Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
844/20.7SDLSB.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: DECISÃO INSTRUTÓRIA
VÍCIOS DA DECISÃO
INDÍCIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: - Os vícios decisórios previstos no art. 410º nº 2 als. a) a c) do CPP são inaplicáveis à decisão instrutória porque a impugnação de uma decisão instrutória não pode deixar de impor o seu confronto com os indícios probatórios recolhidos durante as fases preliminares do processo, tudo redundando, por conseguinte, na aferição do acerto do juízo de indiciação realizado pelo Juiz de instrução criminal, o que importa a reavaliação das provas carreadas ao processo durante o inquérito e a instrução e a sua comparação com o conteúdo da decisão do juiz de instrução criminal, ao passo que a invocação dos vícios decisórios se centra, exclusivamente no texto da sentença, portanto, desligada da prova produzida, ou, no limite, no teor literal da sentença, conjugado com as regras de experiência comum, mas sem nunca envolver qualquer escrutínio à prova produzida, nem ao processo de formação da convicção do juiz a partir dela.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por decisão proferida em 20 de Abril de 2021, na instrução nº 844/20.7SDLSB, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 0, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi não pronunciado o arguido AS_____ , por não haver indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento, pelos três crimes de violência doméstica, um, p. e p. pelo art. 102º nºs 1 als. a) e c) e nº 2 do CP, na pessoa de AS_____    e dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 102º nº 1 al. d) e nº 2 do CP, nas pessoas de DA____    e de K_  AS_____  .
A assistente AS_____    interpôs recurso desta decisão instrutória de não pronúncia, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo ignorou a prova testemunhal das vítimas a qual foi totalmente desvalorizada, e aderiu à versão do Recorrido sem qualquer fundamentação factual.
2. Com total falta de prudência não tomou em consideração as graves ofensas escritas, dirigidas à Recorrente e à família, as quais são totalmente reveladoras da versão dos factos descritos pelas vítimas e, ao invés, descredibiliza a versão do Recorrido;
3. Não podendo ser outra a decisão que não seja a de considerar existirem fortes indícios da prática dos crimes, até pela linguagem usada e conteúdo dos textos.
4. A decisão recorrida é, pois, nula por erro notório da apreciação da prova.
Termos em que se requer a V. Exas com o douto suprimento do Venerando Tribunal, seja, nos termos do artigo 410°, nº 1 e n° 2, uma vez que o vicio resulta do texto da própria decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, existindo contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, a da decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que pronuncie o Recorrido pela pratica dos crimes de que foi acusado como é de Justiça.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta, na qual concluiu:
1. O objectivo imediato da instrução é apenas a comprovação judicial da existência de prova bastante de inexistência de crime.
2. Indícios suficientes são aqueles elementos que, logicamente relacionados e conjugados, formam um conjunto persuasivo, na pessoa que os examina, sobre a existência do facto punível, de quem foi o autor, e da sua culpabilidade.” -in C.J., Ano II, Tomo IV, 96.
3. Terminada a fase instrutória (Inquérito/instrução), o magistrado titular de cada uma das fases, tem que apreciar a prova recolhida constante nos autos e, para que acuse ou pronuncie os arguidos, tem que formular duas questões e às duas responder afirmativamente. As quais são: se existiu algum crime e foram os arguidos os seus autores? serão os mesmos condenados em julgamento por estes factos, com estas provas? Se responder negativamente à primeira questão ou não for capaz de lhe responder o processo deverá terminar e não haverá necessidade de colocar e responder à segunda questão.
4. Só quando o magistrado está convencido de que o arguido praticou um crime é que deve avançar para o juízo de prognose sobre a condenação.
5. Foram praticados todos os actos e assegurados os meios de prova necessários a essa finalidade, sendo que, em nosso entender, pecou o Inquérito por não ter continuado com a recolha de prova que se adivinharia necessária face ao depoimento do arguido, ouvindo-se outras pessoas presentes, como seja, o namorado da filha, ou a audição do filho mais novo do casal.
6. No caso presente, estamos perante uma discordância de avaliação e análise de prova quanto ao que é susceptível de constituir crime ou não, sendo que a posição do Ministério Público e do Juiz de Instrução é no sentido de que não existe indícios suficientes da prática dos referidos crimes que a Assistente pretende que sejam imputados ao arguido.
7. A decisão instrutória de não pronúncia não padece de qualquer nulidade fazendo a análise correcta dos factos.
8. Não havendo a violação de qualquer norma concluímos o seguinte:
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se o despacho recorrido.
O arguido não apresentou resposta ao recurso da assistente.
Remetido o processo, a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer em sentido concordante com a resposta, concluindo que o recurso não merece provimento e que a decisão em crise se deve manter nos seus precisos termos.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve respostas.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objecto do recurso e identificação das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/90 de 19.10.1990, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1990 e o AUJ nº 10/2000, de 20.10.2000, DR, Série I-A, de 07.12.2000).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques , Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2010, pág. 330; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1009-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, as únicas questões que cumpre apreciar são as de saber se a decisão instrutória de não pronúncia é nula, por erro notório na apreciação da prova e/ou por contradição insanável na fundamentação e saber se há ou não indícios suficientes determinantes de uma decisão de pronúncia, em substituição da decisão recorrida.
2.2. Fundamentação de facto
Os factos a considerar com relevo para a decisão do presente recurso são os seguintes:
Em 4 de Fevereiro de 2021, o Mº. Pº. deduziu acusação em Processo Comum, ao abrigo do disposto no art. 16º, n.º 3, e 283º ambos do Código de Processo Penal para julgamento com intervenção do Tribunal Singular contra AS_____ , pela prática em concurso real, autoria material e na forma consumada, três crimes de violência doméstica - um, p. e p. pelo art.º 102º, nº 1, als. a) e c) e n.º 2, do Código Penal, na pessoa de AS_____  - dois, p. e p. pelo art.º 102º, nº 1, als. d) e n.º 2, do Código Penal, nas pessoas de DI_____ e K_  AS_____ (acusação com a referência Citius 394618);
O Ministério Público requereu que seja arbitrada indemnização aos ofendidos, AS_____  DI_____ e K_  AS_____  , ao abrigo e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82.º-A, do C. P. Penal e 21.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
Na acusação, o Mº. Pº. imputou a AS_____  a prática dos seguintes factos:
1 - AS_____  e AS_____  são casados entre si desde 9 de Abril de 2003, tendo fixado residência na Rua … 1300- 206, Lisboa.
2- Deste casamento têm dois filhos, DI ____ , nascida a 20.00.2003 e K_  AS_____, nascido a 19.07.2009.
3- O relacionamento foi sempre pautado por discussões motivadas por ciúmes do arguido que controlava a roupa que AS_____vestia , com quem saia, onde ia, o que fazia, se olhasse para outro homem acusava –a de ter um “caso”, justificando as suas atitudes e dizendo –lhe “que tinha de preservar a esposa”
4- No decurso das discussões, o arguido cuspia-lhe na sua cara, proferia as expressões para AS_____  “ ÉS UMA PUTA, PROSTITUTA, VACA, MERDA, NÃO VALES NADA, FILHA DA PUTA”, “VAIS MORRER, A TUA MÃE TAMBÉM VAI MORRER” .
5- Empurrava-a, segurava-a pelos braços com força, provocando hematomas, às refeições dava-lhe pontapés debaixo da mesa.
6- As discussões e empurrões ocorriam no interior da residência familiar e na frente dos filhos.
7- Durante o ano de 2019, AS_____  disse ao arguido que se queria divorciar , tendo em 22 de junho de 2019, passado a dormir em quarto separado.
8-O arguido não aceitou a separação e começou a ter um comportamento mais agressivo, discutindo diariamente com AS_____   sem motivo, e durante as discussões dizia - lhe: “ ÉS UMA PUTA, NÃO VALES NADA, NUNCA GOSTEI DE TI! ESTOU CONTIGO POR PENA», ÉS UMA DESIQUILIBRADA, VOU-TE DESTRUIR A VIDA, VAIS-TE ARREPENDER “.
9 -Em data não apurada dos meses de Maio e Junho de 2020 , no interior da residência comum, durante uma discussão, o seu filho K_  de 11 anos começou a chorar, tendo o arguido dito para o menor “estás a chorar como um paneleiro” e para a filha DA____   de 17 anos de idade que interveio em defesa da mãe disse: “”podes vir aqui chupar uma vez que a tua mãe não faz as suas obrigações e já tens idade para fazê-lo”.
10- No dia 27 de agosto de 2020, o arguido, no interior da residência comum, após uma discussão com AS_____  agrediu-a com um soco no braço.
11- No dia 31 de agosto de 2020, o arguido, no interior da residência comum, após nova discussão, impediu AS_____  de sair de casa, empurrando-a contra a parede da cozinha, tendo-lhe dito: “ÉS UMA PUTA, VACA, MERDA, NÃO VALES NADA, FILHA DA PUTA”.
12- A conduta do arguido causou dores a AS_____ .
13- O arguido desde o dia 10 de novembro de 2020 que tem remetido mensagens a AS_____  dizendo-lhe: “Devias de ter 1 cancro no estomago xom a tua mãe “; “vocês as 2 estão a matar me por dentro. jamais 1 mulher decente deixa isto arrastar-se a este ponto.
So podem ter um objectivo Agora juro vão pagar por tudo o que me tem feito … “; “es uma vergonha de mulher , se fosses uma mulher às direitas ajudavas-me mas preferes q eu ande a foder com as outras …”; “morram voces e a vossa família q eu não vos pertenço tenho vergonha de voces que nunca deram valor a nada que eu fiz para ter 1 família e no final estou sozinho no mundo obrigado”; “n precisamos de falar agora posso garantir que acabou não são duas putas de merda e ingratas que vão gozar com a minha cara” ; “ Não preciso de 2 merdas na minha vida … Tristeza mas a minha vida não vai ser isto … mereço alguém q me de valor ; “ Boa Puta orgulha –te disso... assim surgiu a M___ na minha vida por não fazeres SEX NOJENTA DE MERDA É O Q TU ÉS…;”JÁ nasceste puta vais ficar puta quando tiveres 1 cancro na mama ou quando o teu pai ou a tua mãe morrerem já não falta muito “; “ Agora vou foder por não cumprires e as tuas obrigações …. Comigo não fodes há 6meses … comigo”;” Princípios de puta; “ DO varao … etc ,”; “ Não consegues foder – comigo podias ter dito isso há anos e tinha ficado com a Monica, fácil tu é q complicaste liga p ele ou já ligas te? “, “ fácil tu é q complicas te .”
14- As condutas assim descritas são fortemente ofensivas da dignidade pessoal de AS_____   provocando-lhe necessariamente lesões físicas, medo, angústia, ansiedade, receio e prejuízo na sua liberdade.
10- Ao agir da forma descrita o arguido AS_____  quis e conseguiu provocar lesões no corpo da ofendida AS_____   ofendendo-o na sua saúde física e psíquica, bem sabendo que lhe deve um dever especial de respeito.
16- Agiu ainda o arguido AS_____  com pleno conhecimento de que as palavras que dirige a AS_____   são adequadas e suscetíveis de atingir, como atingem, a sua honra e consideração e que, assim, a humilha e menospreza, e que aquelas violam o dever de respeito e consideração que lhe deve, enquanto sua esposa e mãe dos seus filhos e desta forma atentam à sua dignidade enquanto ser humano.
17- O arguido quis atuar no interior da residência comum e dos filhos, na presença dos filhos e sabendo que provocava nos menores mau estar psicológico, temor, sofrimento, medo e inquietação, o que quis e logrou conseguir.
18- O comportamento do arguido AS_____  é fonte de grande perturbação no quotidiano de ofendida a AS_____  e dos seus filhos apresentando-se indiferente às consequências reais que dali lhe possam advir, provocando a AS_____  um desgaste emocional constante.
19- O arguido AS_____  quis e atuou sempre com o propósito, concretizado, de deixar AS_____  em estado de constrangimento, com o intuito de levá-la a comportar-se do modo que ele entendia conveniente, impulsionado por sentimento de posse e de desejo de a sentir vulnerável e frágil indiferente à relação que os uniu e aos deveres que para si advinham quanto à mesma, nomeadamente de respeito, relação e deveres de que estava bem ciente e que os ofendiam na sua honra e consideração, o que logrou conseguir.
20 – Bem sabia que o seu comportamento reiterado e prolongado no tempo causava profundo mal estar e afetava a saúde psíquica e física de AS_____  e dos seus filhos desinteressando-se por completo pela sua saúde, estado psíquico e pelo seu bem-estar.
21- Bem sabia o arguido sabia que tinha o dever de respeitar os filhos menores, pessoas particularmente indefesas em razão da sua idade e que ao tratar a mãe deles do modo supra descrito, provocava um clima nocivo à sua estabilidade emocional e os impedia de ter um crescimento saudável e harmonioso, revelando não possuir qualquer respeito para com estes, enquanto pessoas, violando os mais elementares princípios e deveres da vida em sociedade.
22- O arguido AS_____ agiu sempre consciente e voluntariamente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação (acusação com a referência Citius 394640018);
Na acusação, o Mº. Pº. indicou as seguintes provas:
Documental:
a) Auto de notícia fls. 2 8
b) Fichas de avaliação de risco 10-18,
Assentos de nascimentos a fls. 36-39,
Assento de casamento a fls. 98-99
prints de mensagens a fls. 99-100
Testemunhas:
1- AS_____  ident. a fls. 63
2- DA____  , ident. a fls. 66 (acusação com a referência Citius 394640018);
O arguido requereu a abertura da instrução, nega que alguma vez tenha agredido fisicamente a sua mulher, bem como que alguma vez tenha utilizado as expressões constantes nos pontos 4., 8., 9., 11., 13. da acusação pública, estas alegadamente dirigidas à sua mulher e aos seus filhos (requerimento de abertura de instrução com a referência Citius 20094676);
Finda a instrução, foi proferida a decisão instrutória recorrida, com o seguinte teor:
AS_____ , veio, em tempo, e após notificação da acusação contra ele deduzida, requerer a abertura de instrução, nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
***
Procedeu-se às diligências instrutórias requeridas e que foram julgadas adequadas e pertinentes às finalidades da instrução, não se vislumbrando outras relevantes para esse escopo.
***
Foi realizado o debate instrutório facultando-se ao arguido a possibilidade de oferecer as suas conclusões, ex vi do disposto no art.° 302° do CPP.
***
O Tribunal é competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
Inexistem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Assim:
Do RAI apresentado por AS_____ :
Veio o arguido AS_____ , notificado da acusação, apresentar a sua defesa nos termos constantes do RAI de fls. 167 a 173 que, se dá aqui por integralmente reproduzido.
Cumpre apreciar e decidir:
O arguido nesta sede veio requerer a inquirição das testemunhas.
Na sequência dos diversos requerimentos apresentados pela ofendida AS_____   o JIC signatário atenta a natureza do ilícito em presença nos autos conjugado com a posição do Ministério Público, a fls. 201, no sentido de ser agravado o estatuto coactivo do arguido, nos termos do disposto no art. 290° n.° 1 do CPP, convocou o arguido para prestar declarações, caso assim o entendesse.
O arguido AS_____  prestou declarações nesta sede de instrução, negando os factos.
Esclarece que é motorista de táxi.
O arguido tem o 8º ano de escolaridade.
É casado com a ofendida AS_____ há 19 anos.
Deste casamento têm dois filhos, DA____   , nascida a 20.00.2003 e K_  AS_____  , nascido a 19.07.2009.
Das declarações prestadas pelo arguido perante o JIC signatário resultou claro que a versão trazida aos autos é credível e que a matéria em apreço foi profundamente colocada em crise.
Da análise perfunctória efectuada aos autos resulta que o arguido sempre teve uma versão consentânea.
Referiu que os autos existem por não concordar, atenta a idade da filha DA____ - 17 anos na data da prática dos factos, que o seu namorado residisse na casa na morada de família, desde então toda a estrutura familiar começou a ruir.
Esclarece que, chegou a dormir no sofá da sala e que na última quarta- feira foram retirados os botões do esquentador para que não pudesse regular a temperatura da água ao seu gosto, chegando a chamar a PSP.
Reside ainda na morada onde alegadamente ocorreram os factos por não ter para onde ir, esclarecendo ainda que, «herdara» o arrendamento da sua avó.
*
Inquirida a testemunha___, disse em síntese, que:
Tem 24 anos de idade.
Foi namorado da filha do arguido DA____   , tendo residido na casa do arguido.
Esclareceu que AS_____   S lhe disse, quanto à ida da testemunha para a “casa” do casal, que “Não havia qualquer problema, pois eu é que mando”.
Confirma que AS_____  pernoitava na sala e a testemunha na cama do casal.
A esposa dormia com o filho K_  no outro quarto da casa.
Esclareceu que tanto AS_____  S e DA____ lhe disseram que após a denúncia na PSP a casa seria sua.
Questionado porque não foi residir com a DA____ , sua namorada à época, para casa de sua mãe, disse “porque a minha mãe não ia achar piada”.
Durante a sua estadia na casa disse que as despesas do quotidiano familiar eram pagas da seguinte forma: as despesas dos cartões de crédito eram pagas pelo Sr. AS_____ e a esposa AS_____ , pagava as despesas relativas à casa.
Esclareceu que o período que foram de férias para Fernão Ferro, o Sr. AS_____ não foi convidado para ir e que as despesas foram custeadas pela testemunha.
Nunca assistiu qualquer agressão da parte do Sr. AS_____ para com a esposa e filha DA____ .
Presenciou a filha DA____  a empurrar o Sr. A__, chamando-lhe nomes. Nunca denotou receio por parte da D.a AS_____  e da DA____  para com o Sr. A___.
Inquirida a testemunha, disse em síntese, que:
Tem 26 anos de idade.
É monitor de ATL.
Conhece o arguido por a sua irmã ser cliente da esposa deste.
Esclarece que conhece as pessoas lá do Bairro.
Tinha mais contacto com a DA____  e com a D.a AS_____ .
A testemunha foi colega de trabalho do actual namorado da DA____  de nome Jaime, num restaurante.
Apresentou o Jaime à AS_____  e à filha DA____ .
Sabe que ele começou a trocar SMS e a escrever na página de Facebook de ambas.
Antes de namorar e de ir viver logo para casa da DA____  já lá ia almoçar e manteve uma relação amorosa com a mãe da DA____ , sem o pai dela saber.
A AS_____  tem cerca de 40 anos e a filha 17 anos.
*
Inquirida a testemunha, disse em síntese, que:
Tem 03 anos de idade.
É motorista de táxi.
Conhece o Sr. AS_____  há mais de 30 anos.
Esclarece que não presenciou os factos, mas tem vindo a mudar o seu comportamento, tornando-se menos conversador, mais distante, menos expansivo e há meses que não sai do carro, quando estão na “praça”.
O Sr. AS_____ chegou a dizer-lhe que tinha medo de ir para casa começando a chorar.
Mais lhe disse que a filha DA____  chegou a dizer-lhe que ia estragar a vida ao arguido.
Cumpre apreciar.
Atentemos na prova produzida nesta sede de instrução.
Ademais, e como é sabido, a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (art. 34171 CCP) e é, normalmente apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127° CPP).
A prova não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência (cf. v.g. Ac. da Relação de Coimbra no Processo n.° 2447/99), uma certeza absoluta, lógico-matemática ou apodíctica, nem se basta, por outro lado, com a mera probabilidade de verificação de um facto.
Na verdade, a prova pressupõe:
a) O alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida (cf. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil" p. 191; Antunes Varela, "Manual de Processo Civil", p. 421);
b) O grau de certeza que as pessoas mais exigentes da vida reclamariam para dar como verificado o facto respectivo (Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratório, III", p. 340);
c) A consciência de um elevado grau de probabilidade - convicção - assente no raciocínio lógico do juiz e não em meras impressões (Castro Mendes, "Do Conceito de Prova em Processo Civil" p. 306 e 320);
d) Na convicção - objectivável, raciocinada (baseada na intuição e na reflexão e motiváveis - para além de toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida, mas apenas a dúvida fundada em razões adequadas (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I," p. 200).
Divide-se actualmente a doutrina entre duas posições sobre o que são indícios suficientes:
a) A que entende que o juiz deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que tenha cometido o crime do que não o tenha feito e que, portanto, a lei não impõe a mesma convicção requerida pelo julgamento, bastando-se com um juízo de indiciação (Prof. Germano Marques );
b) A que parece equiparar a convicção de quem acusa ou pronúncia com a convicção de quem julga e condena (Dr. Carlos Adérito Teixeira).
Perfilhamos, porém, a primeira destas posições, isto é, a de que existem indícios suficientes quando é maior a probabilidade de o arguido vir a ser condenado do que o de vir a ser absolvido.
Na fase de inquérito e para consideração como imputável a determinada pessoa infracção criminal, máxime, para imposição de medida de coacção para além do TIR, a Lei exige a existência de fortes indícios.
*
Não podemos, neste particular caso, deixar de mencionar e transcrever o art. 127° do CPP, com a epígrafe “Livre apreciação da prova”, que dispõe:
“Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” (Sic)
*
O crime de violência doméstica constituiu um flagelo na sociedade portuguesa.
O JIC signatário prolator desta decisão instrutória não olvida a gravidade do crime de violência doméstica, que contudo afigura-se, após toda a prova produzida, foi colocado em causa o elemento do tipo do ilícito em presença.
Cada casa de cada cidadão é um mundo.
Quem é a verdadeira vítima nos autos?
Para onde caminhamos?
Quem serão os adultos que hoje são adolescentes?
É aterrador!
É assustador!
Não podemos deixar de respigar os doutos ensinamentos dos Tribunais Superiores, mormente pelo Venerável Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo n.° 206/10.0GARMR.L1-, em que é Relator, o então, Exmo. Senhor Desembargador Carlos Almeida, cujo teor passamos a transcrever, embora que em parte:
I- «Nas questões humanas (por oposição, diga-se, à matemática e à lógica) não pode haver certezas». E, mais do que isso, neste campo também não se pode pensar que é possível, sem mais. descobrir “a verdade”. «A verdade absoluta não pertence ao mundo das coisas humanas».
II - Ela não é alcançável devido às limitações próprias do ser humano, à quantidade e qualidade dos elementos de prova disponíveis em cada julgamento, às condicionantes de natureza temporal que rodeiam o processo judicial e mesmo à necessidade de nele salvaguardar outros valores relevantes para a sociedade que se encontram consagrados na ordem jurídica, os quais, em alguns casos, têm natureza contra-epistémica.
III - Isto não significa, no entanto, que o objectivo do tribunal não seja o de procurar chegar o mais perto possível da verdade, o de procurar conhecer, até onde isso for possível, a realidade.
IV- Mas a reconstrução que o tribunal deve fazer para procurar determinar a verdade de uma narrativa de factos passados irrepetíveis assenta essencialmente na utilização de raciocínios indutivos que, pela sua própria natureza, apenas propiciam conclusões prováveis. Mais ou menos prováveis, mas nunca conclusões necessárias como são as que resultam da utilização de raciocínios dedutivos, cujo campo de aplicação no domínio da prova é meramente marginal.
V- Chegamos, assim, à conclusão que o cerne da prova penal assenta em juízos de probabilidade e que a obtenção da verdade é, em rigor, um objectivo inalcançável, não tendo por isso o juiz fundamento racional para afirmar a certeza das suas convicções sobre os factos.
VI- A decisão de considerar provado um facto depende do grau de confirmação que esses juízos de probabilidade propiciem.
VII - Esta exigência de confirmação impõe a definição de um “standard” de prova de natureza objectiva, que seja controlável por terceiros e que respeite as valorações da sociedade quanto ao risco de erro judicial, ou seja, que satisfaça o princípio “in dubio pro reo”.
VIII - Podemos, para o efeito, aceitar o critério definido por FB segundo o qual «para se considerar provada uma hipótese de culpabilidade devem encontrar-se preenchidas simultaneamente as seguintes condições: l) A hipótese deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente, e as previsões de novos dados que a hipótese permita formular devem ter resultado confirmadas!
2) Devem ter-se refutado todas as demais hipóteses plausíveis explicativas desses mesmos dados que sejam compatíveis com a inocência do acusado, excluídas as meras hipóteses “ad hoc(Sic)
No caso subjudice a prova produzida em inquérito baseia-se só nos depoimentos da AS_____  e DA____ .
Ela surge abalada pelos depoimentos testemunhais e declarações do arguido.
Como reconheceu o Ministério Público no Debate Instrutório pedindo a não pronúncia.
Consequentemente, entende o JIC signatário que não se mostram preenchidos os pressupostos conducentes à consideração de que, não está suficientemente indiciada a participação deste arguido nos factos que lhe foram imputados na acusação, sendo mais forte a probabilidade da sua absolvição caso fosse submetido a Julgamento, pelo que se profere despacho de não do arguido AS_____  nos termos dos arts. 286.°, 287°e 308.°, n.° 1 e 3 todos do CPP.
Por não se verificarem os fortes indícios diremos e citando o Acórdão de 20 de Setembro de 2008, relatado pelo, então, Excelentíssimo Desembargador Gabriel Catarino: “Constituem-se em vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer da existência de um facto jurídico-penalmente relevante e de que deve ser imputável a alguém determinado, devendo ou podendo ser previsível que, num Juízo de prognose solidamente estruturado escorado, a manterem-se em Julgamento, ocorrerão fundadas e sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos típicos que lhe são imputados.
Na indiciação em fase de inquérito, ou seja numa fase em que os elementos colectados ainda não foram objecto de contraditório, o grau de convencimento do Juiz e de ponderação de imputação casual de determinado agir a um concreto sujeito está dependente das regras da experiência e do sentido lógico representativo com que uma dada realidade percepcionada se prefigura ao discernimento e compreensibilidade do julgado.
O Juiz pode, nesta fase, socorrer-se das inferências permitidas por um conjunto de elementos que soem ocorrer em situações ou casos similares, observando sempre que as máximas de experiências atinam com factores de aleatoriedade que podem conduzir a Juízos erróneos ou de defeituosa avaliação. ”
Segundo Luís Osório no seu Comentário ao CPP, IV, pág. 411 refere que devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia, a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado.”
A este propósito, cita-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação n° 128/11.1TELSB-J.L1 de 11.04.2013 de acordo com o qual:
“É pressuposto da aplicação da medida de coacção dê prisão preventiva, a existência de fortes indícios da prática do crime.
No entendimento de Germano Marques , que por inteiro se subscreve, “Ji indiciação do crime necessária para a aplicação de uma medida de coacção significa “probatio levior”, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena, ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior do que é necessária peara a condenação. (...) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção de que o arguido virá a ser condenado pela prática d determinado crime.
Noutro passo:
Embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade da condenação dó que dê absolvição, Curso de Processo Penal II, 2a ed, pág. 240. (...)
(...) O Prof. Germano Marques , por sua vez, e como referido, obra cit, pág. 240, diz também que “(...) no momento da aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial que pode ocorrer ainda na fase de inquérito ou da instrução, fases em que o material probatório não é ainda completo, não pode exigir- se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dós autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime.
Nos casos em que a Lei exige fortes indícios a exigência é naturalmente maior, embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável é pelo menos necessário que face aos elementos dê prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição. Vital Moreira e Gomes Canotilho, a fls. 180 da Constituição da República Portuguesa (anotada), 1993, por sua vez, dizem também que “quando a Lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada, filiada no conceito de provas sérias.
Do mesmo modo, fortes indícios, ou indícios suficientes, na definição dada pelo art° 283) n° 2, do CTT, existem sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida dê segurança. "(fim de cit.).
Ademais, e como é sabido, a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º/1 CPP) e é, normalmente apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127° CPP).
A prova não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência (cf. v.g. Ac. da Relação de Coimbra no Processo n° 2447/99), uma certeza absoluta, lógico-matemática ou apodíctica, nem se basta, por outro lado, com a mera probabilidade de verificação de um facto.
Na verdade, a prova pressupõe:
a) O alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida (cf. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil" p. 191; Antunes Varela, "Manual de Processo Civil", p. 421);
b) O grau de certeza que as pessoas mais exigentes da vida reclamariam para dar como verificado o facto respectivo (Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratório, III", p. 340);
c) A consciência de um elevado grau de probabilidade - convicção - assente no raciocínio lógico do juiz e não em meras impressões (Castro Mendes, "Do Conceito de Prova em Processo Civil" p. 306 e 320);
d) Na convicção - objectivável, raciocinada (baseada na intuição e na reflexão e motiváveis - para além de toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida, mas apenas a dúvida fundada em razões adequadas (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I," p. 200).
Divide-se actualmente a doutrina entre duas posições sobre o que são indícios suficientes:
c) A que entende que o juiz deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que tenha cometido o crime do que não o tenha feito e que, portanto, a lei não impõe a mesma convicção requerida pelo julgamento, bastando-se com um juízo de indiciação (Prof. Germano Marques );
d) A que parece equiparar a convicção de quem acusa ou pronúncia com a convicção de quem julga e condena (Dr. Carlos Adérito Teixeira).
Perfilhamos, porém, a primeira destas posições, isto é, a de que existem indícios suficientes quando é maior a probabilidade de o arguido vir a ser condenado do que o de vir a ser absolvido.
Na fase de inquérito e para consideração como imputável a determinada pessoa infracção criminal, máxime, para imposição de medida de coacção para além do TIR, a Lei exige a existência de fortes indícios.
Entendemos, assim, não haver indícios suficientes para submeter o arguido AS_____ a julgamento, pelos crimes imputados na acusação.
Consequentemente, entende o JIC signatário que não se mostram preenchidos os pressupostos conducentes à consideração de que, não está suficientemente indiciada a participação deste arguido nos factos que lhe foram imputados na acusação, sendo mais forte a probabilidade da sua absolvição caso fosse submetido a Julgamento, pelo que se profere despacho de não pronúncia do arguido AS_____  nos termos dos art.°s 286.°, 287.° e 308.°, n.° 1 e 3 todos do CPP.
Oportunamente, arquive-se.
Notifique a ofendida AS_____  .
Comunique com cópia da presente decisão instrutória ao Juízo de Família e Menores competente para os fins tidos por convenientes e uma vez que está em causa a estabilidade do menor K_ AS_____ , nascido a 19.07.2009.
*
Notifique e D.N.
2.3. Apreciação do mérito do recurso
O art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de o recurso se fundamentar na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; na contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou no erro notório na apreciação da prova, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito».
Trata-se de vícios estruturais cuja apreciação não envolve nem pode envolver qualquer sindicância à prova produzida, no Tribunal de primeira instância, porque só o texto da decisão recorrida os pode evidenciar.  
Referem-se apenas à forma como a decisão se encontra redigida, pelo que a indagação da sua existência faz-se, exclusivamente, a partir da análise do respectivo texto, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo, com excepção das regras de experiência comum.
Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento (Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, corresponde, genericamente, à afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário, vale por dizer, quando se considera provado e não provado o mesmo facto, ou quando se dão como provados factos antagónicos ou quando esse antagonismo intrínseco e inultrapassável se estabelece na fundamentação probatória da matéria de facto, ou entre a fundamentação e a decisão, a ponto de se tornar evidente, a partir da simples leitura do texto que dessa fundamentação deveria resultar decisão oposta àquela que foi tomada.
Verificar-se-á sempre que «(…) no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito» (Ac. do STJ de 12.03.2010, processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 20.9.2017, proc. 096/12.4JABRG.G2.S1; de 0.09.2018, proc. 2170/11.4TDLSB.L1.S1, de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1, de 20.09.2019, proc. 60/2017.0 JAFAR.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Pode, pois, existir contradição insanável, não só, entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto e a decisão (Germano Marques , in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 320).
O erro notório na apreciação da prova supõe que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, deflua de forma fácil, evidente e ostensiva que factualidade ali exarada é arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum, ou assenta na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis (Acs. do STJ de 12.03.2010, processo 40/11.4JAAVR.C2; de 06.12.2018, processo 22/98.0GBVRS.E2.S1 e de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1 e Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77).
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)» (Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º).
«O “erro notório na apreciação da prova” constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio» (Ac. do STJ de 06.10.2010 Proc. n.º 936/08.0JAPRT.P1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 20.11.2014, processo 87/14.9YFLSB e de 13.03.2019, processo 2400/11.1TASTB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Ora, da simples configuração legal destes vícios, da sua natureza jurídica e finalidade para que estão previstos, assim como pelas consequências que o art. 426º do CPP associa à sua verificação, ou seja, o reenvio do processo para novo julgamento, facilmente se percebe que não se encontram vocacionados para a decisão instrutória, mas exclusivamente para a sentença.
Desde logo, porque o Juiz de Instrução criminal não fixa factos, pelo menos, não no sentido em que a fixação da matéria de facto e a fundamentação da decisão, seja de facto seja de direito, estão contempladas no art. 410º do CPP, que é claramente, o da reconstituição histórica de factos legalmente tipificados como crime e a correspondente responsabilização penal do seu autor ou autores, que é própria da fase da audiência de discussão e julgamento, portanto, depois de já definido o objecto do processo e delimitados os poderes de cognição do Tribunal, em consonância com o princípio do acusatório.
A instrução não visa a demonstração dos factos integradores do crime, mas apenas a comprovação judicial decisão proferida pelo Mº. Pº., no final do inquérito, de deduzir acusação ou de arquivar em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º n° 1 do CPP) não se impondo «a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final». (…). «Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento para ser julgado pelos factos da acusação» (Germano Marques , Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1994, vol. III, páginas 179 a 182).
A impugnação de uma decisão instrutória não pode, pois, deixar de impor o seu confronto com os indícios probatórios recolhidos durante as fases preliminares do processo, tudo redundando, por conseguinte, na aferição do acerto do juízo de indiciação realizado pelo Juiz de instrução criminal, o que importa a reavaliação das provas carreadas ao processo durante o inquérito e a instrução e a sua comparação com o conteúdo da decisão do juiz de instrução criminal, ao passo que a invocação dos vícios decisórios se centra, exclusivamente no texto da sentença, portanto, desligada da prova produzida, ou, no limite, no teor literal da sentença, conjugado com as regras de experiência comum, mas sem nunca envolver qualquer escrutínio à prova produzida, nem ao processo de formação da convicção do juiz a partir dela.
 Estas as razões por que os vícios decisórios previstos no art. 410º nº 2 als. a) a c) do CPP são inaplicáveis à decisão instrutória.
«No recurso da decisão instrutória de não pronúncia do que se trata é precisamente de sindicar o juízo sobre as provas (indiciárias) efectuado pelo juiz de instrução, ou seja, de julgar o texto em confronto com ou em conjunto com todos os indícios recolhidos na fase instrutória do processo (em sentido amplo de inquérito e instrução). E não, que se julgue o texto separado das provas. Assim, mais do que uma proibição de aplicação do art. 410° n° 2 do Código de Processo Penal à decisão instrutória, do que se trata é de uma ausência de sentido útil e de coerência histórica e sistémica na convocação dos mecanismos neles previstos. A ratio do n°2 reside na garantia do escrutínio (limitado) da decisão de facto, fora da possibilidade (ampla) do recurso da matéria de facto, dicotomia sem nenhum sentido na impugnação da decisão de não pronúncia, em que está sempre em causa a reavaliação total e ampla das provas (indiciárias)» (Ac. da Relação de Évora de 03.07.2012, Proc. nº 4016/08.0TDLSB.E1. No mesmo sentido, os Acs. da Relação de Lisboa de 20.00.2010, processo 303/13.4PGDL.L1-3, de 31.10.2017, e de 03.04.2019, proc. 3106/18.6T9LSB.L1-9; Acs. da Relação do Porto de 10.02.2012, Proc. nº 918/10.2TAPVZ.P1 e de 18/04/2012, Proc. nº 4404/10.9TAVNG.P1; Ac. da Relação de Guimarães de 27.04.2020, processo 86/17.9T9PTB.G1, in http://www.dgsi.pt).
Por conseguinte, na parte atinente à invocação dos vícios decisórios, nos termos do art. 410º nº 2 als. b) e c) do CPP, face à natureza da decisão impugnada, é patente a improcedência do recurso.
Quanto à insurgência da recorrente, em virtude de o Mmo. Juiz de Instrução Criminal ter desconsiderado a sua versão dos factos e ter credibilizado a que o arguido apresentou, que é, no fundo, a real razão do presente recurso, importa reiterar, antes de mais, que a sindicância da decisão instrutória importa a reavaliação da prova produzida e disponível nos autos, quer a do inquérito, quer a da instrução, em ordem a aferir da existência da tal prognose de futura decisão condenatória.
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, ou a um dado de informação científica, permite alcançar uma convicção sobre o facto a provar, sendo que, no CPP, o legislador escalonou em dois graus diferentes a intensidade dos indícios – «suficientes», para o efeito de sujeitar alguém a um julgamento, através de uma acusação e/ou de uma pronúncia (arts. 283º nº 1 e 308º nº 1 do CPP) e «fortes», quando se trate de aplicar a medida de coacção que envolva privação da liberdade, como é o caso da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva (arts. 201º nº 1 e 202º nº1 do CPP). 
O art. 283º nº 2 do CPP concretiza o conceito de indícios suficientes como aqueles que envolvam uma possibilidade razoável de vir a ser imposta ao arguido, no julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Esta norma é aplicável à instrução, ex vi do art. 308º nº 2 do CPP, pelo que a decisão instrutória será de pronúncia e, consequentemente, a causa só será submetida a julgamento se, face aos indícios probatórios carreados aos autos e de acordo com um juízo de prognose em relação à fase da discussão e julgamento, for possível concluir pela existência da probabilidade de se demonstrarem os elementos constitutivos da infracção e, consequentemente, de ao arguido vir a ser imposta uma pena ou medida de segurança.
Não sendo o grau de certeza emergente de prova e da correspondente convicção probatória que é exigida para a decisão de pronúncia (ou para a acusação), equiparável ao que é exigido para a fase da discussão e julgamento da causa, considerando a natureza e efeitos jurídicos visados por cada uma destas fases do processo, a «probabilidade razoável de condenação» enunciada no nº 2 do art. 283º do CPP, não pode ser interpretada como certeza, para além de toda a dúvida razoável, como sucede no julgamento.
As provas obtidas nas fases do inquérito e da instrução não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas, tão só, da decisão processual quanto à prossecução da causa para a fase de julgamento.
Neste contexto, o grau de «possibilidade razoável» de condenação mencionado nos arts. 283º nº 2 e 308º nº 2 do CPP, tem de ser interpretado como «uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou, os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição» (Acs. da Relação de Coimbra de 28.06.2017, proc. 1772/10.3T9LRA.C1. No mesmo sentido, Ac. da Relação do Porto de 07.12.2016, proc. 866/14.7PDVNG.P1; Acs. da Relação de Coimbra de 23.00.2018, proc. 80/16.7GBFVN.C1 e de 26.06.2019, proc. 303/18.8JALRA.C1; Ac. da Relação de Guimarães de 27.00.2019, processo 134/17.2T9TMC.G1; Ac. da Relação de Lisboa de 04.07.2019, proc. 324/17.8PASNT.L1, in http://www.dgsi.pt).
«Os indícios só são suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente possível a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a sua absolvição» (Figueiredo Dias Direito Processual Penal, volume I, Coimbra Editora, 1974, pág. 133).
Esta é a solução que melhor se compatibiliza com a distinção legal entre indícios suficientes e indícios fortes, com as diferentes finalidades legalmente atribuídas a cada uma das diferentes fases do processo penal e com o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, na vertente in dubio pro reo, que é aplicável em qualquer fase do processo.
Com efeito, os indícios fortes são apenas os que são exigíveis para a aplicação da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação, diversamente, dos indícios suficientes, sem os quais não deve ser deduzida acusação, nem proferido despacho de pronúncia.
Ninguém duvida de que o conceito de indícios fortes e o conceito de indícios suficientes têm significados semânticos diferentes. «Fortes indícios» são, necessariamente, mais do que «indícios suficientes».
E têm, igualmente, diversos significados jurídicos, de acordo com o princípio de que o sentido da lei terá sempre de ter, na sua letra, um mínimo de correspondência e de que o legislador, não só soube exprimir correctamente o seu pensamento, no texto legal, como também adoptou as soluções jurídicas mais correctas e mais ajustadas, tal como resulta das normas contidas no art. 9º nºs 2 e 3 do CC, também aplicáveis em direito penal e processual penal.
Em sintonia com este princípio, importa, desde logo, concluir que, se a esta diferente terminologia não correspondessem graus de intensidade ou de certeza também diferentes acerca da verificação de um determinado acervo factual integrador de um tipo legal de crime, o legislador, certamente, não a teria utilizado, bastando-se com a alusão genérica a indícios fortes ou a indícios suficientes, tanto quando estivesse em causa deduzir acusação, proferir decisão instrutória de pronúncia, como quando estivesse em causa aplicar as medidas de coacção de prisão preventiva e/ou de obrigação de permanência na habitação. 
Ora, os indícios relevantes para aplicação da prisão preventiva só serão fortes, quando o seu grau de certeza acerca do cometimento do crime e da identidade do seu autor é próximo do que é exigido, na fase do julgamento, apenas com a diferença de que, aquando da aplicação da medida de coacção, os elementos probatórios têm uma maior fragilidade, resultante da ausência de contraditório, da imediação e da oralidade que são característicos da fase da discussão e julgamento da causa.
Sendo assim, o conceito de «fortes indícios» (da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a cinco anos) preenche-se quando a prova obtida até ao momento da decisão, é convincente, é persuasiva, o que equivale a dizer, deixa na percepção do julgador uma impressão clara de que foi praticado um crime e de que o arguido é o responsável por ele, afigurando-se muito provável a sua condenação por aqueles factos.
Isto, à luz do princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP e confrontado com o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido que, aplicado à análise e exame crítico da prova, se converte no princípio de prova «in dubio pro reo», bem como com as proibições de prova estabelecidas no art. 126º do CPP, princípios estes, que têm aplicação em todas as fases do processo penal.
O conceito de fortes indícios postula, pois, «uma suspeita veemente em relação ao cometimento do facto punível, isto é, deve existir um alto grau de probabilidade» (Claus Roxin, «Derecho Procesal Penal», tradução da 20ª edição alemã, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2000, p. 209. No mesmo sentido, Sílvia Buzzelli, «I gravi indizi di colpevolezza nel sistema delle misure cautelari tra probabilità e certezza», in Rivista Italiana di Diritto e Procedura penale», fascicolo 4, 1990, p. 1146; Ennio Amodoi e Oreste Dominioni, in «Commentario del nuovo Codice di Procedura penale», volume terzo, parte seconda, Giuffrè, Milano, 1990, p. 10; Castanheira Neves, in «Sumários de Processo Criminal», Coimbra, 1968, p. 37, Figueiredo Dias, in «Direito Processual Penal», Coimbra Editora, Coimbra, 1974, p. 133).
O que se compreende, desde logo, porque o art. 192º nº 2 do CPP impede a aplicação de qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, se e quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal, mas, sobretudo, porque, estando em causa a privação da liberdade individual para assegurar as exigências cautelares de um processo, tanto ao nível da aquisição e conservação dos meios de prova, como da garantia da eficácia e efectivo cumprimento da decisão condenatória, a aplicação da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação não prescindem de um juízo de necessidade,  adequação e proporcionalidade à pena que, previsivelmente, virá a ser aplicada (arts. 191º nº 1; 193º e 204º do CPP, de acordo, aliás, com os princípios constitucionais consagrados nos arts. 18º nº 2; 27º e 28º nº 2 da Constituição da República Portuguesa).
Do ponto de vista da intrusão nos direitos, liberdades e garantias do arguido, a aplicação de uma tal medida de coacção representa um gravame muito mais significativo que a sujeição a julgamento, através da dedução de uma acusação ou de um despacho de pronúncia, que além de ter de manter em aberto a possibilidade de uma absolvição, não envolve, por si só, nenhum prejuízo para a liberdade individual ou outros direitos fundamentais, quanto mais não seja, até por efeito do princípio constitucional da presunção de inocência.
Outro entendimento, designadamente, o que preconiza que o grau de probabilidade deverá ser uma possibilidade qualificada com o mesmo critério de certeza e segurança, para além de toda a dúvida razoável, que alicerça uma condenação, após o julgamento (v.g., Paulo Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Eduitora, 2013; António Cluny in Pensar o Ministério Público Hoje, Ed Cosmos (cadernos Revª MP), Lisboa, 1997, p. 49 e ss; Jorge Gaspar, in “Titularidade da investigação criminal e posição jurídica do arguido” in Revª do Ministério Público, Lisboa, 2001, ano 22, nº 88, Out.-Dez., pags. 122-123 e Jorge Noronha e Silveira, "O conceito de indícios suficientes no Processo Penal Português", in "Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais", organizadas pela FDL e pelo C.D. de Lisboa da Ordem dos Advogados, em 2004, págs. 100 e segs.), não parece levar em consideração esta diferença semântica e jurídica entre «indícios suficientes» e «fortes indícios», nem a diferença jurídica entre as fases preliminares do processo, ou seja, o inquérito e a instrução, por um lado, em que só está em causa, a decisão de sujeitar ou não um determinado conjunto de factos e a pessoa ou pessoas seus autores a julgamento e esta última, que visa a reconstituição histórica de factos legalmente tipificados como crime e a correspondente responsabilização penal do seu autor ou autores.
É que os juízos de certeza acerca dos factos integradores de um crime e da identidade do seu autor estão reservados ao Juiz do julgamento, depois de discutidas as provas com a força específica da imediação e com todas as possibilidades de exercício de contraditório, por todos os sujeitos processuais, que não existe com a mesma amplitude, na fase da instrução. Ademais, uma vez realizada a instrução, se o grau de certeza exigido para a pronúncia fosse igual ao que deve alicerçar uma decisão de condenação, a fase da instrução tornaria completamente inútil a efectivação da fase do julgamento.
Não que não deva procurar-se um certo padrão de exigência quanto ao grau da suficiência dos indícios, na medida em que é a própria lei que fala de «possibilidade razoável» de futura condenação e que a consideração desta como uma mera probabilidade, tão forte ou ainda mais fraca que a de absolvição, além de não ter correspondência no texto legal, representa uma compressão injustificada, injusta e desproporcional dos direitos fundamentais dos cidadãos, desde logo, à sua liberdade e, bem assim, a um processo justo e equitativo, com todas as garantias de defesa, do contraditório e da presunção de inocência, no confronto e equilíbrio com a pretensão punitiva do Estado, na administração da justiça criminal.
Com efeito, o Tribunal Constitucional vem considerando inconstitucionais as normas contidas nos arts. 283º nº 2 e 308º nº 2 do CPP, se interpretadas no sentido de que se considere possível pronunciar um arguido relativamente ao qual baste concluir que o julgamento não resultará num acto manifestamente inútil, ou seja, sem uma análise retrospectiva de toda a prova produzida durante o inquérito e a instrução, à luz do princípio in dubio pro reo e, de seguida transposta para a fase do julgamento, por violar o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º nº 2 da Constituição.
«A consideração do princípio in dubio pro reo condicionará, necessariamente, o próprio resultado da prognose, na medida em que poderá não bastar uma reduzida possibilidade de condenação do arguido para ser pronunciado, nem as probabilidades de absolvição poderão ser superiores às de condenação quando o Tribunal pronuncia», (Ac.  do TC nº 439/2002 de 23.10.2002, in Diário da República nº 276/2002, Série II de 2002-11-29. No mesmo sentido, Ac. do TC nº 226/97, in www.tribunalconstitucional.pt; Acs. da Relação de Lisboa de 04.07.2019, proc. 324/17.8PASNT.L1, in http://www.dgsi.pt; Carlos Adérito Teixeira, Indícios suficientes: parâmetro de racionalidade e suficiência, in Revista do CEJ, Número 1; Maia Gonçalves, Revista do Ministério Público, n.º 92, pág. 71 e Cláudia Pina, A Presunção de Inocência nas Fases Preliminares do Processo Penal, Julho de 2010, Repositório da Universidade Nova de Lisboa, http://hdl.handle.net/10362/16492).
Em contrapartida, se o Juiz, fazendo esse juízo de prognose condenatória reportado à discussão e julgamento do processo, concluir que o mesmo não se encontra em condições de prosseguir para essa fase, em virtude de não se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança criminais, seja pela fragilidade dos indícios, assente nas incertezas da prova, seja porque os factos apurados não são idóneos ao preenchimento do tipo legal de crime, seja porque os mesmos não são puníveis, seja porque o procedimento criminal é legalmente inadmissível, seja por efeito de um vício que afecte irremediavelmente a validade ou a eficácia de algum acto processual, terá de proferir decisão de não pronúncia.
Tudo para concluir que, sendo razoável a possibilidade de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, com fundamento em tais indícios, a mesma tem de ser séria, mas pode ser apenas predominante, por comparação com a da absolvição, não com base em percentagens ou regras de estatística, mas numa perspectiva qualitativa, em face da natureza das provas já disponíveis e da sua avaliação prognóstica, reportada à fase do julgamento.
O Mmo. Juiz de Instrução criminal começou logo por afirmar que a versão dos factos apresentada pelo arguido, no sentido de não ter praticado qualquer das ofensas descritas na acusação e de a assistente e a filha terem «inventado» estes factos, como forma de retaliação pela sua oposição a que o namorado da filha, a ofendida DA____ , vivesse com ela, na residência da família lhe merecia credibilidade, por se tratar de uma versão plausível, coerente e consistente ao longo de todo o processo.
Durante a instrução procedeu-se à inquirição das testemunhas.
Na decisão instrutória, o Mmo. Juiz analisou criticamente estes depoimentos, comparou-os com as duas versões apresentadas – a da assistente e da filha DA____ que sustentaram a acusação e a do arguido que negou veementemente os factos e alicerçou a decisão recorrida de não pronúncia.
 Foi ouvida a prova resultante das diligências de instrução que tiveram lugar no dia 6 de Abril de 2021 e, efectivamente, não pode deixar de se concordar com a análise crítica dos indícios que se encontra exarada na decisão de não pronúncia.
Dessa audição resulta, desde logo uma contradição insanável de versões, entre a que foi apresentada pela assistente, em sucessivas intervenções no processo e aquela que o arguido declarou, que a testemunha é a única que tem conhecimento directo dos factos, confirmou e que se apresenta como a mais merecedora de credibilização.
JM_ foi namorado da filha do arguido DA____   , tendo residido na casa do arguido, aquando dos factos, tendo, pois presenciado a vivência quotidiana  do arguido com a sua família e tendo esclarecido que, não só, nunca assistiu qualquer agressão da parte do Sr. AS_____ para com a esposa e filha DA____ , como viu esta última a empurrar o pai e ouvia-a chamar nomes ao arguido, tendo ainda acrescentado que nunca denotou receio por parte da AS_____  e da DA____  para com AS_____ , e que ambas lhe comunicaram que uma vez feita a denúncia a que se referem os presentes autos, a casa ficaria para elas.
Cumpre, em contrapartida, assinalar que a assistente AS_____ foi acrescentando circunstâncias de cada vez que se dirigiu ao processo ou nele foi inquirida, do que são exemplo a participação com a referência Citius 20030048, o aditamento com a referência Citius 20037262, o auto de inquirição com a referência Citius 394610100 e os documentos anexos ao email com a referência Citius 20077032 – ora que o arguido tinha ciúmes e lhe controlava os movimentos, impedindo-a de sair e imputando-lhe relações extraconjugais, dirigindo-lhe os impropérios e insultos transcritos na participação e agredindo-a com um soco no braço esquerdo ou com um empurrão contra uma parede, ou que, afinal, nunca tinha havido agressões físicas, mas o arguido sempre tinha assumido um comportamento machista, ou ainda, que mantinham discussões pelo motivo do mau relacionamento que o próprio arguido sempre tem afirmado ao longo de todo o processo, ou seja, a discordância de que a filha viva maritalmente com os namorados, na residência da família do arguido.
Esta sucessão de diferentes versões, ora afirmando, ora negando os mesmos factos, ora acrescentando e alterando outros, à medida que o processo foi evoluindo, retira-lhe toda a credibilidade.
Existem, em anexo ao e-mail que a assistente dirigiu ao processo no dia 8 de Janeiro de 2021, excertos de mensagens escritas tocadas via telemóvel ou via whatsapp acerca das quais se desconhece a identidade do emissor, até porque não foram sujeitas a qualquer auto de transcrição retirado directamente de um telemóvel perante um OPC.
Acresce que da audição das diligências instrutórias realizadas no dia 6 de Abril de 2021, as declarações do arguido, pela forma serena, circunstanciada, detalhada como foram prestadas, porque o motivo do conflito com a assistente se afigura absolutamente atendível, considerando a pouca idade da filha do casal e os efeitos prejudiciais que, na perspectiva do arguido, resultariam da sua permissão para que a filha vivesse em relação de união de facto com o namorado, no interior da sua residência e, também, porque esse motivo resulta plenamente confirmado, quer no aditamento da participação inicial, elaborado no dia 11 de Setembro de 2020, quer no depoimento da testemunha, são merecedoras de credibilidade.
E a verdade é que o arguido negou veementemente a autoria dos factos que lhe são imputados, os motivos que invocou para as suas divergências com a assistente e a filha do casal, mais do que plausíveis, são totalmente atendíveis.
Relatou ainda diversos pormenores factuais que a testemunha JM___ confirmou.
E do depoimento desta testemunha, o que resulta é que quem injuriava, agredia fisicamente e maltratava o arguido eram a própria assistente e a ofendida DA____ . Da audição deste depoimento, também não se vislumbram quaisquer motivos que infirmem, seja a sua razão de ciência, seja a veracidade intrínseca do seu testemunho. Muito pelo contrário.
Neste contexto indiciário, afigura-se impossível imputar ao arguido qualquer acto ou comportamento passível de integrar o crime de violência doméstica, tal como o mesmo se encontra tipificado no art. 102º do CP que, como é sabido, se consuma com a prática de maus tratos físicos, ou psicológicos, castigos corporais ou ofensas sexuais com a intenção de manter com a vítima uma relação de abuso de poder, de predomínio sobre esta, com o intuito de a fazer sofrer e de a humilhar e degradar, na sua dignidade pessoal.
Essa tónica de sobreposição do arguido perante a assistente ou os filhos do casal, não resulta minimamente indiciada, pelo que a decisão instrutória merece total concordância, ao ter constatado a inexistência de qualquer possibilidade de com os indícios recolhidos até então, o arguido vir a ser condenado pela prática de qualquer crime.
O presente recurso não merece, pois, provimento.

III – DISPOSITIVO 
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a Taxa de Justiça em 3 UCs – art. 010º nº 1 al. b) do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelo Mmo. Juiz Adjunto.

Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de Setembro de 2021
Cristina Almeida e Sousa
Alfredo Costa