se encontra, sem que tinha sido objecto de impugnação, que o recorrente detinha 5,791 gramas de canabis (resina), com um grau de pureza de 8,6% e 1,871 gramas do mesmo produto com um grau de pureza de 16,3%, cujas características conhecia e que destinava ao consumo próprio e exclusivo.

Ora, estabelece-se no artigo 40º, da Lei nº 15/93, de 22/01:

“1–Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou pena de multa até 30 dias.

2–Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias (…)”.

Com a entrada em vigor da Lei nº 30/2000, de 29/11 e concretamente do seu artigo 2º, passou a vigorar que:

“1.–O consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação.

2.Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.

E, o artigo 28º, desta Lei nº 30/2000, veio revogar o dito artigo 40º, “excepto quanto ao cultivo, e o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, bem como as demais disposições que se mostrem incompatíveis com o presente regime”.

Concatenando entre si estas normas dos artigos 2º e 28º enunciadas resulta, como bem se afirma na decisão revidenda, “uma descriminalização relativamente ao consumo de estupefacientes, revogando o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – excepto quanto ao cultivo –, que punia como crime o consumo, transmudando-o para contra-ordenação, mas só até quantidades de droga, que “não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.”

Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça pelo Acórdão nº 8/08, de 25/06/2008, in D.R. nº 146, Série I-A, de 05/08/2008, fixou jurisprudência no sentido de que “não obstante a derrogação operada pelo art. 28º da Lei 30/2000, de 29/11, a Lei 15/93, de 22/01, manteve-se em vigor não só quanto ao cultivo, como relativamente à detenção para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.”

A problemática encontra-se então na densificação do que sejam o “limite quantitativo máximo para cada dose média individual diária” e o “consumo médio individual durante o período de 10 dias”.

Podemos ainda ler na decisão recorrida, a propósito:

“No caso concreto, e na medida em que se mantém em vigor o artigo 71º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é necessário recorrer ao mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.
De referir ainda que, os ditos valores indicativos (estatísticos) contidos no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, têm um valor de mero meio de prova, a apreciar, nos termos da prova pericial, pelo que não são de aplicação automática, podendo ser impugnados e afastados pelo tribunal, embora acompanhados da devida fundamentação.
(…)

Atendendo à quantidade de produto estupefaciente apreendido e que se encontrava na posse do arguido, resulta como inequívoco que o arguido detinha em sua posse sem qualquer autorização legal cannabis, substância esta contemplada na Tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Ademais, demonstrado está que o arguido destinava o produto que transportava exclusivamente ao seu consumo, sendo que sabia que tal conduta era proibida porquanto a quantidade detida era superior ao consumo médio individual durante o período de 10 dias.

De facto, considerando os limites definidos no mapa a que se reporta o artigo 9º da Portaria 94/96, de 26 de Março, o limite quantitativo máximo diário para a substância em análise - folhas e sumidades floridas ou frutificadas - é de 0,5 gramas, sendo que tal dose se refere a uma dose média diária com base na variação de conteúdo médio do THC existente nos produtos de cannabis e reporta-se a uma concentração média de 10%. Desta forma, e considerando a quantidade que o arguido detinha de canabis e as diferentes concentrações, fácil é de concluir que este detinha quantidade que sabia corresponder ao consumo médio para mais de 10 dias.

Com efeito, tendo em conta que o arguido detinha canabis com os pesos líquidos de 5,791 e 1,871 gramas, com a substância activa presente (THC) e com um grau de pureza de 8,6% e 16,3%, respectivamente, e que a dose média individual é de 0,5 gramas, para um grau de concertação média de 10%, apuramos que tinha 15 doses [5,791 x (8,6% / 10%) / 0,5] e [1,871 x (16,3% / 10%) / 0,5].”

Efectivamente apresenta-se como correcto este entendimento, sendo que, por esta via, se apura que o quantitativo de 5,791 gramas (tendo em atenção a percentagem do princípio activo – tetrahidrocanabinol ou A9THC – presente) corresponde a 9 doses diárias e as 1,871gramas a 6 doses diárias, no total de 15 doses diárias, ou seja, canabis para consumo durante 15 dias.

O entendimento da Exmª Procuradora-Geral Adjunta no sentido de que o recorrente apenas detinha oito doses (de acordo com a fórmula 5,791 x 8,6 = 0,498; 1,871 x 16,3 = 0,340; 0,498 : 0,5 = 0,996; 0,340 : 0,5 = 6,8) não merece acolhimento.

Isto porque não tem em consideração a concentração média de 10% de tetrahidrocanabinol enunciada na alínea e) da nota 3 do quadro a que se refere o artigo 9º da Portaria nº 94/96.

Como se pode ler no acórdão deste Tribunal da Relação e Secção, de 06/11/2012, Proc. nº 5929/09.8TDLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt:
“No que concerne aos derivados da canabis, o fenómeno da adulteração é, aparentemente, muito menos significativo, ainda que possível (Veja-se Eduardo Hidalgo, “Sabes lo que te metes? Pureza y adulteración de las drogas en España”, Edicones Amargord, 2007. Capítulo 1: pag. 25-45. Segundo este autor, os estudos realizados em Espanha pelo Instituto Nacional de Toxicologia não têm confirmado as queixas ou suspeitas de muitos consumidores de haxixe: em 2005, das 6.095 amostras analisadas, apenas 0,78% estavam adulteradas; em 2004, 0,06%; em 2003, 1,6%; em 2002, 0,6%; em 2001, 7,6%; em 2000, 3,2%; em 1999, 2%, e assim sucessivamente).

O Supremo Tribunal de Espanha – atente-se que em Espanha não existe uma tabela comparável à da Portaria n.º 94/96, ainda que o Supremo tenha fixado valores de consumo diário das diversas substâncias para efeito de preencher o conceito de “notória importância” do tráfico agravado (que foi jurisprudencialmente estabelecido a partir das 500 doses referidas ao consumo diário) - tem mesmo entendido que, relativamente ao derivados da canabis, não é necessário concretizar o grau de THC, ou seja, a concentração de tetrahidrocannabinol, já que se trata de um componente da própria planta e não se encontra em estado puro, variando por causas naturais, como a qualidade da planta, a zona de cultivo, a selecção das partes componentes (já que a concentração varia na mesma planta), etc.
Do que se infere que não se vendem no mercado derivados de canabis que possam apresentar THC em estado puro.

Assim se compreende o critério da tabela relativamente à canabis: não se indica apenas um limite quantitativo para a dose média individual diária, mas diz-se que os limites quantitativos apresentados, conforme se trate de folhas e sumidades floridas ou frutificadas, resina ou óleo, referem-se a concentrações médias de THC, que seguramente têm em conta dados epidemiológicos relativos às concentrações médias usuais nos diversos produtos da canabis.

Esclarece-se, assim, que a quantidade indicada para a canabis-resina (0,5 gramas) se refere “a uma concentração média de 10% de A9THC”.

Provado não está que o recorrente consumisse diariamente uma dose de canabis superior a 0,5 gramas (embora em sede de conclusões de recurso se traga à colação que prestou declarações em audiência nesse sentido, certo é que não impugnou na modalidade ampla a matéria de facto dada como provada e também da análise da decisão recorrida, com vista a detectar um eventual vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, enunciado na alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do CPP, que é do conhecimento oficioso, não resulta transposto que o tenha feito, antes que o arguido reconheceu os factos constantes da acusação, designadamente as circunstâncias de tempo, modo e lugar, acrescentando todavia que a cannabis era para seu consumo exclusivo, sendo que não conseguiu ser preciso quanto ao lhe tempo que lhe daria para consumo, tanto assim que parte desta a teria há mais de um mês) e, porque assim é, temos de concluir que, efectivamente, detinha quantidade de estupefaciente que excede a necessária ao seu consumo individual pelo período de 10 dias, pelo que a conduta subsume-se na previsão do artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso.

IIIDISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido L. e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.


Lisboa, 26 de Setembro de 2017



(Artur Vargues)-(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)
                               
(Jorge Gonçalves)


[1]Atento o princípio do in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal encontrando-se perante uma dúvida razoável, resultante da inexistência de qualquer prova concludente, sempre terá que resolver essa dúvida a favor do arguido.
De facto, nas palavras do Professor Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra, 1974, página 213), “um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz que omita a decisão (...) - tem de ser sempre valorado a favor do arguido, (...) devendo conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”