Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
871/15.6YRLSB-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–O carácter profundamente restritivo dos fundamentos legais que habilitam a pedir ao tribunal estadual que anule a decisão proferida pelo tribunal arbitral constitui, precisamente, a afirmação da própria independência e autonomia da jurisdição arbitral.
II–Basicamente, a acção especial de anulação da decisão arbitral cuida apenas da detecção dos vícios graves de natureza processual susceptíveis de revestir influência decisiva na resolução do litígio.
III–Há portanto que tomar apenas em consideração as (eventuais) violações graves de princípios basilares e estruturantes de qualquer processo de composição de interesses, mormente os que têm a ver com os princípios da igualdade das partes e do contraditório.
IV–A circunstância de não terem prevalecido os depoimentos escritos prestados pelas testemunhas arroladas pelos demandados, ora AA. (que desde logo não os confirmaram oralmente em audiência por não terem comparecido nesta), integra-se, de pleno, na esfera de competência normal do tribunal arbitral quando aprecia e valora o conjunto dos elementos probatórios reunidos nos autos.
V–O artigo 42º da LAV apenas exige que o acórdão seja reduzido a escrito e assinado, limitando-se a fundamentação (quando não seja dispensada) à indicação dos factos provados e à fundamentação de direito.
VI–Resumindo-se a fundamentação da convicção dos árbitros a que: ”decorre fundamentalmente da documentação junta aos autos, e também da confirmação pelos depoimentos prestados. A matéria de facto não considerada, ou é absolutamente irrelevante para uma boa decisão dos autos, ou pura e simplesmente não foi objecto de prova”, embora seja demasiado sintética, talvez inadmissível no âmbito de um processo judicial, rodeado de outros formalismos e de garantias incomparavelmente superiores às consignadas na jurisdição arbitral, não pode deixar de considerar-se, neste contexto, como suficiente, tomando em consideração que a maior parte dos factos ora em discussão eram de prova documental necessária e que a base da decisão assentava em juízos de equidade.
VII–Tratar-se-á, porventura, da mais significativa diferença entre a jurisdição arbitral, fundada em juízos de equidade e na extrema simplificação e agilização dos procedimentos – uma forma de resolução de litígios em modo simplex - e a jurisdição estadual, assente no rigor do estrito cumprimento da lei processual e na absoluta salvaguarda de todas as garantias do pleno exercício das mais amplas faculdades processuais, de que não abre mão em circunstância alguma.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


Intentaram R.H., Quinta... – Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, Lda. e S. Empreendimentos – Empreendimentos Desportivos e de Lazer, Lda., acção especial de anulação de decisão arbitral contra B. (Madeira) BVA Company, nos termos dos artigos 46º e seguintes da Lei nº 63/2003, de 14 de Dezembro (Lei de Arbitragem Voluntária).

Essencialmente alegaram:

-Do objecto do litígio e dos argumentos esgrimidos pelas partes.
Através da presente acção, a Demandante, aqui Ré, formulou os seguintes pedidos:

-Declarar verificado o incumprimento por parte dos Demandados, das obrigações para si decorrentes do contrato promessa de compra e venda outorgado em 20 de Fevereiro de 2008, e, em consequência, serem os Demandados condenados, solidariamente, na devolução à Demandante do valor do sinal em dobro, acrescido dos juros de mora, contabilizados a taxa legal, desde a data da resolução do contrato ate efectivo pagamento;
-Em alternativa ao pedido de devolução do sinal em dobro, caso se entenda que tal devolução não é devida nos termos peticionados, deverão os Demandados ser condenados, solidariamente, na devolução do sinal em singelo, acrescido dos juros de mora devidos à taxa legal;
-Em qualquer caso, devem os Demandados ser condenados solidariamente no pagamento a Demandante da indemnização devida, a título de lucros cessantes, que se contabiliza em 61.100.000,00.
-Em qualquer caso, deverão os Demandados ser condenados solidariamente no pagamento à Demandante das verbas despendidas com as despesas, honorários, taxas, e juros que se contabilizam em 6…103.489,38.

Os Demandados, aqui Autores, contestaram, requerendo a final:

a) Deverá ser considerada totalmente improcedente por não provada a presente acção, sendo os Demandados absolvidos dos pedidos;
b) Ainda que assim se não entenda, sem conceder, devera considerar-se automaticamente caducado o Contrato (Doc. n." 2 da Peticão Inicial), com a consequente devolução em singelo do sinal e absolvição dos Demandados de tudo o demais peticionado;
c)Ainda que assim não se entenda, sem conceder, e se considere definitivamente incumprido o Contrato (Doc. n." I da Peticero 'racial) por parte dos Demandados, devera ser ordenada a devolução do sinal em dobro, absolvendo-se os Demandados de tudo o demais peticionado.

Em suma, defenderam e, no seu entender, provaram os Demandados, aqui Autores, que:

-é questão pacifica que o contrato-promessa sub judice foi celebrado sob condição resolutiva — caso o PIP (pedido de informação prévia) para realização de empreendimento turístico, a apresentar junto da Câmara Municipal do Funchal, não viesse a ser aprovado e não viesse a ser permitida a construção pretendida e prevista no contrato e seus anexos, o mesmo caducaria automaticamente (cfr. clausula Segunda do Contrato-Promessa junto pela Demandante, como Doc. n.° 2, ao processo arbitral a juntar aos presentes autos, conforme infra se requerera);
-era a Demandante, aqui Ré, que cabia conduzir o processo do PIP, apesar de o mesmo ser formalmente apresentado pelos Demandados, aqui Autores, enquanto proprietários, tendo para o efeito os mesmos outorgado uma procuração a favor daquela (com poderes para representar os Demandados junto da Câmara Municipal do Funchal) e impendendo sobre a mesma a obrigação de contactar e instruir o arquitecto responsável pelo PIP e demais equipa, pagar os inerentes custos, etc. (Vd. alineas H) e I) dos Considerandos e no n.° 6 da Clausula 2•" do mesmo Contrato);
-ao contrário do pretendido pela Demandante, aqui Ré, nem o PIP foi alguma vez definitivamente recusado, aguardando ainda decisão camarária (ao contrário do que se conclui na sentença impugnada a revelia dos documentos camarários juntos aos autos, como veremos), pelo que o Contrato-Promessa esta em vigor, não se tendo verificado a sua condição resolutiva;
-como a eventual falta de andamento do PIP e da exclusiva responsabilidade da Demandante, aqui Ré (e não dos Demandados, aqui Autores, conforme alegava aquela), pois que a mesma não cumpriu as suas obrigações com respeito à promoção do andamento do PIP, apesar de ter os meios necessários e suficientes para o fazer;
-assim, não se verificou incumprimento ou sequer mora no contrato-promessa sub judice, pelo menos da banda dos Demandados, aqui Autores;
-e caem por terra os argumentos aduzidos pela Demandante, aqui Ré, na sua  comunicação (junta a acção arbitral como Doc. n.° 10) alegando o pretenso incumprimento definitivo do contrato-promessa pelos Demandados, aqui Autores, por suposta perda de interesse no negocio, que se resumiam a: * indeferimento do PIP (que não ocorreu) e a falta de comunicação por parte dos Demandados, aqui Autores, de informações concernentes ao processo camarário (que na verdade não tinham qualquer obrigação nesse sentido, sendo incumbência da Demandante, aqui Ré, obter por si as informações e proceder a todas as diligencias necessárias para dar andamento ao PIP);
-acresce, por outro lado, que as comunicações conferindo um prazo aos Demandados, aqui Autores, para fornecer determinadas informações à Demandante, aqui Ré, não constituem interpelação admonitória para efeitos do artigo 808.° do Código  Civil, porquanto não respeitam à prestação objecto do Contrato-Promessa;
-pelo que, concluíram os Demandados, aqui Autores, que não se verifica o incumprimento definitivo do contrato-promessa a si imputável, nem mercê de interpelação admonitória nem por força de perda do interesse da Demandante, aqui Ré;
-a qual não tinha, pois, direito ao sinal em dobro, nem a qualquer outra indemnização.
Mais defenderam os Demandados, aqui Autores, que, ainda que assim não se entendesse (sem conceder), e se considerasse verificada a condição resolutiva de indeferimento do PIP, sempre caducaria automaticamente o Contrato-Promessa, ficando os Demandados, aqui Autores, obrigados a proceder apenas à devolução do sinal em singelo nos termos dos n.°' 3 e 4 da clausula Segunda,  não sendo devido qualquer outro valor à Demandante, aqui Ré, para além desse.

De quanto supra se expôs, verifica-se que estavam, a título principal, em causa na acção arbitral aqui em apreço, duas questões de facto fundamentais:

-responsabilidade pela promoção do andamento PIP;
-estado do PIP e sua efectiva recusa definitiva pelo Município do Funchal.
Questões de facto cuja resolução era essencial para a determinação da existência ou inexistência de incumprimento do contrato-promessa de compra e venda sub judice, e que, por violação de princípios processuais fundamentais, o Tribunal Arbitral resolveu erroneamente, conduzindo a uma decisão injusta.
-Da não audição das testemunhas dos ora Autores.
Através da presente acção visam os AA., ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 59º da Lei de Arbitragem Voluntária (vulgo LAV), a anulação da decisão arbitral que correu termos no Centro de Arbitragem de Litígios da Ordem dos Advogados.
No decorrer do processo foi decidido pelo Tribunal Arbitral que, para além da apresentação dos depoimentos escritos das testemunhas indicadas pelas partes, tais testemunhas seriam igualmente ouvidas em audiência.
Nesse sentido foram as partes notificadas pelo Tribunal Arbitral, em 1 de Dezembro de 2014, através de e-mail, do agendamento da audiência de julgamento para o dia 11 de Dezembro de 2014 e de que as testemunhas deveriam ser, nessa data, apresentadas pelas partes para ser inquiridas.
Acontece que as testemunhas indicadas pela ora A. não podiam estar presentes nessa data.
Apesar disso e motivados pela convicção criada nas conversações havidas entretanto com a demandante, ora Ré, de que haveria acordo no sentido de tais testemunhas serem inquiridas numa data posterior, os demandados, ora AA., não informaram o tribunal arbitral da impossibilidade de comparência das testemunhas.

Acontece, porem, que no dia da audiência de julgamento tal não verificou, pelo que a mandataria dos Demandados, ora Autores, ditou para acta um requerimento com o seguinte teor:

"Atentas conversações havidas entre as partes, tinham os Demandados a convicção de que poderia haver acordo da Demandante no sentido de as testemunhas dos Demandados, cuja apresentação no dia agendado não era possível, serem inquiridas em data ulterior, razão pela qual os Demandados não informaram anteriormente o Tribunal da impossibilidade de apresentação das testemunhas na presente data. Verificando-se agora que não existe tal acordo, requerem sejam as testemunhas dos Demandados inquiridas em data ulterior, assegurando-se o contraditório e a igualdade de armas".

O Tribunal Arbitral indeferiu tal pretensão.

Dias mais tarde, em 15 de Dezembro de 2014, os Demandados, aqui Autores, receberam a acta da audiência de julgamento, tendo verificado que da acta não constava o requerimento ditado pela mandatária referente à inquirição das testemunhas conforme se pode ver pela Acta que consta do processo arbitral a juntar aos presentes autos conforme infra se requerera.
Perante tal facto, no dia 26 de Dezembro de 2014, os Demandados, aqui Autores, apresentaram um requerimento ao Tribunal Arbitral requerendo a rectificação da acta (como consta do processo arbitral a juntar aos presentes autos conforme infra se requerera).
O Tribunal Arbitral tomou posição acerca de tal requerimento em 12 de Janeiro de 2015, na continuação da audiência de julgamento, indeferindo o pedido dos Demandados, aqui Autores conforme se pode ver pelo teor da acta da audiência de 12 de Janeiro de 2015 que consta do processo arbitral a juntar aos presentes autos conforme infra se requerera.

-Da sentença.

Sucede que, notificados da sentença e face à fundamentação da mesma, verificam os Demandados, aqui Autores, que por não terem sido ouvidas as suas testemunhas os respectivos depoimentos escritos (juntos aos autos por requerimento de 10 de Setembro de 2014 e que constam do processo arbitral a juntar aos presentes autos conforme infra se requerera) não foram tidos em conta Delo Tribunal Arbitral, tendo tal facto influenciado decisivamente o resultado da lide.
De facto, da análise dos "FACTOS APURADOS" (ponto VI) da sentença verifica-se que nenhum dos factos trazidos aos autos pelos Demandados, aqui Autores, e confirmados pelos depoimentos das testemunhas indicadas, foi tido em conta.
Testemunhas estas que integravam a equipa técnica responsável pela elaboração do PIP e acompanhamento posterior desse projecto junto da Câmara Municipal do Funchal com vista a sua aprovação e que, portanto, tinham conhecimento directo e profundo dos factos.
Efectivamente, através da analise dos seus depoimentos (Vd. depoimentos escritos das testemunhas dos Demandados, aqui Autores, juntos em 10 de Setembro de 2014 ao processo arbitral a anexar aos presentes autos conforme infra se requerera), verifica-se que tais testemunhas afirmaram que estiveram em reuniões com ambas as partes nas quais foi combinado que, por uma questão meramente formal, o PIP seria apresentado em nome do Demandado, aqui Autor, R.H., uma vez que o mesmo era o proprietário dos terrenos e/ou gerente das empresas proprietárias dos terrenos (as ora 2•" e 3•" Autoras).
Mas, que a responsabilidade pela elaboração e acompanhamento do projecto junto da Câmara Municipal do Funchal seria da Demandante, aqui Ré, que daria as necessárias instrução à equipa liderada pelo Arquitecto J.P. (uma das testemunhas).
E que, para o efeito, tinha ate sido passada uma procuração à Demandante, aqui Ré, pelos Demandados, aqui Autores, para que aquela pudesse acompanhar e gerir todo o processo do PIP junto da Câmara Municipal do Funchal.
Mais esclarecendo ambas as testemunhas que, não obstante, a Demandante, aqui Ré, não havia dado instruções nem prestado qualquer colaboração com respeito ao andamento do PIP (o que alias veio a ser confirmado por testemunha da própria Demandante, aqui Ré).

-Da violação do princípio da igualdade.

Ora, da análise da sentença aqui em causa conclui-se facilmente que nenhuma das informações trazidas aos autos pelas testemunhas supra foi tida em conta pelo Tribunal.
Apesar de nunca ter colocado em a causa o teor ou a precisão dos depoimentos escritos das testemunhas, nem a credibilidade das mesmas.
Tendo simplesmente agido como se os mesmos tido tivessem existido, aparentemente pelo simples motivo de tais depoimentos, ao contrario dos prestados pelas testemunhas da Demandante, aqui Ré, não terem sido oralmente confirmados perante o Tribunal.

E é o próprio Tribunal Arbitral quem o confirma quando, no ponto VI da sentença, após elencar os factos que deu como provados, afirma que:

"Nenhum facto mais com relevância para a decisão foi considerado provado.
A convicção do Tribunal decorre fundamentalmente da documentação junta aos autos, e também da confirmação pelos depoimentos prestados
A matéria de facto não considerada, ou é absolutamente irrelevante para uma boa decisão dos autos, ou pura e simplesmente não foi objecto de prova".

Atendendo a que, importa sublinhar, os depoimentos escritos têm peso probatório igual aos prestados oralmente, e que o Tribunal não se manifesta quanto a prova supra referida trazida aos autos pelos Demandados, aqui Autores, tendo dela feito "tábua-rasa", conclui-se que tal prova não foi sequer tida em conta pelo Tribunal, que desta forma violou inadmissivelmente o principio da igualdade das partes.
Com efeito, o Tribunal Arbitral recusou a apresentação em data ulterior das testemunhas dos Demandados, aqui Autores, para que pudessem depor oralmente, e depois, ao decidir o pleito, sem qualquer explicação, "pura e simplesmente" desconsidera por completo os depoimentos escritos dessas testemunhas, quanto aos quais não há sequer uma referência.
O Tribunal Arbitral tratou as partes com manifesta desigualdade, violando do princípio da igualdade, sendo evidente que tal violação teve influência decisiva no resultado da lide face ao supra exposto em sede de "Do objecto do litigio e dos argumentos esgrimidos pelas partes" e "Da Sentença".

-Da violação do princípio do contraditório.

a)Por recusa da audição das testemunhas dos Demandados, aqui Autores.

Decorre igualmente da não audição (a viva voz e na presença do Tribunal) das testemunhas dos Demandados, aqui Autores, a violação do princípio do contraditório.
De facto, e como não pode deixar de ser, ao ter recusado a audição das testemunhas oferecidas pelos Demandados, aqui Autores, noutra data, conforme requerido, o Tribunal violou o princípio do contraditório, não dando aos Demandados, aqui Autores, a possibilidade de exercer o contraditório em igualdade de armas com a Demandante, aqui Ré.
Tendo tal violação influência decisiva no resultado da lide face a tudo quanto acima se disse, e aqui se dá por integralmente reproduzido, em sede de "Do objecto do litígio e dos argumentos esgrimidos pelas partes" e "Da Sentença".

b)Por "Decisão-Surpresa":

O princípio do contraditório está consagrado, entre outros, no artigo 3.° do Código de Processo Civil (adiante apenas CPC), que, no seu n.° 3, proíbe as chamadas "decisões-surpresa", ao impedir que o Tribunal possa decidir questões de direito ou de facto sem que antes as partes tenham tido oportunidade de as discutir.
Tal proibição foi claramente violada na sentença aqui impugnada.
Com efeito, resulta da análise da sentença que foi essencial para a decisão arbitral a (falsa, desde já se adiante) questão da apresentação pelo Demandado Roberto H., aqui 1° Autor, de um PIP referente à construção de um campo de rugby para os terrenos objecto do contrato­promessa de compra e venda sub judice.

De facto, atentemos em especial aos seguintes trechos da sentença:

-Ponto 19 dos factos provados (pagina 7) — "Com referência ao mesmo terreno, em 2011 os demandados apresentaram um novo PIP relativo ao projecto de construção de um campo de rugby, pedido esse que foi igualmente indeferido conforme oficio de 15 de Outubro de 2012 enviado aos demandados, sendo certo que esse pedido deu entrada na Câmara Municipal antes de 6 de Junho de 2011, visto se encontrar documentado que a Câmara pediu parecer sobre esse PIP a Secretaria Regional do Ambiente nessa data.";
-Três primeiros parágrafos da pagina 10 — "Também se verifica da documentação emanada da Camara Municipal do Funchal, que, em Junho de 2011, o demandado R.H. apresentou um novo PIP relativo a urn projecto de construção de um campo de rugby e acessibilidades, a implementar exactamente nos mesmos imoveis que são objecto do contrato­promessa, pedido esse que igualmente veio a ser indeferido.

Aliás foi dado conhecimento ao demandante deste novo pedido.
Contudo, a sua elaboração e apresentação revelam desde logo a intenção irreversível dos demandados de não cumprir o contrato-promessa."
-Quinto paragrafo e seguintes da pagina 11 — "(...) conduta incompatível com a vontade de cumprir essa obrigação: a entrega de novo PIP relativo aos mesmos terrenos, para uma  finalidade diversa da prevista no contrato-promessa.

Conforme expressamente resulta dos considerandos E) e G) e da Clausula Segunda nºs 1 e 2 do contrato-promessa, constituía condição essencial da vontade de contratar da demandante a aprovação do PIP para os empreendimentos turísticos indicados no mesmo contrato.

Por conseguinte, a apresentação por parte do demandado R.H.,  de um PIP com finalidade diversa da prevista no contrato configura, por si só, um acto de incumprimento do mesmo, visto que corresponde a um acto voluntario de um dos contratantes apto a obstar a realização da prestação contratual.
Por estas razões, foi lícita a comunicação da resolução do contrato-promessa operada pela carta do demandante (...)".

Sucede que esta questãosuposta apresentação pelo Demandado R.H., aqui 1.0 Autor, de um PIP referente à construção de um campo de rugby para os terrenos objecto do contrato-promessa de compra e venda sub judice — nunca foi alegada nem discutida por qualquer das partes, e não constitui elemento integrante do pedido nem da causa de pedir da Demandante, aqui Ré.

Não obstante, como vimos e como resulta da análise da sentença arbitral, tal questão de facto, que o Tribunal, sem ouvir as partes e sem fazer uma apreciação correcta da documentação junta aos autos, decidiu conforme quis, foi determinante para as conclusões de direito retiradas pelo Tribunal Arbitral e vertidas na sentença
Com efeito, o Tribunal Arbitral decidiu que o Demandado R.H., aqui 1.0 Autor, apresentou um PIP para construção diferente da prevista no contrato-promessa "exatamente nos mesmos imoveis" objecto do mesmo.

E com base em tal suposta conduta atribuiu aos Demandados, aqui Autores, uma suposta inequívoca intenção de não cumprir o contrato-promessa, considerando assim justificada a sua resolução por banda da Demandante, aqui Ré.

Sendo certo que, como vimos, nem a Demandante, aqui Ré, invocou tal suposta conduta dos Demandados, aqui Autores, como fundamento da resolução do contrato-promessa, nem os estes tiveram oportunidade de discutir a questão nunca colocada à discussão das partes.

Mais, sempre se diga que, com base nos elementos documentais constantes dos autos, é incompreensível a posição tomada pelo Tribunal Arbitral quanto a esta questão, pois que tais elementos demonstram que em primeiro lugar, a apresentação daquele segundo PIP (campo de rugby) não obstava à aprovação do PIP do empreendimento turístico previsto no contrato-promessa e, em segundo lugar, estava ab initio autorizada pela Demandante, aqui Ré, a realização de um projecto de área desportiva pelo Demandado R.H., aqui 1.0 Autor.

Efectivamente, repare-se nos seguintes elementos documentais que constam do  processo arbitral:

-Prédios propriedade dos Demandados, aqui Autores, descritos no Considerando (A) do contrato-promessa de compra e venda (Doc. 2 junto à acção arbitral pela Demandante, aqui Ré): quatro prédios, sendo três rústicos e um misto, com uma área total de 362.059m2, com as seguintes descrições:

“prédio rústico denominado "Quinta do P... do I...", com a área de 165.820m2, sito em P... do I..., freguesia do Funchal (Santa Maria Maior);
Prédio rústico denominado "Quinta do P...", com a área de 70.640m2, sito na freguesia do Funchal (Santa Maria Major);
*prédio rústico com a área de 27.140m2, sito em S. G... São J... Latrão, na freguesia de  São G...;
*prédio misto denominado "Quinta do P...", com a área coberta de 281m2 e descoberta de 98.459m2, sito em P..., Choupana, freguesia do F... (Santa Maria Major).
-Objecto do contrato-promessa de compra e venda, descrito nos Considerandos (B), (C), (D) e (G) do contrato-promessa de compra e venda: parte dos prédios acima descritos a destacar dos mesmos e para os quais se pretende a aprovação de construção de empreendimentos turísticos com uma área mínima de 32.000m2 de construção (a Demandante, aqui Ré, não juntou ao processo arbitral as plantas e projectos anexados ao contrato-promessa de compra e venda, nos quais esta definida a concreta área e localização das parcelas a destacar);
-Autorização expressa da Demandante, aqui Ré, para que o Demandado R.H., aqui 1.0 Autor, realize o projecto da área desportiva "Visconde do C..." numa área a destacar dos predios, conforme descrito no Considerando (K) e na Clausula 8•a do contrato ­promessa;
-Dados sobre o PIP para construção de um campo de rugby e acessibilidade, descritos no oficio da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais com a referencia de saída OF 2490 2012/02/09 P 7-99.39.0 (e restante documentação referente a este PIP constante da certidão emitida pela Câmara Municipal do Funchal e junta A acção arbitral pela Demandante, aqui Ré):
-projecto a implantar na zona da Choupana-Santa Maria Major;
-campo de rugby com a área aproximada de 7.000m2, A qual acresceria uma pista de atletismo a circundar o campo.
Temos, portanto, nos termos do contrato-promessa, quatro prédios, com uma área total de 362.059m2, sitos em duas freguesias (São G... e Santa Maria Major), dos quais se destacaria uma parcela para construção de empreendimentos turísticos com a área de construção prevista de 32.000m2 e uma outra parcela para construção de uma área desportiva (já previamente aprovada pela promitente compradora).
E temos por outro lado um PIP para construção de um campo de rugby que teria uma área aproximada de 7.000m2 a que acresceria a área correspondente a pista de atletismo que o circundaria, a implantar num prédio sito na freguesia de Santa Maria Major.
São, assim, deveras impressionantes as capacidades cognitivas, interpretativas e dedutivas do Tribunal Arbitral que, com base apenas nestes elementos, conseguiu inferir não só que o segundo PIP (campo de rugby) era impeditivo do primeiro (empreendimento turístico), apesar de desconhecer em absoluto a localização, dentro da área de 362.059m2, de cada projecto, como ainda que a sua apresentação representou uma irreversível intenção de não cumprir o contrato-promessa sub judice, contrato esse que prevê especificamente a construção de uma área desportiva pelo aqui 1º Autor em parte dos prédios nele identificados!

Não obstante, o Tribunal Arbitral decidiu, e podemos ler na sentença ora impugnada, conforme acima transcrevemos, que "o demandado R.H. apresentou um novo PIP relativo a ante-projecto de construção de um campo de rugby e acessibilidades, a implementar exactamente nos mesmos imoveis que são objecto do do contrato-promessa, pedido esse que igualmente veio a ser indeferido. [repare-se que no contrato-promessa se identificam quatro prédios e no PIP do campo de rugby apenas um..] foi dado conhecimento à demandante deste novo pedido.

Contudo, a sua elaboração e apresentação revelam desde logo a intenção irreversível dos demandados de não cumprir o contrato-promessa".

É pois, por demais evidente que não só o Tribunal Arbitral violou crassamente o princípio do contraditório, decidindo quanto a questão essencial de facto e de direito sem anteriormente consultar as partes, como decidiu tal questão em manifesta contradição com os elementos constantes dos próprios autos!
É que, ainda que o Tribunal Arbitral considerasse haver dúvida sobre uma potencial incompatibilidade entre os PIPs e sobre o acordo das partes quanto ao PIP para o projecto desportivo, então de duas uma: ou punha a questão à discussão das partes e depois decidia em conformidade ou ignorava tal questão e não tomava qualquer decisão com base na mesma.
O que o Tribunal Arbitral não podia era fazer o que fez — decidir a questão sem a colocar à discussão das partes e à revelia do teor dos documentos dos autos, aparentemente da forma que lhe era mais conveniente para fundamentar uma decisão que já tinha tornado....
Ao fazê-lo, como vimos, violou de modo inadmissível o princípio do contraditório, proferindo uma "decisão-supresa".

-Da omissão de fundamentação.

Verifica-se da análise da sentença que o Tribunal, seja em sede de factualidade provada seja em sede de decisão (ponto VI da sentença supra junta), não toma posição sobre os argumentos, factos e/ou informações trazidas aos autos pelos Demandados, aqui Autores, quer nos articulados e documentos, quer através das testemunhas.
De facto e conforme supra exposto em sede de "Da Sentença" e de "Da Violação do Principio da Igualdade", constata-se que não existe uma única referencia aos factos aduzidos pelos Demandados, aqui Autores.
Acerca dos mesmos o Tribunal não se manifesta em qualquer sentido, nem que seja para explicar o motivo pelos quais não os teve em conta, menosprezou ou não deu como provados....
E nem se diga, em defesa do Tribunal, que este não tinha que tomar posição sobre todos os factos aduzidos pelos Demandados, aqui Autores, pois que, como vimos, estes (os que os ora Autores referem, já que muitos outros existem que podiam ser enunciados) são factos essenciais para que a decisão final do litígio penda para uma das partes ou para outra.
E os mesmos encontram-se inclusivamente confirmados nos autos pelos depoimentos das testemunhas indicadas pelos Demandados, aqui Autores.
Depoimentos estes sobre os quais não existe igualmente uma única referencia na sentença.
O que constitui também uma omissão de fundamentação pois que, face ao teor dos mesmos — em linha diametralmente oposta à versão dos factos defendida pela Demandante, aqui Ré, e das suas testemunhas — eles teriam que ser, necessariamente, analisados e referidos na sentença, nem que fosse para explicar o motivo pelo qual não foram levados em conta.
Acresce que também no que respeita à matéria supra alegada em sede de "Decisão-Surpresa"», na resolução da questão atinente ao segundo PIP, se verifica não só a omissão de fundamentação como crassa contradição entre a decisão proferida e os documentos juntos aos autos.
De facto e como vimos, o Tribunal Arbitral deu como provada questão não suportada e mesmo contrariada pelos documentos dos autos (identificação, localização e áreas dos prédios e dos PIPS e autorização para área desportiva constante do contrato-promessa) sem oferecer qualquer explicação para tal opção.
Em face de tudo quanto acima se disse e pelos argumentos aí expendidos, não restam dúvidas que a sentença aqui colocada em causa devera ser anulada nos termos das alíneas ii) e vi) do n° 3 do artigo 46.° da LAV por violação, com influência decisiva para o resultado da causa, dos princípios da igualdade das partes e do contraditório previstos nas alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 30.° da LAV, bem como por omissão do dever de fundamentação da sentença previsto no n° 3 do artigo 42.° da LAV.
Nestes termos e nos demais de Direito deve a presente impugnação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser anulada a sentença proferida no âmbito do processo arbitral que correu os seus termos no Centro de Arbitragem de Litígios da Ordem dos Advogados sob o n.° 2/2012, com as legais consequências.

Contestou a Ré, alegando essencialmente:

Pedem os AA a anulação da sentença proferida pelo Tribunal Arbitral «nos termos das alíneas ii) e vi) do nº 3 do artigo 46º da LAV por violação, com influência decisiva para o resultado da causa, dos princípios da igualdade das partes e do contraditório previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 30º da LAV, bem como por omissão do dever de fundamentação da sentença previsto no nº 3 do artigo 42º da LAV.» (cfr, petição inicial).

Nos artigos 12º a 20º, invocam os AA. que o Tribunal Arbitral indeferiu o pedido de audição, em data posterior, à da realização da audiência, das suas testemunhas que tinham prestado depoimentos escritos.
Daqui, pretendem os AA. demonstrar que, a não audição oral das suas testemunhas, teve como consequência que o Tribunal Arbitral não ponderou, em sede de prova, os depoimentos escritos prestados pelas referidas testemunhas, extraindo tal conclusão do facto de, no quadro dos factos dados como provados pelo mesmo Tribunal, não ter sido dado como provado nenhum dos factos aduzidos pelos AA. (artigos 21º a 27º).
O facto de o Tribunal Arbitral não ter, alegadamente, tomado em conta a prova resultante dos depoimentos escritos das testemunhas dos AA, por não procedido à audição das mesmas em data posterior àquela que havia sido designada para realização da audiência, consubstancia, no entendimento dos AA, uma violação do princípio da igualdade das partes (artigos 28º a 40º).
Pretendem também os AA. fazer resultar da recusa do Tribunal Arbitral da audição das testemunhas destes, em data posterior, a violação do princípio do contraditório  (artigos 41º a 44º).
Consideram ainda os AA que a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral consubstanciou uma decisão surpresa por, alegadamente, este Tribunal se ter pronunciado sobre matéria de facto que não foi alegada, nem discutida, por qualquer das partes, consubstanciando tal também a violação do princípio do contraditório (artigos 45º a 70º).
Por fim, pretendem os AA. que a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral padece de omissão de fundamentação (artigos a 71º a 81º).
Cumpre, pois, analisar as várias questões suscitadas pelos AA., enquadrando as mesmas juridicamente, atento o regime jurídico relevante, mais concretamente, as previsões constantes da LAV reportadas aos artigos 30º nº 1, alíneas b) e c) e 42º nº 3, por remissão do artigo 46º nº 3, alíneas ii) e vi) também da LAV.
Em causa estão, pois, alegadas violações processuais, cometidas pelo Tribunal Arbitral, na medida em que, nos termos do nº 9 do artigo 46º da LAV, não é possível, em sede de acção de anulação de sentença proferida pelo Tribunal Arbitral, ser reapreciado o mérito da questão resolvida por recurso à arbitragem.

Dispõe o artigo 46º nº 3, alínea a), ii) e vi):
«3-A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a)A parte que faz o pedido demonstrar que:

ii)Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no nº 1 do artigo 30º com influência decisiva na resolução do litígio; ou


vi)A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42º…».
No que respeita à condução do processo arbitral, rege o disposto no artigo 30º da LAV e, no caso dos autos, importa atentar nas previsões das alíneas b) e c) do nº 1 deste artigo, invocadas pelos AA:
«1–O processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais:


b)As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final;
c)Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as excepções previstas na presente lei

No que concerne especificamente à sentença arbitral, importa considerar, com relevância para os presentes autos, o disposto no artigo 42º nº 3 da LAV, invocado pelos AA:

«3.A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41º»

Conforme se expressa no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 10 de Abril de 2014: «A acção de anulação da sentença arbitral, que segue a forma de processo especial previsto no artº 46º da NLAV (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) não comporta reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito. Esta acção não se pronuncia sobre o mérito da decisão, mas apenas sobre as eventuais nulidades da sentença, contempladas no nº 3 do citado normativo.» (em www.dgsi.pt)

Continua o mesmo acórdão, esclarecendo que: «Em primeiro lugar cumpre esclarecer que esta acção especial não comporta reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito. Tal é objecto do recurso a interpor da decisão arbitral, quando admissível (artº 39º nº 4 e 59º nº 1 al. e) da NLAV).

Efectivamente, nos termos do artº 46.º n.º 9 da NLAV, o tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.» (cfrr, acórdão em análise)

No que respeita à alegada não audição das testemunhas dos AA., do processo que correu termos no Tribunal Arbitral resulta, não só que as testemunhas foram ouvidas, em sede de depoimentos escritos, como também que a não audição oral das mesmas testemunhas foi fruto da omissão dos AA, omissão essa que, aliás, se manteve ao longo do curso do mesmo processo conduzido junto do Tribunal Arbitral.

Nos termos da ata de audiência prévia, ocorrida no dia 28 de Abril de 2014, no ponto E), relativo ao «Calendário processual e regras processuais», ficou a constar, na alínea h) que: «As testemunhas devem ser logo indicadas nos articulados, devendo estes ser acompanhados de depoimentos escritos das testemunhas, que deverão ser suficientemente precisos para valer como depoimento directo; o tribunal poderá oficiosamente ou a requerimento das partes até à realização de audiência para preparação da prova, determinar que as testemunhas compareçam na audiência final de julgamento.» (cfr, cópia que se junta como Doc nº 1, a qual se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

Por requerimento apresentado pelos AA, junto do Tribunal Arbitral e, notificado à R., a 6 de Agosto de 2014, aqueles juntaram três procurações e pediram prazo para junção dos depoimentos escritos das suas testemunhas, prazo esse até 10 de Setembro de 2014. (cfr, cópia que se junta como Doc nº 2, a qual se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

A R. apresentou, com a petição inicial, os depoimentos escritos das suas testemunhas, não obstante, existir um depoimento escrito de uma testemunha, de nacionalidade inglesa, o qual teve que ser traduzido para língua portuguesa. (cfr, cópia da petição inicial que se junta como Doc nº 3, a qual se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

O Tribunal Arbitral deferiu o pedido de prorrogação para apresentação dos depoimentos escritos das testemunhas dos AA, tendo estes depoimentos sido juntos aos autos dentro do prazo de prorrogação, sendo que, apenas o fizeram quanto a duas testemunhas e não quanto à totalidade das testemunhas por si indicadas. (cfr, processo arbitral).

No dia 6 de Novembro de 2014, teve lugar uma diligência, para preparação e organização da audiência de produção de prova, na qual esteve presente a mandatária dos AA., e na qual foi determinado que: « … a audiência de produção de prova tenha lugar no dia 11/12/2014, pelas 10.00 horas …» (cfr, cópia da ata que se junta como Doc nº 4, a qual se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).
 
Ou seja, entre 6 de Novembro de 2014 e 11 de Dezembro de 2014, os AA estavam cientes de que tinham que apresentar as suas testemunhas, em audiência, no dia 11 de Dezembro de 2014. (cfr, Doc nº 4).

A R., providenciou pela apresentação das suas testemunhas, tendo uma dessas testemunhas, vindo do Reino Unido, para depor.

No dia da audiência, 11 de Dezembro de 2014, os AA. apresentaram o requerimento indicado no artigo 16º, ao qual a R. se opôs, tendo o Tribunal Arbitral indeferido a pretensão dos AA., sendo que, cumpre esclarecer que a R., em momento nenhum, contribuiu para a formação da convicção a que os AA aludem, no artigo 15º, tendo inclusivamente, praticado diligências várias, com vista à audição da testemunha que vinha do Reino Unido, nomeadamente, providenciou pela presença de intérprete durante a audiência.

Pelo que se impugna, o acordo a que os AA. aludem e as consequências que daí pretendem retirar na petição inicial.

Para clarificação do Tribunal, refere-se que, o Tribunal Arbitral, na audiência de 12 de Janeiro de 2015, tomou posição expressa sobre o requerimento dos AA, aludido nos artigos 19º e 20º, indeferindo-o e, justificando tal indeferimento, nos seguintes termos: «No que respeita a este é indeferida a reclamação sobre o conteúdo da acta de audiência de 11/12/2014 pois refere tema alheio ao processo e que consubstancia inclusivamente práticas negociais que em caso algum o tribunal pode tomar em atenção, nem qualquer dos mandatários das partes deontologicamente invocar.» (cfr, cópia da ata que se junta como Doc nº 5, a qual se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).
 
A não audição oral das testemunhas dos AA, não resultou de uma violação do princípio da igualdade ou de uma violação do princípio do contraditório, mas sim do não cumprimento, por parte dos AA, da obrigação de fazer comparecer as suas testemunhas no dia da audiência até, porque se os AA sabiam que as suas testemunhas não podiam comparecer, como alegam no artigo 14º deveriam, atempadamente, ter informado o Tribunal Arbitral, o que não fizeram, sendo falso quanto vertido no artigo 15º e artigo 16º na parte do requerimento em que alude a um acordo entre as partes para inquirição das testemunhas em data posterior, até porque tal acordo não poderia ser feito entre as partes (cfr, autos).

Pelo que, a não audição oral das testemunhas apenas aos AA é imputável.

Aliás, sempre se diga, que o Tribunal Arbitral apenas teve lugar a expensas exclusivas da R., que não só pagou os preparos da sua responsabilidade, como também pagou os da responsabilidade dos AA, por ser essa a única forma de garantir a constituição e o funcionamento do Tribunal Arbitral. (cfr, processo arbitral)

Do mesmo modo, quando o Tribunal Arbitral, ordenou às partes a junção de documento comprovativo do indeferimento do PIP, apenas a R. diligenciou no sentido de, junto da Câmara Municipal do Funchal, obter o mesmo, nada tendo os AA. junto aos autos quando, a final, também seria do seu interesse fazê-lo.

Ou seja, do conjunto do processo arbitral, resulta que os AA. tudo fizeram para atrasar ou mesmo, tentar impedir o funcionamento do Tribunal Arbitral, visando impedir que viesse a ser proferida uma decisão arbitral.

É falso quanto vertido no artigo 21º.

O processo que correu termos no Tribunal Arbitral foi instruído com os depoimentos escritos das testemunhas dos AA e R., com a documentação que foi junta aos autos e com a audição oral das testemunhas da R., por os AA não terem providenciado pela audição oral das suas testemunhas no dia da realização da audiência, não obstante estarem notificados para o efeito.
Nos termos do ponto 10 do “Calendário processual e regras processuais», supra aludido, resulta que: «O julgamento sobre matéria de facto, apenas constará da sentença final e apenas são indicados os factos dados como provados.» (cfr, Doc nº 1).
Pelo que a não indicação dos factos aduzidos pelos AA. resulta apenas da convicção do Tribunal Arbitral quanto a não considerar os mesmos como provados, tendo incluído na sentença proferida, apenas os factos provados, conforme ponto 10, supra transcrito. 
Sendo que os factos constantes dos artigos 23º a 28º, correspondem a matéria de facto que o Tribunal Arbitral considerou como não provada e que não pode ser reapreciada nos presentes autos.
Para uma correta compreensão do ponto VI da sentença, que é transcrito no artigo 32º, deveriam os AA ter, igualmente, transcrito o ponto 10 do “Calendário processual e regras processuais», supra transcrito pela R. (cfr, Doc nº 1)
A leitura do ponto 10 do “Calendário processual e regras processuais” e o ponto VI da sentença, levam à conclusão inversa daquela que os AA pretendem: se nenhum facto aduzido pelos AA foi dado como provado, é porque o Tribunal Arbitral gerou essa convicção em vista da prova feita, sendo que, no ponto VI da sentença, não foi mencionado que se tomou especialmente em conta os depoimentos orais das testemunhas da R., sendo apenas feita menção aos depoimentos prestados, o que abrange todos os depoimentos.
Impugnam os artigos 34º a 37º, pelas razões supra expostas, das quais decorre que não violou o Tribunal Arbitral o princípio da igualdade, nem desconsiderou os depoimentos escritos das testemunhas arroladas pelos AA no processo que correu termos no Tribunal Arbitral.
O Tribunal Arbitral não tratou de forma desigual as partes e não foi violado o princípio da igualdade, pelo que se impugna o teor do artigo 39º e, consequentemente, o artigo 40º.
É falso que o Tribunal Arbitral não tenha dado aos AA a possibilidade de exercer o contraditório.
Conforme supra referido, os autos estão instruídos com os depoimentos escritos das testemunhas dos AA e da R., sendo que os depoimentos escritos dos AA até foram juntos posteriormente à apresentação da sua contestação, tendo sido marcada a audiência no dia 6 de Novembro de 2014, estando os AA cientes de que, para a audiência, deveriam fazer comparecer as suas testemunhas, cujos depoimentos escritos haviam junto.
Pelo que a não audição oral das testemunhas dos AA não consubstancia uma violação do princípio do contraditório por parte do Tribunal Arbitral, pelo que se impugna o teor dos artigos 41º, 42º, 43º e 44º.
A propósito do princípio do contraditório e da não inquirição de testemunhas, tome-se em conta o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 2 de Julho de 2009, o qual sobre a questão relacionada com a concepção do princípio do contraditório versus não inquirição das testemunhas expressa que: «… uma noção mais lata de contraditoriedade …, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo fundamental do princípio do contraditório deixou assim de se a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia para passar a ser a influência no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
A não inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente não importa, sem mais, a violação do princípio do contraditório. O recorrente apenas teria visto o seu direito cerceado se o depoimento das testemunhas fosse susceptível de em alguma medida influir na apreciação da causa.» (www. www.dgsi.pt).

No processo que correu no Tribunal Arbitral, para além da não audição oral das testemunhas dos AA se ter ficado a dever a omissão destes, importa ainda ressalvar que, as testemunhas dos AA depuseram, via depoimento escrito, pelo que o seu depoimento influiu na apreciação da causa, na mesma exacta medida em que influíram os depoimentos escritos da R.
Contrariamente ao que os AA pretendem fazer crer, não foi proferida qualquer decisão surpresa por parte do Tribunal Arbitral.
O Tribunal Arbitral ponderou o elemento de prova consubstanciado na junção, por parte da R., da certidão emitida pela Câmara Municipal do Funchal, documento este que foi ordenado juntar pelo Tribunal Arbitral a ambas as partes, tendo do mesmo documento decorrido que os AA., mais concretamente, o 1º A, havia apresentado um PIP referente à construção de um campo de rugby para os terrenos objecto do contrato promessa dos autos.
Acrescendo sempre que, após a junção da certidão em causa, os AA apresentaram um requerimento, junto do Tribunal Arbitral, onde tomaram posição relativamente ao teor da mesma certidão (cfr, processo arbitral).
Inexistiu, pois, qualquer decisão surpresa, na medida em que a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, foi uma decisão com a qual qualquer uma das partes poderia contar.

«A proibição de “decisões surpresa” emana do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva através de um processo equitativo e obriga ao respeito do princípio do contraditório ao longo de todo o processo; porém, não impõe que o juiz tenha que auscultar as partes, antecipando-lhes todo e qualquer juízo que pretenda levar a cabo no processo.
A “decisão – surpresa” não se afere pelas expectativas das partes mas por aquilo com que elas deveriam contar em face das questões que vinham debatendo nos autos e das soluções jurídicas que era exigível que equacionassem.» (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Abril de 2014, em www.dgsi.pt).

Impugna-se, pois, a factualidade vertida na petição inicial com a qual se pretende sustentar a violação do princípio do contraditório, através da prolação de uma decisão-surpresa.
No que concerne à alegada omissão de fundamentação na sentença proferida pelo Tribunal Arbitral, remete-se para quanto supra exposto, sobre a não violação do princípio da igualdade, do princípio do contraditório e inexistência de decisão-surpresa.
Mais, remete a R. para o ponto 10 do “Calendário processual e regras processuais” estabelecido para o processo arbitral, nos termos do qual a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral apenas indicaria a matéria de facto dada como provada.
Impugna-se, pois, a factualidade aduzida pelos AA nos artigos 71º a 79º.
Impugnando-se, em consequência, da defesa aqui apresentada, a conclusão constante do artigo 82º.
Tomando em conta que os presentes autos respeitam a uma acção de anulação da sentença proferida pelo Tribunal Arbitral e que, esta, apenas pode ser anulada pelo tribunal estadual, com base nos fundamentos constantes do nº 3 do artigo 46º da LAV e que, conforme consta do nº 9 do mesmo artigo, o tribunal estadual não pode conhecer do mérito das questões decididas pelo Tribunal Arbitral, deverão ser dados como não escritos os artigos da petição inicial em que os AA fazem juízos sobre o mérito da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral e elencam matéria de facto para apreciação do mérito da referida decisão, nomeadamente, os artigos 7º, 8º, 9º, 10º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 53º, 54º, 55º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º,62º63º, 64º, 67º, 68º, 69º, 80º e 81º.

Conclui pela improcedência da presente acção de anulação, sendo mantida a sentença proferido pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo nº 2/2012 que correu termos no Centro de Arbitragem de Litígios da Ordem dos Advogados.

Realizou-se audiência de julgamento.

II – FACTOS PROVADOS.

Para além do conteúdo do próprio processo de arbitragem que se encontra junto aos autos e que será objecto de análise, nenhum outro facto resultou provado no âmbito desta acção especial de anulação de decisão arbitral.

Fundamentação:
A apreciação da matéria suscitada na presente acção de anulação de decisão arbitral reveste eminentemente natureza jurídica, não tendo havido lugar a qualquer produção da prova testemunhal, uma vez que as testemunhas indicadas foram prescindidas na audiência oportunamente designada.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:

1–Acção especial de anulação da decisão arbitral. Considerações gerais.
2–Da não audição das testemunhas dos AA.
3–Violação do princípio da igualdade.
4–Violação do princípio do contraditório. Recusa da audição das testemunhas dos demandados, ora AA. Decisão surpresa.
5–Da omissão de fundamentação.

Passemos à sua análise:

1–Acção especial de anulação da decisão arbitral. Considerações gerais.

A presente acção de anulação de decisão arbitral assenta na previsão das alíneas ii) e vi) do nº 3, do artigo 46º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), ou seja, violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no artigo 30º do mesmo diploma legal, e que os AA. concretizam afirmando a violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório (alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 30º), bem como a omissão de fundamentação da sentença prevista no nº 3 do artigo 42º da LAV.
Convém, antes de mais, salientar que o carácter profundamente restritivo dos fundamentos legais que habilitam a pedir ao tribunal estadual que anule a decisão proferida pelo tribunal arbitral constitui precisamente a afirmação da própria independência e autonomia da jurisdição arbitral[1].
Basicamente, a acção especial de anulação cuida apenas da detecção dos vícios graves de natureza processual[2] susceptíveis de revestir influência decisiva na resolução do litígio[3].
Está absolutamente afastada, neste tipo de acção anulatória, a reapreciação do mérito da causa realizada pelo tribunal arbitral e, em geral, a valoração dos termos processuais que foram previamente estabelecidos na convenção de arbitragem e voluntariamente aceites por ambos os contendores.
Há portanto que tomar apenas em consideração as (eventuais) violações graves de princípios basilares e estruturantes de qualquer processo de composição de interesses, mormente os que têm a ver com os princípios da igualdade das partes e do contraditório[4]
Conforme se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de Setembro de 2012 (relatora Ana Celeste Carvalho), publicitado in www.jusnet.pt: “as causas de anulação da decisão arbitral reportam-se à relação processual de arbitragem e não à relação substantiva aí pleiteada ou, por outras palavras, os fundamentos para a propositura de uma acção de anulação da decisão arbitral são exclusivamente de índole adjectiva ou processual.
Tais fundamentos não respeitam ao mérito da causa, isto é, ao cerne da relação jurídica material que opõe as partes em juízo, mas tão só a aspectos de natureza formal, sobre o termos a que obedece a tramitação do processo arbitral e a própria elaboração da decisão arbitral”.
Outrossim o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Abril de 2015 (relator Henrique Antunes), publicitado in www.jusnet.pt, expôs, de forma clara e rigorosa, estes princípios de natureza geral.

Pode ler-se no aresto: “a acção de anulação da decisão arbitral tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objecto da acção é simplesmente a decisão arbitral e não a sua situação material litigada, ela mesma; os fundamentos da decisão arbitral resolvem-se em vícios processuais – nulidades processuais ou procedimentais específicas do processo arbitral; a violação, pela sentença arbitral, de princípios estruturantes, enquanto causa de anulação dessa decisão, está sujeita ao princípio da essencialidade – a ofensa há-de ter interferido, de forma decisiva ou determinante, na decisão do objecto da causa – cuja prova vulnera a parte que pede a anulação; (…) a independência e a imparcialidade do tribunal arbitral constituem um requisito fundamental de um processo justo e equitativo (…)”.

Em suma, a presente acção especial de anulação debruçar-se-á apenas sobre questões que se prendem, em termos decisivos para o desfecho da lide, com a validade formal da decisão arbitral, a qual foi proferida com base em juízos de equidade.
Neste sentido, conforme consta da alínea B), ponto 3, da Convenção de Arbitragem, aceite pelas partes: “As decisões do Tribunal Arbitral, que julgará segundo juízos de equidade, são vinculativas para os signatários que renunciam ao recurso das mesmas”.
Serão essencialmente escrutinados o dever do tratamento processual paritário a conferir a cada uma das partes; o respeito pelo direito de defesa assegurado relativamente à alegação de prova dos factos pela contraparte; a forma equitativa e suficientemente abrangente como terão que ser apreciadas -e transmitidas aos destinatários- as questões jurídicas em discussão; a condução leal e imparcial dos trabalhos por parte do órgão arbitral decisor.

2 – Da não audição das testemunhas dos AA:

Sobre este ponto, cumpre adiantar que os AA. não produziram prova acerca da alegada existência de um  (insólito) acordo firmado com a Ré relativamente aos termos da inquirição das testemunhas por si arroladas em data diferente da agendada, ficando por isso, e desde logo, prejudicado o conhecimento  desta questão.
De todo o modo, sempre se trataria, a ser verdade, de um mero acordo de cavalheiros sem consequências no plano jurídico e processual, não vinculando os árbitros.
Outrossim não merece relevo a circunstância do requerimento apresentado pelos AA. não constar da acta de audiência, tal a insignificância jurídica da temática suscitada.
Sempre se dirá, a este propósito, que consta da acta da audiência que teve lugar no dia 11 de Dezembro de 2014: “Foi ainda requerido pela advogada dos demandados a audição das testemunhas por si arroladas, numa outra data, uma vez que não se fez acompanhar das mesmas, tal como se encontrava determinado nas regras processuais fixadas e resulta da audiência de 6 de Novembro de 2014, tendo o tribunal indeferido o requerido por absoluta falta de fundamento”.

Improcede o pedido de anulação da decisão arbitral com esse fundamento.

3 – Violação do princípio da igualdade:

Não assiste razão aos AA. relativamente às questões que suscitam.
Não existem elementos nos autos que permitam fundadamente afirmar que o tribunal arbitral tenha actuado sem imparcialidade, privilegiando o tratamento conferido a um dos litigantes em detrimento e prejuízo do outro.
A circunstância de não terem prevalecido os depoimentos escritos prestados pelas testemunhas arroladas pelos demandados, ora AA. (que desde logo não os confirmaram oralmente em audiência por não terem comparecido nesta), integra-se, de pleno, na esfera de competência normal do tribunal arbitral quando aprecia e valora o conjunto dos elementos probatórios reunidos nos autos.
Existindo factos controvertidos em discussão é inevitável que o órgão decisor faça prevalecer determinados meios de prova em prejuízo doutros, que com eles, directa ou indirectamente, conflituam.
Não pode deixar de ser assim.
A actividade de julgar implica, na maior parte dos casos, optar entre diferentes caminhos para a resolução da causa – mormente no plano factual - indicados pelos litigantes em confronto, havendo que sobrepor uns em detrimentos dos outros.
Por outro lado, afigura-se-nos normal e razoável que os depoimentos escritos que obtiverem a sua confirmação e sujeição a esclarecimentos orais em audiência, com imediação e contraditório, tenham merecido maior credibilidade e valorização relativamente àqueles em que isso não sucedeu - por razões exclusivamente imputáveis à parte, a qual não satisfez o ónus de os apresentar diante dos árbitros decisores, na data previamente agendada.
Tal é insusceptível de redundar em qualquer violação ao princípio do contraditório ou da igualdade entre as partes.
Legitimaria, sim, a impugnação da decisão de facto, por discordância com o respectivo sentido e fundamentos, o que constitui uma realidade substancialmente diferente e insindicável por via esta acção. 
No âmbito do presente processo arbitral não é legalmente possível apreciar da impugnação da decisão de facto, sendo, no fundo, o que os AA. pretendem através desta acção.
Não pode pois aceitar-se a afirmação dos AA de que “o tribunal arbitral tratou as partes com manifesta desigualdade, violando o princípio da igualdade”.

4–Violação do princípio do contraditório. Recusa da audição das testemunhas dos demandados, ora AA. Decisão surpresa.

Conforme já se deixou referenciado supra, não houve qualquer recusa do tribunal arbitral em relação à inquirição das testemunhas apresentadas pelos AA.
É impensável que os árbitros só tivessem decidido inquirir quem bem lhes aprouvesse, arbitrariamente e sem critério algum.
Tal não aconteceu, como é óbvio.
Diferentemente, os AA. não cumpriram com o dever que lhes incumbia de apresentarem as testemunhas no dia agendado, e para o qual haviam sido regularmente convocados.
A respectiva consequência não podia deixar de ser a não inquirição dessas testemunhas, sem que o cumprimento do previamente programado na agenda processual – e aceite, sem rebuço pelas partes - possa redundar na violação do princípio do contraditório.
Não se verificou igualmente qualquer decisão surpresa.
O tribunal arbitral limitou-se a fundamentar a sua decisão em conformidade com factos pertinentes ao objecto do litígio.
Saliente-se que a presente decisão do tribunal arbitral foi proferida com base em juízos de equidade e não de legalidade, conforme se previa antecipadamente na convenção de arbitragem e as partes disso tinham plena consciência.
Refira-se, a este propósito, que
A decisão segundo a equidade traduz-se na denominada “justiça do caso concreto“ e tende a constituir um juízo especificamente adaptado ao peculiar circunstancialismo da situação sub judice, procurando encontrar o mais adequado e ponderoso equilíbrio entre os interesses em causa[5].
A resposta a dar pelo Tribunal, ao abrigo deste normativo, é aquela que parecer mais justa, atendendo apenas à especificidade do caso, sem recurso às normas gerais e abstractas eventualmente aplicáveis[6].
Conforme salienta Oliveira Ascensão in “O Direito. Introdução e Teoria Geral“, pag. 477: “A resolução dos casos segundo a equidade contrapõe-se à resolução dos casos segundo o direito estrito. Pode haver regras e haver equidade, quando o juiz estiver autorizado a afastar-se da solução legal e a decidir de harmonia com as circunstâncias do caso singular. ( … ) ( A equidade ) está em condições de tomar em conta as circunstâncias do caso, que a regra despreza, como a força ou a fraqueza das partes, as incidências sobre o seu estado de fortuna, etc., para chegar a uma solução que se adapta melhor ao caso concreto, mesmo que se afaste da solução normal, estabelecida por lei.
De todo o modo, na equidade ( … ) não há por natureza aplicação da regra, antes há uma criação para o caso singular “.
Escreve sobre esta matéria António Menezes Cordeiro, in “ A Decisão segundo a Equidade “, Revista “ O Direito “, nº 122, II ( Abril-Junho ), a pags. 271 a 273 : “ A decisão segundo a equidade é, pois, uma decisão tomada à luz do Direito e de acordo com as directrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas. ( … ) A aproximação entre a equidade e o Direito positivo, aqui propugnada, não deve, porém, ser levada até uma total identificação. Quando as partes remeteram para uma decisão de acordo com a equidade, elas revelaram uma intenção de abdicar de parte, pelo menos, do Direito positivo. ( … ) Assim, haverá que partir do Direito estrito, expurgado de regras formais e limado de aspectos demasiados rígidos ; o resultado desse modo obtido poderá ser adaptado, dentro de certos limites, de modo a melhor corresponder ao equilíbrio buscado pelas partes. ( … ) O julgamento de equidade será assim, em última análise, sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. Ele distinguir-se-á do puro julgamento jurídico por apresentar menos proposições sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Mas as proposições objectivas a ter em conta, base de qualquer convencibilidade da própria decisão de equidade, serão sempre as historicamente mais adequadas. O Direito permite conhecê-las “.
Sobre o mesmo tema refere Manuel Carneiro de Frada: “As proposições, considerando as suas abstracção e generalidade, tenderiam para o típico ou geral, mas nem sempre levariam na devida conta as especificidades do caso, de resto muitas vezes insusceptíveis de antecipação pelo legislador: aqui interviria a equidade, corrigindo a justiça legal. Em contraste com a lei, a equidade representaria uma medida flexível, semelhante à régua que os arquitectos de Lesbos usavam e que tinha a propriedade de se adaptar aos contornos das pedras. Esta a matriz primordial da reflexão sobre a equidade “[7] [8].

Ora, a decisão arbitral proferida assentou essencialmente na falta de prova da aprovação, pelas autoridades administrativas competentes, de um PIP que permitisse a construção na área prometida vender dos empreendimentos turísticos constantes do projecto, em conformidade com o estipulado na cláusula 2ª, nº 1, do contrato promessa sub judice, conjugado com o respectivo nº 2, onde se estipulava que “fica expressamente estabelecido que caso o PIP não permita a referida construção, o presente contrato fica sem efeito, caducando automaticamente”.

O respectivo ónus competia aos promitentes vendedores – ora AA. – que não o satisfizeram.

Fez-se, a este propósito, alusão à manutenção de uma decisão de indeferimento do PIP, comunicada em 13 de Outubro de 2009 (ponto 12 dos factos provados) e à ausência de informação acerca do andamento do processo por parte dos promitentes vendedores à promitente compradora (pontos 13 e 16 dos factos provados).
É basicamente esta a argumentação – conjugada com as interpelações admonitórias efectuadas pela promitente compradora e a que se referem os pontos 16 e 18 – que conduziram, por si só, à conclusão acerca do incumprimento contratual em que incorreram os demandados (promitentes-vendedores) quanto às obrigações estipuladas no contrato promessa celebrado em 20 de Fevereiro de 2008 e à sua condenação ao pagamento do dobro do sinal prestado, acrescido de juros.
O facto provado sob o nº 19, isto é, “com referência ao mesmo terreno, em 2011, os demandados apresentaram um novo PIP relativo ao projecto de construção de um campo de rugby, pedido esse que foi igualmente indeferido conforme ofício de 15 de Outubro de 2012 enviado aos demandados, sendo certo que esse pedido deu entrada na Câmara Municipal antes de 6 de Junho de 2011, visto se encontrar documentado que a Câmara pediu parecer sobre esse PIP à Secretaria Regional do Ambiente nessa data”, não foi, de forma alguma, decisivo para o veredicto do tribunal arbitral, constituindo apenas um relevante reforço do seu argumentário.
Sem a sua tomada em consideração, a conclusão teria ser que, lógica e forçosamente, a mesma.
Fundamental, sim, foi a ausência de prova quanto à aprovação do PIP relativamente aos imóveis prometidos vender, sendo que relativamente a tal matéria as posições das partes constavam claramente dos respectivos articulados e foram discutidas em moldes contraditórios.
Pelo que não houve qualquer decisão surpresa sobre pontos de facto ou soluções fundamentais de direito no sentido da resolução do litígio em causa.
O tribunal arbitral decidiu com base nos factos essenciais que constavam dos articulados, penalizando os promitentes vendedores pela falta de prova da aprovação do PIP, no prazo convencionado, e em conformidade com a cláusula 2ª, nº 1, do contrato promessa sub judice.
Concorde-se ou não com a solução jurídica perfilhada, o certo é que não se vislumbra aqui qualquer violação do princípio do contraditório, da igualdade das partes ou a existência de qualquer decisão surpresa, nos termos e para os efeitos em que a mesma é interdita pelo artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil.
Diga-se, por fim, que a alegada contradição com os elementos constantes dos autos tem a ver com o conhecimento do mérito da decisão, mormente com a análise do material probatório junto, não constituindo fundamento para a presente acção de anulação, a qual, como se salientou supra, não pode intrometer-se na apreciação do fundo da decisão proferida na jurisdição arbitral, resolvida à luz dos juízos de equidade.

5 – Da omissão de fundamentação.
Consta, a este propósito, do conjunto de regras processuais do funcionamento do presente tribunal arbitral:

“10 -O julgamento sobre matéria de facto apenas constará da sentença final e apenas são indicados os factos dados como provados”.
A fundamentação da convicção dos árbitros resumiu-se ao seguinte:
“A convicção do Tribunal decorre fundamentalmente da documentação junta aos autos, e também da confirmação pelos depoimentos prestados. A matéria de facto não considerada, ou é absolutamente irrelevante para uma boa decisão dos autos, ou pura e simplesmente não foi objecto de prova”.

Trata-se, naturalmente, de uma fundamentação demasiado sintética, porventura inadmissível – dada a sua exiguidade - no âmbito de um processo judicial, rodeado de outros formalismos e de garantias incomparavelmente superiores às consignadas na jurisdição arbitral.
Tratar-se-á talvez da mais significativa diferença entre a jurisdição arbitral, normalmente fundada em juízos de equidade e na extrema simplificação e agilização dos procedimentos – uma forma de resolução de litígios em modo simplex- e a jurisdição estadual, assente no rigor do estrito cumprimento da lei processual e na absoluta salvaguarda de todas as garantias do pleno exercício das mais amplas faculdades processuais, de que não abre mão em circunstância alguma.
Enfim, são realidades e ordenamentos jurídicos completamente díspares.
Nestes termos, não podemos deixar de considerar como suficiente a fundamentação da convicção dos árbitros, tomando em consideração que a maior parte dos factos ora em discussão eram de prova documental necessária e que a base da decisão assentava em juízos de equidade.

Note-se que dispõe o artigo 42º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV):

“Forma, conteúdo e eficácia da sentença.
1 - A sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros. Em processo arbitral com mais de um árbitro, são suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral ou só a do presidente, caso por este deva ser proferida a sentença, desde que seja mencionada na sentença a razão da omissão das restantes assinaturas.
2 - Salvo convenção das partes em contrário, os árbitros podem decidir o fundo da causa através de uma única sentença ou de tantas sentenças parciais quantas entendam necessárias.
3 - A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º
4 - A sentença deve mencionar a data em que foi proferida, bem como o lugar da arbitragem, determinado em conformidade com o n.º 1 do artigo 31.º, considerando-se, para todos os efeitos, que a sentença foi proferida nesse lugar.
5 - A menos que as partes hajam convencionado de outro modo, da sentença deve constar a repartição pelas partes dos encargos directamente resultantes do processo arbitral. Os árbitros podem ainda decidir na sentença, se o entenderem justo e adequado, que uma ou algumas das partes compense a outra ou outras pela totalidade ou parte dos custos e despesas razoáveis que demonstrem ter suportado por causa da sua intervenção na arbitragem.
6 - Proferida a sentença, a mesma é imediatamente notificada através do envio a cada uma das partes de um exemplar assinado pelo árbitro ou árbitros, nos termos do disposto n.º 1 do presente artigo, produzindo efeitos na data dessa notificação, sem prejuízo do disposto no n.º 7.
7 - A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja susceptível de alteração no termos do artigo 45.º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual “.

Ou seja, norma em referência apenas exige que o acórdão seja reduzido a escrito e assinado, limitando-se a fundamentação (quando não seja dispensada) à indicação dos factos provados e à fundamentação de direito[9].

Neste contexto global, não se descortina qualquer violação dos princípios processuais estruturantes de um processo justo e equitativo na circunstância da fundamentação da convicção dos árbitros se ter limitado àqueles concisos e breves termos, com remissão para a documentação que consta dos autos e para os próprios depoimentos escritos das testemunhas oferecidas.
Neste tipo de jurisdição, com estas especiais características, é mais do que suficiente. 
Improcede, por conseguinte, a presente acção.

IV - DECISÃO :
 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a presente acção especial de anulação de decisão arbitral improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Custas pelos AA.


Lisboa, 15 de Março de 2016.
 

(Luís Espírito Santo)                                                         
(Gouveia Barros)
(Conceição Saavedra)


[1]Vide, sobre este ponto, Manuel Pereira Barrocas in “Manual de Arbitragem”, página 521.
[2]Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2012 (relator Ribeiro Coelho), publicado in www.dgsi.pt.; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Outubro de 2006 (relator Tibério Silva), publicado in www.dgsi.pt.; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2012 (relatora Graça Amaral), publicado in www.dgsi.pt.
[3]Sobre esta matéria vide Paula Costa e Silva in “Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, publicado in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 52, onde, a pags. 938 a 939, se enfatiza a vontade legislativa de afastar a arbitrariedade no processo arbitral.
[4]Conforme refere Mariana França Gouveia, in “Curso de Resolução Alternativa de Litígios” a pag. 259: “Na arbitragem, o Estado de Direito demonstra-se precisamente através de imposições processuais que estabelece. São princípios básicos que têm de ser cumpridos para que uma decisão possa ser reconhecida judicialmente (no nosso ordenamento jurídico, para que possa não ser anulada)”. 
[5]Escreve sobre esta temática Angel Latorre, in “ Introdução ao Estudo do Direito “, pags. 118 a 119 : “Nessa contínua adaptação da lei à infinita variedade dos problemas práticos que a vida suscita consiste o trabalho da equidade, que um juiz tem de ter sempre presente, e sem a qual a aplicação rígida do Direito poderia conduzir em hipóteses concretas a soluções injustas, segundo o velho adágio summum ius, summa iniuria. ( … ) Conciliar a vinculação à lei com a equidade ao julgar o caso concreto, encontrar equilíbrio entre a segurança e a justiça, respeitar o Direito estabelecido, mas aplica-lo com sentido humano e com a consciência do que tem de único e irrepetível qualquer problema individual, constitui a servidão e a grandeza dos juízes “.
[6]Vide Pires de Lima e Antunes Varela in “ Código Civil Anotado “, Volume I, pags. 54 a 55, onde pode ler-se : “ …o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei “.
[7] Na comunicação do autor, em 16 de Julho de 2010, ao Congresso de Arbitragem Voluntária promovido pelo Centro de Arbitragem Voluntária da Associação Comercial de Lisboa.
[8]Sobre esta matéria refere Inocêncio Galvão Telles in “ Introdução ao Estudo do Direito “, Volume I, pags. 149 a 150 : “A equidade visa temperar a rigidez da lei. Esta é formulada em termos genéricos, tendo em vista, sem dúvida, as circunstâncias reais da vida, mas numa perspectiva abstracta, sem descer às particularidades dos casos concretos. Dessa abstracção podem resultar, e resultam por vezes, desajustamentos entre a justiça da solução legal e a justiça desejável na hipótese individual submetida à apreciação do julgador. A equidade é o instrumento idóneo para afastar ou evitar estes desajustamentos. Daí a imagem aristotélica de equiparar a equidade à régua lésbica. A lei é como uma régua vulgar, que não se adapta às sinuosidades do objecto medido. A equidade é como uma régua lésbica, adoptada para certos efeitos na edilidade de Lesbos ( daí o seu nome ), com a particularidade de acompanhar os objectos nas suas irregularidades “.
[9]Sobre esta matéria, vide o interessante acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Junho de 2015 (relator Carlos Portela), contendo um voto de vencido, publicitado in www.jusnet.pt.