Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
49/19.0YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: MARCAS
RISCO DE CONFUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. No caso de uma «família» ou «série» de marcas, o risco de confusão resulta do facto de o consumidor se poder enganar quanto à proveniência ou à origem dos produtos ou dos serviços abrangidos pela marca cujo registo é pedido e considerar, erradamente, que esta faz parte dessa família ou série de marcas.
II. Embora não se possa excluir totalmente que, em determinados casos, a coexistência de marcas anteriores no mercado possa eventualmente diminuir o risco de confusão constatado entre duas marcas em conflito, tal eventualidade só pode ser tomada em consideração se, pelo menos, no decurso do processo respeitante aos motivos relativos de recusa se demonstrar que a referida coexistência assentava na inexistência de risco de confusão, no espírito do público pertinente, entre as marcas anteriores que invoca e a marca anterior da interveniente na qual a oposição se baseia e sob reserva de as marcas anteriores em causa e as marcas em conflito serem idênticas.
III. A inércia perante o conhecimento do registo de sinal confundível pode determinar a denominada “preclusão por tolerância”, prevista no artigo 267º do CPI/2003 ou no artigo 261º do CPI/2018, ou seja a perda do direito de requerer a anulação do registo da marca posterior, relativamente à qual se verifique a “tolerância” pelo período referido nos citados preceitos, ou a opor-se ao seu uso, em relação aos produtos ou serviços nos quais a marca posterior tenha sido usada, salvo se o registo da marca posterior tiver sido efectuado de má-fé, mas não determina a impossibilidade de reagir a marcas posteriormente pedidas ou ao seu uso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa,
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I. RELATÓRIO.
“A Brasileira, Lda.” veio, ao abrigo do disposto nos artigos 39.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Diretor de Marcas do INPI que concedeu o registo
da marca nacional n.º 596634
, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e não seja admitida a concessão do registo da marca.
Alegou em síntese, que é titular do nome de estabelecimento nº 17665 «A BRASILEIRA», requerido em 07/04/1908 e concedido em 16/11/1908, que é titular da Insígnia de Estabelecimento nº 65, com o seguinte sinal  pedida em 25/04/1942 e concedida em 03/04/1943, da marca nacional nº 150631, pedida em 28/07/1908 e concedida em 27/11/1908, para assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice «géneros coloniais, especiarias, chás, cafés e sucedâneos», da marca nacional nº 157275 “A Brazileira”, pedida a 30/03/1939 e concedida a 13/01/1940, para assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice «géneros coloniais, especiarias, chás, cafés e sucedâneos» e que é proprietária do estabelecimento comercial “A Brasileira”, sito no Chiado, em Lisboa.
Mais alegou que a marca em confronto é confundível com os sinais da Recorrente, atendendo, designadamente, à notoriedade das marcas e à fama do estabelecimento, destinando-se a assinalar produtos idênticos, pelo que deverá ser recusado o seu registo, sendo que a sua concessão potenciará a concorrência desleal ainda que não intencional.
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Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 43º do CPI, tendo o INPI apresentado a pronúncia de folhas 34 e ss.
A Recorrida Domingos Godinho Ribeiro e Ca, Lda. apresentou resposta ao recurso a folhas 45 e seguintes, pugnando pela manutenção do despacho do INPI.
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Veio então a ser proferida sentença que julgou improcedente o recurso.
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Inconformada com tal decisão, veio a sociedade “A Brasileira, Lda.” dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
a) Dispõe o Artigo 239°, n.° 1, alínea a) do C.P.I., que será recusado o registo das marcas que contenham a reprodução ou imitação total ou parcial de marca anteriormente registada por outrém para o mesmo produto ou produto semelhante que possa induzir em erro ou confusão o mercado.
b) Nos termos do Artigo 245° do C.P.I. considera-se usurpada, no todo ou em parte, a marca destinada a serviços ou produtos inseridos na mesma classe ou sub classes diferentes mas de afinidade manifesta, que tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.
c) A Recorrente é titular do logotipo no 47179 (conversão do nome de estabelecimento 17655), da insígnia de estabelecimento n ° 65, da marca nacional no 150631, da marca nacional no 157275 e proprietária do estabelecimento comercial "A Brasileira", sito no Chiado, em Lisboa.
d) A marca da ora Recorrida caracteriza-se pela expressão "café A Brasileira" para assinalar na classe 43 «serviços de estabelecimentos de venda e consumo de cafés; cafés».
e) No que toca aos produtos a que os sinais se reportam, estes são afins. Com efeito, para se aferir da semelhança entre os produtos ou serviços interessa apurar se os mesmos, sendo concorrenciais, têm a mesma utilidade e fim ou são complementares. Não existem, no caso em apreço, dúvidas quanto à existência de afinidade dos produtos assinalados pelos sinais em confronto já que estão em causa serviços de estabelecimento, cafés e produtos alimentares, ou seja, serviços e produtos que podem ter a mesma finalidade, os mesmos circuitos comerciais e destinam-se ou podem destinar-se ao mesmo tipo de consumidor.
f) O consumidor que se depara com os sinais da recorrente e a marca da recorrida pensará, com certeza, dada a sua semelhança que todas pertencem à mesma entidade ou entidade associada. Pois a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter de outro pois o consumidor nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento pelo que a comparação que entre elas pode haver não é simultânea mas sucessiva. Ora se dois sinais são comparados um perante o outro são as diferenças que ressaltam ao passo que quando dois sinais são vistos sucessivamente é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece pelo que nesse momento apenas as semelhanças ressaltam.
g) Por isso a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos da marca. É, assim, por intuição sincrética que deve proceder-se à comparação de marcas. A este propósito escreve Paul Mathély referindo que o risco de confusão pode situar-se a um nível mais forte, quando o comprador toma a marca imitadora pela marca imitada convencido que está a comprar um objecto distinguido pela marca autêntica, ou a um nível mais fraco, quando o comprador se apercebe de uma certa distinção entre as marcas, imitadora e imitada, mas estabelece uma ligação entre elas, como os objectos por elas distinguidos, atribuindo-os à mesma origem ou proveniência ou, pelo menos, à existência de ligações entre essas origens e proveniências.
 h) Acrescente-se que a possibilidade de confusão deve aferir-se em relação à massa do público a que o produto é destinado - consumidor médio - pois não é o juízo feito por peritos na especialidade que é determinante para aferir dessa confusão. E consumidor médio significa o consumidor de atenção média, excluindo-se quer os peritos quer o consumidor particularmente distraído ou descuidado. Tendo em conta o que fica referido parece-nos evidente a possibilidade de confusão pois a identidade entre as marcas em causa cria no público erro ou confusão sobre a proveniência dos produtos que, por associação de ideias, os consumidores podem associar ser a mesma.
i) Há pois um forte risco de associação entre os sinais em confronto podendo o público atribui-los à mesma origem ou entidade associada. Tendo em conta o que atrás foi referido não pode deixar de considerar-se a possibilidade de confusão fácil entre as marcas em confronto.
j) Acrescente-se, na análise sobre a susceptibilidade de confusão, a notoriedade do sinal imitado sendo que o risco de confusão é maior quando a imitação sugere uma marca que o consumidor imediatamente reconhece. Existe, assim, claramente uma situação concorrencial indutora de confusão quanto ao sinal distintivo, com o risco acrescido de, sendo a marca da recorrente tida por notoriamente conhecida, o público consumidor ser levado a associar o café, entre outos, da Recorrida ao titular daquela (recorrente), com o inerente esvaziamento do seu poder sugestivo.
l) Com efeito, a marca registada da recorrente deve ser considerada notória pelo seu especial poder sugestivo, pelo conhecimento que dela tem o público consumidor e pelo longo uso da sua duração, de acordo com o disposto no Art. 241° do C.P.I..
m) A titular da marca recorrida não faz ainda um uso sério das marcas de que é titular, pelo que a marca recorrida deve assim ser recusada por preencher o disposto na alínea d) do nº 4 do art.° 238° do CPI. Com efeito, a sentença recorrida deveria, salvo melhor opinião, ter tido em consideração este elemento fortemente perturbador da proteção que o próprio conceito de marca visa conferir ao consumidor: afinal o "café a Brasileira" nada tem que ver com o café que a marca parece pretender distinguir, sendo comercializado sob esta marca café Delta...
n) Não se compreende igualmente que a sentença - parecendo acolher a tese do INPI que menciona que os estabelecimentos assinalados com o sinal "A Brasileira" por se situarem em cidades diferentes - Lisboa, Braga, Porto - não se confundem - fundamente a concessão da marca recorrida pela coexistência de estabelecimentos comerciais com o mesmo nome. Ora actualmente existe uma grande mobilidade do público, quer nacional quer estrangeiro, que viaja e que não se limita a visitar a cidade de Lisboa mas todo o país, nomeadamente Porto, Braga, Coimbra, etc. E o público que conheça o café "A Brasileira" da Recorrente, em Lisboa e se depare com o estabelecimento ou marca Recorrida irá associar inevitavelmente os dois estabelecimentos e as marcas em confronto como sendo da mesma entidade ou entidade associada.
o) Parece, pois, querer restringir-se a frequência do estabelecimento da titular da marca recorrida em Braga a um público meramente local, o que não corresponde à realidade hoje em dia. Não pode assim proceder tal argumento invocado pelo INPI, tanto mais que a aceitar-se tal argumento estar-se-ia a limitar o uso de uma marca nacional a parte do território.
p) Ora o titular de um direito de propriedade industrial pode usar em exclusivo esse sinal em todo o território nacional - art.s 40, no 1 e 224º, no 1 do CPI.. E ainda que o titular use o seu direito apenas em parte do território, v.g na cidade de Braga, tal não o impedirá de futuramente o usar em Lisboa ou em qualquer outro local do País. O registo da marca é unitário e de aplicação em todo o território nacional, pelo que não faz sentido conceder uma marca que pode ser usada em todo o território nacional partindo da premissa que tal direito está ou será afecto a uma parte do território, como o INPI parece fazer crer.
q) Por outro lado, a Recorrente pode celebrar licenças ou acordos de exploração das suas marcas com determinadas entidades que legitimarão o uso das mesmas por terceiros. Ora a Recorrente não celebrou qualquer acordo ou licença com a titular da marca recorrida para que esta use a expressão "A Brasileira", o que viola o seu direito de exclusivo de usar as suas marcas em todo o território nacional.
r)Da imitação referida resulta, igualmente, a violação do Art. 317° do C.P.I., dada a possibilidade de concorrência desleal entre a marca recorrida e as marcas da Recorrente e, nos termos do Art. 239°, n° 1, alínea e) do C.P.I., basta o reconhecimento que a concorrência desleal é possível, independentemente da intenção do titular, para que o registo seja recusado.
 s) Não deve assim deixar de considerar-se que a concessão da marca no 596634 viola o disposto nos Arts. 4º, no 1, 224º, no 1, 238º, no 4, alínea d), 239º, no 1, alíneas a) e m), 241º, 245º e 317° todos do C.P.I
Terminou pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e recusando-se o registo da marca nº 596634.
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A Apelada contra-alegou, apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões:
I) O conceito de imitação estabelece que uma marca deverá considerar-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
II) O elemento comum que ostentam os sinais em confronto, - sendo certo que nos sinais mistos, atendendo aos registos devidamente identificados e reproduzidos no despacho do INPI em consideração, - não é de molde permitir a existência de qualquer possibilidade de indução em erro ou confusão do consumidor quanto aos produtos/serviços em confronto, ou mesmo quanto à origem comercial dos mesmos.
III) Como consta na douta sentença, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão proferido em 11/11/1997, no processo C-251/95, declarou, no que tange à semelhança visual, auditiva ou conceptual dos sinais em causa, que a apreciação global deve basear-se na impressão de conjunto produzida pelos mesmos, atendendo, nomeadamente, aos seus elementos distintivos e dominantes;
IV) Mais se referindo: “Para efeitos desta apreciação global deve atender-se ao consumidor médio da categoria de produtos em causa que esteja normalmente informado e razoavelmente atento e advertido (neste sentido, cf. o Acórdão proferido em 22-06-1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer & Co. GmbH / Klijsen Handel BV., no Processo C-342/97, n.º 26).”. Por outro lado,
V) Por mero exercício académico e dever de patrocínio, mesmo que se considerasse o preponderante o elemento nominativo, o que não se consente, há que atender que existem vários registos em vigor com o sinal “A BRASILEIRA”, por sinal anteriores aos da aqui Apelante e que são propriedade de terceiras entidades.
VI) Desde logo, temos o nome de estabelecimento n.º 16902, com o sinal «A BRAZILEIRA», requerido em 30/06/1903 e objeto de concessão em 03/09/1904, da titularidade da sociedade TELES & Cª., LDA; que também é titular do registo da insígnia de estabelecimento n.º 1162, com o sinal «O MELHOR CAFÉ É O DA BRASILEIRA» submetido em 16/10/1959 e objeto de concessão em 02/05/1961;
VII) Ao que acresce o nome de estabelecimento n.º 17378, igualmente com o sinal “A BRAZILEIRA”, apresentado em 06/02/1907 e objeto de concessão em 30/07/1908, titularidade da aqui Apelada.
VIII) Tal deve-se ao facto de existir uma origem comum, que remonta ao início do século passado, e que a Apelada, por não lhe convir para o seu desígnio, pura e simplesmente omite.
IX) Mas que, quer no processo administrativo, quer na resposta ao recurso apresentada anteriormente pela aqui igualmente Apelada, bem como na sentença sub judice, é devida e historicamente retratada, constando abundante documentação, e que ora se dá por reproduzida e integrada.
X) A expressão «A BRASILEIRA / A BRAZILEIRA», as marcas e os diversos estabelecimentos, já coexistem há mais de 110 anos!
XI) Não se pode ainda deixar de ter em consideração, mesmo que a Apelante habilmente não o assuma, o certo é que a mesma é conhecida por “A Brasileira do Chiado”.
XII) Não existindo, de igual modo e atento o exposto, qualquer possibilidade, mesmo que independentemente da vontade da Apelada, de se verificar a possibilidade de concorrência desleal. Com efeito,
XIII) Concorrência desleal é todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica nomeadamente, os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue – art.º 317.º, n.º 1.º, al. a) do CPI.
XIV) A concorrência implica a competição entre os diversos agentes económicos, devendo ser regulamentada por forma a que cada agente económico interfira de modo leal nas escolhas dos consumidores que deverão ter à sua disposição uma oferta variada para, de forma livre, fazerem as suas opções.
XV) O que está em causa na repressão da concorrência desleal é a confusão entre atividades económicas e, em especial, a confusão entre os elementos em que tais atividades se concretizam, a saber, a identidade dos empresários em causa, seus estabelecimentos, seus produtos, e serviços e não já a confusão entre sinais distintivos – neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/09/2019 (relatora Carla Mendes), proferido no processo n.º 24/19.4YHLSB.L1-8, disponível para consulta em www.dgsi.pt;
XVI) O risco de confusão consiste em apresentar os produtos ou serviços de maneira tal que leve o consumidor a atribuir esses produtos ou serviços a um concorrente – neste sentido Carlos Olavo in Propriedade Industrial, vol. I, Sinais de Concorrência Desleal, 2.ª ed., pág. 274, e Acórdão da Relação de Lisboa de 18/3/2014 (relatora Cristina Coelho), proferido no processo n.º 1288/05.6TYLSB.L1-7, disponível para consulta em www.dgsi.pt;
XVII) Ora, conforme referido supra, inexistindo qualquer risco de confusão, associação e imitação entre as marcas em confronto, é mister reconhecer que a marca da Apelada é insuscetível de concorrência desleal.
XVIII) Quanto à alegação da Apelante de que a Apelada não faz um uso sério e está a induzir em erro o público que frequenta o seu estabelecimento a mesma, além de bizarra, carece de fundamento.
XIX) Com efeito, invoca a tal propósito a alínea d) do n.º 4 do art.º 238.º do CPI, em que se dispõe:
É ainda recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos seus elementos:
 (…)
d) Sinais que sejam susceptíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina.
XX) Desde logo, sendo certo que não consta da matéria de facto dada como provada, a qual não foi sindicada e por conseguinte tem-se por assente, tal infundada alegação deve-se unicamente a ter encontrado na parte inferior do pires de uma chávena de café – que diga-se em abono da verdade numa utilização normal não está sequer visível – a referência ao nome “Delta”.
XXI) Ignorando desde logo e no mais básico e por isso evidente, que a marca da Apelada tem como escopo e visa assinalar serviços (in casu, “serviços de estabelecimentos de venda e consumo de café; cafés”) e não produtos; o que não é despiciendo e desde logo extingue o suposto impedimento.
XXII) Sucede que, o que obviamente se verificará com a Apelante, para poder vender café no estabelecimento há naturalmente que prover pela sua aquisição; o que, desde logo, não constituindo o cultivo / produção de café a atividade de qualquer das aqui Partes, impõe naturalmente a sua aquisição a terceiros.
XXIII) Ora, encontrando-se as mesmas num mercado livre, aberto e concorrencial, cabe a cada operador económico selecionar os seus parceiros e fornecedores que, em cada momento, ofereçam a melhor qualidade e condições, ou estabelecer as parcerias que entender para o prosperar da sua atividade comercial; o que, naturalmente e de per si, em nada afeta quer a natureza, a qualidade ou a proveniência geográfica do produto! Em suma,
XXIV) Não se verifica qualquer fundamento para que tivesse sido proferido despacho de recusa e, por consequência e com o douto suprimento, impõe-se a manutenção da decisão de concessão.
XXV) Pois o certo é que a titular da marca, aqui Apelada, reúne, como reunia, todos os requisitos legais para ver-lhe reconhecida, como o foi, a atribuição do requerido direito. Porquanto,
XXVI) Por se mostrar conforme aos preceitos legais aplicáveis, deve ser julgado improcedente o recurso apresentado, confirmando-se a douta sentença a quo e, portanto, mantido o despacho em apreço.
Terminou pedindo que seja julgado improcedente o presente recurso e, consequentemente, se mantenha o despacho que concedeu a marca nacional n.º 596634, com as legais consequências,
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II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir se não deve ser revogada a decisão que concedeu o registo da marca em causa nos autos, por existir risco de confusão com os sinais de que é titular a ora Recorrente.
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III. Fundamentação
III.1. Os factos
A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
1 – A Recorrente foi titular do nome de estabelecimento nº 17665 «A BRASILEIRA», requerido em 07/04/1908 e concedido em 16/11/1908, o qual foi convertido em logótipo com o nº 47179.
2- A Recorrente é titular da Insígnia de Estabelecimento nº 65, com o seguinte sinal , pedido em 25/04/1942 e concedida em 03/04/1943.
3 – A recorrente é titular da marca nacional nº 150631, pedida em 28/07/1908 e concedida em 27/11/1908, para assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice «géneros coloniais, especiarias, chás, cafés e sucedâneos».
4 - A Recorrente é titular da marca nacional nº 157275 “A Brazileira”, pedida a 30/03/1939 e concedida a 13/01/1940, para assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice «géneros coloniais, especiarias, chás, cafés e sucedâneos».
5- A recorrente é proprietária do estabelecimento comercial “A Brasileira”, sito no Chiado, em Lisboa.
6 – A recorrida pediu em 19/02/2018 o registo da marca nº 596634, com o seguinte sinal , para assinalar na classe 43 da Classificação Internacional de Nice «serviços de estabelecimentos de venda e consumo de cafés; cafés».
7 - A recorrente reclamou contra o pedido de registo alegando a reprodução da sua marca prioritária e afinidade entre produtos.
8 – Encontra-se registada a marca nº 136247, “A Brasileira” com o seguinte sinal , cujo registo foi pedido em 03/11/1956 e concedido a 26/04/1957, destinando-se a assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice «ESPECIARIAS, CAFE, CHA, ARTIGOS DE CONFEITARIA E SUCEDANEOS DO CAFE.»
9 - Encontra-se registada a marca nº 227509 , pedida em 14/11/1984 e concedida em 27/04/1992, destinando-se a assinalar na classe 42 da Classificação Internacional de Nice «HOTÉIS E DIRECÇÃO DE HOTÉIS,CAFETARIA E CAFÉS RESTAURANTES».
10 - Encontra-se registada a marca nº 272523 -(O melhor café é o da Brasileira), a qual foi requerida em 28/03/1991 e concedida em 06/02/2002.
11 – A favor da Recorrida ainda se encontra registada a marca nº 600023, pedida em 09/04/2018 e concedida em 04/02/2019 e destinada a assinalar na classe 43 da Classificação Internacional de Nice «SERVIÇOS DE ESTABELECIMENTOS DE VENDA E CONSUMO DE CAFÉ; CAFÉS.»
12 – A recorrida é ainda titular do nome de estabelecimento nº 17378 «A BRAZILEIRA», requerido em 06/02/1907 e concedido em 30/07/1908.
13 – A sociedade Teles & Cª foi titular de várias marcas, algumas desde o inicio do Séc. XX, com a designação “A Brasileira”, sendo que todas caducaram entre 2004 e 2013.
14 – A sociedade Teles & Cª é titular do nome de estabelecimento nº 16902 «A BRAZILEIRA», requerido em 30/06/1903 e concedido em 03/09/1904.
15 – A sociedade Teles & Cª é titular da insígnia de estabelecimento nº 1162 , requerido em 16/10/1959 e concedido em 02/05/1961.
16 – A sociedade Caféeira foi titular de várias marcas com a designação “A Brasileira”, tendo todas já caducado.
17 - Da tese de mestrado de arquitectura de Lídia Andreia Félix Coutinho - «A “Brasileira” de Coimbra” – História arquitetónica de um café» efectuada em Coimbra na Faculdade de Arquitectura da FCTUC, publicada na internet, consta:
«A intenção desta dissertação é a de fazer um levantamento do edifício que em tempos albergou o Café A Brasileira de Coimbra, reunindo num único texto toda a informação relevante acerca do mesmo.
Palco de longas tertúlias, assim como o foram outros cafés da época, que se foram na voragem dos pronto-a-vestir dos últimos anos, A Brasileira é digna de tal atenção. (…)
Adriano Telles, jovem farmacêutico da Rua do Bonjardim no Porto, decide tentar a sua sorte emigrando para o Brasil, onde acaba por se dedicar ao negócio do café no Estado de Minas Gerais, o que o leva a enriquecer nos finais do século XIX1. Após a vinda do Brasil, passa a dedicar-se à importação, torrefacção e venda de cafés do Brasil, constituindo a sociedade comercial A. Telles & C.ª, criando assim uma rede de estabelecimentos de consumo ao público de nome “A Brasileira”.
A 4 de Maio de 1903, inaugura o seu primeiro estabelecimento no Porto, com o intuito de servir café à chávena. (…)
Numa visão, que atualmente designamos por marketing, Telles manda pintar em várias paredes e pardieiros da cidade, o slogan que acabaria por ganhar fama: “O melhor café é o d’A Brasileira.”


Chávena d’A Brasileira do Porto,


Chávena d’A Brasileira do Chiado (Lisboa)1963|2007

Chávena da Brasileira de Braga | 2011,

Chávena d’A Brasileira de Coimbra | 1995,
No entanto, a notável sociedade Telles & C.ª não se detém pelo Porto. Abre as portas ao público da sua, e ainda hoje conhecida “A Brasileira do Chiado”, na cidade de Lisboa a 19 de Novembro de 1905, “A Brasileira de Braga” a 17 de Março de 19072, fundada por Adolpho de Azevedo, negociante portuense e vice-cônsul do Brasil nessa mesma cidade, “A Brasileira de Coimbra” em 1921 e ainda outras sucursais, até em Sevilha. Cada estabelecimento mantinha-se fiel à sua chávena, diferentes mas todas com a “imagem de um típico bebedor de café (…)».
18- Em Lisboa, Porto e Braga, mantêm-se os edifícios onde funcionaram e continuam a funcionar os estabelecimentos comerciais “A Brasileira”, com esta designação em destaque nas respetivas fachadas dos edifícios.                
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A decisão da matéria de facto não foi objeto de impugnação em conformidade com o prescrito nos artigos 640º, mantendo-se consequentemente inalterada.
É pois, em face dos factos apurados na decisão recorrida, que cumpre apreciar e decidir as supra identificadas questões suscitadas pela Apelante.
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III.2. Fundamentação de direito.
O artigo 61º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da liberdade de iniciativa económica privada, nos termos do qual o exercício da atividade económica privada, e por isso, da atividade comercial, é livre, desde que respeite os limites impostos pela Constituição e pela lei.
Tal princípio pressupõe a existência de uma pluralidade de sujeitos económicos diferenciados que atuam em direção a um mercado - pois à liberdade de iniciativa de um, contrapõe-se a liberdade de iniciativa dos demais - e assim, uma multiplicidade indiscriminada de sujeitos económicos atuando no mercado - a concorrência.
O modelo económico de mercado que as regras da concorrência visam preservar é caracterizado por ser um mercado aberto, no qual as modificações da oferta e da procura se reflitam nos preços, a produção e a venda não sejam artificialmente limitadas e a liberdade de escolha dos fornecedores, compradores e consumidores não sejam postas em causa.
A liberdade que enforma as atuações dos vários agentes económicos não significa que as mesmas se processem de uma forma desordenada e se atropelem umas às outras.
A existência de uma pluralidade de agentes que convergem em relação a um mesmo mercado impõe a necessidade de ordenar essas atuações para que os mercados funcionem regularmente.
A propriedade industrial corresponde a essa necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, que se processa essencialmente por duas formas:
- através da atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais;
- pela imposição de determinados deveres no sentido de os vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente.
A primeira das referidas formas abrange os direitos privativos da propriedade industrial.
A segunda refere-se à repressão da concorrência desleal.
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O regime jurídico das marcas enquanto direito de propriedade industrial, subsistindo estratificado em diversos níveis territoriais de proteção, encontra-se atualmente harmonizado a nível da União Europeia.
No âmbito do direito interno, dispõe o artigo 224º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Dec. Lei n.º 36/2003, de 5 de março (CPI), aplicável ao caso dos autos, por via do disposto no artigo 15º, al. a) Dec. Lei n.º 118/2018, de 10.12 - como actualmente dispõe o artigo 210º do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo referido Dec. Lei n.º110/2018 - que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina.
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. o artigo 222º do CPI/2003, e actualmente o artigo 208º do CPI/2018).
Da conjugação de tais preceitos com os que enumeram os sinais insusceptíveis de ser registados como marca e os fundamentos absolutos de recusa de registo (cf. artigos 223º e 238º CPI/2003, 209º e 231º CPI/2018 e artigos 7º e 8º do RMUE) resulta que para que um sinal possa constituir uma marca o mesmo tem de possuir carácter distintivo.
A marca tem, assim:
- uma função distintiva, na medida em que distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma procedência empresarial,  que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso;
- uma função de garantia de qualidade dos produtos na medida em que, não obstante não garanta directamente, a qualidade dos produtos ou serviços marcados, o faz indirectamente por referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa;
- uma função publicitária, já que, em complemento da função distintiva, pode contribuir, por si mesma, para a promoção dos produtos ou serviços que assinala.
Ela pode, nos termos do disposto no artigo 222º do CPI/2003 (cf. artigos 208º CPI/2018 e 4º do RMUE), ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros (ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, admitindo-se designadamente a cor única).
Em matéria de composição das marcas vigora, pois, o princípio da liberdade.
Este princípio sofre, porém, limitações de vária ordem.
Dada a função que exerce de identificar o produto ou serviço por referência à sua origem, a marca tem de ser protegida por um direito privativo absoluto em benefício dessa origem. Por isso, a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada é proibida, nos termos que melhor se explicitarão.
Assim, nos termos dos artigos 239º e 245º do CPI/2003 (cf. artigos 231º e ss. do CPI/2018 e 7º e 8º do RMUE) a marca não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, devendo ser constituída por forma a não se confundir com outra anteriormente adotada e registada para os mesmos ou semelhantes produtos.
Da conjugação de tais preceitos resulta que deve ser recusado o registo da marca quando esta constitua imitação de uma outra, sendo requisitos dessa imitação:
i. que a marca imitada esteja registada com prioridade;
ii. que ambas as marcas se destinem a assinalar bens ou serviços idênticos ou afins;
iii. que entre elas exista uma semelhança (gráfica, fonética ou outra) que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou risco de associação, de forma que o consumidor as não possa distinguir senão após exame atento ou confronto.
Do carácter e da função distintivos da marca decorre a insusceptibilidade de registo como marca, de sinais meramente descritivos, usuais ou necessários, por serem desprovidos de distintividade; tais sinais devem manter-se disponíveis para serem livremente utilizados por todos os agentes económicos.
No caso de sinais que possuam capacidade distintiva residual, ou mínima, que lhes permite beneficiar do registo – as marcas fracas – constituídas quase exclusivamente por elementos de uso comum ou vulgarizado, “o juízo sobre a confundibilidade deverá ser menos severo, já que a comparação com outras marcas deverá limitar-se à parte que seja original”.
Com relevo para o caso importa ainda mencionar a proibição das marcas genéricas, constituídas exclusivamente por sinais descritivos, usuais ou necessários (artigos e 223º, n.º 1 CPI/2003 e 209º, n.º 1 CPI/2018 e 7º, n.º 1 RMUE).
Ressalvados estão os casos em que na prática comercial, tais sinais tiverem adquirido eficácia distintiva (cf. artigos 7º, n.º 3 do RMUE, 223º, n.º 2 do CPI/2003 e 209º, n.º 2 do CPI/2018) – é a regra conhecida por “secondary meaning”, que admite a capacidade distintiva de um sinal, originariamente privado da mesma, que “se converte, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas, num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário”.
Recentemente, no Acórdão de 06.12.2018 o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou, a pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, descritiva a marca “adegaborba.pt”. Ali se entendeu que “quando um sinal que serve para designar um produto junta dois elementos verbais, ou seja, um termo descritivo e um nome geográfico, como «Borba» no caso em apreço, reportando‑se à proveniência geográfica desse produto, que é também descritiva do mesmo, deve considerar‑se que o sinal composto por esses dois elementos verbais tem caráter descritivo e, como tal, é desprovido de caráter distintivo.”
 Tais elementos genéricos podem ser integrados (com outros) na composição dos sinais, mas nesse caso não serão considerados de uso exclusivo do requerente (cf. os artigos 223º do CPI/2003, 209º do CPI/2018).
E sendo certo que, nos termos do n.º 3 de tais artigos se permite que a pedido do requerente ou do reclamante, o INPI indique no despacho de concessão do registo, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente (disclaimer), mesmo que tal não seja feito, daí não deriva que todos os elementos integrantes da marca sejam de uso exclusivo.
Constituem ainda fundamentos de recusa, a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja actividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, a infracção de outros direitos de propriedade industrial, e quando invocado em reclamação, a reprodução ou imitação de firma, de denominação social e de outros sinais distintivos, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão (cf. als b) e c) do n.º 1 e a) do n.º 2 do artigo 239º do CPI/2003).
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Há risco de confusão sempre que a identidade ou semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro e ainda sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam, ou que existe uma relação, que na realidade não se verifica, entre a proveniência desses produtos ou serviços. Fala-se então de risco de associação ou risco de confusão em sentido lato.
Na realização do juízo de comparação entre sinais para aferir da possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos fatores.
Assim, em face das características do caso em apreço, importa considerar a natureza e o tipo de necessidades que os produtos visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços - os produtos ou serviços terão de situar-se no mesmo mercado relevante, isto é, tendo a mesma utilidade e fim, permitindo dessa forma, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público.
O risco de afinidade aumenta nos casos em que pode mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços.
Na apreciação do risco de confusão entre os sinais em confronto, há que atender à estrutura dos mesmos, havendo que distinguir entre marcas nominativas, gráficas e mistas (sendo estas as que combinam elementos nominativos e gráficos).
Deve ter-se em consideração que o consumidor, em regra, não se depara com as duas marcas simultaneamente – a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. Nessas circunstâncias, é a imagem de conjunto da marca que, normalmente, mais sensibiliza o consumidor, pelo que, a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem as marcas em comparação.
Também devem ser considerados irrelevantes no conjunto, as componentes genéricas ou descritivas, pois esses, como supra se referiu, não têm carácter distintivo, nem são passíveis de apropriação exclusiva.
Nas marcas complexas deve ser privilegiado o elemento dominante, desvalorizando os pormenores.
O juízo de verificação deve ser formulado na perspetiva do público relevante – atuais e potenciais clientes, adquirentes ou utilizadores dos bens e serviços a que respeitam as marcas em confronto, que tanto pode consistir no público em geral, como ser um público constituído por profissionais e/ou especialistas no sector, devendo ainda atender-se ao território em que é protegida a marca prioritária.
O consumidor que releva no contexto do direito de marcas deve, pois, ser uma figura flexível e variável, em função da natureza, características e preços dos produtos diferenciados pelas marcas respetivas.
O público relevante presume-se normalmente informado e razoavelmente atento e circunspecto; porém, o grau de atenção pode variar em função do tipo bens ou serviços e do grau de conhecimento e experiência dos respetivos adquirentes, sendo que tenderá a ser mais baixo nos comportamentos de consumo quotidiano, mais alto quando estão em causa bens dispendiosos, tecnicamente sofisticados, perigosos, produtos farmacêuticos, serviços financeiros ou imobiliários, e nos casos de lealdade à marca.
Os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.
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Atribuindo a marca o direito de exclusivo de uso do sinal ao seu titular, as circunstâncias em que o mesmo pode proibir ou impedir o uso do mesmo por terceiros (ius prohibendi, que compreende o direito de se opor ao pedido de registo de sinal conflituante, de invalidar registo concedido, ou de proibir o uso de marca posterior por terceiro sem o seu consentimento), encontram-se indicadas no artigo 258º do CPI/2003 (cf. os artigos 249º a 252º do CPI/2018 e 9º do RMUE), que prevê, designadamente, e no que ao caso interessa, as situações de dupla identidade[1] – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos idênticos aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo – e as de risco de confusão ou associação no espirito do consumidor – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos afins aos abrangidos pelo registo, ou em que o sinal é semelhante à marca e é usado em relação a produtos idênticos ou afins relativamente aos abrangidos pelo registo.
Exige-se ainda que tal uso ocorra “no decurso de operações comerciais” (ou no exercício de actividades económicas, como se refere nos artigos 258º CPI/2003 e 249º do CPI/2018).
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No caso dos autos, entende a Apelante que a marca registanda constitui imitação dos sinais de que é titular e a que fez referência, existindo evidente possibilidade de confusão entre uns e outros.
Vejamos.
Recordemos, desde logo, os sinais figurativos em confronto, que, em possuem, em face dos produtos e serviços que se destinam a distinguir, arbitrariedade suficiente.

Insígnia de EstabelecimentoMarca Nacional


A Apelante invoca ainda a titularidade do Logótipo “A Brasileira”, da marca “A Brazileira” e do estabelecimento comercial “A Brasileira”.
A multiplicidade de sinais de que a ora Apelante é titular apela ao conceito de «família» ou «série» de marcas, ou seja, à existência de várias marcas com características comuns[2], de um conjunto de sinais com simbologia similar, detidas pelo mesmo titular, relativos a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins.
“No caso de uma «família» ou «série» de marcas, o risco de confusão resulta mais precisamente do facto de o consumidor se poder enganar quanto à proveniência ou à origem dos produtos ou dos serviços abrangidos pela marca cujo registo é pedido e considerar, erradamente, que esta faz parte dessa família ou série de marcas”[3].
No que concerne à comparação dos sinais em conflito, importa observar desde logo no que respeita aos mistos, que o juízo de comparação não pode limitar-se a tomar em consideração apenas um elemento, antes tendo de considerar cada um dos sinais como um todo, cada um dos sinais no seu conjunto, o que não exclui que a impressão de conjunto produzida na memória do público pertinente por uma marca complexa possa, em determinadas circunstâncias, ser dominada por um ou vários dos seus componentes.
O Tribunal Geral da União Europeia no Acórdão de 14.07.2005 (SELENIUM – ACE, T-312/03, parágrafos 37 a 40)[4] entendeu que quando o sinal é composto de elementos nominativos e figurativos, o componente nominativo tem, em princípio, um impacto mais forte no consumidor do que a componente figurativa, pois o público não tem tendência a analisar sinais e fará mais facilmente referência ao sinal em causa citando o seu elemento nominativo do que descrevendo os seus elementos figurativos.
No caso, apesar de certas diferenças, existe uma semelhança visual entre os mesmos, devido ao lugar central no elemento figurativo, de uma figura humana, de traços pouco definidos - característica esta mais marcada na figura da marca registanda - em posição semelhante, designadamente quanto à cabeça e às mãos, detendo uma chávena de café e o respectivo pires de forma idêntica – a “imagem de um típico bebedor de café”.
E no elemento verbal verifica-se a identidade das palavras “Café” e “A Brasileira/Brazileira”, escritas com caracteres de grafia semelhante.
De resto, a coincidência do último elemento verbal referido verifica-se ainda com os demais sinais exclusivamente verbais titulados pela ora Recorrente.
Existe ainda, semelhança fonética no que respeita a tais vocábulos, e a nível conceptual, todos os sinais fazem apelo à mesma substância/bebida, ao consumo de café.
Verifica-se, pois, entre os sinais referidos uma semelhança visual, fonética e conceptual que as dissemelhanças não diluem – designadamente as verbais, que se referem apenas a vocábulos de uso comum - e que permite julgar verificada a aludida possibilidade de confusão e associação, tanto mais que, como se referiu, o consumidor não se confrontará com qualquer dos sinais em simultâneo e o que guarda na memória são os elementos dominantes referidos de cada um deles.
Acresce que os sinais da Recorrente e o registando se destinam a assinalar, pelo menos em parte, produtos e serviços afins – o café e os serviços de venda e consumo de cafés.
O público relevante é constituído pelo consumidor final médio nacional de cafés e dos serviços prestados nos estabelecimentos de venda e consumo de cafés, destinando-se os produtos e serviços a assinalar com os sinais em confronto, pois, ao mesmo tipo de consumidor, tendo a marca registanda o mesmo âmbito nacional.
Ora, tendo em consideração os factores salientados, a prioridade dos sinais da Recorrente, existe risco de que o público relevante possa crer que os produtos a assinalar com a marca registanda e os assinalados/comercializados pela ora Apelante com os sinais de que é titular provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas que utilizam a mesma série ou família de sinais.
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Refere a Apelada que importa ter em consideração a existência de vários registos em vigor com o sinal “A Brazileira” – designadamente o nome de estabelecimento «A Brazileira» requerido em 30.06.1903 e concedido em 03.09.1904, a insígnia de estabelecimento «O Melhor Café é o da Brasileira», submetido em 16.10.1959 e concedido em 02.05.1961, da titularidade de terceiros, e o nome de estabelecimento «A Brazileira», apresentado em 06.02.1907 e objecto de concessão em 30.07.1908, titularidade da Recorrida - e que tal facto se deve à existência de uma origem comum que remonta ao início do século passado, entendimento que mereceu acolhimento junto do Tribunal Recorrido, que, com base em tais factos, excluiu o risco de confusão.
Importa desde logo referir que tal origem comum, embora seja sugerida no estudo que se mostra referido nos factos provados e nos documentos dos autos, não se demonstrou. Na verdade, consultados os registos do INPI relativos a cada um dos sinais da Recorrente, verifica-se que o registo dos mesmos foi desde logo pedido pela ora Recorrente sociedade, diversamente dos demais, cujos registos foram pedidos por pessoas individuais ou colectivas diversas.
Por outro lado, relativamente ao argumento consistente na coexistência de marcas e estabelecimentos com a expressão “A Brasileira/Brazileira”, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de junho de 2019[5], “embora não se possa excluir totalmente que, em determinados casos, a coexistência de marcas anteriores no mercado possa eventualmente diminuir o risco de confusão constatado (…) entre duas marcas em conflito, tal eventualidade só pode ser tomada em consideração se, pelo menos, no decurso do processo respeitante aos motivos relativos de recusa (…), o requerente da marca (…) tivesse devidamente demonstrado que a referida coexistência assentava na inexistência de risco de confusão, no espírito do público pertinente, entre as marcas anteriores que invoca e a marca anterior da interveniente na qual a oposição se baseia e sob reserva de as marcas anteriores em causa e as marcas em conflito serem idênticas”.
Ora, no caso dos autos, não se demonstrou que a coexistência dos sinais da Recorrente e da Recorrida ou de terceiros assentou na inexistência de risco de confusão, excluídos os que contém uma clara referência geográfica, que não se encontra nos sinais das partes nos autos.
Assim, pese embora a localização dos estabelecimentos de cada uma delas possa ser diversa, e conhecida da respectiva clientela, as marcas da Recorrente têm âmbito nacional, âmbito que é também o da marca registanda. E os sinais em confronto, designadamente a marca registanda, nenhuma referência tem, designadamente de natureza geográfica, que permita excluir a confusão ou associação.
Por outro lado, da falta de oposição da ora Recorrente a outros sinais que possam eventualmente comungar das mesmas características que determinam a confundibilidade com os sinais da mesma, não pode retirar-se a conclusão de que a coexistência assenta na circunstância de a ora Recorrente ter aceitado a ausência de risco de confusão ou associação.
Na verdade, a inércia perante o conhecimento do registo de sinal confundível pode determinar a denominada “preclusão por tolerância”, prevista no artigo 267º do CPI/2003 ou no artigo 261º do CPI/2018, ou seja a perda do direito de requerer a anulação do registo da marca posterior, relativamente à qual se verifique a “tolerância” pelo período referido nos citados preceitos, ou a opor-se ao seu uso, em relação aos produtos ou serviços nos quais a marca posterior tenha sido usada, salvo se o registo da marca posterior tiver sido efectuado de má-fé, mas não determina a impossibilidade de reagir a marcas posteriormente pedidas ou ao seu uso.
Para além do que não se demonstrou que a ora Recorrente é conhecida como “A Brasileira do Chiado”, não podendo confundir-se a Recorrente, ou os seus sinais com um seu estabelecimento.
De referir que pese embora a existência de vários registos com o elemento verbal “A Brasileira”, não se demonstrou que os sinais da Recorrente tenham perdido força distintiva, isto é, que se tenham vulgarizado, ou que se tenha convertido tal expressão, num sinal comum para designar os produtos ou serviços em causa, o que a ter ocorrido impediria também o registo da marca pretendida pela Recorrida, por falta de distintividade.
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Argumenta ainda a Apelante que a Apelada não faz um uso sério das marcas de que é titular, pois o Café “A Brasileira” é diverso daquele que pretende comercializar.
Tal facto, porém, não se provou.
Sempre se dirá que neste ponto não lhe assiste razão, pois a falta de uso sério da marca relevava, no anterior Código, para eventual extinção, por caducidade, do registo da marca, e ainda para impedir a anulação do registo da marca posterior conflituante, nos termos do disposto nos artigos 269º, n.º 1, al. a) e 266º, n.º 3 do CPI/2003, sendo que o regime actual não é aplicável ao caso dos autos, nos termos do artigo 9º do De. Lei n.º 110/2018, de 10.12.
O instituto refere-se, porém, em qualquer dos casos, à falta de uso da marca anterior – no caso, a da ora Recorrente.
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Resta concluir.
Tendo-se concluído que existe risco de que o público relevante possa crer que os produtos a assinalar com a marca registanda e os assinalados/comercializados pela ora Apelante com os sinais de que é titular provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas que utilizam a mesma série ou família de sinais, assiste à Recorrente direito de se opor ao pedido de registo de sinal - a marca registanda.
Procede, pois, a apelação.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida que se substitui por outra que indefere o registo da marca em causa.
Custas pela Recorrida (art. 527.º do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 2020-04-14
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Carlos M.G. de Melo Marinho
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
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[1] Cf. Pedro Sousa e Silva, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, 2ª Ed. 2019, pg. 295 e .
[2] Cf. o Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º C 234/06 P, acessível em  ECLI:EU:C:2007:514
[3] Cf. o Acórdão citado.
[4]ECLI:EU:T:2005:289
[5] Proferido no âmbito do processo T 357/18, acessível em ECLI:EU:T:2019:416; Cf. ainda o Acórdão de 8 de dezembro de 2005, Castellblanch/IHMI — Champagne Roederer (CRISTAL CASTELLBLANCH), T 29/04, EU:T:2005:438, n.° 72 e o Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11.05.2005 (Grupo Sada/IHMI), T-31/03, acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF.