Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8215/07.4TMSNT.L1-1
Relator: ANTAS DE BARROS
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR EM PERIGO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: Com ressalva do abrangido pela Convenção de Haia de 29 de Maio de 1993 relativo à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, os tribunais portugueses carecem de competência para decretar a adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como a anulação ou revogação da adopção, relativamente a crianças e jovens em perigo nacionais de Estados membros da União Europeia, excluindo a Dinamarca, ainda que residam ou se encontrem em Portugal.
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Lisboa

O Ex.mo Sr. Magistrado do M.º P.º instaurou acção de promoção dos direitos e protecção em benefício dos menores A, nascido em ../../2…, actualmente residente no Lar “H”, em …, … e B, nascida em ../../2…, residente em E, F, ambos filhos de C e de D, residentes também em E, de nacionalidade romena.
Alegando factos de que retira sofrerem os menores maus tratos por parte dos progenitores, que deram lugar à intervenção da C P C J , com posterior aplicação da medida de acolhimento institucional por seis meses quanto ao A, que foi concretizada, e posteriormente também em relação à B, invoca ter recebido o processo respectivo remetido pela aludida Comissão, nos termos do artº 68º b) da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, dado os progenitores, face à aplicação desta última, que não chegou a efectivar-se, terem retirado o consentimento para a respectiva intervenção quanto aos dois menores.
Conclui no sentido de ser aplicada aos menores a medida de acolhimento institucional prevista nos arts. 35º nº 1, f), 49º e 50º da Lei nº 147/99.
Seguidos os termos próprios, designadamente com instrução do processo, alcançou-se acordo de promoção e protecção quanto à B, com aplicação da medida de Apoio junto dos Pais.
Prosseguindo os autos quanto ao A, realizou-se o debate judicial, posto o que foi proferida decisão aplicando a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção, prevista na alínea g) do artº 35º da Lei nº 147/99. Foi dessa decisão que os progenitores do menor recorreram.
Nas suas alegações, formulam as seguintes conclusões:
I . De toda a prova produzida em sede em primeira instância não resulta de forma inequívoca que os pais biológicos não possam constituir uma família estruturalmente equilibrada, ou nas palavras do acórdão, não possam constituir uma família na verdadeira acepção da palavra, capaz de proporcionar ao menor todas as condições para um crescimento saudável, pelo contrário, apesar das limitações ambos os pais têm desenvolvido um enorme esforço para obter todas as competências parentais e poderem proporcionar o carinho e amor que o seu filho necessita.

II . A avó paterna constitui uma alternativa válida, para temporariamente poder assumir as obrigações parentais, podendo mesmo ser o elo para corporizar o principio da prevalência da família biológica, porquanto reúne todas as condições para tal e, é mesmo a pessoa que mais tempo viveu com o menor.
III . A medida aplicada pelo tribunal "a quo" não teve em consideração a obrigatoriedade de aplicação da lei romena ao caso concreto, o que a concretizar-se constituirá uma grave e flagrante violação da norma aplicável.
IV . A medida aplicada pelo tribunal "a quo" revela-se manifestamente desadequada ao caso concreto, porquanto não ponderou todos os interesses do menor e daquela que será sempre a família que melhor poderá proporcionar uma vida feliz ao A, ou seja a sua família biológica.
V . Desta forma, e por tudo o que se acima se afirmou, deve a presente medida ser revogada e substituída por outra mais adequada ao caso concreto, mas sempre tendo em consideração que o menor tem nos requerentes e na sua avó paterna uma família (restrita ou alargada) que pode e deve prover ao seu futuro com todo o carinho e amor que necessita, pugnado assim pelas medidas alternativas de Apoio Junto dos Pais ou Apoio Junto de Outro Familiar,
Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra satisfaça o superior interesse do menor A, nas sempre junto da sua família biológica, tudo com as consequência de daí resultem.
Os Ex.mos Srs. Magistrado do M.º P.º e Defensor Oficioso do menor contra-alegaram, defendendo que se mantenha o decidido.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, cumpre conhecer do recurso.
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Vêm provados os seguintes factos:
1 . O menor A nasceu em … de … de 2… na Roménia e é filho de C e de D, residentes na Rua …, n° , E, F.
2 . O menor tem uma irmã, B, nascida em Portugal em … de … de 2…
3 . O progenitor do menor veio da Roménia para Portugal onde vivia com a mulher e o filho quando este tinha três meses de vida; a progenitora do menor juntou-se ao progenitor em Portugal quando o menor tinha cerca de um ano de vida, ficando este a viver com a avó paterna.
4 . Em Março de 2006 o A veio para Portugal e passou a integrar o agregado familiar constituído pelos seus pais e irmã; nessa altura fazia parte deste agregado familiar uma tia materna e um outro tio ou primo.
5 . A partir de Agosto de 2006 o A e a irmã passaram a ficar parte do dia em casa de uma ama, G - a menor B ficava a partir das 15 h até às 18:30h, altura em que um dos pais ia buscá-la; o A ficava das 9h até às 10H; das 12h às 13H; e a partir das 18:15h até às 18:30h, altura em que ia para casa com a irmã nos termos referidos. Era a ama ou outra das cuidadoras que ia pôr e buscar o A à escola enquanto os pais iam trabalhar.
6 . Ao longo do tempo, a ama do menor constatou que o A aparecia frequentes vezes com nódoas negras e arranhões; o menor explicava que fora um dos pais ou a irmã. À frente da ama, a progenitora, pelo menos duas vezes, deu uma bofetada na cara do menor, deixando-a vermelha, largando-o com a ama sem qualquer palavra de conforto, sendo que da parte do menor nem uma lágrima existia, a progenitora explicava que não tinha paciência, que o A não se despachava, não lhe obedecia e que não tinha tempo.
Em casa da ama o menor apresentava-se com um humor muito variável, ora feliz, ora muito triste, sendo sempre muito fechado e isolado
Pelo menos uma vez, a ama teve de dar banho aos dois irmãos por estarem demasiado sujos, apesar de já ter advertido a progenitora para a sujidade corporal e do vestuário dos menores.
Perante a ama o A raramente se referia aos pais e nunca falou sobre a vida que teve na Roménia.
7 . Em 21 de Dezembro de 2006 o Agrupamento de Escolas da Região de F sinalizou à CPCJ de … Ocidental quando o mesmo frequentava o 1° ano do Ensino Básico na Escola C + S da…, em F. (EB 1/do E) por suspeita de maus tratos físicos e emocionais por parte dos progenitores.
8 . A CPCJ convocou ambos os progenitores para uma entrevista/reunião para Março de 2007, sendo que apenas compareceu a mãe do menor, não tendo o pai dado qualquer explicação. A progenitora deu o seu consentimento para a intervenção dessa entidade.
9 . Em 8 de Junho de 2007, o menor é observado no Centro de Saúde (Extensão) de F, apresentando equimose e hematoma na hemiface direita. No mesmo dia, os progenitores são ouvidos na CPCJ de …, sendo que o progenitor confirmou as agressões ao filho, explicando que estava a tentar ajudá-lo nos trabalhos de casa, disse que não mais iria acontecer e que já não bebia há cerca de 1 mês. Nesse mesmo dia o menor foi acolhido na “O"
10 . Nessa mesma ocasião, o menor apresentava a parte de cima de ambas as mãos toda arranhada e ferida: inicialmente o menor explicou que essas feridas tinham sido feitas pelo próprio com a ponta de um lápis; quando lhe pediram para exemplificar como o tinha feito, o menor constatou que não conseguia fazê-lo na mão direita; foi então que acabou por dizer que tais feridas tinham sido feitas pela mãe com a ponta de um lápis.
11 . Os progenitores do A batiam no filho sobretudo por causa dos trabalhos escolares e aproveitamento escolar, e da relação de ciúme que o mesmo tinha em relação à irmã.
12 . A progenitora do menor ficou muito abalada com a morte/desaparecimento da sua própria mãe na Roménia em circunstâncias inesperadas e trágicas em Outubro de 2006, tendo passado a ingerir bebidas alcoólicas sobretudo à noite com o objectivo de conseguir dormir melhor. O progenitor também reconheceu consumir com regularidade bebidas alcoólicas. Apesar destes consumos alcoólicos, nem um nem outro progenitor se embriagava.
13 . O A depressa aprendeu a língua portuguesa e recusava falar na sua língua materna, mesmo quando o pai lhe falava em romeno.
14 . Na escola, na sala de aulas, o A frequentes vezes riscava tudo de preto, rasgava as folhas, chorava compulsivamente, queria ir embora, esperneava, agarrava na cabeça e muito lentamente conseguia acalmar-se; não tinha disponibilidade para a aprendizagem apesar de ter capacidades cognitivas; recusou fazer o trabalho para oferecer ao pai no Dia do Pai; aparecia com algum descuido ao nível da higiene e do vestuário, sendo que pelo menos uma vez o A e a irmã tomaram banho na escola - aparentavam estar com receio do banho, mas quando constataram que a água era quente deliciaram-se com a situação.
15 . A menor B ia muitas vezes para a escola sem tomar o pequeno almoço, sendo que a mãe explicava que não conseguia fazer com que a mesma comesse em casa, pois fazia muita birras e a mãe ia dando à menor doces para fazer com que a mesma chegasse à escola a tempo; a menor tinha os dentes da frente todos cariados; a menor gritava muito para com o irmão e batia-lhe, sendo que este tinha uma atitude muito passiva face ao comportamento da irmã; a menor era também agressiva para com os pares; escondia-se para masturbar-se; falava muito mal a língua portuguesa.
15 . A casa onde o A vivia com os pais tinha dois quartos de dormir com uma cama de casal em cada um deles; na sala existia uma cama de solteiro e um divã; os menores dormiam no quarto dos pais; outros dois familiares (tios) dormiam no outro quarto. Durante algum tempo não houve água quente em casa.
16 . Aquando da retirada da casa dos pais, o A era uma criança apreensiva, desconfiada, não aceitava o toque físico, tendo havido algumas dificuldades no apoio aos banhos e no vestir e despir do menor por parte da equipa da instituição acolhedora.
17 . Ficaram estabelecidas com os pais visitas semanais ao A, a partir da 17:30 h. Os pais nunca faltaram à visita. Durante a visita, o menor ficava normalmente ao colo do pai ou entre os pais, havendo muito pouco diálogo e muito pouca interacção entre todos, parecendo que não se conheciam. O menor despedia-se dos pais sem qualquer emoção, sendo que a partir de determinada altura o menor suspirava de alivia assim que terminava a visita.
18 . Em 23 de Julho de 2007 os progenitores firmaram acordo de promoção e protecção em relação ao menor A, no sentido de o mesmo ficar à guarda da referida instituição "O".
19 . Em 17 de Julho de 2007 o menor foi transferido para o Centro de Acolhimento H, em ….
20 . Em 21 de Novembro de 2007, neste Tribunal, foi firmado um acordo de promoção e protecção a favor do menor A e de sua irmã B de acolhimento institucional por seis meses.
21 . Em 18 de Dezembro de 2007, a menor B deu entrada no Centro de Acolhimento H.
22 . Os menores passaram junto dos progenitores os dias 25 de Dezembro de 2007 e 1 de Janeiro de 2008, das 13:30h às 19:30h.
23 . No dia 25 de Dezembro de 2007, o menor chorou muito, manifestando não querer passar o dia com os pais, tendo que ter o apoio dos técnicos da instituição para o convencerem a ir pois passadas algumas horas estaria de volta à instituição; no dia 14 de Janeiro de 2008, após um conflito com uma menina da instituição, o A puxou o seu próprio cabelo, arranhou-se na cara, deu murros na cabeça e gritou muito, completamente descontrolado; após os telefonemas dos pais, o menor fica durante algum tempo muito instável; quer nas visitas quer nos telefonemas, os pais exigiam que o menor cuidasse da irmã.
24 . Sobretudo a partir do ingresso da B no CAT H, em 18 de Dezembro de 2008, e da ida à casa dos pais no Natal e Ano Novo, o A começou a manifestar grande agressividade verbal para com a irmã («afasta-te, sai daqui»), comportamentos de auto agressão e estados de raiva e descontrolo emocional, voltou a estar mais distante e desconfiado em relação às pessoas que o rodeiam, a fazer trabalhos e a destrui-los de imediato, dizendo que é «um vampiro para matar as pessoas todas, eu quero que todos morram».
25 . Em 15 de Fevereiro de 2008 o Tribunal decidiu suspender todos os contactos entre os progenitores e o menor A.
26 . Em 3 de Março de 2008, a B saiu do CAT “H" e passou a integrar a “P”, onde esteve até a celebração do acordo de promoção e protecção de Março de 2009 neste Tribunal nos termos do qual foi aplicada a favor da B a medida de apoio junto dos pais, passando a mesma a residir com estes
27 . Não obstante lhes ter sido solicitada pela instituição a documentação original do A os progenitores não a facultaram.
28 . O menor está relativamente bem adaptado à instituição, frequenta o 2° ano de escolaridade, estando actualmente no quadro de honra, situação que visa sobretudo aumentar a sua auto estima e segurança.
29 . O A interveio numa peça de teatro no CAT, tendo representado o rei, o qual usava uma capa. Essa capa passou a ser muito usada pelo A no seu dia a dia: inicialmente dizia que era um vampiro para morder as pessoas, actualmente diz que é o BATMAN.
30 . 0 A começou a ter acompanhamento psico-terapêutico por parte da senhora psicóloga I em Julho de 2007; Nas primeiras sessões, o A recusava fazer qualquer tarefa que lhe era proposta, quer em termos de jogos, desenhos ou conversação; quando pegava num lápis e papel, riscava, riscava, riscava e no fim rasgava; chegou a rasgar umas plantas que se encontravam no gabinete; dirigia-se à técnica e dizia, «não gosto de ti, não quero falar contigo». Quando a senhora psicóloga deixou de tentar aproximar-se do A e adoptou a estratégia de manter-se afastada e parecer ocupada com outros assuntos, o A começou a aproximar-se e a tentar chamar a atenção; aquando da adopção desta estratégia, existiram várias sessões em absoluto silêncio.
Nos primeiros tempos de acompanhamento psicológico esta criança estava em risco de se encontrar numa situação de pré psicose (risco de desintegração e perda de coerência do seu eu, com possibilidade de total separação entre o afecto e o mundo relacional, com passagem ao acto constante sob o modelo de acção de um agressor)
O A tem um potencial intelectual perfeitamente normal.
Em relação à família biológica, o A ora verbaliza que não quer sequer ouvir falar dela ou falar sobre ela, ora diz que o pai bate, ora que o pai é o maior, sendo que actualmente o menor recusa falar sobre a família biológica. Sempre que o assunto se aproxima da família biológica o menor fica agitado, começa a rasgar e a riscar os trabalhos que está a efectuar. No que concerne à Roménia, o A falou uma única vez a esse respeito, dizendo que tinha uma bicicleta, que existiam animais e que vivia no campo; nunca pronunciou uma palavra em romeno e nunca falou da avó paterna com quem vivia nesse país.
Inicialmente, quando deixava cair ao chão uma régua, por exemplo, pedia uma série de vezes desculpe, encolhia-se e tapava a cabeça com as mãos como se lhe fossem bater.
O menor estabeleceu com o seu professor (de nome J) uma relação muito especial, tendo falado do mesmo muitas vezes à senhora psicóloga com grande entusiasmo; de repente, o A deixou de falar nele; a senhora psicóloga soube posteriormente que este professor havia desinvestido no A e que existia algum mal estar entre eles. Após a realização de uma reunião com o referido professor entre a senhora psicóloga e a senhora Directora do CAT, aquele repensou a maneira de agir para com o A, sendo que actualmente, e sobretudo no sentido de fomentar a auto estima do menor, este está no quadro de honra.
O menor recusou falar à psicóloga sobre a sua ida a casa no Natal de 2007 e Ano Novo (2008).
Num dos seus trabalhos, o A desenhou a casa dos seus pais novos.
30 . O A está muito preocupado e ansioso quanto ao seu futuro questionando muitas vezes quando é que vai ter uns pais novos e pedindo uma justificação pelo facto de os outros meninos saírem da instituição com pais novos e ele não. Desde que ingressou na instituição, já saíram 8 ou 9 crianças para serem adoptadas, o que gera sentimentos de abandono, ansiedade e revolta no A.
Por duas vezes o menor enviou um «recado» escrito ao Tribunal manifestando o seu desejo de ter uns pais novos e que apenas os não tem porque é romeno.
Em Tribunal, o menor expressou o seu desejo em ter uns pais novos, exprimindo que não se lembra da avó paterna e não quer falar sobre os seus pais.
O A não demonstra tristeza em não receber as visitas dos pais e não manifesta saudades dos mesmos.
Do acompanhamento que faz ao menor, a psicóloga concluiu: O A necessita o quanto antes de uma família que possa reparar todas as vivências traumáticas desta criança. Considero que os contactos do menino com os pais biológicos não são de todo proveitosos e que devem ser cessados, ser efectuado um processo de luto destes mesmos laços patológicos e tentar o quanto antes, relações restauradoras que não se esperam fáceis. Ainda assim considero que esta criança deve iniciar o quanto antes um processo que lhe permita vir a ser adoptado por uma família estruturalmente preparada para todos os ataques que o mesmo lhe irá fazer na certificação da existência de um amor não abandónico e não maltratante. Quanto aos pais, e pelos danos provocados nesta criança e pelo evitamento consistente que uma criança desta idade faz perante temáticas relacionadas com os mesmos, aponto que não existe qualquer hipótese de reparação relacional com a reintegração desta criança no sei da família biológica, antes pelo contrário os contactos com a mesma só lhe vão aumentar a instabilidade, agressividade e manifestação de condutas/comportamentos perturbados.
31 . O progenitor do menor tem actualmente 31 anos e a progenitora 32 anos.
Estão casados um com o outro há cerca de 9 anos.
O progenitor do A é o irmão do meio de uma fratria masculina de três, sendo que o mais velho tem 37 anos e o mais novo, 19 anos, solteiros, os quais vivem todos na mesma casa, trabalhando todos na construção civil.
A adaptação da família a Portugal decorreu sem grandes dificuldades, sendo que a integração do A no núcleo familiar foi mais complexa pois sempre vivera com a avó paterna na Roménia.
O pai do A justifica o seu comportamento para com o filho com os «nervos», «cheguei a casa e bati no filho porque ele não queria fazer os trabalhos».
A interacção social do progenitor do A acontece centrada em si própria, com algum distanciamento da realidade que o rodeia. A vida emocional aparece muito empobrecida, com uma expressão dos afectos à mínima, explicável, entre outras razões, pelo seu quadro de grande carência afectiva. Tem um funcionamento psíquico marcado pela rigidez, nomeadamente o pensamento, revelando-se suspeitoso, desconfiado, distante e com dificuldade na vinculação afectiva. No comportamento pode mostrar-se beligerante, com estados de ânimo hostil e em alerta permanente face à possibilidade de agressão externa. Existe uma disposição pata a prevalência do prazer primário decorrente da já referida auto centração, podendo apresentar-se colérico e irritável. Demonstra pouca apetência para o contacto interpessoal quando extravasa da mera funcionalidade.
A mãe do A faz parte de uma fratria de 7 irmãos.
Ao nível da personalidade, a mãe do A revelou um comportamento ansioso, tenso e retraído; presença de sentimentos intensos de desconfiança, suspeição e inibição com postura vigilante de alerta; dificuldade em lidar com situações indutoras de ansiedade e ou frustração; possível contacto perturbado com a realidade externa; relações interpessoais distantes com grande dificuldade em estabelecer vínculos afectivos; importante fragilidade ao nível da identidade e auto estima; pouca capacidade para pensar e reflectir sobre si própria; rigidez funcional com algum embotamento dos afectos e emoções.
No que concerne ao estabelecimento de relações interpessoais próximas, revela importante dificuldade em estabelecer vínculos afectivos evidenciando-se dificuldades na mobilização e expressão dos afectos.
A imaturidade emocional e afectiva e a pobreza cognitiva revelam tendência para importante reactividade em situações de tensão e /ou indutoras de frustração pela dificuldade de elaboração mental de conflitos
A pobreza afectiva que a mãe do A revela reflecte-se nas suas competências parentais, com escassas práticas de redução de tensão (tentar acalmar e aliviar sentimentos de ansiedade, mostrar afecto positivo, desdramatizar) e de autonomia (apoio ao raciocínio, apoio nas situações de auto regulação e primeiras abordagens de autonomia). As verbalizações das práticas de autoridade explicada são desprovidas de empatia e de manifestações de afecto positivo.
A mãe do A apresenta uma estrutura limite de personalidade; embora não apresente patologia mental grave, apresenta algumas limitações cognitivas e sintomatologia psicopatológica positiva. Existem assim algumas limitações ao nível dos recursos internos para captar e atender às necessidades e cuidados da filha menor e, actualmente, para assegurar a função parental.
32 . No período de tempo em que esteve na Roménia, o menor A viveu na localidade de “…”, uma pequena aldeia no norte do país (3°).
33 . Esta localidade tem poucos habitantes e a maioria das famílias dedica-se às actividades agrícolas.
34 . Antes de vir para Portugal, faleceu uma bisavó do menor (9°).
35 . Quando chegou a Portugal, o A brincava com a irmã e outras crianças (13°).
36 . Em Setembro de 2006 o A iniciou as suas actividades escolares na Escola Primária do E, sendo que no entender dos pais o filho não se aplicava nos trabalhos da escola (15°).
37 . O pai teve uma atitude brusca com o filho e que gerou a situação descrita nos autos pois considerava que era essa a forma adequada para levar o filho a compreender a necessidade de se concentrar nos trabalhos escolares (19°)
38 . 0s progenitores do A nasceram e viveram numa zona rural da Roménia e a infância de ambos desenvolveu-se num meio de forte domínio dos progenitores em relação aos filhos (22° e 23°).
39 . Os progenitores do A vieram para Portugal na tentativa de conseguir melhores condições de vida (26°).
40 . O pai do A trabalha na construção civil e a mãe presta cuidados de higiene, alimentação e medicação a pessoas idosas (27°).
41 . Pelo menos a mãe do A é reconhecida como uma boa profissional, bastante cumpridora e responsável (28°).
42 . Os progenitores do A respeitam pontualmente as suas obrigações como o pagamento da renda de casa (29°).
43 . Os progenitores do A preocupam-se com a educação dos filhos (31°).
44 . Foram os progenitores do A que o colocaram na escola (32°).
45 . Os progenitores sempre visitaram o A pela foram acordada com a instituição e telefonavam para falar com o mesmo diariamente (38°).
46 . Das duas vezes que o A foi a casa dos pais (Natal de 2007 e Ano Novo de 2008), o menor brincou e esteve aparentemente bem (39°).
47 . Durante os períodos das visitas dos pais ao A na instituição, este nunca teve comportamentos agressivos nem os pais em relação ao filho tiveram qualquer comportamento menos correcto (40°).
48 . Os pais, com a ajuda da patroa da progenitora, todas as semanas visitavam os filhos e efectuavam ligações telefónicas para saber informações sobre os filhos (41°).
49 . Os progenitores do A estão a efectuar terapia familiar no Centro de Apoio do Desenvolvimento Infantil concretamente com a psicóloga L, acompanhamento que deverá prosseguir enquanto se revelar necessário, sendo que, nas palavras da referida técnica, ainda existe muito trabalho a fazer junto destes pais, apesar de terem tido uma evolução positiva e demonstrarem vontade em mudar e aprender (50°).
50 . A avó paterna do menor declarou estar disposta a assumir os cuidados do A enquanto tal for necessário (60°).
51 . Foi efectuado um inquérito social pela Câmara Municipal da Localidade de …, Distrito de …, Roménia onde consta, em síntese, que a avó paterna do A vive numa casa com três assoalhadas, com 60 m 2, com electricidade, aquecimento a lenha, anexos domésticos; faz trabalhos agrícolas e manufacturas (tecer tapetes, pintar ovos, bordados etc..); vive sozinha, sendo viúva; recebe ajudas económicas dos seus três filhos, incluindo do pai do A, todos residentes em Portugal. Neste inquérito conta ainda o seguinte: o colectivo de apoio à autoridade tutelar propõe que os menores A e B sejam entregues à guarda da avó paterna M (61°).
52 . Os progenitores gostam do A e continuam a telefonar semanalmente para a instituição onde o filho está para saber notícias do mesmo (68°).
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Como emerge do processo e consta da decisão recorrida, o menor A é de nacionalidade romena. Aliás, isso sempre resultaria do facto de ter nascido no estrangeiro, filho de estrangeiros, e do disposto no artº 1º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, a contrario.
A medida aplicada na decisão recorrida é a de «confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção» prevista na alínea g) do artº 35º da lei nº 147/99, de 1 de Setembro, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. Tendo em conta o disposto no artº 62º -A nº 1 da mesma lei, esta medida dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão, como consta da decisão recorrida.
Constitui, assim, uma medida que orienta definitivamente o menor A para adopção sendo, no mínimo, preparatória da mesma.
No que respeita à competência internacional, reconhecimento e execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, vigoram no ordenamento jurídico português o Regulamento CE nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro, e a Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e de Medidas de Protecção das Crianças, concluída em Haia em 19 de Outubro de 1996.
Trata-se de direito convencional internacional que, tendo sido aprovado e ratificado, prevalece sobre o direito interno português, como decorre do artº 8º nº 2 da Constituição. v. ac. do S.T.J. de 9.12.2004 proferido no procº nº 04B3939, www.dgsi.pt.
Sendo o menor A nacional de um Estado membro da U.E., é aqui aplicável o referido Regulamento CE, como se invoca na decisão recorrida.
Sucede que, nos termos do seu artº 1º, nº 3, b), tal Regulamento não é aplicável às decisões em matéria de adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como à anulação e revogação da adopção.
Como se assinalou atrás, pese embora não tenha sido decretada nestes autos a adopção, o certo é que, por implicação da citada norma do artº 62º-A nº 1 da lei nº 147/99, a medida aplicada é, no mínimo, preparatória da constituição desse vínculo relativamente ao menor dado durar até ser decretada a adopção e não estar sujeita a revisão.
Como tal, os tribunais portugueses carecem de competência para aplicarem ao menor em questão a mencionada medida.
Aliás, também a referida Convenção de Haia, de 19.10.1996, no respectivo artº 4º, b), exclui do seu âmbito o que diga respeito à adopção, medidas preparatórias para a adopção, ou a anulação ou revogação da adopção.
Bem se entende que assim seja pois os Estados recusam consentir a constituição de um vínculo dessa natureza sobre os seus nacionais sem a sua intervenção ou conhecimento, como o reflecte, embora noutro âmbito, a Convenção de Haia de 29 de Maio de 1993 relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional.
Assim, sendo embora a lei nº 147/99 aplicável a todas as crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em Portugal, nos termos do seu artº 2º, independentemente da nacionalidade, no respeitante aos nacionais dos países membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, que é o que aqui interessa, a medida da alínea g) do respectivo artº 35º não é aplicável dada a aludida prevalência do direito comunitário sobre o direito interno.
A incompetência absoluta do tribunal constitui excepção de conhecimento oficioso, como estabelece o artº 495º do C. P. Civil, pelo que nada obsta a que seja aqui considerada.
Contudo, resulta do exposto que os tribunais portugueses são competentes para aplicação ao menor A de todas as outras medidas de promoção de direitos e protecção previstas no citado artº 35º da lei nº 147/99, medidas essas que são as inicialmente constantes dessa norma legal dado a da alínea g) ter sido acrescentada pela lei nº 31/03, de 2 de Agosto.
Deste modo, cumpre ponderar qual, entre tais medidas, é a adequada a alcançar o bem estar e o desenvolvimento integral do menor.
Os factos apurados revelam afastamento do A relativamente aos seus progenitores, devido aos procedimentos violentos destes que, nessa fase, tratavam o menor sem manifestação de afectividade que a relação parental exige.
Há, porém, que ter em conta o esforço que entretanto demonstraram em adquirirem qualidades nesse âmbito, designadamente sujeitando-se a terapia familiar e demonstrando apego ao menor, que visitavam regularmente e a quem telefonavam diariamente até tais contactos lhes serem proibidos.
Contudo, o referido afastamento, verificado também no tocante à avó paterna, torna inadequada qualquer uma das medidas de Apoio junto dos Pais ou Apoio junto de outro Familiar, propostas pelos recorrentes.
Na verdade, tais medidas pressupõem que exista já abertura do menor a relacionar-se com esses seus familiares o que, como os autos mostram, não se verifica.
Da ponderação dos elementos existentes no processo resulta que a medida adequada à situação antes é a de acolhimento familiar prevista no artº 35º nº 1, e) da lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
Com efeito, a sua colocação em ambiente familiar propiciará ao menor bem-estar e afastamento dos perigos que o possam afectar, e promoverá o seu desenvolvimento integral enquanto, por via dos procedimentos estabelecidos no Decreto-lei nº 11/2008, de 17 de Janeiro, possibilitará a gradual capacitação da sua família natural, designadamente através da acção da equipa técnica da instituição de enquadramento a que caiba a execução da medida, para exercer satisfatoriamente a função parental.
Nesse quadro, entre as modalidades legalmente previstas de acolhimento familiar, a indicada é, pois, a de acolhimento em lar familiar, nos termos do artº 47º ns. 1 e 2 da lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
Tendo em conta as referidas dificuldades de relacionamento do menor com os progenitores, que inviabiliza o retorno daquele à família natural nos seis meses seguintes ao início da execução da medida, o acolhimento familiar adequado é o prolongado, nos termos do artº 48º, ns. 1 e 3, da mesma lei nº 147/99.
Pelo exposto, concedendo-se provimento parcial ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, aplicando-se relativamente ao menor A a medida de promoção e protecção de acolhimento familiar prolongado, em lar familiar.
O relatório social a que se refere o artº 13º do DL. 11/2008, de 17 de Janeiro, deve ser apresentado trimestralmente.
Sem custas.

Lisboa, 6 de Outubro de 2009

Antas de Barros
Folque de Magalhães
Maria Alexandrina Branquinho