Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2051/12.3TYLSB-G.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: REMUNERAÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. O administrador de insolvência tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, sendo essa remuneração composta por uma parte fixa e, caso venha a ser aprovado um plano de recuperação ou a liquidação da massa insolvente, por uma parte variável.
II. A redacção dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, ao art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, no tocante à forma de cálculo da remuneração variável, é de aplicação imediata nos processos pendentes, pelo que sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a data de entrada em vigor do diploma, deve ser calculada nos termos da nova redacção do mesmo.
III. Em caso de liquidação da massa insolvente, estabelece expressamente o nº 7 do referido artigo 23º que, para determinação da remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz, se deve atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
IV. Assim, o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas por aplicação directa dos 5% sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  I. Relatório
A. R., SA, foi declarada insolvente por sentença de 22/04/2014, na qual foi nomeado como administrador da insolvência a Srª Drª M. O.   
Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para liquidação.
Foram apreendidos e liquidados bens.
Foram reclamados créditos e em 02/12/2016 foi proferida sentença. Foram reconhecidos créditos no valor global de €1.385.300,71.
Foram prestadas contas da administração da massa insolvente, julgadas validamente prestadas por sentença de 15/05/2019, transitada em julgado. Consta da conta corrente apresentada pela Administradora da Insolvência que as receitas importaram em € 368.423,77 e as despesas em €2.829,00 € (nas quais se inclui a remuneração fixa, no valor de €2.460,00).
Em 06/04/2022 foi elaborada a conta nos autos, resultando da mesma que as custas são no montante de €3.923,50.
Em 06/05/2022, o tribunal proferiu Despacho do qual resulta que a remuneração variável da Sr.ª Administradora da Insolvência é no valor de €12.850,11€, a suportar pela massa insolvente.
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Notificada deste despacho, a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou requerimento e juntou a fórmula de cálculo, segundo a qual a remuneração variável devia ser fixada em €35.054,99, a qual acrescida de IVA importaria em €43.117,64.
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Sobre este requerimento recaiu, em 30/06/2022, o seguinte Despacho:
«Veio a Sr.ª AI reclamar do despacho datado de 20.5.2021 quanto à fórmula do cálculo da remuneração variável adoptado, por força da entrada em vigor da Lei 9/2002 de 11.1, prevendo o art.º 10º ser este regime aplicável aos processos pendentes.
Analisemos:
Estabelece o art.º 60 nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que o Administrador da Insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto.
Por seu turno, estabelece o art.º 23 nº 1 do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26.2 que “o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia”.
Já o nº 2 deste mesmo preceito estatui que “os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior.”
Por conseguinte, o Administrador da Insolvência tem direito à remuneração fixa e à remuneração variável. A remuneração fixa é no montante de 2.000,00€ nos termos do art.º 1 da Portaria 51/2005 de 20.1, sendo paga em duas prestações de 1.000,00€ cada.
A remuneração variável apenas é devida quando há liquidação e é calculada nos termos dos n.ºs 4 a 6 do referido artigo 23º e em consonância com as tabelas publicadas em anexo à mencionada portaria.
No que tange especificamente à remuneração variável, importa ter presente o seu escopo de premiar o trabalho desenvolvido pelo Administrador da Insolvência de modo a incentivá-lo a optimizar o mais possível o seu desempenho em benefício dos credores.
Há assim um nexo de causalidade entre a recuperação da insolvente ou o resultado da liquidação e a actuação do Administrador da Insolvência. Assim, a divisão da remuneração variável deverá ser efectuada por referência aos actos de liquidação praticados pelo administrador e na proporção do respectivo valor.
Destarte, in casu, tendo todo esse trabalho de liquidação sido desenvolvido pela Sr.ª Administrador de Insolvência antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022 de 11.1.2022, tendo inclusive a liquidação sido encerrada em 30.10.2017, há quatro anos e meio portanto, é nosso entender, acompanhando o sentido de mais jurisprudência deste Tribunal, dever a respectiva remuneração variável ser fixada em harmonia com a legislação vigente à data do encerramento da liquidação, não se afigurando existir legítimas expectativas a acautelar justificativas de orientação diversa.
Pelo que mantenho o anteriormente decidido.
(…)»
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Inconformada, apelou a Sra. Administradora da Insolvência, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O administrador judicial é remunerado pelo exercício das respectivas funções, nos termos previstos no EAJ.
2. O administrador judicial nomeado pelo juiz tem direito a auferir, além da remuneração fixa prevista no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, a remuneração variável, em função do resultado da liquidação da massa insolvente, prevista no n.º 2 daquele mesmo artigo.
3. A remuneração variável é paga a final, aquando do encerramento do processo de insolvência, momento em que há lugar à determinação do respectivo montante, ordenando-se o seu pagamento.
4. O n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que alterou a redacção do artigo 23.º do EAJ, dispõe, o seguinte: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor”.
5. A solução do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, segue o princípio de aplicação imediata da lei nova aos processos em curso, decorrente do artigo 12.º do Código Civil.
6. O artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, não estabeleceu nenhum regime transitório especial para o artigo 23.º do EAJ, excluindo a sua aplicabilidade imediata aos processos pendentes.
7. A nova redacção do artigo 23.º do EAJ aplica-se ao Proc. n.º 2051/12.3TYLSB, porque estava pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
8. O valor da remuneração variável que a Apelante tem direito a auferir pelos serviços que prestou enquanto Administradora Judicial no processo de insolvência supra identificado e correspondentes apensos, deverá ser determinado segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
9. O Tribunal a quo fez uma interpretação errada e censurável do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, quando decidiu aplicar ao caso em apreço a redacção anterior do artigo 23.º do EAJ, isto é, a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril.
10. O Tribunal a quo errou, de forma censurável, quando determinou o valor da remuneração variável à Apelante segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, violando, assim, a lei, cometendo uma injustiça e lesando os direitos e interesses da Apelante.
11. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de todos os actos de liquidação terem sido praticados pela Apelante antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, e, ainda, no facto de a liquidação ter sido declarada finda em 30/10/2017, também antes da entrada em vigor daquela lei.
12. Não se compreende tal fundamentação, que, face à lei, se mostra errada e censurável.
13. A remuneração variável vence-se na data do encerramento do processo, momento adequado para determinar qual o valor da remuneração variável, para cujo cálculo são necessários outros elementos para além do valor do produto da venda, tais como os montantes necessários para pagamento das dívidas da massa e das custas dos processos judiciais pendentes à data da declaração de insolvência, grau de satisfação dos créditos reclamados, etc.
14. O legislador não fez depender a aplicação imediata da redação do artigo 23.º do EAJ, dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, aos processos pendentes da data da prática dos actos de administração e liquidação da massa insolvente que determinam o direito do administrador judicial à remuneração variável.
15. O facto da liquidação ter sido declarada finda em 30/10/2017, não exclui a aplicação do artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, ao caso concreto em apreço, pois o processo principal (de insolvência), no qual, nos termos legais, é determinado o valor da remuneração variável e ordenando o seu pagamento, estava pendente à data da entrada em vigor da referida Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
16. O valor da remuneração variável a auferir pela Apelante deverá ser determinado nos termos da lei em vigor à data do seu vencimento, ou seja, segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, aplicável aos processos pendentes por força do n.º 1 do artigo 10.º da mesma Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
17. O presente recurso terá necessariamente que proceder e, em consequência, deverá ser proferido acórdão, que revogue o despacho recorrido (com a ref.ª 417206798), proferido em 30/06/2022, determine, segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, o valor da remuneração variável à Apelante, fixando-o em €43.117,64 (quarenta e três mil cento e dezassete euros e sessenta e quatro cêntimos), e ordene o seu pagamento à Apelante nos termos legalmente previstos.
Terminou peticionando que, na procedência do recurso, seja proferido acórdão que revogue o despacho recorrido e determine, segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, o valor da remuneração variável à Apelante, fixando-o em €43.117,64 (quarenta e três mil cento e dezassete euros e sessenta e quatro cêntimos).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 21/11/2022.
Foram colhidos os vistos.
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II- Objecto do recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, importa decidir se da aplicação no tempo das regras de cálculo da remuneração do administrador da insolvência alteradas pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro e caso se venha a concluir pela aplicação desta lei se a remuneração deve corresponder, automaticamente, a 5% do montante dos créditos satisfeitos ou se para efeitos da fixação de tal remuneração, se deve atender ao grau de satisfação dos créditos, correspondendo a mesma a 5% da percentagem dos créditos admitidos que foram satisfeitos.
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IV- Fundamentação
A) De Facto
Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.
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B) De Direito
O processo de insolvência é um processo especial, regido pelas normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, nos termos dos art.ºs. 17º, nº 1, do CIRE.
Nos termos do art.º 60º do CIRE:
1 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
2 - Quando eleito pela assembleia de credores, a remuneração do administrador da insolvência é a que for prevista na deliberação respectiva.
3 - O administrador da insolvência que não tenha dado previamente o seu acordo à remuneração fixada pela assembleia de credores pela actividade de elaboração de um plano de insolvência, de gestão da empresa após a assembleia de apreciação do relatório ou de fiscalização do plano de insolvência aprovado, pode renunciar ao exercício do cargo, desde que o faça na própria assembleia em que a deliberação seja tomada.
As regras relativas ao montante da remuneração do administrador da insolvência e à sua forma de cálculo constam do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26 de Fevereiro, mais precisamente do seu artigo 23º, o qual foi alterado pela Lei nº 9/2022, de 11/01 e que entrou em vigor no dia 11 de Abril de 2022.
No caso concreto está em causa a fixação do valor da remuneração variável do administrador da insolvência, nomeado em processo em que ocorreu liquidação do activo.
O art.º 23º do EAJ, na sua versão original, prescrevia quanto a esta matéria:
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.
2 - O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.
3 - Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1.
4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
5 - O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.
6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
A norma foi alterada pelo Dec. Lei nº 52/2019, de 17/4, mas sem qualquer alteração do nº4, assinalando-se que a portaria prevista relativa à forma de cálculo das remunerações nunca veio a ser publicada.
Havia, porém, sido publicada na vigência da Lei nº 32/2004 de 22 de Julho, o estatuto do administrador da insolvência revogado pela Lei nº 22/2013, a Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, que estabelecia, no seu nº3 e tabelas anexas, a forma de cálculo da remuneração variável do administrador da insolvência em processos de liquidação que, para este tipo de processos, continuou a ser utilizada, por ser a única forma de cálculo legalmente prevista e cuja formulação se adequava aos critérios previstos na lei nº 22/2013.
O artigo 23º do EAJ veio a ser alterado pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, cujo art.º 5º deu ao preceito a seguinte redacção:
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro).
2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto.
3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.
10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro).
11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.
Como se diz no Ac. da RL de 28.01.2020, relatora: Amélia Rebelo, subscrito pela ora relatora na qualidade de 1ª adjunta e que pode ser consultado in www.dgsi.pt (…) o legislador exprimiu expressamente o seu pensamento em matéria de atribuição do direito a remuneração variável quer nos casos de homologação de plano de recuperação (no âmbito de processo de insolvência ou no âmbito de processos de revitalização ou de aprovação de plano de pagamento), quer no caso do prosseguimento dos autos para liquidação. Nesta matéria – atribuição do direito - não existe uma qualquer lacuna, nem na definição da base de cálculo ou critério referência para determinação da atribuição da remuneração variável devida ao administrador judicial provisório - pois que para esse efeito previu e definiu o resultado da recuperação (nºs 2 e 3 do art.º 23º) -, nem nos termos em que se procederá à quantificação da dita remuneração.
Traduz esta a opção do legislador do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas que, nesta como em outras matérias, se demarcou do regime de casuística judicial praticado na vigência do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23 de Abril e revogado pelo DL n.º 53/2004, de 18/03 que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), no âmbito do qual e nos termos do art.º 34º do CPEREF (aplicável ex vi art.º 5º do Dec. Lei nº 254/93 de 15.07 e 132º daquele diploma), na fixação da retribuição ao liquidatário judicial nomeado mandava atender ao parecer dos credores, à prática das remunerações seguidas na empresa, e às dificuldades das funções desempenhadas, critérios ‘abertos’ cuja avaliação, ponderação e concretização era feita caso a caso, sem limites quantitativos mínimo e máximo, potenciadores de distintas práticas remuneratórias nas diferentes comarcas do País, em função da singular valoração judicial de cada critério, a par com a singular valoração das concretas vicissitudes do processo e do seu grau de complexidade, e das funções nele exercidas pelo liquidatário. No CIRE esta forma de definição da remuneração subsiste residualmente, apenas nos termos previstos pelos art.ºs 23º, nº 6 (relativamente à remuneração que exceda o montante de €50.000,00 quando a remuneração que resulta da aplicação das taxas e fatores previstos pelas tabelas anexas à Portaria exceda esse valor), 25º (remuneração pela gestão de estabelecimento compreendido na massa insolvente), 26º-A, nº 2 (remuneração do administrador judicial com funções de apreciação de créditos reclamados entre devedores do mesmo grupo), e 27º (remuneração do administrador judicial provisório no processo de insolvência), todos do Estatuto do Administrador Judicial. Já a remuneração prevista para o Administrador da Insolvência nomeado pelo juiz e substituído pela assembleia de credores, surge novamente determinada por recurso a critérios objetivos, que se traduzem na remuneração que seria devida por recurso aos critérios percentuais previstos pelas tabelas anexas à Portaria, considerando como valor base de cálculo, e no caso da insolvência liquidatária, as receitas que para a massa insolvente resultaram das diligências por aquele realizadas (no que se inclui a atividade de apreensão), aferidas proporcionalmente ao montante total apurado para satisfação de créditos recuperados, sendo o valor assim calculado reduzido a um quinto. Previsão legal que precisamente mais não visa do que prevenir e obstar à duplicação ou a um acréscimo da remuneração total que seria devida no processo pelo exercício do cargo de Administrador Judicial, nos casos em que este é sucessivamente exercido por mais do que um (norma que consideramos extensivamente aplicável aos casos em que ocorre substituição do inicialmente nomeado, seja por destituição, doença prolongada ou óbito).
Entendeu o tribunal a quo que, in casu, tendo o trabalho de liquidação sido desenvolvido pela Sr.ª Administradora, ora recorrente, antes da entrada em vigor da Lei nº 9/2022 e tendo, inclusive, a liquidação sido encerrada em 30/10/2017, deve a respectiva remuneração variável ser fixada em harmonia com a legislação vigente à data do encerramento da liquidação, ou seja, de acordo com os critérios estabelecidos no art.º 23º do EAJ na redacção anterior.
Segundo Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 46, a solução de problemas relacionados com a aplicação da lei processual no tempo …vem a cada passo formulada na nova lei através de disposições transitórias especiais destinadas a definir o seu campo temporal de aplicação.”, e que existem ainda regras transitória setoriais ou parcelares e, finalmente, o regime geral “aplicável ao comum das leis processuais sempre que não haja disposição transitória, especial ou sectorial em contrário.
No mesmo sentido pode ver-se o Ac. STJ de 20/03/2022, relator Jorge Arcanjo, in www.dgsi.pt: Na sucessão de leis no tempo, o problema terá que ser resolvido, em primeiro lugar, através de normas de direito transitório especial (ou seja, normas da própria lei nova que disciplinem a sua aplicação no tempo), depois pelas normas de direito transitório sectorial (ou seja, que regulem na aplicação no tempo das leis sobre certa matéria), e finalmente por normas de direito transitório geral (ou seja, que definam o modo de aplicação no tempo da generalidade das leis, independentemente da matéria sobre que versam).
Só na ausência de qualquer regime especial é que se deve indagar, sucessivamente, da existência de normas de direito transitório sectorial ou de direito transitório geral - como é o regime fixado no art.º 12 do CC - para, na sua falta, recorrer aos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência.
Estabelece o artigo 10º da Lei nº 9/2022:
Artigo 10.º
Regime transitório
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.
2 - O disposto nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a redação introduzida pela presente lei, apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor.
3 - Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei.
4 - O disposto no número anterior não prejudica a tramitação e o julgamento, na primeira instância ou em fase de recurso, de quaisquer questões pendentes relativas ao incidente de exoneração do passivo restante, tais como as referentes ao valor do rendimento indisponível, termos de afetação dos rendimentos do devedor ou pedidos de cessação antecipada do procedimento de exoneração.
Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/09/2022, relatora: Fátima Reis Silva, subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta, também in www.dgsi.pt:
Como se verifica da leitura do preceito, o legislador tomou posição expressa sobre a aplicação das regras da presente lei aos processos em vigor, replicando a regra geral de aplicação da lei processual no tempo estabelecida entre nós: a aplicação imediata da lei nova nos casos não previstos nos nºs 2 a 4.
A norma transitória em causa não resolveu todos os problemas de aplicação da lei no tempo de forma imediata. Para concluir pela sua aplicabilidade sem qualquer outra indagação teremos que começar por determinar se a regra do art.º 5º (a alteração do art.º 23º EAJ quanto à forma de cálculo da remuneração variável) é uma regra processual, atenta a circunscrição que a lei efetuou à aplicabilidade nos processos pendentes.
As normas em questão são, claramente, normas adjetivas ou processuais. A lei manteve o direito à remuneração dos administradores e os respetivos critérios apenas tendo alterado a forma de cálculo. Pese embora conduza a resultados diferentes (conforme uma ou outra forma de cálculo), respeita à mesma atividade e remunera as mesmas funções, tenham elas sido exercidas ao abrigo da lei nova ou velha.
Seguidamente há que analisar a questão da aplicação aos processos pendentes e alcance da expressão.
Toda a doutrina processual mais abalizada distingue entre a aplicabilidade da lei no tempo aos atos processuais e aos efeitos dos atos processuais.
Quanto aos atos processuais, a regra é da aplicação imediata da lei nova (art.º 12º nº1, 1ª parte do CC), “o que implica a observância do princípio tempus regit actum  na sua dupla vertente: a de que os actos processuais são regidos pela lei vigente no momento da sua realização e a de que os actos praticados no domínio da lei antiga permanecem admissíveis e válidos.” 7 [Castro Mendes e Teixeira de Sousa em Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pg. 7]5.
No tocante aos efeitos dos atos processuais aplicam-se as regras do art.º 12º do CC – o respeito pelos atos processuais já praticados pode exigir que se pratiquem atos ou se sigam trâmites previstos na lei antiga.
No caso, a fixação da remuneração variável é, claramente, um ato processual e não o efeito de um (ou mais) atos processuais.
Remunera-se o administrador da insolvência pelas funções exercidas, compreendendo todos os atos praticados no exercício das suas funções. O direito à remuneração variável não nasce com a prática de atos processuais concretos, mas sim com a nomeação e exercício de funções, ao longo de todo o processo. Logo, não pode considerar-se a fixação da remuneração variável como um efeito de atos processuais anteriores, constituindo, antes, um ato processual, necessário para chegar ao apuro do montante final a distribuir pelos credores e ao fim do processo, quer em sentido de cumprimento das finalidades do processo, quer em sentido estrito como ato a praticar necessariamente antes do rateio final.
Assim, sem qualquer dúvida, a regra do art.º 10º nº1 da Lei nº 9/2022 é aplicável a esta previsão concreta e, desde que o ato de fixação da remuneração seja praticado após a entrada em vigor da lei – 11 de abril de 2022, nos termos do seu artigo 12º -, como o presente o foi, deve ser efetuado o cálculo segundo as regras em vigor ao tempo.
Mesmo que aplicássemos ao caso o disposto no art.º 12º do CC, ignorando a existência de uma regra transitória especial, como parece ter sido a solução dada pelo tribunal recorrido, chegaríamos à mesma conclusão:
- o ato foi praticado depois da entrada em vigor da lei, não afetando quaisquer efeitos já produzidos. Note-se que sendo a remuneração variável, o direito existe desde o exercício de funções, mas só se constitui após fixada e vencida (nos termos do art.º 29º nº5 do Estatuto, sem prejuízo do nº 7 do art.º 23º) – cfr. nº1 do art.º 12º do CC;
- não se trata de lei que disponha sobre condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos (nos termos já explicitados) – 12º nº 2, 1ª parte do CC;
- não existe dúvida na aplicabilidade imediata dada a existência de norma especial transitória, uma vez que, como refere Maria João Matias Fernandes [8 Em Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pg. 61] “Existirá dúvida sempre que o legislador não edite uma solução particular de direito transitório.” – art.º 12º nº 1, 1ª parte, do CC;
- finalmente, ainda que assim se considerasse, incide sobre uma relação já constituída, abstraindo dos factos que lhe deram origem – como é o caso das relações duradouras, exemplo referido por António Menezes Cordeiro 9 [Em Código Civil Comentado – I - Parte Geral, CIDP/FDUL, Almedina, 2020, Coordenação de António Menezes Cordeiro, pg. 115]. - art.º 12º nº 2, 2ª parte do CC.
Tal como se entendeu no Acórdão em referência e pelos mesmos fundamentos ali expostos, também no caso sub judice concluímos pela aplicabilidade imediata da lei nova, pelo que a remuneração variável do administrador da insolvência deveria ter sido fixada à luz da redação dada pela Lei nº9/2022 ao art.º 23º do EAJ e não nos termos do art.º 23º na versão alterada por aquela lei, impondo-se, assim, a revogação da decisão recorrida.
Considerando o que consta dos autos, foi apurado o valor total de receitas de €368.423,77.
Foram validadas por sentença transitada em julgado despesas de €2.829,00, montante ao qual, em primeira linha, há a deduzir o valor de €2.460,00, relativo à remuneração fixa do Sr. Administrador da insolvência, atento o disposto na parte final do nº6 do art.º 23º do Estatuto, na versão dada pela Lei nº 9/2022, obtendo-se, assim, o valor de €369,00.
Somando esta quantia ao total das custas, ou seja €3.923,50, obtém-se um total de deduções elegíveis de €4.292,50.
Mostra-se indiscutido nos autos que o valor das receitas é de €368.423,77.
Assim, o valor a considerar como resultado da liquidação é de €364.131,27, pelo que a remuneração para efeitos do disposto no art.º 23.º, n.ºs 4, al. b), e 6, do EAJ importa em € 18.206,56 - 5% do resultado da liquidação da massa insolvente.
Passando ao cálculo da majoração prevista no nº 7 do art.º 23º, deduzem-se do resultado da liquidação a remuneração fixa e a remuneração variável achada - €364.131,27 – (2.460,00 e 18.206,56) = €343.464,71, achando-se o montante a distribuir pelos credores, ou seja, o que vai constituir o valor dos créditos satisfeitos, que é de €343.464,71. 5% deste montante corresponde a €17.173,23.
Aqui chegados, defende a Sr.ª Administradora da Insolvência que, para efeitos de fixação da remuneração variável, se deve atender apenas ao valor de 5% sobre o resultado da liquidação.
Não é este o nosso entendimento, conforme já exposto no Ac. desta mesma Relação de 22/12/2022, publicado in www.dgsi.pt e cuja fundamentação, nesta parte e por que totalmente justificada no caso sub judice, passamos a transcrever:
O nº 7 do aludido artigo 23º estabelece que o valor alcançado nos termos que ficaram supra referidos, é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos. 
Como se diz no Ac. da RC de 25/10/2022, relator: Emídio Francisco Santos, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt:
“A interpretação da lei tem como base e como limite a respectiva letra.
A letra é a base à interpretação pois é por ela que deve começar a interpretação. Funciona como limite, pois segundo o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil a lei não poderá valer com um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Sobre a importância da letra na interpretação, importa dizer, socorremo-nos das seguintes palavras de Manuel de Andrade, que «… a letra da lei não servirá apenas para traçar o quadro dos sentidos legais possíveis. Compete-lhe ainda propor uma graduação entre eles. É que uns terão no texto uma expressão bastante natural, desafogada e perfeita; outros, pelo contrário, só uma expressão mais ou menos constrangida, desairosa, inapropriada. Daí uma certa razão de preferência a favor dos sentidos com melhor qualificação literal, mesmo não sendo eles, simultaneamente, os portadores das soluções mais justas» [Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 26].
Guiados por estas palavras, há que reconhecer que nenhum dos sentidos em confronto é excluído pela letra do n.º 7 do artigo 23.º do estatuto. Com efeito, a letra da lei tanto relaciona a majoração da remuneração variável com o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos como a associa ao montante de créditos satisfeitos. Ao dizer que «o valor alcançado … é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitido» relaciona a majoração com o grau de satisfação dos créditos reclamados. Ao afirmar que o «valor alcançado é majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos» associa a majoração com o montante dos créditos satisfeitos.
Mas se nenhum dos sentidos é excluído pela letra, aquele que tem nela a melhor expressão é o que lhe foi dada pela decisão recorrida. Com efeito, enquanto este dá conteúdo útil a tudo que se afirma no preceito, o sentido que lhe é dado pela recorrente despreza um dos segmentos do preceito, concretamente aquele que afirma que o valor da remuneração variável é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.
 Se o legislador tivesse acolhido a posição sustentada pela apelante bastava ter dito que a majoração era de 5%, sem necessidade do segmento em discussão.
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil). Salvo recorrendo a uma interpretação ab rogante, não há forma de desconsiderar o segmento da discórdia. No que a esta interpretação concerne, Castanheira Neves, in Curso de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, 1976, pp. 68-9, refere: “O caso extremo da interpretação ab-rogante ou revogatória, quando a conciliação entre aqueles dois elementos essenciais da norma legal – a expressão verbal ou a letra e pensamento normativo ou o espírito – seja de todo impossível, já porque a expressão é absolutamente incorrecta (caso decerto pouco provável), já porque o texto enuncia um sentido também absolutamente incompatível com o pensamento normativo, como sobretudo acontecerá nas hipóteses de antinomias insuperáveis (no caso concreto concorrem normas lógica ou normativamente contraditórias).” Esta interpretação, na medida em que se traduz na negação de sentido e valor a uma disposição legal, apenas é concebível em casos extremos, nomeadamente em casos de contradição intra-sistemática inultrapassável, o que entendemos não ser o que se verifica no caso presente.
Por outro lado, o facto de o nº 1 do art.º 23º ter deixado de remeter para qualquer Portaria e ter passado ele próprio a estabelecer o modo de cálculo sem fazer referência à percentagem de créditos satisfeitos, também não afasta a interpretação que implica o achamento da percentagem de créditos satisfeitos.
O artigo 23º do EAJ na redacção anterior estabelecia:
“(…)
5 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 3 e 4 é majorado,
i) em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos,
ii)  pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1”.
Por sua vez, resultava da Portaria nº 51/2005, de 20/01 e respectiva tabela constante do anexo 2:
Percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita //Factor aplicável
Até 5 …………………….…1
De mais de 5 até 10 ……….1,05
De mais de 10 até 20 ……..1.10
De mais de 20 até 30 …….1,20
De mais de 30 até 50 ……1,30
De mais de 50 até 70 ….. 1,40
Superior a 70 ..................1,60.
O nº 7 do art.º 23º do EAJ na actual redacção prevê, conforme consta supra:
“7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado,
i) em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos,
ii) em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
Da confrontação dos preceitos em referência resulta que o grau de satisfação dos créditos, comum à redacção das duas versões da norma, correspondia, na Portaria, à percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita e havia necessidade de o legislador a escalonar de 0% a 100% porque fazia incidir sobre cada escalão um factor de majoração crescente. No que concerne à lei actual, a única diferença é que esse factor de majoração é único, 5%, não havendo, assim, necessidade de a lei fixar escalões de percentagens de satisfação dos créditos, determinando-se em cada caso em função dos créditos admitidos e dos créditos satisfeitos e sobre ela incidindo o factor de majoração de 5%.
Não é de aceitar que, na alteração do regime legal sobre a mesma matéria, o legislador utilize a mesma e exacta expressão com sentidos diferentes – “grau de satisfação os créditos”, a  qual correspondia, sem qualquer dúvida, à percentagem dos créditos satisfeitos, conforme consta expressamente no Anexo II da Portaria 51/2005; na actual lei aquela expressão não pode deixar de ter o mesmo sentido ou alcance, sendo que a circunstância de não remeter para portaria é porque, de facto, deixou de ser necessário.
É certo que foi intenção do legislador com esta alteração legislativa aumentar a remuneração dos Administradores de Insolvência e de acordo com esta actual fórmula de majoração da remuneração, há inegável acréscimo remuneratório pela aplicação de 5% sobre a percentagem dos créditos satisfeitos, face ao que resultava da aplicação de qualquer um dos factores previstos pela Portaria 51/2005, de 1 a 1,60. Estes  incidiam, não sobre um qualquer valor (percentual) do resultado da liquidação, mas sobre a primeira parcela da Remuneração Variável, sendo que esta já correspondia ao resultado da incidência/aplicação de duas taxas (ou de uma se o resultado da liquidação não superasse os €15.000,00) sobre o montante disponível para pagamento aos credores.
Deste modo, resulta expresso da lei que não foi intenção do legislador passar a consagrar a remuneração variável do administrador alheia ao grau de sucesso da satisfação dos créditos, sendo esta a interpretação que melhor se adequa ao texto da lei e ao espírito do legislador.
Para além do Ac. TRC supra citado, podem ver-se no mesmo sentido os Acs. TRC de 28/09/2022, relatora: Maria Catarina Gonçalves, de 11/10/2022, relator: Arlindo Oliveira, do TRE de 29/09/2022, relator: Tomé de Carvalho, todos disponíveis em www.dgsi.pt e ainda os Acs do TRP de 11/10/2022, relator: João Diogo Rodrigues e de 11/10/2022, relatora: Márcia Portela, ao que sabemos, não publicados.
Por estes fundamentos, não acompanhamos o entendimento do Acórdão proferido nesta mesma data por este Tribunal da Relação de Lisboa – Proc. n.º 415/13.4TYLSB-E.L1, relatora: Fátima Reis Silva e no qual a ora relatora lavrou voto de vencimento.
Considerando o supra referido, para calcular o grau de satisfação dos créditos, há que considerar o valor efectivamente disponível para pagamento aos credores que, no caso, como se viu, é de €343.464,71.
Foram reconhecidos nos autos créditos no valor global de € 1.385.300,71, pelo que o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 24,79% = €343.464,71 x 100 : €1.385.300,71. Deste modo, a majoração a que alude o art.º 23º, n.º 7, do EAJ, é = €343.464,71 x 5% x 24,79%, perfazendo o montante de €4.257,25.  
A remuneração variável devida à Sra. Administradora da Insolvência é, pois, de €27.630,49, com IVA incluído = (€18.206,56 + €4.257,25) + 23%.
Deve, pois, ser fixada a remuneração neste valor, sendo o recurso parcialmente procedente. 
*
IV- DECISÃO
Por todo o exposto, acordam as Juízas deste colectivo em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, e em consequência, revogar a decisão recorrida que fixou a remuneração variável da recorrente em €12.850,11 e fixar tal remuneração em €27.630,49, incluindo IVA.
Custas do recurso pela recorrente na proporção do decaimento – art.º 527º do C.P.Civil.
Registe e notifique.

Lisboa, 24/01/2023
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro