Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
385/09.3TBVPV-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Se a exequente, representada por advogado, depois de notificada, pela AE, para tomar posição quanto a uma questão necessária para a penhora de um bem, nada diz durante quase 11 meses, pode-se concluir pela existência da negligência da sua parte em permitir o andamento do processo. Tanto mais se, depois disso, foi de novo notificada para vir aos autos requerer o que tivesse por conveniente, sob pena de extinção por falta de impulso processual e, depois de notificada do resultado das diligências inúteis que então requereu, de novo nada disse durante quase outros 6 meses, apesar de ter escrito que o iria fazer, só quebrando a inacção com a interposição do recurso do despacho que julgou a execução extinta por deserção (arts. 277/-c e 281/5, ambos do CPC).
II- Nem sempre as partes têm de ser notificadas para se pronunciarem sobre a eventualidade de se considerar que o seu comportamento revela negligência no andamento do processo; de qualquer modo, no caso, a exequente foi-o e nada disse quanto à questão, o que contribui para a qualificação do seu comportamento como negligente.
III- Tal como nem sempre há um dever de prevenção consubstanciado em dar conhecimento às partes da possibilidade da extinção da instância por deserção; o caso dos autos é exemplo de uma situação em que esse dever não existe, pois que a exequente, representada por advogado, não podia deixar de saber que a AE estava à espera de uma sua tomada de posição para poder dar andamento à execução.
IV- Apesar de a competência para verificar a extinção da execução (pois que apesar de ela ser automática e não depender de despacho, tem de ser comunicada, o que pressupõe a sua verificação) por deserção não competir, em primeira linha, ao juiz, mas sim ao AE, não se justifica que seja revogado um despacho judicial a constatar essa extinção, se o AE não o tiver feito entretanto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

1- A 30/06/2009, o Banco-SA, intentou uma AECOP contra C e M.
2- A 25/11/2009, foi proferida nesse processo sentença de condenação dos réus a pagarem ao Banco o pedido.
3- A 31/08/2010, o Banco veio requerer a execução daquela sentença contra os réus.
4- A 24/11/2015, foi proferido o seguinte despacho no âmbito daquela execução [a seguir às transcrições das afirmações do despacho, este acórdão transcreve os documentos nelas invocados para prova das mesmas]:
No dia 23/01/2015, a Srª AE comunicou à exequente o resultado de pesquisas realizadas [“Junto envio o resultado da pesquisa efectuada junto da Segurança Social, Caixa Nacional de Pensões e Caixa Geral de Aposentações”].
Uma semana depois informou a mesma exequente de que já tinha localizado a viatura, aduzindo «solicita-se que se digne informar se pretende a penhora da viatura, mais se informa de que o executado pretende efectuar a entrega do bem pelo que pretendendo a penhora informe se possui local para depósito e quem será nomeado fiel depositário do bem». [“Serve o presente para informar que o executado acompanhou a signatária ao local onde a viatura estava estacionada a fim de tirar fotos que se anexam. Solicita-se que se digne informar se pretende a penhora da viatura, mais se informa de que o executado pretende efectuar a entrega do bem pelo que pretendendo a penhora informe se possui local para depósito e quem será nomeado fiel depositário do bem.”]
Quatro dias depois a AE prestou nova informação, indicando que a viatura está junto à residência do executado [“Na sequencia da sua notificação serve o presente para informar que o veículo com a matricula 00-00-TT, encontra-se na posse do executado, e deverá estar junto à residência do mesmo.”]
A exequente nada disse desde então.
Afigurando-se-nos que em abstracto poderemos estar perante uma situação de inércia negligente da exequente em promover os termos do processo, notifique-se a mesma para, em 10 dias, dizer o que tiver por conveniente.
5- A exequente foi notificada deste despacho pela AE por carta elaborada a 25/11/2015, donde constava ainda o seguinte: “solicita-se que venha aos autos requerer o que tiver por conveniente no prazo de 10 dias, sob pena de extinção por falta de impulso processual, com custas a cargo do exequente.”
6- A 26/11/2015, a exequente remeteu o seguinte o e-mail à AE:
Tenho presente o e-mail de V. Exa., respeitante ao processo em referência, que agradeço.
Não foi dada informação de que o veículo está junto à residência do executado, mas que deverá estar.
No entanto vai o exequente verificar se encontra o referido veículo no referido local, a fim de poder apurar se o seu estado justifica os gastos inerentes ao registo da penhora.
É favor fazer pesquisas actuais à base de dados das Finanças a fim de se averiguar a existência de bens penhoráveis ao executado.
7- Por carta elaborada a 30/12/2015, a AE envia à exequente [o resultado de] “novas buscas efectuadas nos autos, [e] solicita-[lhe] que venha requerer o que tiver por conveniente.”
8- A 31/03/2016 consta uma informação elaborada pela AE, com referência a 30/12/2015, dizendo que aguarda impulso processual (art. 281 do CPC).
A 20/06/2016 é proferido o seguinte despacho:
Desde 23/01/2015 (data em que a Srª AE comunicou à exequente o resultado de pesquisas realizadas, seguindo-se nas duas semanas posteriores informação acerca de uma viatura e da sua provável localização), a exequente nada disse nos autos, excepto no final de Novembro, em que declarou que iria averiguar a situação da viatura para ver se interessava a penhora, mais solicitando que fossem feitas «novas buscas».
Atento o lapso temporal decorrido sem impulso processual da exequente e sem comunicação de diligências executivas (de efectivação de qualquer penhora, desde logo), julgo deserta a instância por inércia negligente da parte em promover o seu andamento, nos termos do art. 281/5 do CPC.
RN e oportunamente arquive.
A 23/06/2016, a exequente vem recorrer deste despacho, com as seguintes alegações e conclusão (que se transcrevem na íntegra):
Os tribunais fizeram-se para julgar e não para cumprir “estatísticas” que a lei nem sequer prevê ou consigna.
A exequente continua a aguardar ser informado pela AE designado [da] efectivação da venda dos bens que penhorados foram.
É, na verdade, obrigação e é dever da AE dar conhecimento à exequente das diligências feitas para efectivação da dita venda e, consequentemente, para o prosseguimento da execução.
Ora é expresso o art. 2/1 do CPC, ao estabelecer que: “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.
E expresso é também o art. 754/1-a do CPC ao estabelecer que “o agente de execução tem o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam pedidos pelas partes, incumbindo-lhe, em especial: informar o exequente de todas as diligências efectuadas”.
Daqui, pois, a razão que a exequente entende lhe assiste face ao que dos autos consta e antes referido, não havendo lugar a ser julgada deserta a instância, pelo que o despacho recorrido, evidencia que a decisão em recurso violou o disposto nos artigos 2/1, 281/5, 281/1 e 754/1-a do CPC, como aliás em sentido idêntico foi decidido, em despacho singular, pelo Tribunal da Relação de Évora, no recurso 978/07.3YXLSB-A.E1, aos 06/08/2015, e pelo TR de Lisboa aos 09/07/2013 e aos 11/07/2013 nos recursos 542/10.0TBPDL-A.L1, e 11191/07.0YYLSB.L1, ao diante juntas como docs.1, 2 e 3 por se desconhecer a respectiva publicação.
Aliás, consta do sumário do acórdão proferido pelo TRL, em 16/06/2015, no processo n.º 1404/10.6TBPDL.L1-7: “I- À luz do CPC de 2013, na acção executiva a deserção da instância opera de forma automática, não dependendo de decisão judicial, desde que, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses; II- Não deixará, no entanto, o juiz de avaliar, em concreto, ao julgar a deserção, se houve efectiva negligência das partes motivadora da paralisação do processo por mais de seis meses; III- A imediata e gravosa consequência que hoje pode associar-se a um tal período de inactividade do processo, aconselham, face ao quadro normativo anterior, uma cautelosa ponderação dos requisitos que poderá passar, em caso de dúvida, e atendendo ao princípio da cooperação previsto no art. 7 do CPC, pela audição das partes ou pela sua notificação prévia com aquela expressa cominação; IV- Tal necessidade é acrescida na acção executiva, considerando, designadamente, as competências cometidas ao agente de execução e a circunstância do exequente não estar obrigado a nomear bens à penhora no requerimento executivo.” [os sublinhados foram colocados agora, por este acórdão]
Em sentido idêntico também decidiu o TRL, em ac. de 9/07/2015, proc. 3224/11.1TBPDL.L1-2: “II- No processo executivo, conquanto se considere a instância deserta… independentemente de qualquer decisão judicial, não se prescinde igualmente da verificação da negligência da parte na observância do ónus de impulso processual. III – A verificação de tal negligência impõe que seja dada a possibilidade ao exequente de se pronunciar previamente a propósito.”
E aos 20/04/2016 em situação idêntica à dos autos onde foi proferido o despacho em recurso, o TRC deu razão à ora exequente conforme consta do ac. de que se junta também cópia por se desconhecer a respectiva publicação (doc.4).
E também aos 28/04/2016 em situação idêntica à dos autos o TRL por decisão singular de que se junta cópia por se desconhecer a respectiva publicação, entendeu e decidiu por forma idêntica à constante destas alegações. (doc.5).
Conclusão:
Em conclusão, portanto, por violação do disposto nos arts. 2/1, 754/1-a, 277/-c e 281/1-5, todos do CPC, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido substituindo-se o mesmo por acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo, em suma, justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 19/10/2018 o recurso foi admitido e foi determinada a sua remessa para este TRL.
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Questão a decidir: se a execução não devia ter sido julgada deserta.
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Os factos que interessam a esta decisão constam dos 8 pontos do relatório deste acórdão e aqueles que foram expressamente invocados pelo despacho recorrido estão provados pelas notificações em causa, que agora se transcreveram, excepto quanto a uma afirmação de que se falará mais à frente.
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Decidindo:
A exequente sugere que o despacho está errado, porque ela não actuou com negligência, já que estava “a aguardar ser informado pela AE designada [da] efectivação da venda dos bens que penhorados foram.”
Desde já se diga que esta afirmação não corresponde a nada que esteja provado, nem é verdade que a exequente esteja à espera de ser informada seja do que for, como decorre do que se transcreveu acima.
Primeiro, nos factos que interessam a esta decisão – e nenhuns outros a exequente tentou introduzir -, não consta que a exequente esteja à espera de ser informada da efectivação da venda seja de que bens forem. E o despacho recorrido não tem nada a ver com isso.
Segundo, a exequente não está à espera de nenhuma informação a ser prestada pela AE (o que a exequente lhe pediu – “é favor fazer pesquisas actuais à base de dados das Finanças” -, a AE fê-lo de imediato e também lhe deu resposta imediata do resultado), é a AE que está à espera da resposta da exequente (já que a exequente disse: “vai verificar se encontra o referido veículo no referido local, a fim de poder apurar se o seu estado justifica os gastos inerentes ao registo da penhora”).
Posto isto:
No dia 23/01/2015, a AE comunicou à exequente o resultado de pesquisas realizadas. Uma semana depois “informou-a que o executado acompanhou a signatária ao local onde a viatura estava estacionada a fim de tirar fotos que se anexam. Solicita-se que se digne informar se pretende a penhora da viatura, mais se informa de que o executado pretende efectuar a entrega do bem pelo que pretendendo a penhora informe se possui local para depósito e quem será nomeado fiel depositário do bem.” Quatro dias informou-a ainda que “o veículo com a matrícula 00-00-TT, encontra-se na posse do executado, e deverá estar junto à residência do mesmo.”
A exequente durante 10 meses não se dignou responder à AE, nem disse nada ao tribunal.
Só depois de notificado do despacho em que o tribunal manifestava o entendimento de que podia “estar perante uma situação de inércia negligente da exequente em promover os termos do processo” e lhe dava 10 dias, dizer o que tivesse por conveniente, acompanhado da notificação, pela AE, para “requerer o que tive[sse] por conveniente no prazo de 10 dias, sob pena de extinção por falta de impulso processual, com custas a cargo da exequente” é que a exequente, finalmente, sem sequer se dignar responder ao tribunal, vem dizer que “vai verificar se encontra o referido veículo no referido local, a fim de poder apurar se o seu estado justifica os gastos inerentes ao registo da penhora” e pedir que a AE faça “pesquisas actuais à base de dados das Finanças a fim de se averiguar a existência de bens penhoráveis ao executado.”
E depois disso a exequente nada diz à AE, nem depois de, por carta elaborada a 30/12/2015, o AE lhe ter enviado o resultado das novas buscas efectuadas nos autos (naturalmente negativas, como as anteriores), e de lhe ter solicitado que viesse requerer o que tivesse por conveniente, mantendo-se em completo silêncio até à interposição do presente recurso em 23/06/2016 (durante, pois, quase 7 meses).
Tendo tudo isto em vista, é desde logo manifestamente despropositado que a exequente venha dizer que “Os tribunais fizeram-se para julgar e não para cumprir ‘estatísticas’ que a lei nem sequer prevê ou consigna” e invocar que “é expresso o art. 2/1 do CPC, ao estabelecer que: “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.
Pois que, quem está a impedir a obtenção de uma decisão em prazo razoável é apenas a exequente e não o tribunal recorrido ou a AE. E não há notícia, no processo, de qualquer preocupação do tribunal recorrido, ou da AE, com as “estatísticas”
Depois, é evidente que a exequente não actuou, desde inícios de Fev2015 até 26/11/2015 (quase 10 meses completos), como seria de esperar de um bom pai de família, pois que qualquer pessoa minimamente diligente teria respondido à notificação da AE para que se dignasse “informar se pretende a penhora da viatura.” (O Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no comentário ao ac. do TRP de 02/02/2015, publicado em 10/02/2015 sob jurisprudência 75 no blog do IPPC, lembra que “a falta de impulso pode[…] ser, ela mesma, sinónima de negligência da parte.”)
Ora, esse período de tempo é muito superior ao período de 6 meses previsto para que a negligência em impulsionar a instância provoque a deserção da instância (art. 281/1 do CPC).
E esse impulso, no caso, era necessário, pois que a AE – que é quem dirige de facto o processo de execução - só devia fazer a penhora, no caso – dando, por isso, andamento ao processo - depois de a exequente lhe dar a resposta pedida, o que bem foi entendido pela exequente que, por isso, se comprometeu a ir “apurar se o seu [do veículo] estado justifica os gastos inerentes ao registo da penhora.”
Ora, a instância da execução considera-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de 6 meses (art. 281/5 do CPC). Assim, em meados de Agosto de 2015 a execução já estava deserta.
A actuação da exequente, depois do despacho de 24/11/2015 é inócua para afastar esta deserção, pois que ela, se se pudesse imputar, realmente, à negligência da exequente, já se tinha verificado. Por isso, a exequente não foi notificada para dar andamento ao processo, mas sim para se pronunciar sobre o entendimento do juiz de “que em abstracto poderemos estar perante uma situação de inércia negligente da exequente em promover os termos do processo […]”
Mas, apesar disso, ainda assim, a exequente permitiu-se, de novo, ficar indiferente ao andamento do processo, continuando a não dar resposta à nova comunicação da AE, por mais 5 meses e qualquer coisa, quase 6 meses.
Como aquilo que a exequente requereu em 26/11/2015 era inútil – pois que as informações em causa já constavam do processo (e ela não disse que havia razões para esperar um resultado diferente) -, esse requerimento, feito só depois, note-se, de o juiz dar a conhecer a possível subsunção do comportamento anterior da exequente à previsão da negligência, não interromperia, se fosse a tempo, o período de negligência, e assim temos o total de um período de meados de Fev2015 a fins de Junho de 2016 de negligência na promoção dos termos do processo, isto é, quase 17 meses.
Mas a verdade, repete-se, é que esse requerimento foi feito muito tempo depois da deserção se ter produzido.
Entretanto, note-se que a exequente diz que a AE não lhe disse que o veículo ‘estava’ junto à residência dos executados (como é referido no despacho que lhe foi notificado com a carta de 25/11/2015), mas sim que ‘estaria’ junto a ela. Como é evidente isto é, a todos os títulos, irrelevante, porque a AE nunca poderia garantir que o veículo estava junto à residência dos executados, porque, não tendo sido ele penhorado ou apreendido, no minuto a seguir à informação já poderia não estar lá. E por isso mesmo a exequente não condicionou – nem podia condicionar - o resultado das pesquisas que ia fazer ao facto de o veículo permanecer junto à residência dos executados; e a penhora do veículo, ou a sua apreensão, não estavam na dependência do local onde o veículo estivesse. De resto, não há qualquer notícia que ele lá não estivesse ou que a exequente tenha feito algo em cumprimento daquilo que disse que ia fazer.
Em suma: estando a execução a aguardar uma resposta da exequente para poder prosseguir, estando esta representada por advogado, tendo ela sido notificada do despacho do juiz para se pronunciar quanto à questão da negligência e nada tendo dito quanto à questão, não se podia deixar de entender que a negligência existia e que, por isso, a deserção da instância já se tinha verificado pelo menos em Setembro de 2015.
Ou seja, mesmo para quem entenda que, em qualquer caso, sem atender às circunstâncias do caso, as partes que se suspeita terem sido negligentes, devem ser ouvidas sobre isso (posição de que a exequente apenas deu um exemplo jurisprudencial, já que, no segundo acórdão por ela citado através das bases de dados do IGFEJ, se diz apenas que a cautela “poderá passar, em caso de dúvida […] pela audição das partes ou pela sua notificação prévia com aquela expressa cominação” [desta falar-se-á à frente]), a verdade é que no caso não poderia ser feita censura à decisão recorrida com esse pretexto, porque a exequente foi notificada para se pronunciar sobre a matéria e se não o fez só de si se pode queixar.
De qualquer modo, diga-se que o entendimento actual prevalente no STJ, e não só, é o de que “a aferição da negligência da parte, enquanto pressuposto da deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva decisão ser precedida de audiência prévia das partes” (ac. do STJ de 05/07/2018, proc. 5314/05.0TVLSB.L1.S2, a que adere o ac. do STJ de 18/09/2018, proc. 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1; no mesmo sentido, o ac. do STJ de 08/03/2018, proc. 225/15.4T8VNG.P1-A.S1: III. No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual; bem como o ac. do STJ de 14/12/2016, 105/14.0TVLSB.G1.S1: I - Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (art. 281 do CPC/2013), não impondo a lei que o tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.” No mesmo sentido, ainda, veja-se o ac. do TRL de 19/12/2018, no proc. 546/14.3TYLSB.L1 (que o agora relator subscreveu como 1º adjunto – não publicado ou ainda não publicado): Decorridos seis meses de inactividade processual, o juiz deverá avaliar se a mesma é imputável a negligência da parte. Esse juízo formar-se-á à luz da realidade espelhada no processo. Se a parte, devidamente esclarecida acerca do ónus que lhe incumbe tendo em vista o andamento do processo (in casu, registo da acção de anulação de deliberações sociais), nada diz ou faz e nenhuma justificação apresenta nem é evidente nos autos, a conclusão a retirar é a de que há negligência do lado da parte. A audição prévia da parte configura, neste contexto, um acto inútil, legalmente vedado (art. 130 do CPC).” 
Contra, no entanto, veja-se o comentário do Prof. Miguel Teixeira de Sousa ao acórdão do STJ de 08/03/2018: O decretamento da deserção da instância pressupõe que a omissão da parte no impulso processual é negligente (art. 281/1 CPC). O mero decurso do tempo sem que o impulso processual seja realizado não faz presumir a negligência da parte, dado que esta não pode deixar de ser aferida pela omissão de um dever de diligência nesse impulso. Por isso, impõe-se a audição prévia da parte. Como é óbvio, nada obsta ao decretamento da deserção da instância se da explicação fornecida pela parte não resultar uma justificação convincente para a omissão do impulso processual (publicado em 15/11/2018 no blog do IPPC sob jurisprudência 2018 (115)).
É certo também, que, relativamente a uma questão anterior a esta, se entende que há, por vezes, o dever de o juiz prevenir a parte para a necessidade da prática de um acto sob pena de a instância se poder vir a considerar deserta (o que é um outro modo de dizer que esse dever não existe sempre e em quaisquer circunstâncias); assim, por exemplo, no ac. do TRP de 05/05/2016, proc. 779/14.2TBVFR.P1 (não publicado e que refere o que se segue); é também a posição defendida por Ramos de Faria e Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao CPC, I, Almedina, 2013, pág. 250, n.º 1 da anotação ao art. 281, segundo referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, vol. 1º, Coimbra Editora, pág. 557; e de Miguel Teixeira de Sousa, como se vê no comentário deste Prof. ao ac. do TRP de 02/02/2015, 4178/12.2TBGDM.P1, que defende que o dever de prevenção que tinha apoio legal no art. 3 da Lei 41/2013, de 26/06, pode subsistir após o primeiro ano de vigência da reforma do CPC de 2013, já citado acima, lembrando o referido Prof. que, como a deserção da instância exige que a falta de impulso decorra da negligência das partes, haverá que avaliar, caso a caso, se se justifica o cumprimento pelo tribunal do dever de prevenção; e continua: “procurando exemplificar, poderá haver razões para o cumprimento desse dever se a parte à qual cabe o impulso não estiver representada por advogado ou se esta mesma parte tiver demonstrado, pelo seu anterior comportamento processual, que está interessada na continuação do processo e se, por isso, for surpreendente a falta de impulso processual; neste mesmo sentido de dependência das circunstâncias concretas, veja-se também, a contrario, o ac. do STJ de 22/05/2018, proc. 3368/06.1TVLSB.L1.S1: Deve ser anulada a decisão que decreta a deserção da instância, que, por inobservância do dever de consulta e do dever de prevenção das partes – cujo cumprimento se impunha face às circunstâncias concretas do processo –, integra violação do princípio da cooperação (art. 7 do CPC); bem como o ac. do STJ de 08/03/2018, proc. 225/15.4T8VNG.P1-A.S1; contra, no entanto, defendendo, salvo erro, a necessidade, sempre, do despacho prévio, veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 557.
Só que, no caso, a exequente está representada por advogado e durante quase um ano (ou mesmo 17 meses) não praticou nenhum acto que demonstrasse de facto interesse na prossecução da execução e tinha sido notificada para a prática de um acto necessário para um posterior acto essencial ao prosseguimento de qualquer execução, como a exequente, representada por advogado, não podia deixar de saber, pelo que, não se justificava que se impusesse ainda, ao juiz, o dever de avisar a parte da possibilidade da extinção por deserção.
De resto, repare-se que, depois disso, a AE notificou a exequente expressamente para que viesse aos autos requerer o que tivesse conveniente sob pena de extinção por falta de impulso processual e mesmo assim a exequente nada requereu de útil nos sete meses subsequentes e nada requereu (de útil ou não) durante quase 6 meses (até ao despacho de deserção da instância).
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Tanto basta para que o recurso seja julgado improcedente.
Quanto aos cinco acórdãos que a exequente se limitou a apresentar alegando que eles dizem respeito a situações idênticas às dos autos, faltaria saber o que é que a exequente deles pretendia extrair, já que, como se viu, a exequente está errada quanto à discrição da situação dos autos (os autos não estavam a aguardar informação a prestar pela AE à exequente, antes pelo contrário era a AE que estava à espera que a exequente tomasse posição quanto a uma questão que ela lhe tinha posto).         
Seja como for, diga-se que eles não dizem respeito a situações idênticas às dos autos, tal como ela realmente existe e não como foi descrita pela exequente, pelo que aqueles acórdãos não têm relevo, já que as situações de negligência processual devem ser apreciadas tendo em conta as circunstâncias do caso e não com base em considerações genéricas tecidas para casos concretos diferenciados.
De qualquer modo diga-se que: o ac. do processo 1191/07 aplicou o CPC na redacção anterior à reforma de 2013 (e considerou que a exequente não teria sido notificada da actuação do AE); no do processo 542/10, a exequente queixou-se que o AE não a informou do resultado de diligências; no do processo 978/07 o despacho foi revogado porque se entendeu que a competência para verificar a extinção da execução não era do juiz mas sim do AE (para além de que o AE não teria dado informações necessárias ao exequente); no processo 1785/14, entendeu-se que havia culpa do AE; no do 1007/00 entendeu-se que estava em causa a indagação e análise dos resultados da actividade do AE.                                               
Ou seja, lidos os acórdãos em causa, vê-se que todos eles entendem que não era imputável à exequente a negligência detectada ou a detectar, mas sim ao (ou possivelmente ao) AE. E agora compreende-se que a exequente tenha descrito a situação dos autos como se se verificasse uma falta de comunicação da AE à exequente de informações necessárias – fê-lo para poder invocar estes acórdãos - quando não é esse, manifestamente, o caso dos autos.
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Um destes acórdãos, no entanto, faz lembrar outro problema: é que tem-se entendido, face ao disposto nos arts. 281/5 e 849/1-f-2-3, ambos do CPC, que a competência para apreciar a extinção da execução por força da deserção, cabe ao AE e não ao juiz; assim, por exemplo, para além do citado pela exequente, o ac. do TRE de 19/11/2015 (84/13.1TBFAL.E1) entendeu que “Não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao agente de execução, nos termos do art. 719/1 do nCPC, decidir, em primeira linha, da deserção da instância do processo executivo.”
E este acórdão foi objecto de comentário concordante do Prof. Miguel Teixeira de Sousa (de 22/12/2015, sob jurisprudência (251), no blog do IPPC): “Como decorre da regra de competência residual estabelecida no art. 719/1 nCPC, o agente de execução tem competência para efectuar todas as diligências do processo executivo que não sejam da competência da secretaria (cf. art. 719, n.ºs 3 e 4, CPC), nem do juiz (cf. art. 723 CPC). No âmbito desta competência residual cabe a decisão sobre a deserção da instância, dado que a lei não atribui a competência para a decisão sobre aquela deserção nem ao juiz, nem à secretaria. A decisão do agente de execução é naturalmente reclamável para o juiz de execução (art. 723/1-c nCPC). A favor desta orientação pode argumentar-se com o próprio teor literal do art. 281/5 CPC. O preceito é claro em estabelecer que a instância executiva se considera deserta "independentemente de qualquer decisão judicial", o que demonstra que não é necessária nenhuma decisão do juiz de execução para que a instância se extinga por deserção. Em todo o caso, algum órgão tem de declarar a instância extinta e de comunicar essa extinção às partes, aos credores reclamantes e ao tribunal (cf. art. 849, n.ºs 2 e 3, CPC), pois que a extinção não ocorre sem essa declaração e não é eficaz sem essa comunicação. Esse órgão só pode ser o agente de execução. O decidido pela RE tem ainda relevância (significativa) numa outra perspectiva. Ao entender que a competência para decidir sobre a deserção da instância pertence ao agente de execução, e não ao juiz de execução, e ao revogar a decisão do juiz a quo que tinha declarada a instância executiva deserta, a RE mostra que não há nenhuma relação hierárquica entre o juiz e o agente de execução, no sentido de se poder afirmar que o que o agente de execução pode fazer o juiz de execução também pode realizar. A reclamação para o juiz de execução dos actos e das decisões do agente de execução nada tem a ver com uma relação hierárquica entre estes órgãos da execução. Como o acórdão da RE correctamente mostra, só este entendimento é admissível. Apesar de ser possível reclamar para o juiz de execução das decisões e dos actos do agente de execução (cf. art. 723/1-c CPC), cada um destes órgãos da execução tem uma competência funcional própria. Se é evidente que o agente de execução não pode invadir a esfera de competência do juiz de execução (se isso suceder em actos de carácter jurisdicional, a consequência não pode deixar de ser mesmo a inexistência do acto ou da decisão daquele agente), também é claro que o juiz de execução não pode praticar, sob pena de nulidade, actos que pertencem à competência do agente de execução.”
No mesmo sentido, também o ac. do TRE de 23/03/2017, proc. 3133/07.9TJLSB.1.E1: “Conjugando este preceito [art. 849 do CPC] com o estatuído nos artigos 719 e 723 do CPC, que regem respectivamente quanto à repartição de competências entre o agente de execução, a secretaria e o juiz, a competência para declarar a extinção da execução, também por deserção da instância, está primeiramente cometida ao agente de execução, salvo se tiver sido suscitada ao juiz pelo agente de execução ou pelas partes (art. 723/-d do CPC).”
No entanto, como diz este mesmo acórdão: “Tendo presente a intenção do legislador e ainda o dever de gestão processual do juiz, a quem incumbe, por força do art. 6/1 do CPC, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, isto sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, mal se compreenderia que estando pendente em tribunal processo executivo em que se verificassem os requisitos para declarar a extinção da instância, por deserção, o juiz não o pudesse fazer, quando o agente de execução a quem está cometida tal competência, não a actuou.”
É isto que tem levado todos os tribunais da relação, como se nota em todas as decisões já citadas, à excepção daquela do TRE, a decidir a questão, sem levantar a da incompetência funcional do juiz para o despacho em causa.
Assim, entende-se que não é de revogar o despacho recorrido por falta de competência para o proferimento do despacho de deserção, ou por nulidade do mesmo (como fez um daqueles acs. do TRE citado pela exequente, sem que, no entanto, esta toque na questão), mas antes, por estarem verificados os pressupostos da deserção por negligência, confirmá-lo por correcto.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não existem outras), pela exequente (por ter ficado vencida no mesmo).
Lisboa, 10/01/2019
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues