Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2022/07.1TBCSC-B.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL
DECLARAÇÕES DE PARTE
DEPOIMENTO DE PARTE
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O Código de Processo Civil de 2013, que entrou em vigor no dia 01.09.2013, introduziu com um carácter inovador, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem pode ser ordenada oficiosamente.
2. Sendo o novo Código de Processo Civil imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes, por força do artigo 5º, nº 1 da Lei nº 41/2013, de 26/6, pode este novo meio de prova ser requerido durante a audiência de julgamento, no decurso da produção de prova.
3. Mesmo estando em causa uma acção em que se discutem direitos indisponíveis, não pode ser rejeitado o requerimento para declarações de parte, com fundamento na sua inutilidade, por ser susceptível de levar a uma eventual confissão de factos, posto que, neste caso, tal meio de prova é ineficaz para produzir confissão, já que esta nunca poderia ser valorada com os inerentes efeitos de irretratabilidade e força probatória plena.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Na acção de divórcio intentada por A, contra B, e em que são habilitados, em face do falecimento daquela, C e D, o mandatário do réu requereu, no início da sessão da audiência de julgamento, de 22.11.2013, o seguinte:

“Requeiro que o réu possa prestar declarações nos termos do disposto no artº 466º do CPC.”

O mandatário dos habilitados respondeu ao requerimento do réu, nos seguintes termos:

Na medida em que a presente confissão dos factos processuais não se afigura aplicável, a citada disposição ao abrigo da qual é requerida a prestação de depoimento, nem este se mostra pertinente, tanto mais que a posição do réu já foi ela toda vertida na contestação.
Por outro lado, se acaso vier a ser admitido o depoimento do Réu, requer que seja designada data para o efeito de modo a que os autores se possam habilitar relativamente ao mesmo, inclusive, para poderem requerer alguma contradita ou até mesmo acareação, ou apresentarem documentos que se possam afigurar pertinentes. Este pedido de marcação de data para o efeito, caso o depoimento do Réu venha a ser deferido, também se justifica em conjugação com as razões já aduzidas pelo facto de vir a ser requerido só neste documento processual, e só depois de realizadas várias sessões de julgamento, ainda que a Lei preveja que o pedido possa ser feito nesta oportunidade, sem que todavia imponha a sua realização imediata, No caso afigura-se aos autores que a marcação de uma nova data se afigure mais adequada, repete-se se for deferido, e sem prejuízo do douto entendimento da Mma. Juiz.

 A Exma. Juíza do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

O Réu veio agora requerer a sua "declaração de parte" nos termos do disposto do Art.° 466° do novo CPC. De acordo com o citado normativo legal, as partes podem requerer até ao início das alegações orais em 1ª Instância a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou que tenham conhecimento direto.
Nos termos do n° 3 do citado normativo legal, resulta que o Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Resulta assim que o presente meio de prova se destina justamente do depoimento de parte cujo regime se encontra regulado nos Art.°s 452° e seguintes do Código Civil, o qual é vedado nas ações como a presente por se estar perante a discussão de direitos indisponíveis.
Ora, embora possa ser este o momento processualmente adequado para requerer o meio de prova em causa, ao que acresce que a parte interveio pessoalmente nos factos em causa e terá necessariamente conhecimento direto sobre os mesmos, caso responda sobre tal matéria a sua resposta poderá necessariamente levar a uma eventual confissão, a qual não poderá ser valorada, atento o objecto dos presentes autos.
Nessa medida entende-se desnecessária a sua audição por inútil face ao que supra se expôs, pelo que se indefere o ora requerido.
Notifique.

Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs
recurso de apelação, relativamente à aludida decisão.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente (…):

Os autores/habilitados não apresentaram contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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I. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a apreciação do acerto ou incorrecção do despacho recorrido que considerou desnecessária a prova por declarações de parte requerida pelo réu/apelante.

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III . FUNDAMENTAÇÃO


A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
                                   
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


O Novo Código do Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.6., que entrou em vigor no dia 01.09.2013, é aplicável ao caso dos autos, por força do disposto no seu artigo 5º, nº 1 que estabelece: sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às acções declarativas pendente.

Verifica-se que o réu veio requerer a sua prestação de declarações, na sessão da audiência de discussão e julgamento, do dia 22 de Novembro, quando, efectivamente, já se encontra em vigor o NCPC.

Estabelece o artigo 466º, nº 1 do NCPC que: «As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto

Com efeito, o Código de Processo Civil de 2013 introduziu, com o aludido normativo, um novo e autónomo meio de prova, tendo carácter inovador a introdução, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem pode ser ordenada oficiosamente.

                        É verdade que o juiz pode ordenar, nos termos do nº 1 do artigo 452º do NCPC, em qualquer estado do processo, a prestação de informações ou esclarecimento mas, ao contrário do que sucede com as declarações de parte, sem finalidade probatória.

                        Através deste novo meio de prova a parte pode, até ao início das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha tido intervenção pessoal.

Este inovador meio de prova, dirige-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidade de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento directo, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual.

Sendo o acima descrito o objectivo da prova por declarações de parte não se justifica que as partes não requeiram, desde logo, a prestação de declarações. Mas, mesmo que a prestação de declarações seja requerida na audiência de julgamento – o que é sempre admissível - quando antes não era expectável que o fosse, tais declarações serão perspectivadas como qualquer outro meio de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, podendo a parte contrária sempre requerer também a sua prestação de declarações.

Acresce que, tais declarações serão sempre livremente apreciadas pelo tribunal, conforme resulta do nº 3 do artigo 466º do NCPC, na parte em que não representem confissão.

Como esclarece JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 278, a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.

No caso vertente, no início de uma das sessões da audiência de julgamento, o réu veio requerer a sua prestação de declarações, ao abrigo do referido artigo 466º do NCPC. Fê-lo sem que haja justificado a

razão da sua pretensão, podendo entender-se, todavia, atenta a natureza da acção em causa que teria em consideração a sua intervenção pessoal e directa nos factos em discussão e, por certo, por considerar que essas declarações seriam importantes para a descoberta da verdade material.

                        A pretensão do réu, omitindo a fundamentação deste seu pedido, veio a ser rejeitada pela Exma. Juíza do Tribunal
a quo, que considerou, em suma, que a mesma seria desnecessária, por inútil, posto que, caso o réu respondesse à matéria dos autos poderia levar a uma eventual confissão, que não poderia ser valorada, atento o objecto dos autos.

Dissentimos da posição assumida no despacho recorrido, no qual parece pressupor alguma sintonia entre dois meios de prova que, na sistemática do Novo Código de Processo Civil, são distintos – a prova por declarações de parte e o depoimento de parte.

                        Como é consabido, e resulta do nº 1 do artigo 352º e nº 2 do artigo 356º, ambos do Código Civil, o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento de factos que é desfavorável à parte que o presta, e aproveita à parte contrária.

Sucede que não tem sido inteiramente pacífico o entendimento jurisprudencial sobre a questão de saber se o depoimento de parte, sendo embora um meio de prova, apenas visa obter a admissão de factos desfavoráveis à parte que o presta, ou se, ainda que não verse sobre matéria confessória, pode ser livremente apreciado pelo julgador, tendo em consideração o princípio da prova livre estabelecido no nº 5 do artigo 607º do NCPC (artigo 655º, nº 1 do revogado C.P.C.), sobretudo quando compatibilizado e corroborado por outros meios de prova, mormente, outra prova testemunhal – v. a título meramente exemplificativo, arestos não coincidentes do STJ de 14.12.2006 (Pº 06A39929) e de 16.10.2012 (Pº 8020/09.3T2SNT.L1.S1) acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Todavia, é já hoje aceite por numerosa jurisprudência que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios.
                       
No caso em apreciação, a prova por depoimento de parte nunca seria admissível, por força do artigo 354º, alínea b) do Código Civil, visto que estando em causa uma acção de divórcio, os factos em apreciação são necessariamente relativos a direitos indisponíveis – v. no entanto, em sentido não inteiramente coincidente, Ac. R. C. de 12.04.2011 (Pº 737/09.9TGAVR-B.C1), acessível no citado sítio da Internet.

É certo que ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., 547-548, ao afirmar que a confissão não é eficaz, por exemplo, nas acções de divórcio, defende que o que repugna à lei não é o reconhecimento do facto, mas a subordinação da livre averiguação da verdade à declaração unilateral ou isolada de uma pessoa. O que a lei não reconhece é a força vinculativa do reconhecimento feito pela parte, nada impedindo a audição da parte dobre o facto, que o juiz apreciará livremente.

                        Mas, actualmente, e por força do CPC de 2013, não obsta, nem pode obstar, que a própria parte, por sua iniciativa, possa requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo.

                        A parte que requer e presta declarações fica sujeita ao dever de cooperação e verdade, submetendo-se a interrogatório conduzido pelo Julgador, podendo os advogados apenas solicitar esclarecimentos.

                        Porém, se no decurso das suas declarações, a parte confessar algum facto, essa confissão que, em regra, seria devidamente valorada e com os respectivos efeitos, i.e., irretratabilidade e força probatória plena, não se poderá verificar no caso dos autos, por força da natureza da acção, sendo, portanto, o meio de prova “declarações de parte” inábil e ineficaz para produzir a confissão.

Mas, essa circunstância não impede, nem limita, a faculdade que a parte tem de lançar mão do novo meio de prova – declarações de parte - sendo estas, em tudo o que lhe for favorável, livremente valoradas pelo Tribunal.

O que se rejeita é que o Tribunal, a pretexto da inviabilidade de confissão, por força da natureza da acção em causa, rejeite o meio de prova requerido pela parte, decidindo, desde logo e liminarmente, pela sua inutilidade.

E, caso a parte haja requerido este novo meio de prova, sem indicar claramente os factos constantes dos articulados, ou dos artigos da Base Instrutória – caso haja sido elaborada - sobre os quais irá incidir o interrogatório a efectuar pelo juiz, deverá o Tribunal convidar previamente a parte requerente a complementar neste sentido o seu requerimento, com o objectivo de um aproveitamento dos actos das partes que apresentem deficiências – cfr. a este propósito Ac. R.P. de 18.12.2013 (Pº 114/09.1TBETR-A.P1), acessível no sítio www.dgsi.pt.

Assim sendo, julga-se procedente a apelação, razão pela qual se revoga o despacho recorrido, substituindo-se por outro em que se admite a pretensão do réu/apelante - prestação de declarações, ao abrigo do disposto do artigo 466º do NCPC - convidando-se previamente o requerente, se necessário, a indicar, de forma discriminada, os factos sobre os quais irão incidir as pretendidas declarações de parte, e sem prejuízo da necessidade de anulação de eventuais e ulteriores actos processuais incompatíveis com a presente decisão.

Não havendo, por ora, vencimento de nenhuma das partes, por efeito da regra da causalidade consagrada no artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo, as custas do recurso ficarão a cargo da parte vencida a final.
                       
***

IV. DECISÃO


Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, razão pela qual se revoga o despacho recorrido, substituindo-se por outro em que se admite a pretensão do réu/apelante - prestação de declarações, ao abrigo do disposto do artigo 466º do NCPC - convidando-se previamente o requerente, se necessário, a indicar, de forma discriminada, os factos sobre os quais irão incidir as pretendidas declarações de parte, e sem prejuízo da necessidade de anulação de eventuais e ulteriores actos processuais incompatíveis com a presente decisão.

A responsabilidade pelas custas ficará a cargo da parte vencida a final.

Lisboa, 10 de Abril de 2014
                                             
                                                                                              armo Ondina Carmo Alves - Relatora

Eduardo José Oliveira Azevedo

Olindo dos Santos Geraldes

Decisão Texto Integral: