Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9441.17.3T8LSB.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÕES
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

1. Carlos …… interpôs recurso de apelação do despacho saneador proferido na ação declarativa, sob a forma de processo comum, que intentou contra CM, GF, PG, JR, OA, JC, MS, IC, AS, SG, MC, JF e LM.
2. O Autor formulou o pedido de anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia-Geral de Condóminos do prédio sito na Rua ………, Monte da Caparica, realizada no dia 18.2.2017 e, subsidiariamente, que se julgue ineficaz a aprovação da despesa com a advogada e custos judiciais como custos comuns suportados pelo Autor.
Alega, em suma, que:
- Em fevereiro de 2017, foi convocado para a realização da Assembleia-Geral Ordinária de Condóminos, a realizar no dia 18.2.2017;
- Quando teve conhecimento do teor da ata da Assembleia-Geral, verificou que existem várias irregularidades;
- Na respetiva ata não está justificada a legitimidade das pessoas que intervieram como titulares das frações, não se sabendo quem representava, o que representava, se podia ou não votar e o valor do voto;
- A única informação que é possível retirar é a descrição dos nomes dos condóminos que consta da primeira página e uma assinatura no nome de quem supostamente esteve presente;
- No início da constituição da Assembleia- Geral, é declarado que estavam presentes 475 de permilagem, mas não indica os nomes dos proprietários presentes;
- O Réu JF, que exerceu a função de Presidente da mesa, assinou na qualidade de proprietário da sua fração (5.2 C), mas também no nome do 1.2 A (Réu CF);
- Também se constata que a mesma pessoa assinou no 5.2 A (Ré SG);
- Assinou também na qualidade de proprietário do 5.2 B (Réu MC);
- Não consta da ata qualquer referência a condóminos que estivessem representados, pelo que fica o Autor sem saber quem efetivamente se encontrava na Assembleia-Geral, quem tinha poderes de representação e qual o conteúdo dos eventuais poderes de representação;
- Não tendo sido feita referência a representação por procuração, presume-se que as mesmas não existem pois é feita referência à sua existência, e não vieram juntamente com a cópia da ata remetida ao Autor;
- Desta forma, não é possível apurar com o mínimo grau de certeza exigível que as deliberações tomadas na Assembleia-Geral de 18.2.2017 foram efetivamente aprovadas;
- No ponto 1. «Análise e aprovação das contas do exercício de 2016», consta que as contas apresentadas foram aprovadas por unanimidade;
- Na análise das contas do exercício de 2016, a administração levou a custos a serem suportados por todos os condóminos, incluindo o Autor, custo com advogada (1 451,40 €) e custos processos judiciais (306,00 €);
- É manifestamente abusivo o facto da administração de condomínio ter levado a votação e ter sido aprovado que as despesas de honorários de advogado e de taxas de justiça sejam custos para 2016 e sejam suportadas por todos os condóminos, incluindo o Autor;
- Acresce ainda, quanto ao Ponto 5. da Assembleia-Geral de 18.2.2017, que o Autor já comunicou e enviou prova da existência de seguro na fração que lhe pertence;
- Aliás, a questão do seguro é também pertinente, pois não se percebe também que, tendo o Autor seguro válido da fracção, lhe seja imputado o custo de quota-parte de seguro do condomínio.
A ação foi intentada nos Juízos Cíveis de Lisboa.
3. Os Réus contestaram, deduzindo as exceções da incompetência em razão do território e da litispendência e impugnando os factos bem como o valor da causa.
4. Foi declarada a incompetência do Juízo Local Cível de Lisboa em razão do território e determinada a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de Almada.
5. O Autor foi convidado a responder à demais matéria de exceção, o que fez.
Juntou, após convite para o efeito, certidão predial do prédio e respetivas frações.
6. Foi convidado, posteriormente, a fazer intervir nos autos como Réus os condóminos que ainda não sejam parte na ação, o que declinou, pugnando pela legitimidade dos demandados.
7. Após, foi despacho saneador, do qual consta o seguinte:
«Concluo, destarte, que se impõe a demanda de todos os demais condóminos do prédio, que não sejam já parte do processo.
Tendo sido formulado convite ao autor nesse sentido, veio o mesmo decliná-lo, pugnando pela verificação da legitimidade com a demanda dos ora réus.
Assim, em conformidade com a posição assumida, resta ao Tribunal julgar verificada a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário natural e, consequentemente, absolver os réus da instância – artigos 33º, n.º 2, 278º, n.º 1, alínea d), 576º, n.º 2, 577º, alínea e) e 578º do Código do Processo Civil.
* Por tudo o exposto, absolvo os réus da instância.
Custas pelo autor artigo 527º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Registe e notifique».
8. Não se conformando com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) Apenas os Condóminos que votaram a deliberação que o Autor pretende anular têm interesse em contradizer o pedido formulado;
b) As deliberações em causa foram tomadas apenas com o voto dos condóminos que figuram como Réus na presente acção e ainda assim vinculam todos os condóminos, quer os se abstiveram, quer os que não estiveram presentes, quer os que votaram contra;
c) O n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil faz referência a "(...) os condóminos contra quem são propostas as acções (...)" sendo inequívoco que contempla a situação de que nem todos os têm necessariamente de constar como réus.
d) Defender que existe litisconsórcio necessário natural é desrespeitar a letra e o espírito do n.º 6 do artigo 1433.2 do Código Civil;
e) A decisão do Tribunal a quo faz tábua rasado n.º 6 do artigo 1433.2 do CC, agindo como se tal normativo não existisse.
f) O regime processual do condomínio contempla várias excepções ao regime geral processual civil, pois atribui ao administrador a representação judiciária dos condóminos;
g) A decisão do Tribunal a quo produzirá o seu efeito útil normal uma vez que figuram como réus todos os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações que se impugnam».
9. Os Réus não apresentaram alegações de resposta.
10. No dia 15.5.2019, foi proferido despacho de admissão do recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a questão a apreciar, essencialmente processual, é a de saber quem tem legitimidade passiva para a ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos.
*
III - Fundamentação

Fundamentação de facto

Para além do iter processual descrito no relatório, há que ter em consideração o facto consignado no despacho saneador recorrido:
           
- Resulta da certidão do registo predial junta aos autos que, além dos Réus e do Autor, são ainda condóminos do prédio sito na rua …………., Monte da Caparica, L………, S.A., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração A pela apresentação n.º ……. de 18.1.2016; A ………. e E………, pela inscrição da aquisição a seu favor da fração G pela apresentação n.º ……. de 26.8.2013; J ………. e H…….., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração H pela apresentação n.º ….. de 28.10.1998; M……. pela inscrição da aquisição a seu favor da fração L pela apresentação n.º …. de 11.12.2006; C……….., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração O pela apresentação n.º  …… de 8.9.1998; e J…… e B………., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração U pela apresentação n.º …… de 14.11.2003.          

Enquadramento jurídico        

Da legitimidade passiva na impugnação de deliberações da assembleia de condóminos

1. O Recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida, sustentando que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete apenas aos condóminos que votaram favoravelmente as deliberações (artigo 1433.º, n.º 1, do Código Civil).
No despacho saneador recorrido, sustentou-se a tese de que a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra todos os condóminos.
A problemática da legitimidade passiva na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores (aqui com correntes mais díspares), bem como a doutrina.
Deve ser intentada contra os condóminos que votaram a favor da deliberação, como defende o Recorrente? Ou contra todos os condóminos, na tese plasmada no despacho saneador recorrido? Ou ainda segundo outras duas teses plausíveis: contra o condomínio ou contra o administrador do condomínio?
No sentido de que têm legitimidade passiva os condóminos (sem especificação de quais), alinham-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 26.3.1998 (p. 98A845, sumário acessível em www.dgsi.pt), de 16.6.2005 (p. 05B4296, in www.dgsi.pt), de 24.6.2008 (p. 08A1755, com um voto de vencido, em www.dgsi.pt) e de 29.11.2006 (p. 06A2913, in www.dgsi.pt).
Perfilham o entendimento de que a legitimidade passiva radica nos condóminos que votaram favoravelmente à deliberação impugnada, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 20.9.2007 (p. 07B787, com dois votos de vencido, acessível em www.dgsi.pt) e de 6.11.2008 (p. 08B2784, in www.dgsi.pt), do TRL de 12.2.2009 (p. 271/2009-6, in www.dgsi.pt), de 13.7.2010 (p. 1063/09.9TVLSB.L1-6, in www.dgsi.pt) e de 31.3.2011 (p. 1842/05.6TVLSB.L1-6, in www.dgsi.pt).
No sentido de que a ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, representado pelo administrador, destacam-se os acórdãos do STJ de 14.2.1991 (p. 080355, in www.dgsi.pt), do TRL de 14.5.1998 (Col. Jur., Ano XXIII, Tomo III, pp. 96 a 100), de 28.3.2006 (p. 2075/2005-7, in www.dgsi.pt) e de 14.12.2006 (Col. Jur., Ano XXXI, Tomo V/2006, pp. 121 a 125), do STJ de 29.5.2007 (Col. Jur., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XV, tomo II-2007, pp. 97 e 98), do TRE de 18.9.2008 (p. 1271/08-2, in www.dgsi.pt), do TRL de 25.6.2009 (p. 4838/07.0TBALM.L1-8, in www.dgsi.pt), do TRG de 3.4.2014 (p. 1360/10.0TBVCT.G1, in www.dgsi.pt), do TRP de 11.5.2015 (p. 1167/14.6TBGDM.P1, in www.dgsi.pt) e de 13.2.2017 (p. 232/16.0T8MTS.P1, in www.dgsi.pt). Registe-se ainda neste sentido o acórdão mais recente do TRL de 7.3.2019, em que é 2.ª adjunta a ora relatora (p. 6294/17.4T8LSB.L1-2, com um voto de vencido da 1.ª adjunta, in www.dgsi.pt).
Na doutrina, no sentido da tese propugnada pelo Recorrente, pronunciou-se Abílio Neto, referindo que «Como demandados devem figurar nominativamente todos os condóminos que aprovaram a deliberação ou deliberações impugnadas, por serem estes que têm interesse em contradizer, embora representados seja pelo administrador, seja pela pessoa que a assembleia tiver designado para esse efeito (art. 1433.º-6).
Assim, tal acção não deve ser intentada contra os condóminos a título singular, nem apenas contra o condomínio, nem contra o administrador, uma vez que este apenas intervem como representante judiciário dos condóminos que, através da sua vontade individual, contribuíram para a formação da vontade colectiva» (in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 3.ª edição – Outubro 2006, pp. 348 e 349).
Ainda seguido o mesmo diapasão, Abrantes Geraldes escreveu o seguinte:
«Já quanto à legitimidade passiva, diversamente do que ocorre com as sociedades, não pertence à entidade a quem a lei reconhece personalidade judiciária (condomínio urbano, nos termos do art. 6.º al. e), do CPC), mas aos condóminos que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC» (in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra: Almedina, 2010, p. 109).
No sentido de o condomínio ter personalidade judiciária nestes casos, ainda que com matizes diversas, destacam-se os seguintes autores:
- Aragão Seia, que diz, a propósito, que «Face à actual redacção da al. e) do artigo 6º do CPC, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº 1, do artigo 231º, do CPC –, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção» - Propriedade Horizontal in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios –, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra: Almedina, 2002, pp. 216 e 217;
- Sandra Passinhas, ainda que referindo que a legitimidade passiva cabe ao administrador, entidade que, como é sabido, representa o condomínio, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2000, pp. 336 a 338,;
- Miguel Mesquita, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, Julho/Setembro 2011, em artigo intitulado A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos - anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de junho de 2009, pp. 41 a 56;
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora 2014, p. 41, anotação 5.
Cumpre encontrar a rota mais apurada por entre vasta panóplia de razões.
É a seguinte a fundamentação do despacho saneador recorrido:
«Não obstante as conhecidas divergências jurisprudenciais acerca da legitimidade passiva na ação de impugnação das deliberações do condomínio e da interpretação do disposto no artigo 1433º, números 1 e 6 do Código Civil, afigura-se-nos que a única forma de garantir que a decisão do Tribunal produzirá o seu efeito útil normal é através da vinculação de todos os condóminos, que têm de ser parte na ação.
Uma vez que as deliberações são vinculativas para todos os condóminos – artigo 1º, n.º 2 do DL n.º 268/94 de 25 de outubro – independentemente do seu sentido de voto, abstenção ou não comparência na assembleia, não faz sentido que uma deliberação do condomínio se mantenha válida e vinculativa para alguns - v.g. porque votaram contra e não se quiseram associar ao Autor na propositura da ação, tendo-se conformado com a vigência da deliberação ou porque se abstiveram - e para os que a votaram favoravelmente esteja anulada por decisão cujo caso julgado os vincule.
Ou seja, não fazendo sentido que uma deliberação do condomínio seja simultaneamente válida e vinculativa para os condóminos que votaram contra ou se abstiveram – mas não foram autores na ação de impugnação - e não o seja para outros, que votaram favoravelmente e foram réus na ação - afigura-se que a decisão a proferir só produzirá o seu efeito útil normal se todos os condóminos forem parte na ação, tal como todos os contraentes têm de ser parte na ação em que se discuta a validade do contrato.
Assim, quem não for autor terá de ser réu.
A ação de anulação é uma ação constitutiva, operando uma mudança na ordem jurídica existente – artigo 10º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Civil. “Se o pedido for procedente, a sentença cria novas situações jurídicas entre as partes, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres fundados em situações jurídicas anteriores.” Uma ação de impugnação de deliberação do condomínio julgada procedente eliminará do ordenamento jurídico uma deliberação da assembleia do condomínio, a qual só deixará efetivamente de produzir os seus efeitos, na sua totalidade, se todos os destinatários dessa deliberação – todos os condóminos – estiverem abrangidos pelo caso julgado que se formará.
Face a esta necessidade de abarcar pela decisão a proferir todos os destinatários da deliberação cuja anulação se pede, conclui-se que a exigência do litisconsórcio natural se sobrepõe ao critério de legitimidade singular do interesse em contradizer, que a priori se verificará apenas naqueles que votaram favoravelmente a deliberação e por isso estarão, à partida, interessados em defender a sua manutenção.
Da letra da lei não resulta posição expressa sobre a legitimidade passiva, mas apenas quanto à legitimidade ativa, no n.º 1 do artigo 1433º: “qualquer condómino que as não tenha aprovado”. O n.º 6 refere-se-lhes apenas como “condóminos contra quem são propostas as ações”, nada referindo quanto à posição que esse condómino manifestou – ou não – quanto à deliberação posta à votação e aprovada. Pelo que, não havendo indicação da lei em contrário, tais condóminos poderão ser todos os demais.
Para reforçar o que acima se refere, note-se que se a deliberação em crise respeitar, v.g., à fixação da quotização devida por cada condómino na comparticipação para os encargos e despesas comuns do prédio, e a deliberação vier a ser anulada, os condóminos que não tenham sido parte na ação continuam vinculados ao pagamento dos valores aprovados nessa deliberação, ao passo que os demais estão desvinculados. Os que foram parte na ação poderão ficar, porventura, e até à realização de nova assembleia, obrigados a pagar até então os valores que tinham sido aprovados na assembleia ordinária do ano anterior. Se os valores forem diferentes, existirá uma desigualdade injustificável entre os condóminos, que a imposição do litisconsórcio evitaria. Os condóminos poderão repor a igualdade da repartição dos encargos numa nova assembleia, fixando novos valores, por deliberação que não seja anulada, com efeitos retroativos, abrangendo o período temporal a que respeitava a deliberação anulada. O que evidencia à saciedade que a decisão de anulação da deliberação que não vincule todos os condóminos não compôs definitivamente o litígio, nem produziu o seu efeito útil normal, pois poderá ser necessário um ato extrajudicial, posterior para, v.g., repor a igualdade – embora em termos de proporcionalidade das respetivas permilagens, se não for outro o critério adotado - das contribuições entre condóminos».
O argumento que se destaca no despacho saneador recorrido é o de que a composição definitiva do litígio não vincula todos condóminos, caso não sejam todos demandados.
Mas será mesmo exigível a demanda de todos os condóminos para assegurar o caso julgado quanto a todos?

2. A personalidade judiciária ou processual consiste na susceptibilidade de ser parte (artigo 11.º, n.º 1, do CPC), sendo que a personalidade jurídica coincide, em princípio com a personalidade judiciária (n.º 2 do citado preceito).
No que concerne às pessoas coletivas, o legislador estendeu a personalidade judiciária a entidades, realidades ou coisas desprovidas de personalidade jurídica, como resulta do artigo 12.º do CPC.
À enumeração taxativa de entidades excecionalmente providas de personalidade judiciária, o legislador, na Reforma de 1995/1996, acrescentou o condomínio, prevendo-se no artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 (atual artigo 12.º, alínea e), do CPC de 2013), que tem personalidade judiciária «o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador».
Este preceito aponta na direção do artigo 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a legitimidade para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436.º do mesmo diploma, o qual enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a alínea h), a execução das deliberações da assembleia.
Por seu turno, o n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431.º e 1432.º do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).
Assim, a solução mais correta parece ser a de demandar o condomínio, como se conclui no acórdão do TRP de 13.2.2017: «Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação».
Senão, vejamos.
A tese negatória da legitimidade passiva do condomínio encontra arrimo forte na redação do artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, norma expressamente dedicada à «impugnação de deliberações».
E, de facto, a letra da lei reporta-se aos «condóminos contra quem são propostas as ações» (negrito e sublinhado nossos).
O legislador não afirma que a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a ação incumbe ao administrador, mas, ao invés, que este representa os condóminos.
Sem embargo, a redação deste preceito deriva do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível.
Só com a Reforma de 1995/1996, o artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio.
E o artigo 231.º, n.º 1, do CPC de 1961 (atual artigo 223.º, n.º 1, do CPC de 2013), cuja redação resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).
Chegados a este ponto, verificamos que a atividade interpretativa reclama, em particular neste caso, uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico.
Baptista Machado, repudiando por completo o positivismo jurídico, não deixa, no ponto concreto da interpretação, de lançar mão de todos os pontos evidenciados no artigo 9.º do Código Civil para alcançar o desideratum voluntas legislatoris.
Realça que o texto é o ponto de partida (tendo mesmo uma função negativa, de afastamento ou eliminação de sentidos sem qualquer apoio; mas também positivo quando vários sentidos sejam possíveis nela colher), passando pelo elemento teleológico («o conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (...) em que a norma foi elaborada»), pelo elemento sistemático (o que significa «a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda» (...) «é oportuno referir aqui a descoberta da “geneologia” ou “linhagem jurídico-sistemática” da norma»), mas também o elemento histórico, nele considerando a evolução do instituto, as chamadas fontes da lei e os trabalhos preparatórios, considerando como ponto mais importante de tarefa a busca da unidade do sistema (cf. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, pp. 181 e ss).
Numa linha de pensamento muito próxima, Francesco Ferrara refere que «o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto, em toda a plenitude que assegure tal tarefa» (apud voto de vencido do Juiz Conselheiro Urbano Dias, no acórdão do STJ de 24.6.2008, p. 08A1755, in www.dgsi.pt).
Também Castanheira Neves ensina que o «problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos. Uma "boa" interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto» (Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, ed./reimpressão 2013, p. 84).
Isto leva-nos a aderir à interpretação atualista do citado artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, preconizada por Miguel Mesquita, que propugna a tarefa interpretativa de substituir a expressão condóminos pela palavra condomínio.
À pergunta se atuará o condomínio no seu próprio interesse, autonomizando-se verdadeiramente dos condóminos, responde-nos sabiamente Miguel Mesquita, valendo a pena recorrer a esta citação mais longa do autor:
«Pensamos que não. Em nosso entender, o condomínio é a face processual dos condóminos (assim como uma comissão é a face dos comissionados), não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a "máscara" do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.
O condomínio é a "capa" processual dos condóminos, uma "capa" que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. Com os comissionados ocorre, exactamente, a mesma coisa.
A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio. Como, na doutrina alemã, FIABSCITEID reconhece, após rejeitar, relativamente às associações não personalizadas, a figura da substituição processual, "a parte permanece o conjunto dos respectivos membros (die Gesamtheit der jeweiligen Mi tglieder). Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.
Enquanto o substituto processual se distingue da parte substituída, a pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.
Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial» - obra citada, pp. 50 e 51.
E esta interpretação atualista tem também como alvo o artigo 383.º, n.º 2, do CPC (artigo 398.º do CPC de 1961), cuja redação permanece inalterada desde 1967.
Este preceito, relativo ao procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, diz-nos que «é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação».
Como explica Miguel Mesquita, «À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos» (obra citada, p. 54).
Dentro do mesmo registo, sem prejuízo de diferenças a assinalar, sustenta Sandra Passinhas que o administrador «age como representante orgânico do condomínio» e que «a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador».
Acrescenta ainda a autora que «As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador» (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2.ª reimp. da 2.ª ed. de janeiro/2002, Coimbra: Almedina, pp. 346 e 347).
Sem prejuízo de a autora sustentar que parte legítima é o administrador do condomínio, pensamos que não se apartará muito da tese da interpretação atualista supra expendida, pois acaba por assinalar e aderir ao entendimento do acórdão do TRL de 14.5.1998, no seguinte trecho:
«Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 1998, CJ, III, pág. 96 e ss., "entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no artigo 1433.º, n.º 6. (...) Significa isto que, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. (...) Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal nas acções de anulação das deliberações decorre que, para cabal cumprimento do disposto no artigo 476.º, n.º 1, alínea e), do C.PCivil, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas acções, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado» (obra citada, p. 347).
Ainda a propósito da tese de Sandra Passinhas, chamamos a atenção para a jurisprudência do citado acórdão do TRL de 7.3.2019, no qual se escreveu o seguinte:
«(…) independentemente desta aparente incongruência (decorrente da citação do ac. do TRL) não há dúvida de que para esta autora o administrador está na acção como representante do condomínio e não dos condóminos que aprovaram as deliberações (considerando que, nas acções do art. 1437 do CC, que não necessariamente nesta, o administrador é a própria parte, embora em substituição processual, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, em vários post’s colocados no blog do IPPC – em 01/03/2015, O que significa o disposto no art. 1437.º CC?; em 06/03/2018, Jurisprudência (805); em 21/01/2019, Jurisprudência 2018 (158); -, e Paula Costa Silva, citada no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, e Antunes Varela, CC, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 455, mas este sem referência à substituição processual; Lebre de Freitas e Miguel Mesquita criticam estas posições – da substituição processual -, obras citadas, págs. 43-44 e 50/51, respectivamente, entre o mais porque o administrador não tem um interesse próprio)».
Decorre do exposto que «o condomínio é a parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador» (Miguel Mesquita, obra citada, p. 54).
Ainda que o rumo traçado não fosse a interpretação atualista da lei, no limite sempre seria de seguir o raciocínio forjado no acórdão do TRL de 28.3.2006.
Segundo este aresto, o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos.
Acrescentamos ainda um argumento a pari, esgrimido no acórdão do TRP de 13.2.2017, onde se escreve que:
«(…) também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio» (negrito e sublinhado nossos).
Volvendo ao caso concreto, este concede ainda mais força a esta interpretação no sentido de um exercício mais ágil do direito de ação.
Como escreveu Miguel Mesquita, «Quanto ao nosso problema, a necessidade de identificar todos os condóminos pode ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Na realidade, a lei não exige que sejam mencionados os condóminos que votaram a favor de uma deliberação. O art. 1.º do DL n.º 268/94, de 25/10, exige apenas que as actas das assembleias de condóminos sejam "assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado" (4º). Estas duas razões de fundo levam-nos a pensar que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa» (obra citada, pp. 55 e 56).
E – conclui o autor – «Os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil» (obra citada, p. 56).
Desta identificação diabólica nos dá conta o Autor na petição inicial, ao dizer que no início da constituição da Assembleia-Geral de 18.2.2017, é declarado que estavam presentes 475 de permilagem, sem a indicação dos proprietários presentes e que a única informação que é possível retirar da ata é a descrição dos nomes dos condóminos que contam da primeira página e uma assinatura no nome de quem supostamente esteve presente, não constando qualquer referência a condóminos que estivessem representados.
Resta acrescentar que não é obstáculo a este entendimento a eventualidade de o administrador perder o poder de representação de ser ele próprio, na qualidade de condómino, a propor contra o condomínio uma ação de impugnação da deliberação. Nesta hipótese, decorre do artigo 1433.º, n.º 6, in fine, do Código Civil, que a assembleia terá de nomear um representante para esse efeito.
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Perante a fundamentação de facto e de Direito expendida, não se adere à tese do Recorrente (legitimidade dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação), nem se confirma a fundamentação do despacho saneador recorrido (litisconsórcio necessário quanto a todos os condóminos).
O que significa que a apelação deve improceder, mantendo-se a decisão recorrida de absolvição da instância dos Réus por ilegitimidade, mas com fundamentos diversos.
Por ter ficado vencido no recurso, as custas ficam a cargo do Apelado, ao abrigo dos artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, e do CPC.
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IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho saneador recorrido, com outros fundamentos.
Mais se condena o Autor/Apelante nas custas do recurso.
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Lisboa, 11 de julho de 2019
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira