Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
96/16.3ECLSB.L1-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: JOGOS DE FORTUNA E AZAR
ILÍCITO CRIMINAL
ILÍCITO CONTRAVENCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - O critério da distinção entre o tipo de ilícito penal e contra ordenacional assenta em crivos material – que parte das categorias legais, e teleológico – ligado à protecção do bem jurídico que assume relevante valor com ressonância ético-social, v.g. os efeitos perversos na dinâmica familiar, social e laboral, repercutindo-se na criminalidade grave e potenciador de adição psicológica, exigindo a constituição do tipo legal de crime, por contraponto à menor ressonância, reflexo do menor valor dos quantitativos em jogo e das limitadas expectativas criadas, nas modalidades afins.

II - No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:

. os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;

. os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

III - O legislador quis que as máquinas cujos jogos tenham resultados dependentes essencialmente do acaso tenham o seu uso confinado às zonas de jogo autorizado e que os jogos proporcionados pelas mesmas sejam considerados de fortuna ou azar quer paguem ou não directamente prémios em dinheiro ou fichas.

IV - A existência dessas máquinas, pelo vício que desenvolvem nos seus jogadores, que estão, no caso, totalmente dependentes da fortuna ou azar, impõem a quem legisla e fiscaliza especiais atenções, porquanto não há jogador (maior ou menor de idade) que se limite a gastar nas mesmas.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – No Proc.º n.º 96/16.3ECLSB, da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Seixal, Juiz 2, por sentença de 15 de Setembro de 2017, foi decidido julgar a acusação deduzida pelo Ministério Público contra a arguida A..., parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente:
a. Absolver a arguida da prática do crime de exploração ilícita de jogo, p.p. pelo art.º 108º do Decreto-Lei nº 422/89 de 19/01, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 10/95 de 19/01, com referência aos artigos 4º/1 al. g) do mesmo diploma legal, que lhe era imputado.
b. Condenar a arguida pela prática da contra-ordenação p.p. pelos artigos 161º e 163º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 19/01 na coima de EUR. 1.000,00 (mil euros).

II – Inconformado, o Ministério Público na 1.ª instância interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) O presente recurso é circunscrito a matéria de direito.
2) Não se concorda com a qualificação jurídica operada de condenar a arguida pela prática da contra-ordenação p.p. pelos artigos 161° e 163° do Decreto-Lei n.° 422/89 de 19/01 na coima de EUR. 1000,00 (mil euros) e tendo-a absolvido prática do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.° 108° do Decreto-Lei n° 422/89 de 19/01, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 10/95 de 19/01, com referência aos artigos 4°/1 al. g) do mesmo diploma legal, que lhe era imputado, em face da factualidade dada como assente, no que tange nomeadamente em relação à máquina.
3) Foram violadas as seguintes regras, art. l°, 3°, 4°, n.° 1, al. g), 108°, n.° 1 e 2 do Dec.-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção actualmente em vigor o Acórdão de Uniformização de jurisprudência n.° 4/2010, de 8 de Março e a máquina em causa deveria ser qualificada como máquina de fortuna ou azar de acordo com os mencionados preceitos legais.
4) Não se pretende, neste recurso, requerer a realização de audiência, em face da matéria controvertida, nos termos c para os efeitos do art. 411°, n.° 5 do CPP.
5) A sentença recorrida deve ser revogada nos moldes fixados neste recurso.
Deve assim conceder-se procedência ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, na parte em que dela se recorre, fazendo-se a costumada justiça.

III – A Arguida A... não respondeu ao recurso.

IV- Transcreve-se a decisão recorrida.
I – RELATÓRIO

O Ministério Público acusou para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, a arguida:
A..., nascida em 17-08-1963, divorciada, empresária,(…)
Imputando-se-lhe os factos constantes descritos na acusação de fls. 77 e ss – a qual se dá aqui por integralmente reproduzida – e que consubstancia a prática pela arguida do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com a redação que lhe foi conferida pelos Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, Lei n.º 28/2004, de 16 de julho, Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, e D.L. n.º 64/2015, de 29 de abril.
(…)
II – FUNDAMENTAÇAO
A) FUNDAMENTAÇAO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
Da Acusação
1. A arguida A... explorava, em abril de 2016, o estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado Café xxx, sendo a arguida a responsável pelo giro comercial inerente a este estabelecimento.
2. No dia 22-04-2016, pelas 15h55m, a arguida encontrava-se nesse estabelecimento comercial, atrás do balcão de serviço, e pronta a servir bebidas aos clientes.
3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, encontrava-se nesse estabelecimento comercial, exposta ao público sobre o balcão e ligada à corrente elétrica, uma máquina de jogos com a designação “Colorama” que era explorada pela arguida, a qual não obstante não era titular da respetiva autorização legal.
4. A referida máquina continha nessa altura no seu interior a quantia de € 13,00, proveniente da sua exploração pelos utilizadores.
5. Tal máquina era propriedade de indivíduo cuja identidade não foi possível apurar e que a colocou no estabelecimento da arguida em data não concretamente apurada, com o consentimento desta, mediante o acordo de divisão das receitas.
6. A máquina tinha, na lateral direita, o mecanismo de introdução e eventual rejeição de moedas, de € 0,50, € 1,00 e € 2,00, e na parte lateral esquerda o cofre moedeiro e dois parafusos metálicos que permitiam apagar os créditos obtidos pelo jogador no decurso das jogadas.
7. Na zona frontal tinha um painel em vidro acrílico, que apresentava ao centro um mostrador circular dividido em cerca de 64 led´s, sendo oito led´s identificados no painel com as inscrições 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100 e 200.
8. Ao centro do mostrador circular encontrava-se uma janela digital onde surgia a pontuação obtida no decurso das jogadas efetuadas e acumulada nas jogadas seguintes.
9. Sempre que era selecionado um dos led´s premiados, todo o círculo se eliminava e era creditado na janela digital os pontos ganhos.
10. Ao lado do mostrador circular existia uma outra janela digital com a inscrição “CRÉDITOS”, que marcava os créditos introduzidos, sendo que a uma moeda de € 0,50 correspondiam 50 créditos, sendo este o valor mínimo para proporcionar uma jogada.
11. Na parte inferior do painel frontal encontrava-se um botão que permitia que o jogador pudesse jogar os créditos obtidos em jogadas premiadas, efetuando a máquina duas jogadas consecutivas por cada ponto.
12. Após a introdução de uma moeda de € 0,50, de € 1,00 ou de € 2,00, automaticamente era disparado um ponto luminoso que percorria os vários orifícios existentes no mostrador circular, de uma forma contínua e desacelerando com o decorrer do tempo, iluminando-os à sua passagem, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios.
13. Quando o led em que se fixou o ponto luminoso correspondia às referidas inscrições de 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100 ou 200, o jogador tinha direito aos pontos correspondentes, pontos estes que eram imediatamente creditados na janela digital que se encontrava no centro do mostrador.
14. Quando o ponto luminoso se fixava num dos restantes led´s sem referência de pontos, o jogador não tinha direito a qualquer prémio.
15. Caso o jogador tivesse ganho alguns pontos, podia receber o prémio correspondente ou optar por fazer jogadas com esses mesmos pontos acumulados.
16. Se o jogador pretendia utilizar os pontos ganhos nas jogadas efetuadas, pressiona o botão da parte frontal da máquina, que lhe permitia efetuar duas jogadas por cada ponto acumulado.
17. Enquanto a máquina tinha créditos, fazia jogadas sucessivas até os esgotar na sua totalidade.
18. Caso não efetue novas jogadas, os pontos obtidos são convertidos em dinheiro, à razão de € 1,00 por cada ponto.
19. A arguida A... agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito de deter e explorar a máquina de jogo supra descrita, dividindo os lucros com o respetivo proprietário, bem sabendo que não detinha autorização para a exploração da máquina e que o jogo dessa máquina só podia ser explorado nas zonas de jogo criadas por lei.
20. A arguida tinha conhecimento do teor do jogo desenvolvido pela máquina.
21. Sabia a arguida que atuando da forma descrita praticava atos proibidos e punidos por lei penal;
Mais se provou que:
22. A arguida tem averbada no CRC uma condenação pela prática do crime de exploração ilícita de jogo em 1/2/06 tendo sido condenada na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00;
23. A arguida tem averbada no CRC uma condenação pela prática de 4 crimes de exploração ilícita de jogo em 8/3/02 tendo sido condenada na pena de 15 meses de prisão suspensa pelo mesmo período e na pena de 450 dias de multa à taxa diária de € 6,00, ambas extintas pelo cumprimento.
24. A arguida não tem bens penhoráveis;
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da presente causa.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem
B) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal baseou-se na ponderação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento e a prova documental junta aos autos.
A arguida não compareceu em julgamento.
Atendeu-se ao depoimento da testemunha P…, Inspector da ASAE na data dos factos foi o agente autuante; descreveu as circunstâncias da fiscalização. Referiu que o estabelecimento estava aberto ao público; descreveu as circunstâncias em que decorreu a apreensão da máquina, que esta estava ligada à corrente eléctrica e pronta a utilizar pelos clientes. A arguida apresentou-se como responsável do estabelecimento e recolheram facturas do estabelecimento (fls. 9 e 10). Referiu que a identificação da arguida não lhe suscitou quaisquer dúvidas. Prestou depoimento de forma isenta, coerente e objectiva pelo que o seu depoimento mereceu credibilidade.
Quanto à prova documental, o Tribunal formou a convicção com base nos seguintes documentos. - Auto de notícia, fls. 2 e 3; - Auto de apreensão, fls. 4 e 5; - Relatório fotográfico, fls. 6 a 8; Fatura, fls. 9, 10; Talão de depósito, fls. 24; Auto de exame direto, fls. 20-23; Informação fiscal, fls. 90;
Atenta a prova produzida verifica-se que se provou pelos elementos documentais que era a arguida que explorava o estabelecimento e por essa via recolhia os proventos da maquina que nele se encontrava com sua autorização e conhecimento, o que decorre das regras da experiencia comum.
Por outro lado foi possível apurar a forma de funcionamento da máquina e as circunstâncias em que a mesma foi apreendida.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Atentos os factos provados, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
- Do crime de exploração ilícita de jogo
À arguida é imputada a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo art. 108.º, n.º1 e 115º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 422/89 de 19/01, com referência aos artigos 4º/1 al. g) do mesmo diploma.
O bem jurídico tutelado com a incriminação é o direito de exploração de jogos de fortuna ou de azar que pertence em exclusivo ao Estado e só pode ser exercido em zonas de jogo estabelecidas mediante concessão.
Dispõe o artigo 108.º quanto ao crime de exploração ilícita de jogo. 1- Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou de azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.”
2- Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que a não exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes e agentes da entidade exploradora.”
Constituem elementos objectivos do tipo de crime previsto no art.º 108º, em primeiro lugar, a exploração de jogos de fortuna ou de azar; em segundo lugar, fora dos locais legalmente autorizados.
Quanto ao tipo subjectivo, trata-se de um crime doloso, que admite o dolo em qualquer uma das suas formas (art. 14º do Código Penal).
Para a qualificação jurídica da conduta da arguida é indispensável, desde logo, explicitar o conceito de jogo de fortuna e azar que constitui objecto da actividade proibida.
A propósito, refere o art. 1.º Jogos de fortuna e azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
E o art.º 3º/1: A exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporárias criadas por Decreto-Lei ou fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6º a 8º (sendo que o caso dos autos não se enquadra em qualquer uma destas duas previsões).
Por seu turno o art. 4º, n.º 1, al. g) estabelece que Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, (...) jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou de azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Como dispõe o art. 3.º, n.º1, a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou de azar só é permitido nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou excepcionalmente nos casos previstos por lei.
Os jogos em máquinas só estão autorizados a funcionar em casinos:
“1- Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna e azar:
(…)
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
 Explorar o jogo traduz-se em proporcionar onerosamente a terceiros aquela actividade e dela retirar proventos económicos.
O artigo 159.º, n.º1 define ainda como modalidades afins de jogos de fortuna e de azar as “operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémio coisas com valor económico”. E no nº 2: São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
Esta modalidade de comportamento é punida como ilícito de mera ordenação social (150.º, 160.º)
Na ausência de um qualquer distinção material entre os dois conceitos, o Tribunal da Relação de Lisboa (Ac. RL 7610/2005-3, in www.dgsi.pt) defende que o critério de distinção entre jogos de fortuna e azar e as modalidades afins deve ser formal, sendo considerado jogo de fortuna e azar apenas aqueles cuja exploração, nos termos dos nºs 1 e 3 do art. 4.º do D.L. 422/89, de 2 de Dezembro, é autorizada nos casinos.
A questão tem sido debatida na jurisprudência, sendo certo que a letra da lei não esclarece totalmente o conceito de “modalidade afim”.
Vários critérios de distinção têm sido usados: o caracter totalmente aleatório do resultado, a natureza pecuniária dos prémios atribuídos, o tipo de operações oferecidas ao publico (sendo que as modalidades afins são promovidas directamente junto do publico enquanto o jogo de fortuna ou azar só poder ser exercido em estabelecimentos pré-determinados), a predeterminação do premio atribuído, a temática do jogo, a natureza dos prémios.
Como se refere no AUJ 4/2010, DR, I, nº 46, de 8 de Março de 2010 a tutela penal adstrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu, em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar. Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente».
Constituirá a atribuição de prémios em dinheiro, ainda que não directamente através da máquina, condição sine qua non para a qualificação do jogo como de fortuna ou azar? Segundo o Ac. Rel. Coimbra de 02.02.2011 ao apelar à atribuição de prémios em dinheiro, imediatamente ou através da substituição de fichas ou pontos, “a ideia que está na base dos termos utilizados tem a ver com o acréscimo de compulsividade que a atribuição de fichas e de pontos confere ao jogo, o mesmo acontecendo com as moedas. Com efeito, quer as moedas quer as fichas podem ser imediatamente utilizadas para que o jogador continue indefinidamente o jogo, funcionando a atribuição de pontuações que se vão somando do mesmo modo. Mas tal ocorre porque o que caracteriza tais jogos, embora a lei não o diga, é a natureza indefinida do prémio e a possibilidade de num percurso intermédio o jogador perder tudo o que havia ganho”. Já nas modalidades afins a que alude o artº 159º da Lei do Jogo, tal não acontece. Na verdade, nas rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos, a determinação prévia do prémio a que o jogador se pode habilitar gera um elemento de compulsividade menor. Daí que, de acordo com o citado aresto, nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime. Também no Ac. Rel. Évora de 31.05.2011 se  entendeu que “o que caracteriza as modalidades afins e as distingue dos jogos de fortuna ou azar é a premeditação do respectivo prémio, a que acresce a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante.
Ora, começando por delimitar negativamente o tipo de crime nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.
É esse o caso dos autos já que dos factos provados decorre que no inicio do jogo as maquinas apresentam no ecrã os prémios que estão pré definidos.
Como se refere no Ac. TRC de 02/02/2011, o artigo 161º estabelece proibições em relação às modalidades afins no seu nº 3, quais sejam as de estes não poderem desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos. Continuando a delimitar negativamente o tipo de crime, porque às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins, a sua exploração ilícita constitui contra-ordenação, como se prevê no artigo 163º, o que afinal só pode significar que nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime. E cremos ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República.
Como se refere no Ac. TRP de 11/12/13 em que estava em causa uma maquina de características idênticas quanto ao modo de funcionamento: o funcionamento desse aparelho, enquanto jogo de fortuna ou azar, deverá corresponder a um ato de jogar fundamentalmente dependente da sorte, em que existe uma total indefinição e desproporção entre aquilo que se arrisca e o resultado que se pode vir a obter (prémio).
No que concerne ao prémio a atribuir, este deverá corresponder a moedas ou a fichas que possam ser cambiadas por dinheiro, o que não se verifica no caso em apreço, como facilmente resulta da matéria de facto provada. Relativamente ao tema do jogo, deverá a máquina desenvolver um tema próprio dos jogos de fortuna ou azar ou seja, deverá corresponder a um ato de jogar, tal como o definimos anteriormente. Como se pode constatar, através da descrição constante do relatório pericial de fls. 83 a 85, mediante a introdução de uma moeda de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00, é disparado automaticamente um ponto luminoso no painel frontal, que percorre num movimento circular, uniformemente desacelerado, os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem. De seguida, e sem qualquer interferência do jogador, o ponto luminoso vai perdendo gradualmente velocidade, até parar, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados. Se esse ponto corresponder a um dos orifícios identificados pelos números 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200 e 10, o jogador ganha a quantia correspondente à conversão de cada ponto por € 1,00; se parar num dos restantes orifícios, o jogador não tem direito a qualquer prémio. Pela presente descrição se conclui que o “jogo” desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos.Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário. A intenção do legislador, passa pelo entendimento de se considerar que os jogos que dependem essencialmente do acaso e da sorte do jogador, são aqueles em que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o resultado do respetivo jogo. Poder-se-á definir um jogo de fortuna ou azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela ação humana escapa à capacidade de controle e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos factores certos e conjugados. Isto é, a uma causa objetivamente estruturada com factores e elementos pré-determinados e empiristicamente testados não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado. A concetualização bipolar utilizada pelo legislador, “fortuna ou azar”, colhe o seu fio identificador e a argamassa uniformizadora dos conceitos na definição de acaso. Afinal tanto para a fortuna como para o azar experienciados na álea do jogo intervém o factor acaso ou uma probabilidade indeterminada e não controlada da parte de quem introduz o elemento desencadeador, no caso das máquinas utilizados neste tipo de jogos, uma moeda ou peça equivalente.
Também neste sentido o Ac. TRP de 14/07/1999, P. 9910385, Ac. TRL de 14/03/2000 citado no Ac. TRP de 29/10/2008, P. 0842889, Ac. TRC de 26/3/14, Ac. TRP de 9/7/2014, disponíveis em www.dgsi.pt.
Em suma, porque os jogos em causa nos autos não merecem a qualificação de jogo de fortuna ou azar e apenas de modalidade afim, a conduta provada nos autos não integra a prática do crime de exploração ilícita de jogo e apenas seria susceptível de integrar a contra-ordenação prevista nos artigos 161º e 163º da Lei do Jogo.
Assim, e pelas razoes expostas, estando na presença de modalidade afins de jogo de fortuna ou azar a arguida apenas pode ser punido a título de contra-ordenação, contra-ordenação de que o tribunal tem competência para conhecer à luz do disposto no art.º 38º do RGCOC.
 Dispõe o art.º163º que constituem contra-ordenações puníveis com coima de EUR. 249.39 a EUR.2.493,98 as violações ao disposto no art.º 160º a 162º:
Art.º 161º- Não é permitida a exploração de qualquer modalidade afim do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159.º por entidades com fins lucrativos, salvo os concursos de conhecimentos, passatempos ou outros, organizados por jornais, revistas, emissoras de rádio ou de televisão, e os concursos publicitários de promoção de bens ou serviços.
No caso a arguida explorava uma máquina que continha modalidades afins de jogos de fortuna ou azar.
Dispõe o artigo 18º do RGCOC que a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
Ora, face ao atrás exposto, atento o facto de se ter apurado benefício económico obtido pela arguida em função da prática da contra-ordenação mas atentos os antecedentes criminais da arguida, tratar-se apenas de uma máquina e a sua situação económica (não se apuraram rendimentos para alem de dois automóveis com matrículas superiores a 10 anos) entende-se adequado e proporcional fixar a coima em EUR. 1.000,00 (mil euros).
DISPOSITIVO
Pelo exposto e decidindo, o Tribunal julga a acusação deduzida pelo Ministério Público contra a arguida A..., parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente:
a. Absolve a arguida da prática do crime de exploração ilícita de jogo, p.p. pelo art.º 108º do Decreto-Lei nº 422/89 de 19/01, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 10/95 de 19/01, com referência aos artigos 4º/1 al. g) do mesmo diploma legal, que lhe era imputado.
b. Condena a arguida pela prática da contra-ordenação p.p. pelos artigos 161º e 163º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 19/01 na coima de EUR. 1.000,00 (mil euros).
c. Declara perdidos a favor do estado a máquina e o dinheiro apreendidos nos autos - Art.º 109º/1 e 2 do Código Penal e 116º e 117º da Lei do Jogo;
(…)  

V - Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
2. O recurso será julgado em conferência, atento o disposto no art.º 419.º n.º 3 alínea c) do C.P.Penal.
3. O Ministério Publico no seu recurso restrito a matéria de direito, pediu a condenação da arguida pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.° 108° do Decreto-Lei n° 422/89 de 19/01, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 10/95 de 19/01, com referência aos artigos 4°/1 al. g) do mesmo diploma legal, que lhe era imputado.
4. Da qualificação jurídico-penal.
No recurso interposto está apenas em causa a qualificação jurídico-penal dos factos dados como provados.
Dispõe o art° 108 n° 1 que "Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois e multa até 200 dias.
Dispõe por sua vez o n° 2 que “será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade explorador”.
De acordo com o artigo 1.° “Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
São elementos constitutivos do crime de exploração de jogo ilícito:
a) a exploração de jogo de fortuna ou azar;
b) fora dos locais a essa exploração legalmente destinados;
c) tendo o agente consciência que tal tipo de jogo é de fortuna ou azar e que a sua conduta é vedada por lei.
A tutela penal adstrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar.
É evidente que a máquina em causa enquadra a previsão do disposto no art.º 4º, nº 1, alínea g), do Decreto-lei n.º 422/89, de 2.12, com as alterações dadas pelo Decreto-lei n.º 10/95, de 19.01.
Determina o art.º 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a título exemplificativo, e começando por indicar qual o local onde os jogos de fortuna ou azar são autorizados, a saber, nos casinos, que, quanto aos jogos em máquinas, existem:
«f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
 g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.»
 No que respeita às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, define-as, o art.º 159º, n.º 1, como sendo «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico».
 Também, nesta vertente, o legislador explicita a elencagem exemplificativa das modalidades afins, no n.º 2, deste preceito normativo, considerando as rifas, tômbolas, sorteios, concursos de conhecimentos e passatempos.
 O critério da distinção entre o tipo de ilícito penal e contra ordenacional assenta em crivos material – que parte das categorias legais, e teleológico – ligado à protecção do bem jurídico que assume relevante valor com ressonância ético-social, v.g. os efeitos perversos na dinâmica familiar, social e laboral, repercutindo-se na criminalidade grave e potenciador de adição psicológica, exigindo a constituição do tipo legal de crime, por contraponto à menor ressonância, reflexo do menor valor dos quantitativos em jogo e das limitadas expectativas criadas, nas modalidades afins.
A máquina em apreço nos autos diverge das que foram objecto de apreciação e estiveram na origem da jurisprudência fixada no Acórdão Uniformizador pelo STJ.
 Como decidiu, entretanto, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção, de 27 de Outubro de 2010, disponível em www.dgsi.pt:
«O jogo da máquina dos presentes autos (com a designação Decoratives Marbles), não tem as características da máquina a que se reportou o supra referido AFJ, o qual apreciou a situação de máquinas de jogo expostas ao público em cafés, sem autorização da DGJ, máquinas para serem utilizadas pelos frequentadores de tais cafés, nas quais o jogador introduz moeda no manípulo fazendo sair, de forma aleatória, cápsula contendo senhas, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, ou em coisas com valor económico, caso as senhas contidas no interior da cápsula uma, ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz, não pagando tais máquinas, directamente, fichas ou moedas.
 - No caso em apreciação, a máquina examinada desenvolve jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo da roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos. O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado, que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio. A mesma máquina não desenvolve tema de espécie de rifa ou tômbola, independentemente de ser mecânica ou eléctrica.
 - O jogo na referida máquina apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro. Por isso, o jogo da máquina no presente caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no referido AFJ sobre a definição de jogo de fortuna ou azar».(…)
A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só é permitida nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporariamente criadas por Decreto Lei, ou fora daqueles, nos casos excepcionados nos artsº 6º a 8º do mencionado diploma ( art.º 3º nº 1 do DL 422/89 de 2/12 na redacção introduzida pelo DL 10/95 de 19/01).
Temos assim que o legislador quis que as máquinas cujos jogos tenham resultados dependentes essencialmente do acaso tenham o seu uso confinado às zonas de jogo autorizado e que os jogos proporcionados pelas mesmas sejam considerados de fortuna ou azar quer paguem ou não directamente prémios em dinheiro ou fichas.
Com é por todos sabido, com a redacção do art.º 159º n.º 1, introduzida pelo Dec. Lei nº 10/95, de 19/1, alterou-se o cerne da distinção entre o conceito de jogo de fortuna ou azar e modalidade afim, porquanto, também o ganho deste podia, agora, residir “conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte” . Ou seja, agora, tanto no jogo de fortuna ou azar como na modalidade afim, a contingência do resultado podia derivar apenas da sorte, o que trouxe algumas dificuldades práticas na definição e delimitação do jogo de fortuna ou azar.
Acompanhando a conclusão plasmada no douto Acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/95 e que vai ao encontro da posição agora expressa no Acórdão do STJ nº 4/2010, a distinção entre os dois conceitos - jogo de fortuna ou azar/modalidade afim - há-de partir das próprias categorias legais, ou seja, da definição da lei: devem ser considerados jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja exploração nos termos dos art.º 1 e 4º da actual redacção do Dec. Lei nº 422/89, de 2/12, é autorizada nos casinos.
Assim, todas as modalidades de jogo que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1º e 4º daquele diploma legal, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
. os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
. os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Como já referimos, pretende o legislador acautelar os efeitos devastadores que certos jogos potenciam pelo seu poder aditivo no jogador, por isso, aqueles onde a expectativa de ganho é limitada ao prémio predefinido, por não haver este risco são considerados jogos de modalidades afins.
Como consta do exame e conclusão da ASAE:
“O funcionamento descrito, designadamente a intervenção do jogador no resultado do jogo com o tema "COLORAMA ", permite concluir que se trata de um equipamento que desenvolve um jogo de fortuna ou azar, uma vez que o resultado é contingente, por assentar exclusivamente na sorte, não dependendo, portanto, de qualquer perícia do jogador, enquadrando-se desta forma no disposto no artigo 1° do Decreto-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações do Decreto-Lei n° 10/95, de 19 de Janeiro, Decreto-Lei n.° 4012005 de 17 de Fevereiro, Lei n° 64-A/2008 de 31 de Dezembro e republicado pelo Decreto-Lei n.° 114/2011 de 30 de Novembro.
Relativamente ao equipamento em análise, enquadra-se na alínea g) do n°. 1 do artigo 4° do citado diploma, uma vez que, é um equipamento que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolve um tema próprio dos jogos de fortuna ou azar e que apresente como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte.
Ora, a exploração de jogos de fortuna ou azar e a exposição e divulgação de material de jogo só é permitida em casinos e em salas de jogo devidamente autorizadas, integrando os factos a previsão dos artigos 1°, 3° e 4°, n° 1, alínea g) e consubstanciam ilícito criminal p. e p. pelo artigo 108° e 115°, todos do Decreto-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações do Decreto-Lei n° 10195, de 19 de Janeiro, Decreto-Lei n.° 4012005 de 17 de Fevereiro, Lei n° 64-A/2008 de 31 de Dezembro e republicado pelo Decreto-Lei n.° 114/2011 de 30 de Novembro.”
“Ora, analisando o tipo de jogo, considerando os factos dados como provados, e ainda o teor do exame pericial junto aos autos, facilmente se constata que os mesmos funcionam como um jogo reservado aos Casinos, conforme ressalta do disposto no art. 4°, n.° 1, al. g) do DL 422/89, de 2 de Dezembro.
Acresce que, o tipo de máquina apreendida nos autos não pode ser considerado idêntico ao das máquinas de jogo mencionadas no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.° 4/2010, de 8 de Março publicado do D.R., I.ª Série, de S de Março de 2010, que fixou: "Constitui modalidade afim, e mio i4ço de fortuna ou azar nos termos dos arts 159.º, n.° 1, 161.º 162.º e 163° do Decreto-lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro na redacção do Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando o manípulo, faz sair de forma aleatória unia cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público."
A máquina apreendida nestes autos não possui qualquer cartaz e não desenvolve jogo nos moldes constantes do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, pelo que, salvo melhor opinião, não poderá este ser aqui aplicável.
Certamente se admitirá que quem usa estas máquinas não irá gastar uma pequena fortuna nas mesmas, como recorrentemente ocorre em casino.
Mas não é menos certo que a existência dessas máquinas, pelo vício que desenvolvem nos seus jogadores, que estão, no caso, totalmente dependentes da fortuna ou azar, impõem a quem legisla e fiscaliza especiais atenções, porquanto não há jogador (maior ou menor de idade) que se limite a gastar nas mesmas.
É certo que na mesma foi apreendida pequena quantia monetária.
No entanto, não se apurou quando foram feitas as últimas recolhas dos valores nela existentes o que a ter ocorrido há pouco tempo, poderá justificar a razão pela qual tinham apenas essas pequenas quantias armazenadas.”
Assim, encontram-se preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos da prática pela arguida, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido nos termos do art.° 108° n° 1 e 2, do Decreto-lei n° 422/89 de 2 de Dezembro, com referência aos artigos 1°, 3.º e 4° n° 1 al. g) do mesmo diploma, na redacção dada pelo Decreto-lei n° 10/95 de 19 de Janeiro, Lei nº 28/2004, de 16/07, Decreto-Lei nº 40/2005, de 17/02 (subsequentemente alterado pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 e Decreto-Lei nº 114/2011, de 30/11).
5. Da medida da pena.
A moldura penal abstracta prevista para o crime praticado pela arguida é de prisão até dois anos e multa até 200 dias -  cfr. artigo 108º, nº 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro).
Relativamente à medida da pena, atente-se naquilo que a esse respeito se refere no Ac. do S.T.J. de 6/05/1998 in B.M.J. n°477, p.100:
"1 - Sendo a culpa, o juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa.
2 - As exigências da prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena.
3 - A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade determina a fixação da medida concreta da pena num "quantum" situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa .”
Tendo a arguida praticado facto típico, ilícito e culposo e não se encontrando reunidos os pressupostos da dispensa de pena, impõe-se a aplicação de pena, como consequência jurídica da prática do crime.
O artigo 71.° do Código Penal, no seu número 1, estabelece que "A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos por lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção".
Por seu turno o n°2 do mesmo normativo legal, estabelece, que: "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Conforme se verifica da sentença recorrida, as circunstâncias agravantes e atenuantes foram analisadas criteriosamente.
A arguida explorava um estabelecimento comercial pelo que é um facto notório pelo que se trata de pessoa de média condição económica e social.
A arguida não confessou a prática dos factos, sendo certo que o factor arrependimento é um elemento que avalia a personalidade do arguido e atenua a sua responsabilidade criminal. (vd. Acórdão do S.T.J de 21 de Junho de 2007, in www.dgsi.pt : “2 – Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância.”).
In casu, as exigências de prevenção geral são elevadas atenta a danosidade social que representa a disseminação de jogos de fortuna ou azar à margem da regulamentação legal existente, que normalmente possibilita o enriquecimento indevido (e ilícito) de quem os explora, à custa do património de quem a eles acede.
Ao que acresce, atento o modo de funcionamento de tais jogos, que a obtenção dos ganhos prometidos se acaba por revelar extremamente difícil, ou mesmo impossível de obter, sendo certo que os respectivos equipamentos se encontram normalmente em locais públicos, sendo, por isso, de fácil acesso a qualquer pessoa.
Já no que concerne às exigências de prevenção especial, as mesmas apresentam-se mais reduzidas, já que o jogo explorado pela arguida não lhe permitiria obter ganhos de elevados montantes, sendo certo que a mesma se apresenta profissional, familiar e socialmente inserida.
Importa considerar o dolo directo da actuação da arguida e o grau mediando de ilicitude dos factos, por estarmos apenas perante uma máquina e se desconhecer o período de tempo de funcionamento da mesma no estabelecimento.
A arguida tem antecedentes criminais, por factos semelhantes, factor que valora negativamente, em sede de prevenção especial. As exigências de prevenção geral são muito elevadas face ao número de situações que se tem verificado.
No caso concreto, tribunal optar-se-á pela aplicação de pena não privativa da liberdade em detrimento de pena de prisão, pois face à conduta da arguida a mencionada sanção satisfaz de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial bem como as finalidades da punição – vd. art.º 70.º do C.Penal.
O montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado por forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura e dessa forma assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve, sem que, naturalmente, deixe de assegurar ao condenado um mínimo de rendimentos para que possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar ( cfr, Acórdão da RC de 17/04/02, CJ, XXVII, tomo II, 57).
Quanto ao quantitativo de tais penas de multa, atendendo à situação económica e financeira da arguida e aos encargos que suporta - cfr. artigo 47º, nº 2, do C. Penal – julga-se adequado fixar tal quantitativo em €5,00 (cinco euros) diários, correspondente ao mínimo legalmente previsto para o efeito, nomeadamente tendo em conta que aquela situação julga-se não justificar a fixação de um quantitativo de medida superior.
Partindo da factualidade apurada, à ausência de confissão e arrependimento, o grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo do agente, o grau de violação dos deveres impostos, as consequências relevantes da conduta, os antecedentes criminais, e sua situação pessoal bem como as exigências de prevenção geral e especial, este Tribunal decide (vd. art.ºs 71.º e 43.º, ambos do C.Penal) aplicar a pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa, ao abrigo do disposto no artº 44.º nº 1 do Cód. Penal e, ainda numa pena de 100 (cem) dias de multa.
Tendo-se decidido aplicar à arguida a pena de 100 dias de multa e de 5 meses de prisão, substituída esta por 150 dias de multa, nos termos do artigo 43º, nº 2 do C. Penal e 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, cumpre proceder à soma das aludidas penas de multa, razão pela qual se condena a arguida na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz a multa global de 1 250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros).

VI – Termos em que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, se condena a arguida A... como autora material de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 1°, 3°, 4° e 108°, todos do Decreto-Lei nº 422/89 de 02/12, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19/01, Lei nº 28/2004, de 16/07, Decreto-Lei nº 40/2005, de 17/02 (subsequentemente alterado pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12), na pena de 100 (cem) dias de multa e 5 (cinco) meses de prisão, substituída esta última por 150 (cento e vinte) dias de multa, ambas à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que, efectuada a soma das penas de multa parcelares, resulta na condenação da arguida na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 €, num total de 1 250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros);
Custas pela arguida, sendo de 3UC a taxa de justiça.
 (Acórdão elaborado e revisto pelo relator- vd. art.º 94 º n.º 2 do C.P.Penal)
                                                  Lisboa, 11 de Janeiro de 2017
                                                       
Fernando Estrela

Guilherme Castanheira