Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21202/16.2T8SNT.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FAIR PROCESS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. A arguição de nulidades da sentença proferida em processo especial de acidente de trabalho está sujeita aos requisitos do art.º 77 do Código de Processo do Trabalho.
II. Os pontos da decisão da matéria de facto impugnados devem ser discriminados nas conclusões, que delimitam os termos do recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Decisão:
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Sinistrado: A.
Responsável civil: B., Lda.
O A. (de autor) demandou a R. (de R.) na presente ação especial emergente de acidente de trabalho alegando que começou a trabalhar para a Ré como motorista, mediante ajuste verbal, em 07 Junho de 2016, tendo sido vítima de um acidente de trabalho ao serviço da Ré em 29 de Julho de 2016, que lhe causou incapacidade temporária e permanente, tendo despendido a quantia de €20,00 com deslocações obrigatórias ao Tribunal. Acrescenta que a Ré não tinha transferido para qualquer seguradora a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho de que pudesse ser vítima o Autor, pelo que é responsável pelo pagamento das indemnizações/pensões devidas ao Autor.
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A Ré apresentou contestação onde depois de aludir às contradições do Autor sobre o seu vencimento e o acidente espelhadas nos autos em seu entender, impugna a generalidade dos factos alegados pelo Autor, referindo que o Autor nunca foi seu trabalhador, pois apenas lhe solicitou e este chegou a prestar-lhe serviços até Agosto de 2016, e por cada dia em que prestou serviço recebeu o valor acordado de €30,00. Entende que o Autor litiga com má fé, dizendo não saber se o Autor teve ou não algum acidente, sendo certo que quando entregou a viatura não apresentava indício de estar lesionado. Pediu afinal a improcedência da ação e a condenação do Autor como litigante de má fé.
O Autor apresentou articulado de resposta.
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Convidado o A. a aperfeiçoar a p.i., este juntou novo articulado nos termos de fls. 107 e segs., concretizando algumas expressões da p.i. relevantes para aferir da existência de subordinação jurídica.
A Ré exerceu o contraditório relativamente à p.i., aperfeiçoada nos termos que constam de fls. 130 e segs.. Impugnou a generalidade dos factos novos, pediu a condenação do Autor como litigante de má fé, e reiterou, a final, as conclusões da contestação.
O Autor respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, pugnando pela sua improcedência.
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Com os fundamentos apontados o A pediu:
i) o capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de €205,80 ou de outro valor em resultado de junta médica;
ii) a quantia de €300,71, a título de indemnização por ITA;
iii) a quantia de €20,00 despendida em transportes;
iv) juros de mora sobre as referidas quantias desde o vencimento respetivos.
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Proferido despacho saneador, com condensação da matéria de facto e realizada audiência de julgamento, o Tribunal proferiu a final sentença em que julgou a ação
"… parcialmente procedente e em consequência decide-se:
a) Condenar a Ré B. Lda., a pagar a A.:
1. O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €€191,10 (cento e noventa e um euros e dez cêntimos), devida desde 15/08/2016, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento deste até integral pagamento;
2. a quantia de €242,70 (duzentos e quarenta e dois euros e setenta cêntimos), a título de indemnização por ITA, acrescida de juros de mora à taxa  legal de 4%, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.
b) Absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor.
c) Não considerar o Autor incurso em litigância de má fé.
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Inconformada, a R. recorreu, concluindo:
(…)
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O trabalhador, patrocinado pelo MºPº, contra-alegou, pedindo a improcedência da ação e concluindo:
(…)
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(…)
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 639/1 e 2, e 663, todos do Código de Processo Civil – se existe alguma nulidade da sentença, se, face à prova produzida, a decisão de facto merece censura, se os factos provados suportam a existência de um contrato de trabalho, se existe alguma inconstitucionalidade por violação do fair process, e, enfim, se o autor litiga de má fé.
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Questões Prévias.
Porém, antes de ponderar os factos provados, importa equacionar algumas questões prévias.
1ª Da nulidade.
Invoca a recorrente o disposto no art.º 615/1/b do Código de Processo Civil, que dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Acontece que a arguição de nulidades da sentença em processo laboral apresenta especificidades em relação aos erros de julgamento, sendo que outrossim está sujeita a um regime especial. Dispõe o artigo 615º do CPC da reforma de 2013, aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, sob a epigrafe "causas da nulidade da sentença", na al. b) do n.º 1, que:
1 - É nula a sentença quando:
(...)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(...)"
O artigo 77º do Código de Processo do Trabalho, por seu lado, estatui:
1 - A arguição da nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2 - Quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3 - A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ao ou juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso” (cheios nossos).
Portanto a arguição de nulidades da sentença em processo laboral deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, não podendo sequer o tribunal superior conhecer nulidade que não tenha sido arguida dessa sorte, mas apenas nas respetivas alegações.
A R. recorrente nada suscitou expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, reservando a questão para as alegações de recurso.
Assim sendo a arguição é extemporânea e não pode ser conhecida.
É isto que se decide.
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2ª Da Impugnação da decisão da matéria de facto
Resulta das alegações que a recorrente pretende a reapreciação da matéria de facto, nomeadamente no que toca à existência do contrato de trabalho e da litigância de má fé do A.
Dispõe o art.º 640.º do Código de Processo Civil, a propósito dos requisitos para a impugnação da matéria de facto:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»
Tem vindo a decidir este Tribunal (citando-se ora, com a devida vénia, o ac. proferido em 6.6.18 no proc. n.º 6102/16.4T8FNC.L1, relatora Dr.ª Maria José Costa Pinto, sendo um dos adjuntos o ora relator, acórdão que desconhecemos se está publicado) nesta sede:
“O critério subjacente à definição da conformidade das conclusões com o comando dos artigos 639.º e 640.º do CPC está necessariamente relacionado com a respetiva aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de ação interventiva do tribunal de recurso. Como temos repetidamente afirmado, é esta função das conclusões que legitima a existência de normas processuais que as exijam.
Não obstante alguma divergência jurisprudencial que inicialmente existiu quanto a saber se os requisitos dos ónus impugnatórios previstos no artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso, cremos haver atualmente consenso na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que, uma vez que as conclusões delimitam o objeto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redação aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é necessária a indicação, nas conclusões, pelo menos, dos concretos pontos de facto de cuja decisão a recorrente discorda[1].
Quanto à indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância, admite-se que a mesma possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação.
Mas é imprescindível a indicação, nas conclusões, dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objeto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto.
Segundo é dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2016, do artigo 640º nº 1, al. b) não resulta que a discriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões, bastando que o seja nas alegações, mas nas conclusões devem ser indicados os pontos concretos que o recorrente considera como incorretamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.[2]
E quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que recorrente considera incorretamente julgados, deve ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.[3]
(…) Como se disse no Acórdão da Relação do Porto de 2005.05.16[4], o ónus imposto ao recorrente [então na al. b), do n.º l, do art. 690º-A do Código de Processo Civil, que corresponde à al. b) do nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil de 2013] “não se satisfaz com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, antes exige que se afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objetiva questão para apreciar”.
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Acontece que, no caso, a R. não indica nas conclusões os pontos que considera incorretamente dados por provados (ou não dados por provados), ficando-se por alusões genéricas ao contrato de trabalho (cuja factualidade considera não provada) e pela litigância (cuja factualidade considera provada). De resto, no pedido nada diz sequer quanto à matéria de facto. E mesmo nas alegações refere designadamente que “o Tribunal a quo deu como provado o acidente e que este foi de trabalho” (cfr. art.º 42), o que é ininteligível, porque o Tribunal não deu tal por provado e nem podia dar, porquanto se trata de matéria conclusiva e até de direito; o que deu, sim, foram factos a partir dos quais inferiu a existência de um acidente de trabalho.
Nem seria minimamente difícil cumprir o ónus de indicar a matéria de facto impugnada, tanto mais que a R. (al. S.) considera que houve uma “generalizada errada apreciação, valoração e julgamento da matéria de facto”.
Não podem, pois, considerar-se cumpridos os supra referidos ónus legais constantes do artigo 640, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil na impugnação de facto deduzida pela recorrente.
Não é possível o aperfeiçoamento das conclusões quando não se cumpram as especificações legais previstas no artigo 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
“Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa na 1.ª instância e que vai atuar através de um reexame da decisão recorrida quanto a concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando corretamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo[5]” (citado ac. desta Relação).
Assim, sendo de concluir que não se mostram cumpridos os ónus impostos pelo artigo citado 640.º, n.ºs 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, rejeita-se a impugnação da decisão de facto.
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Factos provados:
1. A Ré tem por objeto transporte de mercadorias em veículos automóveis ligeiros, com peso igual ou inferior a 3.500 kg e prestação de serviços de estafetas e courrier (alínea A) da matéria de facto assente).
2. No dia 29-07-2016, a Ré prestava serviços de distribuição de mercadorias para a sociedade (…), Lda. (…), cujo objeto consiste no transporte de mercadorias e serviços conexos, bem como a atividade de prestação de serviços postais, incluindo o transporte de encomendas (alínea B) da matéria de facto assente).
3. A Ré não tinha a responsabilidade sinistral emergente de acidentes de trabalho, de que o autor pudesse ser vítima, transferida para qualquer seguradora, não tendo incluído o autor na sua apólice de seguro de acidentes de trabalho da seguradora (…) Seguros, por não reconhecer o autor como seu trabalhador (alínea C) da matéria de facto assente).
4. Submetido a perícia médica neste Tribunal, em 03-04-2017, o Senhor Perito Médico consignou ter sido diagnosticado ao autor, nomeadamente, “entorse tíbio peroneal distal anterior e PAA”, tendo atribuído ao sinistrado Incapacidade Temporária Absoluta de 30.7.2016 a 14.8.2016, fixado como data da alta o dia 14.8.2016 e atribuído ao sinistrado uma IPP de 3%, a partir de 15.8.2016, nos precisos termos constantes do auto de exame médico constante de fls. 65-67 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido (alínea D) da matéria de facto assente).
5. Na tentativa de conciliação, realizada em 27 de Abril de 2017, a Ré não aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho, nem o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pela autora, nem qualquer responsabilidade decorrente do acidente, não tendo também concordado com o resultado da perícia médica (alínea E) da matéria de facto assente).
6. O Autor concordou com o resultado da perícia médica e com todos os termos do acordo proposto aquando da tentativa de conciliação (alínea F) da matéria de facto assente).
7. Em 2016, em data não concretamente apurada mas anterior a 29 de Julho de 2016, um colega do Autor, sabendo que o autor se encontrava sem trabalho, forneceu o contacto telefónico do mesmo ao senhor (…), legal representante da ré, que, em contacto telefónico com o autor, lhe disse que o contrataria como motorista e estafeta, tendo para o efeito, ficado combinado que o autor compareceria na segunda-feira seguinte, para iniciar a sua atividade pelas 06h00 horas, nas instalações da sociedade (…), sitas na Venda do Pinheiro (resposta ao art. 1º da base instrutória).
8. Por acordo verbal, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor a quantia mensal de €650,00 (resposta ao art. 3º da base instrutória).
9. Cabendo ao autor, como contrapartida, fazer a distribuição de mercadorias da sociedade (…), empresa para a qual a Ré prestava serviços de distribuição de mercadorias, tendo a Ré trabalhadores e carrinhas afetas a esse serviço (resposta ao art. 4º da base instrutória).
10. Ainda nesse dia, a Ré definiu, que a referida atividade seria prestada pelo autor no horário que se iniciava entre as 06.00, sem hora determinada para finalizar, o que em regra não acontecia antes das 20.00 horas, devendo o autor terminar o seu dia de trabalho somente após todas as entregas e recolha de mercadorias, de segunda a sexta-feira, folgando aos Sábados e Domingos (resposta ao art. 5º da base instrutória).
11. Na sequência desse contacto telefónico, e seguindo as indicações de (…), o autor, no dia indicado, apresentou-se, às 6.00 horas, nas instalações da sociedade (…), sita na Rua (…) Venda do Pinheiro, onde o aguardava o (…) (resposta ao art. 2º da base instrutória).
12. No desempenho dessa atividade foi atribuído ao autor um veículo, de matrícula (…), propriedade da Ré, sendo o combustível pago pela Ré, diretamente pelo senhor (…), que, quando era altura de abastecer, ia com o autor efetuar esse abastecimento (resposta ao art. 6º da base instrutória).
13. Na execução do supra referido acordo, o autor dirigia-se diariamente às 6.00 horas, às instalações da (…) e verificava, no (…), o serviço diário que lhe estava distribuído referente a entregas a efetuar nesse dia, sendo que o autor estava afeto à “volta de Sintra” e a parte da “volta do Estoril” (resposta ao art. 9º da base instrutória).
14. O Autor saía das instalações da (…) não antes das 08h00, estando até à hora de saída à espera da mercadoria que tivesse para distribuir, que era entregue aos trabalhadores através de um tapete rolante, estando a mercadoria do autor assinalada como “volta 1036” (resposta ao art. 10º da base instrutória).
15. No desempenho de tal atividade de distribuição de mercadorias existiam na (…) cerca de 50 trabalhadores, 5 dos quais trabalhadores da Ré (resposta ao art. 11º da base instrutória).
16. O autor distribuía mercadorias quer em empresas quer em domicílios de particulares (resposta ao art. 12º da base instrutória).
17. O autor recebia instruções diretamente dum responsável da (…), o Sr. (…), que, ao longo do dia, contactava diretamente com o autor e dizia-lhe quais eram as recolhas que tinha que efetuar (resposta ao art. 13º da base instrutória).
18. Além da entrega de mercadorias, ao autor cabia ainda efetuar a recolha de mercadorias, que depois deixava, ao fim do dia, nas instalações da (…), transmitindo-lhe o Sr. (…), telefonicamente, durante o dia, quais os locais onde tinha de se dirigir (resposta ao art. 14º da base instrutória).
19. Para além dessas recolhas que lhe eram transmitidas por telefone e que variavam diariamente, o autor tinha recolhas regulares que efetuava diariamente, efetuando sempre recolhas de material nas instalações da sociedade (…) (resposta ao art. 15º da base instrutória).
20. O autor recebia mensalmente do Sr. (…), em dia não concretamente apurado e que variava, a quantia devida como contrapartida pelo trabalho prestado nesse mês, em numerário dirigindo-se o autor para o efeito às instalações da (…) (resposta ao art. 16º da base instrutória).
21. No dia 29 de Julho de 2016, o autor chegou, como habitualmente às instalações da (…) às 6.00 horas, e, além da sua volta, “a volta de Sintra”, foi-lhe também atribuída parte da “volta do Estoril” (resposta ao art. 17º da base instrutória).
22. O autor foi, de manhã, às instalações da (…) e a casas particulares fazer entregas e, após seguiu para a zona de São Domingos de Rana, onde deveria fazer entrega, na Rua (…), de uma encomenda, numa casa particular (resposta ao art. 18º da base instrutória).
23. Em virtude de, do registo de entregas que lhe foi distribuído, não constar o número da porta da residência onde deveria fazer a entrega, o autor parou o veículo nas imediações da Rua (…), a fim de se dirigir à traseira do veículo e verificar, na encomenda, qual a morada completa da residência onde se deveria dirigir (resposta ao art. 19º da base instrutória).
24. Ao sair do veículo, entre as 15 e as 16 horas, o autor colocou mal o pé direito, por existir um buraco no solo, de que não se apercebeu, torcendo-o (resposta ao art. 20º da base instrutória).
25. O autor não se sentiu capaz de conduzir e prosseguir com as entregas, e dirigiu-se a um café para ser auxiliado, local onde lhe colocaram gelo no pé para aliviar as dores (resposta ao art. 21º da base instrutória).
26. O Autor telefonou ao legal representante da ré, senhor Joaquim Brites, a quem relatou o sucedido e a quem pediu auxílio, não tendo o mesmo aparecido para o auxiliar invocando estar a trabalhar (resposta ao art. 22º da base instrutória).
27. O senhor (…) solicitou ao Autor que terminasse as recolhas que lhe estavam distribuídas consideradas urgentes, tendo o Autor assentido e ido efetuar recolha de tabaco a uma empresa em São Domingos de Rana e a outro local não concretamente apurado uma empresa de produtos de beleza, (…), sita na Rua (…), na Parede (resposta ao art. 23º da base instrutória).
28. Só depois de terminar as recolhas de mercadoria mais urgentes, tal como lhe tinha sido solicitado pelo legal representante da Ré, é que o autor foi para o Hospital, tendo-se dirigido ao Hospital de (…) ao final do dia (resposta ao art. 24º da base instrutória).
29. Foi-lhe diagnosticado, no Hospital de (…), “traumatismo em inversão do tornozelo direito, tumefação perimaleolar externa, dor com palpação anterior e inferior maleolar externa, sem dor com palpação da região do estragalo”, e “entorse tib peron distal anterior e PAA” (resposta ao art. 25º da base instrutória).
30. No hospital foi dito ao Autor que não deveria trabalhar nas próximas semanas, tendo, não obstante, o autor ido trabalhar mais cedo, em virtude de o legal representante da Ré lhe ter solicitado que o fizesse, tendo-lhe dito que, se não fosse trabalhar, perderia o seu posto de trabalho (resposta ao art. 26º da base instrutória).
31. Por isso, o autor retomou a sua atividade ao serviço da Ré, cerca de uma semana e meia a duas semanas depois de ter sofrido o evento em apreço (resposta ao art. 27º da base instrutória).
32. O Autor ficou afetado de ITA de 30/07/2016 a 14/08/2016, e a partir de 14/08/2016, data da alta, o Autor ficou afetado de uma IPP de 3,00% (apenso de fixação de incapacidade – resposta ao art. 28º da b.i).
33. E sente dores residuais com edema, dor à palpação retromaleolar externa direita, sem limitação da mobilidade das articulações tibiotársica e do pé direito (resposta ao art. 29º da base instrutória).
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De fundo
1ª Da inconstitucionalidade
Alega a R. inconstitucionalidade por violação do princípio do fair processo, invocando os art.º 1º, 2º, 3º, 9/b, 12, 13, 20, 202/1 e 2, 204 e 219/1, todos da Constituição.
Isto porque, em seu entender, a matéria de facto foi julgada arbitrariamente.
Ora, não tendo impugnado validamente a decisão de facto, falece o pressuposto básico da arguição, que assim improcede necessariamente, não se vislumbrando qualquer violação do normativo constitucional.
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2º Da natureza laboral da relação entre o A. e a R.
O Tribunal a quo, depois de enunciar o regime jurídico e os factos provados, pronunciou-se do seguinte modo:
“Perante os factos provados, é bom de ver que o Autor provou, não duas, mas pelo menos 3 das características previstas no nº 1 do art. 12º do C.T./2009, quais sejam, as contempladas nas alíneas:
a) - A atividade do Autor era realizada em local determinado pela Ré (foi a Ré que determinou que o Autor se apresentasse nas instalações da (…), não se exigindo que o local seja pertença da Ré por essa ser a primeira alternativa);
b) - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertenciam à Ré (o Autor circulava com veículo da Ré e era esta que o abastecia de combustível); e
d) – ao Autor era paga com determinada periodicidade (mensalmente como é usual nos contratos de trabalho) uma quantia certa como contrapartida da atividade desenvolvida pelo mesmo.
Resulta do art. 350º, n.º 1 do Código Civil que, havendo uma presunção legal, provar o facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido.
(…)
A Ré não provou factos que pudessem rebater os demonstrados pelo Autor, designadamente, não provou que pagasse ao dia como havia alegado, ou em função de um determinado serviço. A não inclusão do Autor na apólice de seguro de acidentes de trabalho e o presumível não pagamento de segurança social ao Autor, bem como a não realização dos demais legais descontos, são mera expressão do incumprimento de obrigações legais (ainda muito recorrente no nosso país) e não traços caracterizadores de uma prestação de serviços (aliás a prova produzida pela Ré foi no sentido de que os “prestadores de serviços” serviam para suprir situações de carência temporária e pontual dos trabalhadores de férias ou “de baixa”, parecendo olvidar a existência da figura do contrato de trabalho a termo).
Em suma, a Ré não ilidiu a presunção legal de laboralidade.
Donde, é forçoso concluir que a relação contratual que uniu as partes corresponde a um contrato de trabalho e não a uma mera prestação de serviços”.
Estas considerações mostram-se corretas do ponto de vista do Direito, e só podem ser postas em causa através da impugnação da matéria de facto.
Vimos que a R. não o fez validamente. Dito de outro modo: a procedência do recurso nesta parte dependia necessariamente da sindicância da matéria de facto, a qual não tem lugar, dados os termos em que foi posta.
Logo, também aqui improcede o recurso.
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3º Da litigância de má fé do A.
Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 542.º do Código de Processo Civil, “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Existe litigância de má fé quando a parte defende posição cuja falta de fundamento não desconheça ou não deva ignorar, deliberadamente falseie os factos ou omita factos essenciais ou utilize o processo com um objetivo ilegal, dificultando a ação da justiça ou impedindo a descoberta da verdade.
Não basta uma simples desconformidade da versão da parte com a realidade; é preciso que litigue sabendo e querendo prevalecer-se de algo que sabe ser falso, ou pretenda um fim consabidamente infundado.
Exigia-se outrora o dolo para poder falar em má fé processual; era então “uma modalidade do dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo. É o dolo processual unilateral sem conluio entre as partes” (Manuel de Andrade, Noc. Elementares de Processo Civil, 1979, 356).
Todavia, “no intuito de moralizar a atividade judiciária, o artigo 456º, nº 2, do CPC, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má fé pressupunha uma atuação dolosa, isto é, com consciência da falta de razão, motivo pelo qual a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave” (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 16.10.2007[6], na fundamentação).
Refere Pedro de Albuquerque, in Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em virtude de Atos praticados no Processo, na Revista  da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66, Vol. II, Set. 2006, disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos, que “... a litigância de má fé é um instituto processual de cariz público, de reprovação de um uso manifestamente censurável do processo. Ela só diz respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual a situações jurídicas igualmente processuais ou ao próprio processo em si. (…) Todo o processo se encontra dirigido para a obtenção de uma decisão donde resulta que, ao fim e ao cabo, o sujeito passivo da má fé será sempre o tribunal. A proibição de litigância de má fé revela-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de actuar de boa fé. O aspecto específico da má fé processual é, conforme defendemos, outro diverso e mais grave: o de transmutar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial(sublinhado nosso).

No caso, quem viu acolhidas no essencial as suas alegações e pretensões foi o A.: que houve um acidente, de trabalho, sendo que prestava a atividade sob as ordens e a direção da R.
Deste modo, é certo que não afirmou inverdades suscetíveis de alterar a sorte da ação: aquilo que disse foi, afinal, o que ficou assente.
Isto basta para concluir pela ausência de má fé.
*
Destarte, o recurso improcede.
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DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
a) Rejeitar o recurso da matéria de facto;
b) Julgar o recurso de Direito improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.

Lisboa, 15 de maio de 2019

Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega

[1] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 04 de Março de 2015, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, de 03 de Dezembro de 2015, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 e de 14 de Janeiro de 2015, Processo n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1 in www.dgsi.pt.   
[2] Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, no mesmo sítio.
[3] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p. 142.
[4] Processo n.º 0550879, in www.dgsi.pt.
[5] Vide Abrantes Geraldes, in ob. citada pp. 141 e ss.
[6] Todos os acórdãos citados sem menção da fonte estão disponíveis em www.dgsi.pt.