Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3824/10.7TBVFX.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
SUCUMBÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Considerando a diferença de redacção do anterior art.º 11.º n.º2 do CCJ, em confronto com o actual art.º12.º n.º2 do Regulamento das Custas Judiciais, essa alteração só pode querer significar que o legislador entendeu retirar à falta de indicação do valor da sucumbência, a consequência que tinha na legislação anterior.
II - Assim, da redacção actual do preceito, impõe-se concluir que se mantém a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza, mas caso falte essa indicação, uma vez que o valor da sucumbência esteja determinado ou determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter em conta para efeitos de cálculo da taxa de justiça.
III - Com a disposição em análise pretendeu o legislador evitar que a parte recorrente tenha de pagar custas determinadas pelo valor inicial do processo, quando apenas discorda parcialmente da decisão, ou quando está em causa apenas uma parte do valor total.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I-RELATÓRIO
Caixa Geral de Depósitos, S.A instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra os executados Mário e Maria.
Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo “na parte respeitante aos pedidos de pagamento de juros moratórios pelos executados, que excedam a taxa legal de 4% ao ano. Custas, nesta parte pela exequente”.
A Caixa Geral de Depósitos, notificada do despacho liminar proferido, não se conformando com o mesmo recorreu do mesmo, recurso que é de apelação.
Seguidamente a Caixa Geral de Depósitos foi notificada pela Secretaria para pagamento da taxa de justiça e multa – art.º 685.º -D n.º1 do CPC, apresentou nos termos do art.º 161.º n.º5 do CPC reclamação daquele acto para o Juiz, por considerar não ser devido o pagamento da referida taxa de justiça e multa, uma vez que já tinha procedido ao pagamento de taxa de justiça no valor de € 306,00.
Por despacho proferido, a fls., o Juiz da causa indeferiu a reclamação.

Inconformada com esse despacho, a Exequente dele interpôs recurso de apelação.
Tal recurso não foi admitido com fundamento em que o valor da sucumbência do Recorrente (€ 1530,00) é inferior a metade da alçada do Tribunal e portanto, inadmissível o recurso ao abrigo do disposto no art.º 678.º n.º1 do CPC.
Veio então a Recorrente reclamar para este Tribunal, deste último despacho, sustentando, no essencial, o seguinte:
Dispõe o art.º 27.º n.º6 do Regulamento das Custas Judiciais que da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso.
Assim, a decisão do tribunal a quo, ao não admitir o recurso com o fundamento que o valor da sucumbência não permite recurso, violou o disposto no art.º 27.º n.º6 do Regulamento das Custas Processuais.”
Essa reclamação, nos termos do art.º 688.º do CPC foi atendida e foi admitido o recurso interposto.
Nos termos do art.º 688.º n.º6 do CPC foi ordenada a requisição do processo principal para conhecimento do recurso.
A Apelante formulou as seguintes conclusões de recurso:
1. O tribunal “a quo” indeferiu a reclamação apresentada pela Apelante e condenou-a no pagamento de taxa de justiça no valor de € 1.020,00, bem como no pagamento de multa nos termos do art. 685º-D do CPC, por entender que a Apelante não indicou expressamente o valor do recurso, pelo que se teria de atender nesse caso ao valor da acção.
2. A Apelante é parte principal da causa e ficou vencida na parte dos juros peticionados que excedem a taxa de 4%.
3. Nos termos do Código Processual Civil só se atende ao valor da causa para fixar o valor do recurso quando existir dúvida quanto ao valor da sucumbência e se tal dúvida for fundada.
4. Ora, no caso em apreço, não existe qualquer dúvida quanto ao valor da sucumbência, porquanto o mesmo resulta de um simples cálculo aritmético.
5. Atento o exposto, o valor da sucumbência é de € 5.476,76, sendo que a Apelante apenas tem legitimidade para recorrer desta parte do despacho liminar, única parte em que ficou vencida.
6. Entendendo que o valor a atribuir ao recurso é o valor da acção, a douta decisão recorrida violou o disposto no art. 678º, n.º 1 do CPC.
7. Invoca a sentença recorrida que o art. 12º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais impõe ao Recorrente que indique o valor do recurso, sob pena de se atender ao valor da acção.
8. Ora, a Apelante não pode concordar com tal interpretação, pois os “restantes casos” a que se refere o art. 12º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais são os casos em que o valor da sucumbência não é determinável, ou seja, são os casos duvidosos, a que igualmente se refere o art.678º, n.º 1 do CPC.
9. A falta de indicação do valor do recurso não implica que se atenda ao valor da acção, quando o valor da sucumbência é determinável.
10. No presente caso, o valor da sucumbência decorria de mero cálculo aritmético, diferença entre os juros peticionados a 6% e juros peticionados a 4%, pelo que era facilmente determinável.
11. Acresce que a Recorrente indicou que recorria da “decisão recorrida quando indefere liminarmente o requerimento executivo na parte respeitante aos pedidos de pagamento de juros moratórios pelos executados, que excedam a taxa legal de 4% ao ano” e pagou taxa de justiça para recursos no valor de € 2.000,01 a € 8.0000,00 (cfr. DUC apresentado com as alegações de recurso).
12. Atento o princípio da cooperação, sempre se deveria entender que faltando a indicação expressa do valor, o juiz deveria ter convidado a Recorrente a indicar o mesmo.
13. Acresce que, o valor da acção é de € 5.896.551,30 e o valor de recurso é de € 5.476,76, pelo que entendendo-se no presente caso que se deveria atender ao valor da acção, quando o valor da sucumbência é facilmente determinável, mediante simples cálculo aritmético, se violou o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º CRP.
14. Nestes termos, requer-se a V. Exas. que se dignem considerar como não devida o pagamento da taxa de justiça e da multa em que foi condenada a Exequente.

Não foram apresentadas contra alegações.

Cumpre apreciar e decidir:

II - OS FACTOS
A factualidade com relevo para a decisão é a que consta do relatório supra.

III - O DIREITO
Atentas as conclusões do recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a questão que importa conhecer consiste em saber se, no caso em apreço, é devida a taxa de justiça e multa a cujo pagamento a Exequente foi condenada pelo Tribunal a quo.
No caso em apreço, a Apelante recorre do despacho do Juiz que decidiu ser devida a taxa de justiça e multa aplicadas nos termos do art.º 685-D do CPC. Entendeu o Tribunal que não tendo a Recorrente indicado no requerimento de interposição de recurso o respectivo valor, deve prevalecer o valor da acção e não o valor da sucumbência para efeitos de fixação do valor da taxa de justiça.
Estabelece o art.º 12.º n.º2 do Regulamento das Custas Judiciais que” nos recursos o valor é o da sucumbência quando esta for determinável devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso, nos restantes casos prevalece o valor da acção.”
Coloca-se a questão de saber o que sucede no caso em que o valor da sucumbência está perfeitamente determinado, mas o recorrente não indica, no requerimento de recurso, o respectivo valor. Deverá considerar-se o valor da sucumbência ou o valor da acção?
O entendimento subjacente à decisão da 1.ª instância pressupõe que a sanção imposta pela lei em relação à falta de indicação do valor do recurso consiste na prevalência do valor da acção, para efeitos de cálculo da taxa de justiça. Ora, afigura-se-nos que não é essa a melhor interpretação da norma. Diz-se no preceito legal que “nos restantes casos prevalece o valor da acção”. Quais são os restantes casos a que a lei se refere? São aqueles recursos em que o valor da sucumbência não é determinável. Porque nos casos em que o valor da sucumbência é determinável é esse o valor do recurso. Nos casos em que o valor da sucumbência não é determinável, como é lógico, o valor do recurso só poderá ser o da acção. E então qual o sentido de a lei atribuir ao recorrente o dever de indicar no requerimento de interposição do recurso o valor da sucumbência? E qual a consequência, caso o não indique?
Antes de tentar encontrar uma resposta para estas questões vejamos a redacção do art.º 11.º do Código das Custas Judiciais que viria ser revogado pelo actual Regulamento das Custas Judiciais aprovado pelo D. L. n.º 34/2008 de 26-02:
Estabelecia assim:
1-Nos recursos, o valor da causa é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso.
2-Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação,[1] o valor do recurso é igual ao valor da acção”.
Como se verifica, é patente a diferença de redacção. Enquanto no anterior art.º 11.º n.º2 do CCJ, se estabelecia, claramente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção, na redacção actual não se diz isso. Mantendo embora a obrigação de indicação por parte do Recorrente do valor do recurso, não estabelece qualquer sanção para a respectiva falta. Tendo em conta a clareza do preceito anterior, a alteração nos termos descritos só pode querer significar que o legislador entendeu retirar à falta de indicação do valor da sucumbência, a consequência que tinha, na legislação anterior. Assim, da redacção actual do preceito, impõe-se concluir que se mantém a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza, mas caso falte essa indicação, uma vez que o valor da sucumbência está determinado ou determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter em conta para efeitos de cálculo da taxa de justiça. Pela simples leitura do requerimento de interposição de recurso fica claro que a utilidade económica do pedido recursório é circunscrita e limitada, pelo que é ajustado que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva proporção. Com a disposição em análise pretendeu o legislador evitar que a parte recorrente tenha de pagar custas determinadas pelo valor inicial do processo, quando apenas discorda parcialmente da decisão, ou quando está em causa apenas uma parte do valor total do processo[2].
Ora, no caso em análise, o valor da sucumbência decorria de mero cálculo aritmético, resultante da diferença entre os juros peticionados a 6% e os juros considerados legais pelo Tribunal, de 4%, pelo que o valor da sucumbência era facilmente determinável. O valor dessa diferença era de € 5.476,76, pelo que era esse o valor da sucumbência e consequentemente o valor do recurso. Assim, o valor da taxa de justiça liquidado pela Exequente, ora Apelante foi o correcto. Não é devida a taxa de justiça e multa definidas no despacho recorrido.
Procedem as conclusões da Apelante, pelo que se impõe revogar o despacho recorrido e considerada paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso anteriormente interposto do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo na parte relativa aos juros, deverá ser proferido despacho sobre a admissibilidade desse recurso e fixação do respectivo efeito e regime de subida, seguindo-se os demais termos legais.

IV- DECISÃO
Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso e, por consequência, considerar não devida a taxa de justiça e multa a cujo pagamento a Apelante foi condenada pelo despacho recorrido que se revoga.
Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2013

Maria de Deus Correia
Teresa Pardal
Carlos Marinho
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[1] Sublinhado nosso.
[2] Vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2010, disponível em www.dgsi.pt, que embora no âmbito do art.º 11.º do CCJ proferiu uma decisão fazendo apelo às razões substanciais do preceito com prevalência sobre os aspectos estritamente formais.