Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
344/06.8TYLSB.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
IMITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Confrontadas duas marcas, uma que designa um medicamento antivírico utilizado no tratamento da Hepatite C crónica, sujeito a prescrição médica e cuja administração deverá ser feita em hospital por médico com experiência no tratamento dessa doença, e outra que designa um medicamento natural e não manipulado, de venda livre, inserido na categoria de substância dietética para uso medicinal, verifica-se não existir qualquer afinidade entre ambas, até porque o medicamento designado pela primeira marca não se encontra à disposição do consumidor médio, tendo de ser obrigatoriamente alvo de prescrição por um médico.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

F, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 39° e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n° "C…" .
Alega, em síntese, ser titular do registo internacional de marca n° "C…", prioritário, assinalando produtos idênticos, sendo os sinais confundíveis dadas as semelhanças gráfico-fonéticas susceptíveis de induzir em erro o consumidor, denunciando um comportamento parasitário.
Pede a revogação do despacho recorrido. Juntou documentos - fls. 15,21 e 26 a 28.

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Cumprido o disposto no art. 43° do Código da Propriedade Industrial o INPI remeteu o processo administrativo.

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Citada a parte contrária, D, nos termos do disposto no art. 44° do Código da Propriedade Industrial, veio responder, pedindo seja negado provimento ao recurso e mantido o despacho recorrido
Alegou, em síntese, não se encontrarem preenchidos os requisitos de imitação, inexistindo afinidade entre os produtos assinalados, que são diferentes e regulados autonomamente, distribuídos por circuitos comerciais diversos, que se destinam a finalidades diferentes, têm princípios activos diversos, inexistindo igualmente semelhanças gráficas e fonéticas, susceptíveis de induzir em erro o consumidor, não sendo possível a ocorrência de concorrência desleal.
Pede a manutenção do despacho recorrido. Juntou documentos - fls. 45 a 61.

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Foram dados como provados os seguintes factos:
1 - Por despacho de 21 de Novembro de 2005, publicado no BPI n° 112006 de 31/01/06, o Sr. Director da Direcção de Marcas do INPI, por subdelegação de competências do Conselho de Administração, concedeu protecção ao registo de marca nacional n° ….", pedido em 19 de Janeiro de 2005.
2 - Tal marca destina-se a assinalar os seguintes produtos da classe 58: substâncias dietéticas para fins medicinais.
3 - É composta pela expressão ……em letras de imprensa maiúsculas regulares e não reivindicou cores.
4 - A recorrente é titular do registo de marca internacional n° ……", pedido em 24/08/00, protegido em Portugal desde 31/08/01.
5 -Tal marca assinala os seguintes produtos na classe 58: produits pharmaceutiques, vétérinaires et higyéniques.
6 - A marca é composta pela expressão ….em letras de imprensa maiúsculas regulares e não reivindicou cores.
O processo seguiu os seus termos vindo a ser proferida sentença que revogou o despacho recorrido, negando protecção jurídica nacional à marca “C…”.
Inconformada recorre a D concluindo que:
A) A Marca da Recorrente obedece aos princípios da novidade e da especialidade.
B) Ao não se conceder o direito de uso da marca à recorrente estar-se- á a violar os arts. 222º do C.P.I. e a alínea. e) do art. 81º da C.R.P ..
C) As marcas opostas não se destinam a assinalar produtos idênticos, nem sequer afins.
D) Gráfica e foneticamente as marcas opostas são facilmente dissociáveis pelo consumidor médio.
E) Pelo que, não se encontram reunidos os pressupostos cumulativos de imitação de marca previstos no art. 245º do C.P.I..

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Cumpre apreciar.
Deixemos claro desde já que discordamos inteiramente da douta sentença recorrida.

A marca é, basicamente, um sinal distintivo de mercadorias ou produtos, que visa individualizá-los no mercado, perante o consumidor. Pode, ou não, referenciar a empresa de onde provêm as mercadorias ou produtos, mas a sua função essencial, a individualização referida é o objectivo essencial, quer pela chamada de atenção para o produto em si mesmo, quer pela identificação, mesmo que fantasista ou sugestiva, da sua natureza, quer pela ocupação e manutenção de um espaço no seu mercado específico, distinguindo o produto dos que, no mesmo género, com ele concorrem.
Para usar a expressão de Ferrer Correia, “a marca funciona, assim, como um cartão de apresentação do empresário que a usa, como um factor de potenciação da sua clientela” –“ Lições de Direito Comercial”, pág. 181.
Decorre daqui a necessidade imperiosa de defender a marca de outras, que por cópia ou semelhança, destruam tal individualização ou até aproveitem a faixa de mercado conquistada por determinado produto, induzindo em erro o consumidor.

O artº 239º m) do Código da Propriedade Industrial de 2003, aqui aplicável, dispõe que será recusado o registo de marcas que contenham “reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins,, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.
Visa-se assim a protecção de marca com registo prioritário e ao mesmo tempo protege-se o consumidor que, não tendo muitas vezes a possibilidade de no momento da aquisição ter perante si as duas marcas, pode escolher um produto pela semelhança fonética ou visual, quando na realidade era o outro produto que pretendia adquirir.

O artº 245º nº 1 do C.P.I. estabelece os seguintes requisitos, cumulativos, do conceito de imitação:
A. Que a marca registada tenha prioridade.
B. Ambas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta. C. Tenham uma tal semelhança gráfica, fonética ou figurativa que induzam em confusão o consumidor, de modo que este não possa distinguir as marcas senão após exame atento ou confronto.

No caso dos autos, a marca da recorrida, C…, foi registada muito antes de requerido o registo da marca da recorrente, relativa ao produto designado por C.
Contudo, não se nos afigura razoável afirmar que ambas as marcas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta.
O produto assinalado pela marca C…é um produto integrado numa classe relativa a produtos farmacêuticos, veterinários e higiénicos. O produto assinalado pela marca C.. integra-se na classe de substâncias dietéticas para uso medicinal.
Apesar das considerações feitas na sentença recorrida, no sentido de que o confronto deverá ser feito entre os atributos da classe a que pertence cada um dos produtos e não os produtos em si mesmos, entendemos que tal individualização não poderá deixar de ocorrer. Isto porque o que se visa proteger não é uma classe genérica mas sim um produto determinado, dotado de uma marca que só a ele se aplica – e não à classe em que se insere – e que poderá, nos termos acima referidos, colidir com a designação e espaço de mercado já ocupados por outro produto concorrente.

É evidente que, se analisarmos conceitos tão genéricos (e, diga-se, bem pouco determinados) como “produto para fins medicinais” e “produto farmacêutico”, como se faz na sentença, acabamos por chegar à conclusão de que existe uma larga confluência, na medida em que as farmácias vendem produtos medicinais e os produtos medicinais são vendidos em farmácias embora em certos casos possam não o ser.
Ensina contudo a experiência que, quanto mais ampla e abrangente é uma definição, menos precisa se torna, e de tanto abranger acaba por não designar coisa nenhuma.

Na realidade, o produto designado pela marca C… é um antivírico utilizado no tratamento hepatite C crónica e não pode ser vendido sem receita médica, colocando-se até a dúvida sobre se poderá ser vendido em farmácias ou se está adstrito a administração em hospital.
Ao invés, o produto designado pela marca C… não passa de um suplemento alimentar, natural e não manipulado, e de venda livre.

É evidente que, para além de ambos serem designados como medicamentos, os produtos em confronto não têm a menor afinidade um com o outro. Nem sequer existe a possibilidade de concorrência ou de confusão para o consumidor médio, já que o C…. deverá ser administrado em hospital e devendo a respectiva administração e tratamento ser iniciados e monitorizados “por um médico com experiência no tratamento da hepatite C crónica” (ver documentos de fls. 59/60 e de fls. 88 e seguintes).
O C, como dissemos, é de venda livre.
Para além da falta de afinidade entre os produtos, é obviamente impossível que se crie qualquer tipo de confusão no consumidor médio, desde logo porque o C não pode ser vendido sem receita médica e os médicos não são, no âmbito da medicação e administração de medicamentos, consumidores médios, sendo ao invés especialistas com conhecimentos aprofundados na matéria. Mais a mais num caso como o C, para a aplicação do qual se recomenda o acompanhamento e monitorização de médico com especiais conhecimentos do tratamento da doença a que o medicamente se aplica.

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Por fim, também a eventual semelhança parcial de duas das sílabas das marcas em confronto, não é suficiente para , em nosso entender, induzir em erro ou confusão seja quem for.
C.. e C têm identidade nas primeira e última sílabas. Mas são palavras graves, no tocante à acentuação, pelo que é a penúltima sílaba a que mais marca a sua caracterização fonética. Ora num caso temos “PE” no outro “É” (antecedido de RI) o que é bastante para operar uma distinção suficiente em termos de individualização de cada marca.
Mas, como vimos dizendo, a confusão não pode sequer ser considerada quando um dos produtos não é de venda livre e o outro é. Nestes casos, um deles depende de prescrição de um especialista (no caso um médico) no outro está aberta à livre escolha do consumidor médio.

Entendemos assim não existir óbice à concessão de direito de uso da marca C….

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Conclui-se pois que:
- Confrontadas duas marcas, uma que designa um medicamento antivírico utilizado no tratamento da Hepatite C crónica, sujeito a prescrição médica e cuja administração deverá ser feita em hospital por médico com experiência no tratamento dessa doença, e outra que designa um medicamento natural e não manipulado, de venda livre, inserido na categoria de substância dietética para uso medicinal, verifica-se não existir qualquer afinidade entre ambas, até porque o medicamento designado pela primeira marca não se encontra à disposição do consumidor médio, tendo de ser obrigatoriamente alvo de prescrição por um médico.

Assim e face ao exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e deferindo-se o pedido de registo da marca nacional nº ….”.
Custas pela recorrida.

Comunique-se o teor do presente acórdão, assim que transitado, ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2010

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais