Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2043/14.8T8CSC.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: DESPEDIMENTO DE FACTO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Sumário: I – Não é susceptível de revelar a vontade do empregador de despedir a trabalhadora a circunstância de esta se apresentar ao serviço e deparar com a porta das instalações do empregador fechadas, nada mais se tendo verificado nesse dia, provindo da R. ou de um seu representante, susceptível de esclarecer qual a razão desse facto.
II – A alegação do empregador, constante da sua contestação, de que se viu obrigado a cessar a relação de trabalho por caducidade, sem que na mesma peça afirme ter emitido uma qualquer declaração que dirigisse à A. nesse sentido, não permite que se considere assente, pela via confessória, a existência de uma tal declaração e, muito menos, afirmar que uma inexistente declaração constituísse, afinal, um despedimento ilícito.
III – No período que se seguiu àquele dia, em que a trabalhadora se manteve impedida de prestar trabalho por facto que não lhe é imputável, manteve-se na esfera jurídica do empregador a obrigação nuclear de pagamento da retribuição que para si emergia da vigência do contrato de trabalho e, uma vez que a não pagou pontualmente, constituiu-se em mora no final de cada um dos meses em causa e à trabalhadora passou a assistir o direito, quer a uma indemnização moratória, quer a fundar a resolução contratual que operou, além do mais, na falta de pagamento de retribuições relativas ao referido período de tempo em que não prestou trabalho.
IV – À luz do Código do Trabalho de 2009, em caso de atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 dias, o trabalhador, findo este período, apenas dispõe de mais 30 dias para resolver o contrato, sob pena de caducar o direito de resolução.
V – Integra justa causa subjectiva de resolução do contrato de trabalho a falta culposa do pagamento das retribuições devidas em 3 meses consecutivos, no montante de € 1.100,00 cada, atenta a elevada projecção de tal falta no orçamento com que a trabalhadora contava para fazer face às suas despesas mensais, justificando-se, perante a apurada conduta do empregador, um fundado receio da trabalhadora de que, a continuar vinculada àquele, o faria sem contrapartida remuneratória, sendo-lhe inexigível a persistência por mais tempo da relação de trabalho.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório

1.1. A, intentou em 2 de Dezembro de 2014 a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B, Lda., peticionando:

a) se reconheça que o contrato de trabalho entre a R. e a A. foi resolvido pela A. com justa causa;

b) Condene a R. a pagar à A. os valores em dívida, acrescidos dos juros, à taxa legal, desde as datas de vencimento de cada um dos créditos referidos, até integral pagamento:

i. Subsídio de férias (devido em 2012), no valor de 1100;

ii. Subsídio de Natal (devido em 2012), no valor de € 1100;

iii. Retribuição da A. relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 18 de Julho de 2014, no valor de € 7260;

iv. Subsídio de refeição relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 18 de Julho de 2014, no valor de € 845,29;

v. Indemnização devida à A. pela resolução do contrato com justa causa, no valor de € 21 355,05;

vi. Férias vencidas a 1 de Janeiro de 2014, no valor de € 1100;

vii. Subsídio de férias vencido a 1 de Janeiro de 2014, no valor de € 1100;

viii. Proporcional relativo a férias (a vencer a 1 de Janeiro de 2015), no valor de € 599,73;

ix. Proporcional relativo a subsídio de férias (a vencer a1 de Janeiro de 2015), no valor de € 599,73;

x. Proporcional do subsídio de Natal, no valor de € 599,73.

Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que encontra-se ao serviço da ré desde 2005.03.15, auferindo € 1100, acrescido de subsídio de almoço de € 6,17/dia; que em 2012 a ré não lhe pagou subsídio de férias e de Natal, pelo que interpelou o sócio gerente da ré e apresentou queixa no ACT; que pese embora lhe hajam sido pagas com atraso as retribuições no ano de 2013, continuou a desempenhar as suas funções com zelo e diligência; que não lhe foi paga qualquer retribuição nos meses de Janeiro a Julho de 2014, nem subsídio de refeição; que em 17 de Julho de 2014 lhe eram devidos € 10 305,29 29 [€ 2200,00 (relativos a 2012) + € 7260,00 (relativamente a 2014) + € 845,29 (subsídio de refeição relativamente a 2014)], pelo que por carta registada e recebida pela ré 2014.07.18 comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho, com justa causa, nos termos do artigo 394.º, n.º 2, al a) do CT.

Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo a mesma a apresentar contestação em que impugna os factos alegados pela A. e sustenta, em suma: que o contrato já cessara a 28 de Fevereiro de 2014, por caducidade, data em que foi despejada das suas instalações, tendo sido nesta data entregue declaração para o subsídio de desemprego à A.; que o direito de resolução caducou pelo decurso do prazo de 5 meses entre tal despejo, data em que a R se viu obrigada a cessar a relação de trabalho por impossibilidade de aceitar a prestação da A., bem como pelo decurso dos prazos de quatro meses e de três meses desde as datas (11 de Março e 24 de Abril de 2014, respectivamente) em que a A. apresentou queixa nos serviços do MP e em solicitou ao IEFF a emissão do modelo para obter o subsídio de desemprego. Conclui pela improcedência da acção.

 A A. respondeu à contestação nos termos de fls. 65 e ss. e aí sustentou a improcedência da excepção invocada, negando que o contrato de trabalho tenha cessado por caducidade e, subsidiariamente, na hipótese de se entender que o contrato de trabalho cessou no dia 28 de Fevereiro de 2016, defende que tal consubstanciou um despedimento ilícito. Alegou nesta resposta, em suma: que no dia 26 de Fevereiro de 2016 foi-lhe proposta resolução do contrato de trabalho, que não aceitou, tendo no dia seguinte deparado com as instalações da R. encerradas; que a chave foi-lhe entregue por terceiros e trabalhou nesse dia, sendo convocada para nova reunião em que, voltando a não aceitar proposta de cessação do contrato lhe pediram a chave da porta do edifício e a senha da Segurança Social da R.; que no dia seguinte se deparou com as instalações da ré encerradas, sendo-lhe transmitido que o sócio gerente da R. mudara a sede da ré para a sua residência, e que foi ao ACT e ao MP, onde sempre deixou claro que não tinha sido despedida, como não foi. Pede, a final, que seja a ré condenada a reintegrá-la ou a pagar-lhe indemnização e as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 390.º do Código do Trabalho. Pede ainda a condenação da R. a pagar-lhe os seguintes montantes que já eram devidos antes do despedimento:

- Subsídio de férias não pago (devido em 2012), no valor de € 1100;

- Subsídio de Natal não pago (devido em 2012), no valor de € 1100;

- Retribuição da A. não paga, relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 28 de Fevereiro de 2014, no valor de € 2200,00;

- Subsídio de refeição devido relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 28 de Fevereiro de 2014, no valor de € 259,14.

Foi proferido despacho saneador, no qual não foi admitida a cumulação sucessiva de pedidos e dispensada a fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, fixando-se à acção o valor de € 36.428,57 (fls. 108 e ss.).

A A. interpôs recurso de apelação em separado da decisão que não admitiu o pedido sucessivamente formulado, vindo este Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 01 de Junho de 2016, a revogar a decisão recorrida, admitindo o pedido formulado pela A. na resposta à contestação.

Procedeu-se a julgamento – que entretanto foi suspenso até à prolação do acórdão que apreciasse a admissibilidade do pedido subsidiário deduzido na resposta à contestação – e, findo o mesmo, a Mma. Julgadora a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência:

a. Reconhece-se que o contrato de trabalho entre autora e ré foi resolvido pela primeira;

b. Condena-se a ré a pagar à autora:

b.a. A quantia de € 1100 (mil e com euros) a título de salário de janeiro de 2014, acrescida de juros de mora vincendos desde 31-01-2014 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano;

b.b. A quantia de € 1100 (mil e com euros) a título de salário de fevereiro de 2014, acrescida de juros de mora vincendos desde 28-02-2014 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é actualmente de 4% ao ano;

b.c. A quantia de € 135,74 (centro e trinta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídio de alimentação de janeiro de 2014, acrescida de juros de mora vincendos desde 31-01-2014 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano;

b.d. A quantia de € 121,40 (cento e vinte e um euros e quarenta cêntimos) a título de subsídio de alimentação de fevereiro de 2014, acrescida de juros de mora vincendos desde 28-02-2014 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano;

b.e. A quantia de € 1100 (mil e cem euros) a título de subsídio de férias de 2012, acrescida de juros de mora vincendos desde 31-12-2012 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano;

b.f. A quantia de € 1100 (mil e cem euros) a título de subsídio de natal de 2012, acrescida de juros de mora vincendos desde 15-12-2012 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano;

b.g. A quantia de € 2200 (três mil e trezentos euros) a título de férias e subsídio de férias vencidos a 01-01-2014, acrescida de juros de mora vincendos desde 28-02-2014 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano;

b.h. A quantia de € 550 (quinhentos e cinquenta euros) de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal, pelo trabalho prestado de 1-01-2001 a 28-02-2014), acrescida de juros de mora vincendos desde 28-02-2014 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é actualmente de 4% ao ano;

c. Absolve-se a ré do demais peticionado.

Custas por autora e pela ré na proporção de decaimento (79,64% e 20,33%, respetivamente) - art. 527.º, n.º 1 e 2, do CPC e 1.º, n.º 2, al. a), do CPT.

[…]»

1.2. A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

“a) Vem o presente recurso, em primeira linha e a título principal, interposto da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, na parte que decidiu: i) Não existir justa causa para que a A., ora Recorrente, resolvesse o contrato de trabalho que mantinha com a Ré; ii) E que, de todo o modo, esse direito já teria caducado quando foi exercido, por haver sido ultrapassado o prazo de trinta dias para o respectivo exercício, fixado no artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro);

b) Subsidiariamente, para o caso de se vir a considerar que a resolução do contrato declarada pela Recorrente não é válida, igualmente se recorre da parte da sentença que considerou não ter a Recorrida realizado um despedimento ilícito.

c) O Tribunal a quo considerou que, como a partir de 28 de Fevereiro de 2014 a A. não desempenhou as suas funções para a Ré (facto 51), não lhe eram devidas as retribuições posteriores a essa data, pelo que, no entender da sentença recorrida, “a violação da obrigação de pagamento da retribuição cessou em 28-01-2014” [na sentença refere-se a data de “28-01-2016”, mas trata-se de lapso manifesto].

d) Ao assim decidir a sentença recorrida fez errada aplicação do Direito, porquanto: i) Considerou indevidamente que a Recorrente não tinha direito às retribuições vencidas após 28/02/2014 e que, como tal, a violação do dever de pagar a retribuição em que a Recorrida incorreu havia terminado nessa data; ii) Entendeu erradamente que o direito de resolver o contrato havia caducado, por terem passado mais de trinta dias sobre a data em que a entidade empregadora havia deixado de pagar a retribuição; iii) Decidiu, erradamente, que o comportamento da entidade empregadora, ora Recorrida, não era susceptível de dar origem a uma situação de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte da trabalhadora, aqui Recorrente;

e) Por outro lado, quanto à alegada cessação do contrato por caducidade, que a Recorrida alegou ter promovido em Fevereiro de 2014, o Tribunal de 1.ª Instância considerou que “não se apurou que a Ré houvesse ficado impedida de receber o trabalho por parte da autora ou de esta o prestar” e, em consequência, decidiu que não havia ocorrido a caducidade do contrato de trabalho.

f) Contudo, desta decisão o Tribunal a quo não extraiu as devidas consequências, pois, tendo a própria Ré, aqui Recorrida, alegado que havia posto fim ao contrato por impossibilidade superveniente de receber o trabalho e uma vez que se entendeu que não havia fundamento para declarar a caducidade do vínculo laboral, estava o Tribunal obrigado a qualificar a declaração de caducidade que a Recorrida sustenta ter proferido como uma declaração de despedimento ilícito, com as legais consequências.

d) No que respeita à resolução do contrato levada a cabo pela Recorrente, a sentença recorrida, apesar de ter decidido que o contrato de trabalho se manteve em vigor entre 1 de Março e 18 de Julho de 2014, entendeu que nesse período a Recorrente não tinha direito a receber a retribuição, uma vez que, a partir de Fevereiro, deixou de exercer as suas funções para a Ré.

e) Segundo a sentença recorrida, esta seria a solução que decorreria da correspectividade entre trabalho e retribuição e do artigo 256.º do CT.

f) Sucede que o artigo 256.º do Código do Trabalho versa sobre a situação das faltas injustificadas, sendo certo que nunca esteve em causa nos presentes autos - nem a Ré alegou tal facto - que a Autora tivesse faltado injustificadamente ao trabalho no período compreendido entre 1 de Março e 18 de Julho de 2014.

g) E nem assim o considerou o Tribunal a quo, que também não afirma que a Recorrente tenha incorrido em faltas injustificadas, não obstante ter invocado a disposição legal que fixa os efeitos das ausências injustificadas para fundamentar a inexistência da obrigação da Recorrida pagar a retribuição correspondente ao período durante o qual o contrato se manteve em vigor.

h) Ora, se a Recorrente não faltou injustificadamente ao trabalho não podia o Tribunal fundamentar esta decisão na regra legal que trata dos efeitos das faltas injustificadas.

i) É verdade que a Recorrente não exerceu funções entre 1 de Março e 18 de Julho de 2014. Mas se o não fez foi porque disso foi impedida pela Ré, como o próprio Tribunal de 1.ª instância reconheceu, ao dar como provado que a nãoexecução do trabalho se deveu ao facto de a entidade empregadora ter encerrado as instalações em que desenvolvia a respectiva actividade (factos provados 35, 37 e 51).

j) E assim o reconheceu também a própria entidade empregadora, ora Recorrida, que nestes autos alegou que “deixou de ter capacidade de receber a prestação de trabalho da A.” e que tal “determina a caducidade do contrato” (artigos 7 e 8 da Contestação).

k) Todavia, tendo o Tribunal decidido que “não se apurou que a ré houvesse ficado impedida de receber o trabalho por parte da autora ou desta o prestar”, forçoso era também concluir que a não-execução do trabalho por parte da Recorrente se ficou a dever à actuação da entidade empregadora, que se recusou a receber o trabalho que a Autora se disponibilizou a prestar e que jamais a convocou para executar quaisquer tarefas.

l) Não há pois fundamento para entender que a Recorrente deixou de ter direito à retribuição correspondente à prestação de trabalho que permaneceu obrigada a executar e que só não executou porque disso foi impedida pela Recorrida.

m) A solução que decorre da lei para esta situação é considerar que a entidade empregadora permanece obrigada a pagar a retribuição correspondente à prestação de trabalho que, por sua iniciativa e exclusiva responsabilidade, não recebeu quando disso não estava impedida.

n) O nexo de correspectividade que existe entre a prestação de trabalho e a retribuição – invocado pela sentença recorrida – não impede que existam muitas situações em que o empregador mantém o dever de pagar a retribuição sem ter direito a receber o trabalho correspondente, como acontece na generalidade das situações de faltas justificadas e de diversas dispensas e licenças, bem como nos casos de suspensão do contrato por facto respeitante ao empregador, designadamente, nas situações de encerramento temporário da empresa que impedem o empregador de receber o trabalho.

o) De resto, estando em causa uma situação em que o trabalhador foi impedido de prestar o trabalho porque o empregador se recusou a receber a prestação, alegando – sem fundamento, como bem o reconheceu a sentença recorrida – que estava impossibilitado de o fazer, também pelas regras gerais sobre a impossibilidade e o incumprimento das obrigações se alcança o mesmo resultado, pois que, como é sabido, nos contratos bilaterais, “se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação” – artigo 795.º, n.º 2, do Código Civil.

p) Assim, o Tribunal a quo fez errada aplicação da lei quando decidiu que “a violação da obrigação de pagamento da retribuição cessou a 28-02-2014” [como já se assinalou, na sentença refere-se por lapso a data de “28-01-2016”], pois a violação do dever de pagar a retribuição manteve-se enquanto perdurou o contrato de trabalho entre as partes, isto é, até à data em que a Recorrente o resolveu com justa causa, fundada no reiterado e continuado incumprimento da obrigação retributiva por parte da Recorrida.

q) Por assim não ter entendido, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 248.º, 256.º, 127.º, n.º 1, al. b), todos do Código do Trabalho, e artigo 795.º, n.º 2, do Código Civil.

r) Considerando-se, como se tem de considerar, que a Recorrida permaneceu obrigada a pagar a retribuição à Recorrente no período subsequente a 28.2.2014 e que, não o tendo feito, incorreu em “falta culposa de pagamento pontual da retribuição” [artigo 394.º, n.º 2, a), do CT], forçoso é também considerar que no caso concreto a Recorrente tinha direito a resolver com justa causa o contrato de trabalho e que exerceu esse direito dentro do prazo legal fixado para o efeito e adoptando o necessário procedimento.

s) O Tribunal a quo fez pois errada aplicação do Direito quando decidiu que “a julho de 2014 já havia decorrido o prazo de 30 dias sobre os 60 dias após o vencimento da última prestação devida pela ré (fevereiro do mesmo ano)” e que, com base neste entendimento, considerou procedente a excepção invocada pela Recorrida.

t) Esta decisão traduz uma errada interpretação e aplicação do artigo 394.º, n.º 1, a) e n.º 5, bem como do artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que reconheça a improcedência da excepção invocada pela Recorrida e, em consequência, a condene a pagar as retribuições vencidas entre 1 de Março e 18 de Julho de 2014, bem como no pagamento da indemnização devida por aplicação do artigo 396.º do CT.

u) Na data em que a resolução foi declarada não tinha sequer começado a correr o prazo de 30 dias fixado no artigo 395.º, n.º 1 do CT, dado que o mesmo não se inicia enquanto o empregador persistir na violação do dever de retribuir o trabalho.

v) Do que antecede resulta que no caso dos autos se verificou uma situação de justa causa de resolução do contrato pela Recorrente, fundada em comportamento ilícito da entidade empregadora, aqui Recorrida, e que aquela exerceu o direito de resolver o contrato dentro do prazo e cumprindo as formalidades que a lei impõe.

w) Por assim não ter entendido, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 394.º, 395.º e 396.º do Código do Trabalho.

x) Caso se entenda que a resolução do contrato pela Recorrente, por algum motivo, não foi válida (o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder), deve a decisão sob recurso ser substituída por outra que, reconhecendo não ter havido impossibilidade de receber o trabalho, contrariamente ao sustentado pela Recorrida e pela sentença, qualifique o comportamento que esta assumiu como um despedimento ilícito e, em consequência, a condene no pedido subsidiário formulado pela Recorrente.

y) A primeira instância apreciou a posição que a Recorrida sustentou nos autos, alegando que o contrato em apreço cessou por caducidade em Fevereiro de 2014, data em que supostamente teria deixado de poder receber a prestação de trabalho, tendo concluído que “não se apurou que a ré houvesse ficado impedida de receber o trabalho por parte da autora ou desta o prestar” e que, como tal, não tinha ocorrido a caducidade do contrato de trabalho.

z) Ora, se assim é e se não se provou a ocorrência da caducidade, são duas as qualificações possíveis deste comportamento:

- Ou se considera que o mesmo não foi suficiente para produzir a extinção do vínculo contratual existente entre as partes e que, em consequência, a Recorrida continuou a recusar-se ilicitamente a pagar a retribuição devida, dando origem a uma situação de justa causa de resolução por parte da Recorrente, com as legais consequências;

- Ou se entende que a actuação da Recorrida correspondeu à intenção que a própria insistentemente assumiu na contestação, no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho por caducidade, caso em que, não se reconhecendo existir a alegada caducidade, o seu comportamento não pode deixar de ser qualificado como um despedimento ilícito, quer pela inexistência de uma justificação válida para extinguir o vínculo contratual quer pela circunstância de a extinção não ter sido declarada através do procedimento legalmente exigido para o efeito.

aa) A posição da Recorrente sempre foi que a qualificação correcta era a primeira e por isso peticionou que a Recorrida fosse condenada a pagar-lhe todas as quantias decorrentes da resolução com justa causa por si promovida em 18 de Julho de 2014.

bb) Mas no caso de entender que a resolução não foi eficaz, então não há como evitar a segunda alternativa, qualificando o comportamento da Recorrida como um despedimento ilícito, com todas as legais consequências.

cc) Por assim não ter entendido, a sentença recorrida violou os artigos 338.º, 381.º, 389.º, 390.º e 391.º, todos do Código do Trabalho.

Nestes termos, e nos melhores de direito que doutamente se suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, substituindo-se a decisão recorrida por outra que considere totalmente procedentes os pedidos da Recorrente.”

1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

1.4. O recurso foi admitido por despacho de 21 de Abril de 2017 como de apelação com efeito devolutivo.

1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que a apelação merece provimento por existir justa causa para a A. resolver o contrato de trabalho.

Notificadas as partes deste douto Parecer, nenhuma delas se pronunciou.

Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso                                                                                            
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
1.ª – por que forma – despedimento ou resolução – e quando – 28 de Fevereiro ou 18 de Julho de 2014 – cessou o contrato de trabalho celebrado entre as partes;
2.ª – caso se conclua que o foi em 28 de Fevereiro de 2014 por via de despedimento operado pela recorrida, da licitude deste acto extintivo;
3.ª – caso se conclua pela ilicitude do despedimento, das suas consequências;
4.ª – caso se conclua que o contrato de trabalho se manteve em vigor e apenas veio a cessar em 18 Julho de 2014 por via da resolução comunicada pela recorrente, se esta poderia fundar a resolução contratual na falta de pagamento de retribuições relativas a períodos de tempo em que não prestou trabalho, o que supõe a análise da sub-questão de saber se o empregador se mantinha adstrito à obrigação de pagamento da retribuição após 28 de Fevereiro de 2014;
5.ª – se se verificou a caducidade do direito de resolução;
6.ª – sendo tempestivo o exercício do direito de resolução, se deve considerar-se que a resolução se fundou em justa causa;
7.ª – caso se conclua que o contrato de trabalho cessou em 18 de Julho de 2014 por via da resolução com justa causa, das consequências desta.

Deve esclarecer-se que, apesar de a A. formular em via principal os pedidos que fez constar da sua petição inicial e que radicou na resolução do contrato de trabalho com alegada justa causa comunicada à R. através da missiva que esta recebeu em 18 de Julho de 2014, perspectiva que mantém na apelação – na medida em que alega apenas por cautela de patrocínio, e sem conceder que, caso se entenda que a resolução não foi válida, deve qualificar-se o comportamento da recorrida como um despedimento ilícito por não haver impossibilidade de receber o trabalho, condenando-se a R. no pedido “subsidiário” [conclusões x) a cc)] –, a ordem de conhecimento das questões não pode deixar de ser a que se enunciou.

Com efeito, é manifesto que, se através do comportamento declarativo das partes que resultou provado se considera o contrato de trabalho cessado desde logo Fevereiro de 2014, o acto extintivo que a A. praticou em 17 de Julho de 2014 e veio a ser recepcionado pela R. no subsequente dia 18 carece de objecto, não sendo apto a produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica.

O que, a suceder, torna prejudicada a análise da existência do direito de resolução, da sua tempestividade e da eventual justa causa de resolução.

Aliás, deve dizer-se que a A. não deixou de ter presente esta perspectiva quando na resposta à contestação formulou o pedido de declaração de ilicitude do despedimento com as consequências que lhe associou, na medida em que aí expressamente disse que o pedido subsidiário era formulado “na eventualidade de se considerar que o contrato de trabalho da Autora cessou em 28 de Fevereiro de 2016” (fls. 71).
3. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:

«[...]

1. A ré é uma sociedade por quotas que se dedica à comunicação e publicidade;

2. A autora foi contratada pela ré a 15 de março de 2005, para, sob a sua autoridade e direção, exercer as funções de administrativa;

3. Desempenhando, desde 1 de janeiro de 2006, a função de técnica oficial de contas;

4. Essas funções eram exercidas, habitualmente, no estabelecimento da ré, sito na (…);

5. No âmbito do exercício das suas funções, a autora auferia: retribuição mensal de € 1100, subsídio de almoço por cada dia trabalhado, no valor unitário de € 6,17;

6. No ano de 2012, a ré não pagou o subsídio de férias à autora;

7. No montante de € 1100;

8. Nem, nesse mesmo ano, o subsídio de Natal;

9. No montante de € 1100;

10. A partir de 2012 os trabalhadores da ré percecionaram que a mesma se encontrava a passar dificuldades;

11. Entrando e[m] situação que descreveram como de salários em atraso;

12. E que a mesma estava com um processo de despejo, por falta de pagamento de rendas;

13. Tendo os seus sócios feito saber que iriam fechar portas;

14. E começo[u]  a dispensar trabalhadores, chegando a acordo para cessação de contratos de trabalho com os mesmos;

15. A autora solicitou a regularização do pagamento dos subsídios de férias e natal de 2012;

16. Quer diretamente;

17. Quer através de mensagens de correio eletrónico, a (…), na qualidade de gerente da ré, e a (…) e a (…), na qualidade de sócios, designadamente em:

•9 de Dezembro de 2013;

•11 de Dezembro de 2013;

•12 de Dezembro de 2013;

•17 de Dezembro de 2013;

•20 de Dezembro de 2013;

•23 de Dezembro de 2013;

•30 de Dezembro de 2013;

•4 de Fevereiro de 2014; e

•7 de Fevereiro de 2014;

18. Durante todo o ano de 2013, as retribuições (salários) da autora foram pagas;

19. Referindo-se à impossibilidade de efetuar o pagamento à A. dos valores devidos, (…) invoca, a 20 de Dezembro de 2013, estar à “espera de um pagamento”;

20. E, a 10 de Fevereiro de 2014, invoca a impossibilidade da tesouraria “conseguir cumprir com as suas obrigações financeiras” devido a uma diminuição da faturação da empresa, conforme “email” enviado à A. pelo Sr. Dr. (…);

21. “Email” este a que a autora respondeu, a 11 de Fevereiro de 2014;

22. A 26 de fevereiro de 2014 a autora foi convocada para uma reunião com a advogada da ré em que lhe foi proposta a cessação do contrato de trabalho;

23. Mediante o pagamento de uma compensação;

24. A autora não aceitou tal proposta;

25. E a 27 de fevereiro de 2014 apresentou-se nas instalações da ré, cuja porta estava fechada;

26. Passado algum tempo, as chaves foram-lhe entregues, sendo-lhe dito que o eram a mando do gerente da ré;

27. A autora entrou nas instalações da ré para desempenhar as suas funções;

28. Ainda no dia 27 de Fevereiro de 2014, e quando se encontrava a trabalhar, a autora recebeu um “email” do gerente (…), no qual este referia que a empresa teria que abandonar aquelas instalações por falta de dinheiro para pagar a renda;

29. E foi convocada para nova reunião com o gerente da ré a advogada desta;

30. Onde lhe voltou a ser proposta a cessação do seu contrato de trabalho;

31. Com pagamento faseado do montante/ créditos que fossem acordados;

32. E lhe foram pedidos a chave da porta do edifício em que se encontram as instalações da ré;

33. E a senha do site da segurança social, atinente à ré;

34. O que a autora fez;

35. A autora apresentou-se ao serviço a 28 de fevereiro de 2014;

36. Não aceitando a proposta de cessação do contrato de trabalho;

37. E deparou-se com a porta principal do edifício fechada;

38. Fora do edifício encontrava-se (…), que informou a autora que a ré funcionava na residência do sócio-gerente;

39. A autora entendeu que o referido em 25. 28. 29. a 33. e 37. a 38. não constituía, por parte da ré, pretensão em fazer cessar o contrato de trabalho ou consubstanciava tal cessação;

40. E não se deslocou à residência do sócio-gerente, por não se achar com a obrigação de o fazer;

41. A autora apresentou queixa na PSP, esquadra de Rio de Mouro;

42. E apresentou uma queixa na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) de Sintra;

43. E decidiu recorrer aos serviços do Ministério Público;

44. Onde declarou que não tinha sido despedida;

45. A ré foi notificada pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa, 2º Juizo, 2ª Procuradoria - Serviços do Ministério Publico, Processo 301/14.0TULSB para conferência de partes/tentativa de conciliação;

46. Notificação datada de 11-03-2014;

47. Na notificação recebida nestes termos pela ré era acompanhada do “Pedido de patrocínio do Ministério Público”, pedido pela autora, constante de fls. 60 dos autos, e por esta subscrito, datado de 5 de Março de 2014[1] com o seguinte teor:

“a. Cessação: 28 de Fevereiro de 2014, mas não foi despedida”:

b. Causa da cessação: Não foi despedida mas quando se apresentou a trabalhar no dia 28 a empresa estava fechada”;

c. Outros: o gerente enviou-lhe um email a dizer que a empresa teria de sair das instalações por falta de pagamento de renda. Não pode trabalhar porque a empresa está encerrada. Desde janeiro, inclusive, que não recebe salário, bem como os subsídios de férias e Natal de 2012. Desde há um ano que verbalmente lhe propõem a cessação do contrato mediante o pagamento de uma compensação, o que não aceitou”;

48. A Autoridade para as Condições do Trabalho remeteu ao representante legal da ré o teor de fls. 61, com carimbo aposto de 21 de abril de 2014, no qual “a requerente recorreu a este Centro (…) para que lhe fosse emitida a declaração de situação[2] de desemprego (…) solicitamos nos envie a declaração”;

49. A ré não pagou qualquer retribuição à autora nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2014;

50. Não foi igualmente pago nos referidos meses qualquer montante a título de subsídio de alimentação;

51. A partir de 28 de fevereiro de 2014 a autora não desempenhou as suas funções para a ré;

52. A ré nada pagou à autora referente aos meses de março, abril, maio, junho e julho (até 18-07) de 2014;

53. A autora enviou à ré a carta registada com aviso de receção constante de fls. 39 dos autos, na qual comunicava “a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa nos termos do artigo 394.º, número 2, alínea a), do Código do Trabalho”, “com o fundamento de se encontrarem vencidas e não pagas as seguintes retribuições: - subsídios de férias e subsídio de natal de 2012, no montante de € 2200; - férias e subsídio de férias de 2013, no montante de € 2200; - retribuição base de 1 de janeiro a 15 de julho de 2014, no montante de € 715 (…). Tendo em conta que o arrastar desta situação me colocou numa posição de extrema debilidade económica, física e psicológica (…) ”;

54. E na qual exigia, igualmente, o pagamento do valor da indemnização devida pela resolução do contrato e os demais créditos devidos pela referida resolução, ou seja, o subsídio de férias e as férias vencidas a 1 de Janeiro de 2014 e os valores devidos a título de férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2014;

55. Tal carta, não datada, foi remetida a 17 de julho de 2014;

56. E foi recebida pela ré a 18 de Julho de 2014;

57. Em 2014 a ré encontrava-se sem atividade conhecida.

 [...]».
Nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se à decisão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 4 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito), pelo que os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Assim, porque plenamente provado por documento, que foi devidamente notificado às partes sem que estas se tenham pronunciado quanto ao mesmo (fls. 177), adita-se à matéria de facto o seguinte:

58. O Instituto de Emprego e Formação Profissional informou que a A. se encontra inscrita como “candidata a emprego desde 2014.05.15” e se encontra na situação de “desempregado à procura de novo emprego”, tendo naquela data requerido subsídio de desemprego à Segurança Social.

Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso.             4. Fundamentação de direito

            4.1. A primeira questão de direito a analisar consiste em saber por que forma e quando cessou o contrato de trabalho celebrado entre as partes: por despedimento, no dia 28 de Fevereiro, ou por resolução da iniciativa da trabalhadora, esta no dia 18 de Julho de 2014.

Os factos em análise nestes autos, quer os que cabe interpretar com vista à sua qualificação jurídica como actos extintivos do contrato, quer os demais que fundamentam a resolução comunicada pela A., ocorreram todos na vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, pelo que a apreciação a efectuar deverá ser feita à luz do regime jurídico deste Código, em face do que prescreve o art. 7.º, n.º 1 da Lei Preambular.

A extinção de um vínculo contratual é sempre consequência da verificação ou ocorrência de determinados actos ou factos a que a lei confere a virtualidade de operar aquele efeito jurídico.

No caso do contrato de trabalho, há várias circunstâncias a que a lei confere virtualidade extintiva do contrato, como, por exemplo, uma declaração extintiva da entidade empregadora ou do trabalhador, o decurso do prazo convencionado acompanhado da declaração de não renovação da entidade empregadora, o abandono do trabalho, a revogação do contrato por acordo das partes, a caducidade, a resolução, etc. (cfr. o artigo 340.º do Código do Trabalho de 2009).

Qualquer causa de extinção do vínculo opera de forma autónoma.

A sentença sob recurso entendeu que não se verificou a caducidade do contrato de trabalho que a R. alegara na sua contestação ter-se verificado em Fevereiro de 2014 – por ter deixado de poder receber a prestação de trabalho da A. –, por se não verificar a hipótese do artigo 343.º, alínea b) do Código do Trabalho, segundo o qual o contrato de trabalho caduca, nos termos gerais, “em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber”.

Cabe, pois, averiguar se em 28 de Fevereiro de 2014 se verificou o despedimento da recorrente.

O despedimento é uma forma de cessação do contrato e traduz-se numa declaração de vontade negocial emitida pelo empregador dirigida ao trabalhador, comunicando-lhe a cessação do vínculo laboral. É estruturalmente um acto unilateral, integrado por uma declaração de vontade receptícia, cuja eficácia depende da sua recepção pelo destinatário, nos termos do art.º 224, do Código Civil, pelo que o efeito extintivo do contrato se verifica depois de a declaração ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil).

O nosso ordenamento jurídico-laboral não faz depender a validade de tal declaração negocial da observância de forma especial (artigo 219.º do Código Civil).

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.10.22, “[o] despedimento promovido pela entidade empregadora traduz-se numa declaração negocial, que produz efeitos logo que é recebida pelo destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) – por isso, irrevogável (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) –, podendo o desígnio de fazer extinguir o contrato ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de expressão da vontade, quer através de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade, revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil) e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, do referido Código[3].

Ora, analisando os factos que se provaram, não vemos que possa deduzir-se dos mesmos ter a R. emitido uma qualquer declaração com vista à extinção do vínculo contratual firmado entre as partes ou assumido um comportamento susceptível de, inequivocamente, o revelar.

No dia 27 de Fevereiro foi proposta à A. a cessação por acordo do contrato de trabalho numa reunião com o gerente da R., mas a A. não a aceitou, pelo que ficou claro que o contrato de trabalho se mantinha e não pode conferir-se aos factos de lhe terem sido pedidas nesse dia as chaves da porta das instalações da R. e da passe da Segurança Social, relevo coadjuvante de uma inexistente atitude da R. indiciadora de uma vontade de extinção unilateral do vínculo (factos 29. a 34. e 36.).

No dia 28 de Fevereiro, por seu turno, ficou apenas provado que a A. se apresentou ao serviço e deparou com a porta do edifício fechada (factos 35. e 37.), nada mais se tendo verificado nesse dia provindo da R. ou de um seu representante – pois que não é indicada na decisão de facto qualquer relação da pessoa que então a informou de que a R. funcionava na residência do seu gerente (facto. 38.) – susceptível de esclarecer qual a razão de ser de a porta das instalações se encontrar fechada.

Por isso se compreende que a A. tenha entendido que a R. não tinha a pretensão de fazer cessar o contrato de trabalho tal como ficou a constar da decisão de facto (facto 39.) que nesta instância há que acatar por não ter sido objecto de impugnação.

Não revelando os factos provados que a R. tivesse a intenção de extinguir unilateralmente o vínculo – as duas propostas de cessação por acordo, ao invés, são desconformes com tal vontade – e não sendo o seu apurado comportamento, na perspectiva de um declaratário normal colocado na posição da A., de molde a que se possa qualificar o mesmo como uma atitude inequívoca no sentido da extinção unilateral do convénio laboral, concluímos – como a A. à data (facto 39.) – que a R. não expressou em Fevereiro de 2014 ser sua pretensão fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho.

Dir-se-á que não são compatíveis com a manutenção do contrato de trabalho a partir de 28 de Fevereiro de 2014 os factos de:

- a A. ter declarado perante o Ministério Público em 5 de Março de 2014 que o contrato de trabalho cessou em 28 de Fevereiro de 2014, embora ressalvando que não foi por despedimento (facto 47.);

- a A. ter formulado antes de 21 de Abril de 2014 um requerimento à ACT para que lhe fosse emitida a declaração de situação de desemprego (facto 48.);

- a A. se encontrar inscrita como “candidata a emprego” no IEFP desde 15 de Maio de 2014  e se encontrar então na situação de “desempregado à procura de novo emprego”, tendo naquela data requerido subsídio de desemprego à Segurança Social (facto 58.);

mas estas atitudes da A., se indiciam que a mesma perspectivava o contrato de trabalho como cessado desde 28 de Fevereiro de 2014,  não são de molde a qualificar o comportamento da R. que se apurou como um despedimento.

Por outro lado, as considerações que a recorrente emite no sentido de que, não existindo caducidade do contrato de trabalho, deve entender-se que a actuação da R. ora recorrida correspondeu à intenção que assumiu na contestação de fazer cessar o contrato de trabalho por caducidade, caso em que, não se reconhecendo existir esta caducidade, o comportamento da R. não pode deixar de ser qualificado como um despedimento ilícito, não têm correspondência com o que os autos revelam.

É certo que, a haver um despedimento no dia 28 de Fevereiro de 2014, o mesmo seria ilícito, quer pela inexistência de uma justificação válida para extinguir o vínculo contratual quer pela circunstância de a extinção não ter sido declarada através do procedimento legalmente exigido para o efeito.

Simplesmente, repetimos, os factos apurados não são de molde a evidenciar a vontade da R. no sentido de pôr fim unilateralmente ao contrato no dia 28 de Fevereiro de 2014 e a verdade é que, ao invés do que diz a recorrente [conclusão f)] a R. não alegou na contestação “que havia posto fim ao contrato” nem sustentou ter proferido uma “declaração de caducidade”.

O que a R. alegou na contestação de fls. 55 e ss. foi que, à data da resolução, o contrato de trabalho estava cessado por caducidade com efeitos a 28 de Fevereiro de 2014, porque deixou de ter capacidade de receber a prestação de trabalho da A., o que nos termos do artigo 343º, alinea b) do CT determina a caducidade do contrato (artigos 7.º e 8.º da contestação) e que a notificação da ACT demonstra considerar a A. estar desempregada em 2014.04.21 (artigos 10.ºa 13.º). Mesmo quando alegou nos artigos 16.º e 17.º que “(…) tendo o contrato caducado no dia 28/2/2014, o prazo para comunicação à R. pela A. da sua vontade de rescindir o contrato por justa causa, há muito tinha terminado. Uma vez que desde 28/2/2014 que a R., impossibilitada de ter acesso às suas instalações se vira obrigada a cessar a relação de trabalho com a A., por impossibilidade de aceitar a sua prestação de trabalho”, não afirmou ter comunicado à A. a cessação do contrato, e em que termos, constituindo esta afirmação de que (no passado) “se vira obrigada a cessar a relação de trabalho” uma conclusão que teria que se retirar de outros factos concretos susceptíveis de a integrar.

Ou seja, a R. jamais afirmou na sua contestação ter emitido uma qualquer declaração que dirigisse à A., ainda que com vista à cessação do contrato por impossibilidade superveniente de receber o trabalho que pudesse vir a ser qualificada noutros moldes, pelo que nunca poderia o tribunal considerar assente pela via confessória – cfr. o artigo 352.º do Código Civil – a existência de uma tal declaração e, muito menos, afirmar que uma inexistente declaração constituísse, afinal, um despedimento ilícito.

Aliás, deve dizer-se que, quanto ao dia 28 de Fevereiro de 2014, não está provado nos autos qualquer comportamento declarativo da R.

Concluímos, pois, que a factualidade apurada não permite a conclusão de que nessa data se produziu a extinção do vínculo contratual existente entre as partes, quer por caducidade, quer por via de um despedimento operado pelo empregador.
O que torna prejudicadas as segunda e terceira questões de aferir da licitude deste acto extintivo e das consequências de uma eventual ilicitude.
4.2. Mantendo-se o contrato de trabalho em vigor, é de considerar que o mesmo apenas veio a cessar em 18 Julho de 2014 por via da resolução comunicada pela A..
Ficou com efeito provado que a A. enviou em 17 de Julho de 2014 à R. a carta registada com aviso de recepção constante de fls. 39 dos autos, na qual comunicava “a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa nos termos do artigo 394.º, número 2, alínea a), do Código do Trabalho”, aí fazendo constar que o fazia “com o fundamento de se encontrarem vencidas e não pagas as seguintes retribuições: - subsídios de férias e subsídio de natal de 2012, no montante de € 2200; - férias e subsídio de férias de 2013, no montante de € 2200; - retribuição base de 1 de janeiro a 15 de julho de 2014, no montante de € 715” e mais referindo que o arrastar desta situação a colocou “numa posição de extrema debilidade económica, física e psicológica”. Esta carta foi recebida pela ré a 18 de Julho de 2014 (factos 53. a 56.).
Teria a recorrente o direito de fundar o direito de resolução contratual na falta de pagamento de retribuições relativas a períodos de tempo em que não prestou trabalho? Terá exercido o seu direito tempestivamente e, em caso afirmativo, com justa causa?
São estas as quarta, quinta e sexta questões enunciadas e que passamos a analisar.
                                                                                                                                              4.3. O artigo 394.º, n.º 1 do Código do Trabalho possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador sem necessidade de observar o período de aviso prévio previsto no artigo 400.º do Código do Trabalho em situações que considera serem anormais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio.

Segundo o referido artigo 394.º:

«1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

 (…);

3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:

(…);

c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição;

4- A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.

5 – Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.»

Por sua vez, de harmonia com o artigo 396.º, n.º 1, a resolução do contrato de trabalho com fundamento em facto previsto no nº 2 do citado art. 394º - justa causa subjectiva –, confere ao trabalhador o direito à indemnização naquele prevista.

A sentença sob recurso ponderando a falta de pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2012 e da retribuição dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2014, entendeu que a falta do pagamento dos subsídios de 2012 não integra justa causa e que a falta de pagamento das retribuições de Janeiro e Fevereiro de 2014 se revestiu de gravidade que torna imediatamente inexigível manutenção do contrato de trabalho.

Analisando, contudo, a apurada falta de pagamento dos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho (até 18-07) de 2014, veio a concluir que nesse período a R. não se encontrava obrigada ao pagamento da retribuição, para o que teceu as seguintes considerações:

 “Relativamente aos meses de março a julho de 2014, importa dizer que a partir de fevereiro a autora deixou de exercer as suas funções para a ré. Ora, o pagamento das retribuições encontra-se ligado à prestação de trabalho através da ideia de correspetividade, inserindo-se a sua não prestação, tal como na situação de ausência ao serviço - bem como a perda de antiguidade – no reflexo de tal correspectividade (art. 256.º do CT). Traduz-se numa consequência negocial (e não punitiva) que desonera o credor da contraprestação – neste sentido, cf. entre outros, Milena Rouxinol, A relevância Disciplinar das Faltas não Justificadas, Revista Questões Laborais, XXII, 2015, n.º 47, pág. 195.

Assim, a violação da obrigação de pagamento da retribuição cessou a 28-01-2016.”

Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar esta perspectiva.

Na verdade, a perda retributiva prevista no artigo 256.º do Código do Trabalho constitui uma consequência que a lei associa às faltas injustificadas, ou seja, àquelas ausências ao trabalho que se consubstanciem em violação do dever de assiduidade.

Nestes casos, e como refere a autora citada na sentença[4], a perda retributiva emerge como consequência negocial do incumprimento em que a falta injustificada se traduz, em conformidade com as regras gerais do incumprimento negocial: “o credor fica desonerado da contraprestação se o devedor não satisfizer a que lhe cabe, mesmo sem culpa”.

Ora, como bem diz a recorrente, nunca esteve em causa nos presentes autos – nem a R. alegou tal facto, nem assim o considerou o tribunal a quo – que a A. tivesse faltado injustificadamente ao trabalho no período compreendido entre 1 de Março e 18 de Julho de 2014, não havendo pois razões para afirmar a inexistência da obrigação da recorrida pagar a retribuição correspondente aquele período durante o qual o contrato se manteve em vigor com fundamento na disposição legal que fixa os efeitos das ausências injustificadas.

Se é certo que a recorrente não exerceu funções entre 1 de Março e 18 de Julho de 2014 (facto 51.), é igualmente certo que se apresentou ao serviço em 28 de Fevereiro de 2014 e se deparou com a porta principal do edifício fechada (factos 35. e 37.) e não consta dos autos que lhe tenha sido alguma vez comunicada pela recorrida a alteração do seu local de trabalho em conformidade com o disposto no artigo 194.º do Código do Trabalho, não sendo para tanto suficiente a indicação de (…) que, nesse dia 28, quando a A. se encontrava fora do edifício por lhe estar vedado o acesso, lhe disse que a R. funcionava na residência do sócio-gerente (facto 38.).

Impunha-se pois à A. exercer a actividade no local contratualmente definido nos termos previstos no artigo 193.º, n.º 1 do mesmo diploma, não o tendo feito porque, apesar de naquele dia 28 ali se ter apresentado ao serviço, a porta do edifício das instalações da R. estava fechada, ficando-se a dever a não execução do trabalho por parte da A. à actuação da R., que na véspera lhe pedira a chave da porta do edifício em que se encontram as suas instalações (facto 32. e 34.) e naquele dia não lhe franqueou a entrada nessas instalações em que desenvolvia habitualmente as suas funções desde Março de 2005 (facto 4.), deste modo impedindo a A. de cumprir a sua obrigação de prestar trabalho.

Assim, é de considerar que a recorrida empregadora permaneceu obrigada a pagar a retribuição - a obrigação principal que o contrato de trabalho firmado com a recorrida sobre si fazia recair – no que diz respeito ao período de tempo em que, por sua iniciativa e exclusiva responsabilidade, não recebeu a prestação de trabalho da recorrida, vencendo-se cada uma das retribuições, pelo menos, no último dia de cada um dos meses de Março a Junho de 2014, tendo presente a factualidade apurada (facto 5.) e o disposto no artigo 278.º do Código do Trabalho quanto ao vencimento do crédito retributivo (do qual se retira que a retribuição deverá estar à disposição do trabalhador pelo menos no último dia de cada mês de calendário).

Deve dizer-se que no Direito do Trabalho são conhecidas diversas situações em que, não obstante a ausência de trabalho, se mantém o dever retributivo a cargo do empregador (vg. nas férias, certas faltas justificadas, feriados e suspensão do contrato por facto respeitante ao empregador). Como é comum afirmar-se na doutrina, o nexo de correspectividade, reciprocidade e interdependência que existe entre a prestação de trabalho e a retribuição no contrato de trabalho, não impede que existam muitas situações em que se mantém o dever de pagar a retribuição apesar de a correspondente prestação de trabalho não ser executada, havendo frequentes derrogações ou, pelo menos, atenuações, do sinalagma funcional[5]. Também já se notou que esta orientação da lei assume um significado que se relaciona com a caracterização do comportamento devido pelo trabalhador com base no contrato e não colide com o carácter sinalagmático deste[6]. Perspectivando-se o essencial da obrigação laboral com a “colocação e permanência do trabalhador na disponibilidade da contraparte”, mais do que com a execução material do trabalho, situações há em que a comparência do trabalhador não pode ter-se como “socialmente exigível, não prejudicando tais faltas a disponibilidade por ele devida, na medida em que o é”, não colidindo assim com o carácter sinalagmático do contrato de trabalho o facto de nessas situações não haver trabalho e manter-se o direito a retribuição.  

E em boa verdade, como a recorrente também enfatiza, no caso em análise nem sequer é necessário apelar ao carácter particular do sinalagma no contrato de trabalho e às regras especiais que justificam a manutenção da obrigação retributiva a cargo do empregador apesar de não receber a correspondente prestação de trabalho, na medida em que resulta dos factos provados ter sido a A. impedida pelo empregador de prestar o trabalho. Tendo em consideração que nos contratos bilaterais, “[s]e a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação” – n.º 2 do artigo 795.º, do Código Civil –, também pelas regras gerais sobre a impossibilidade de cumprimento e o incumprimento das obrigações se alcança o mesmo resultado.

Em suma, no período compreendido entre Março e Julho de 2014 manteve-se na esfera jurídica da recorrida a obrigação nuclear de pagamento da retribuição que para si emergia da vigência do contrato de trabalho com a recorrente e, uma vez que nos meses de Março, Abril, Maio e Junho a trabalhadora ora recorrente não pôde dispor do montante da retribuição mensal na data do seu vencimento, por causa que não lhe foi imputável (factos 5. e 52. e artigo 278.º, n.º 5 do Código do Trabalho), a recorrida constituiu-se em mora no final de cada um dos meses em causa (artigo 278.º, n.º 1 do Código do Trabalho).

Nos termos prescritos no artigo 323.º do Código do Trabalho, perante esta falta de pagamento pontual da retribuição à recorrente passou a assistir, quer o direito a uma indemnização moratória (n.º 2), quer o direito de suspender ou fazer cessar o contrato de trabalho nos termos previstos no Código do Trabalho (n.º 3).

Nestes termos se inclui o direito a fundar a resolução contratual que operou, além do mais, na falta de pagamento de retribuições relativas aos referidos períodos de tempo em que não prestou trabalho, na medida em que, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 2, alínea a) daquele compêndio normativo, um dos comportamentos do empregador que objectivamente integram a justa causa de resolução do contrato de trabalho é, justamente, a “[f]alta culposa do pagamento pontual da retribuição”.                4.4. Cabe agora verificar se a recorrente exerceu o seu direito tempestivamente.

De acordo com o artigo 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a declaração de resolução do trabalhador com invocação de justa causa deverá feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, “nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos”.

Este prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 395.º para o exercício do direito de resolver o contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, é de caducidade, como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil, nos termos do qual, “[q]uando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, pelo que não se interrompe, nem se suspende (artigo 328.º do Código Civil).

Tal caducidade não opera ope legis, carecendo de ser invocada pela parte interessada, uma vez que se trata de matéria não encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. o n.º 2 do artigo 333 e o artigo 303.º, do Código Civil).

E qual o dies a quo para contagem deste prazo de caducidade?

A contagem do prazo de 30 dias previsto no artigo 395.º, n.º 1 inicia-se em geral com o “conhecimento” pelo trabalhador dos factos que integram a justa causa de resolução invocada, conhecimento este que, em princípio, coincide com a data por ele alegada para a sua verificação, atendo o estreito envolvimento pessoal das partes no contrato de trabalho e o facto de, por definição (cfr. o artigo 394.º, n.ºs 2 e 3), o facto que integra a justa causa se reflectir de imediato na pessoa do trabalhador, envolvido no devir de um contrato que é executado diariamente, com excepção dos períodos de fins-de-semana, feriados e férias.

Com a fixação de um prazo de caducidade, o legislador parte do princípio de que, se depois de tomar conhecimento dos factos que fundamentam a resolução, o trabalhador não reagiu por mais de 30 dias, é de supor que o acto do empregador não impossibilitou a prossecução da relação, não havendo por isso justa causa para a resolução[7].

Mas, em face da multiplicidade de comportamentos do empregador susceptíveis de constituírem justa causa de resolução, suscitam-se por vezes dificuldades na fixação do termo inicial da sua contagem. Tratando-se de factos instantâneos, em que a conduta é uma só, realizada ou executada em dado momento, factos estes que se esgotam com o respectivo acto concretizador, aquele prazo inicia-se sem dúvida no momento do conhecimento da materialidade dos factos. Mas no caso de o comportamento ilícito do empregador ser continuado (p. ex. no caso de violação do direito de ocupação efectiva), o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último acto de violação do contrato (o conhecimento da situação ilícita renova-se permanentemente enquanto ela se mantiver). Já assim não ocorre com os factos instantâneos que se esgotam com o respectivo acto concretizador, embora os seus efeitos possam protrair-se no tempo (p. ex. em determinados casos de baixa de categoria profissional ou de redução da retribuição)[8]. Nestas últimas hipóteses, assentes em factos instantâneos, mas com efeitos duradouros susceptíveis de agravamento com o decurso do tempo, tem-se entendido que aquele prazo se inicia, não no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando assumem tal gravidade no contexto da relação laboral que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível[9]. Assim, se o trabalhador não tiver logo a exacta percepção das implicações do acto instantâneo do empregador (p. ex. por estar o trabalhador convicto de que se trata de uma situação temporária), deve entender-se que o prazo se inicia, não no momento inicial do conhecimento da pura materialidade dos factos mas, sim, quando no contexto da relação laboral o trabalhador fique ciente da sua efectiva gravidade e a mesma seja de molde tornar inexigível, a partir de então, a manutenção da relação.

Deve pois fazer-se um juízo perante cada caso concreto no sentido de aferir se o trabalhador, quando conheceu os factos que invoca em fundamento da justa causa, ficou logo em condições de ajuizar das implicações de tal acto no devir do contrato.

No caso específico da falta de pagamento da retribuição que se prolongue no tempo, entendemos que se verifica um incumprimento contratual continuado, não restando dúvidas de que, à medida que vai persistindo a mora patronal, se vai igualmente agravando a situação do trabalhador no contexto do contrato, podendo vir a tornar-se para ele insustentável a persistência do vínculo. Pelo que, dentro da lógica que vimos expondo, o prazo de caducidade não deveria iniciar-se a partir da falta de pagamento de qualquer uma das referidas parcelas, mas a partir da data da cessação da situação de incumprimento continuado ou, então, a partir do momento em que os efeitos nefastos dessa falta, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna intolerável para o trabalhador[10].

Importa contudo ter presente o disposto no artigo 395.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009 que, de forma inovatória, estabeleceu que, no caso do n.º 5 do artigo 394.º, o prazo de 30 dias para resolver o contrato se conta a partir do termo do período de 60 dias por que se prolongou a falta de pagamento pontual da retribuição. Assim, em caso de atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 dias, o trabalhador, findo este período, dispõe [diremos nós, apenas dispõe] de mais 30 dias para resolver o contrato, sob pena de caducar o direito de resolução[11].

Perante a conjugação destes dois preceitos – e ainda que a opção do legislador nos mereça muitas reservas – entendemos ser dificilmente sustentável que não se verifique a caducidade do direito de resolução quanto à falta de pagamento dos salários que se encontrem naquelas circunstâncias, designadamente com base no argumento de que a partir dos 30 dias subsequentes ao termo dos 60 dias de mora, a presunção de culpa do empregador passa a ser ilidível[12]. Sufragamos neste aspecto o entendimento expresso por João Leal Amado, que, em anotação crítica ao Acórdão da Relação de Coimbra de 2012.12.13, escreveu:

«Cremos que não foi isso que o legislador pretendeu ao criar o n.º 2 do artigo 395.º (norma, repete-se, sem precedentes entre nós. Esta norma remete para o n.º 5 do artigo 394.º, determinando que, no caso a que se refere este preceito, o prazo de resolução – 30 dias – se conta a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador. Ora o caso a que se refere o n.º 5 do artigo 394.º é o que corresponde à sua previsão normativa, à hipótese legal – falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão do não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo – e não à correspondente estatuição – nesse caso a falta de pagamento da retribuição considera-se culposa em termos irrefragáveis.  

Pelo contrário, a Relação de Coimbra parece ler a remissão contida non n.º 2 do artigo 395.º, para o n.º 5 do artigo 394.ºcomo se aquela fosse feita para a estatuição, e não para a previsão, desta última. Concedemos que, assim, fazendo, se atinge um resultado mais equitativo no plano da composição dos interesses envolvidos. Mas, reiteramos, esta é uma leitura metamorfoseada do elemento culpa que se revela algo estranha. Até porque, hélas, o tempo não volta jamais para trás e a partir de 60 dias de mora a presunção de culpa converte-se de relativa em absoluta, de juris tantum em juris et de jure, não parecendo fazer sentido, nem parecendo resultar da lei (da sua letra ou do seu espírito), que a partir do 90.º dia de mora a presunção volte a ser relativa…

Se bem lemos o preceito, o que o legislador quis foi outra coisa. Foi assinalar um prazo ao trabalhador para que este, em caso de «salários em atraso», possa resolver o respectivo contrato sob pena de, não o fazendo dentro do prazo (grosso modo 60+30 dias), esse direito caducar”[13].

É uma evidência que o avolumar da mora salarial agrava a situação do trabalhador que deixou de receber valores destinados, geralmente, a satisfazer necessidades essenciais, suas e da sua família.

Mas, apesar de, de iure condendo, entendermos que a falta de pagamento da retribuição que se prolonga no tempo deve ser sempre perspectivada como um incumprimento continuado, justificativo de que o prazo de caducidade apenas deva começar a decorrer quando cessar a conduta ilícita que fundamenta a resolução contratual, não cremos que actualmente possa defender-se esta tese quando se verifique a hipótese prevista nas disposições conjugadas dos artigos 394.º, n.º 5 e 395.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

No caso vertente, em 17 de Julho de 2014, data do envio pelo A. à R. da carta em que comunicava a esta a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, encontravam-se em dívida e foram invocadas naquela missiva:

- subsídios de férias de 2012, no montante de € 1.100, desde há mais de 90 dias;

- subsídio de Natal de 2012 (deve ser pago até 15 de Dezembro de acordo com o art. 263º, º 1, do CT), no montante de € 1.100, desde há mais de 90 dias;

- férias de 2013, no montante de € 1.100, desde há mais de 90 dias;

- retribuição base de Janeiro de 2014, no montante de € 1.100, desde há mais de 90 dias;

- retribuição base de Fevereiro de 2014, no montante de € 1.100, desde há mais de 90 dias;

- retribuição base de Março de 2014, no montante de € 1.100, desde há mais de 90 dias;

- retribuição base de Abril de 2014, no montante de € 1.100, desde há 76 dias;

- retribuição base de Maio de 2014, no montante de € 1.100, desde há 45 dias;

- retribuição base de Junho de 2014, no montante de € 1.100, desde há 15 dias;

Foi ainda invocada a retribuição base de 1 a 15 de Julho de 2014, no montante de € 550,00, que então não se encontrava em mora (por ainda se não ter alcançado o fim do mês), pelo que não é susceptível de fundar a justa causa, o que torna prejudicada a apreciação da eventual caducidade do direito de nela fundar a resolução.

No que se reporta às retribuições de subsídios de férias de 2012, subsídio de Natal de 2012, férias de 2013 e retribuição base de Janeiro, Fevereiro e Março de 2014, porque à data da resolução – 17 de Julho de 2014 – haviam decorrido mais de 30 dias sobre os 60 por que perdurou a mora no seu pagamento, é de considerar que relativamente às mesmas decorreu o prazo de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho nos termos das disposições conjugadas dos artigos 395.º, n.ºs 1 e 2 e 394.º, n.º 5, do Código do Trabalho, neste aspecto não procedendo o recurso.

Mas já quanto à retribuição base de Abril de 2014, no montante de € 1.100, em dívida então desde há 76 dias, à retribuição base de Maio de 2014, no montante de € 1.100, em dívida então desde há 45 dias e à retribuição base de Junho de 2014, no montante de € 1.100, em dívida então desde há 15 dias, a recorrente encontrava-se perfeitamente em tempo para lançar mão da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 394.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho.

Pelo que quanto a estas prestações retributivas de Abril a Junho de 2014, assistia à recorrente o direito de fundar a resolução contratual que operou na sua falta de pagamento, o que fez tempestivamente, pelo que improcede a excepção da caducidade do direito de resolução e procede a apelação da recorrente.                                                                    4.5. E ressurge a questão – sobre que a sentença recorrida se não debruçou por força da procedência da excepção da caducidade, com a consequente ilicitude (que não ineficácia extintiva) da resolução – de saber se a resolução contratual a que a recorrente procedeu em 17 de Julho de 2014 se fundou, ou não, em justa causa.

De acordo com o artigo 394.º, n.º 4 do Código do Trabalho, a justa causa de resolução imediata por parte do trabalhador, tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do nº 3 do art. 351º do mesmo diploma, com as necessárias adaptações, ou seja, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes e verificar se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho que o contrato pressupõe.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar inexigível a subsistência da relação de trabalho[14].

Há assim uma aproximação ao conceito de justa causa consagrado pelo art. 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, como já antes sucedia relativamente aos artigos 396.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 e 9.º do Decreto-Lei nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro, e era também entendimento generalizado na vigência da anterior Lei dos Despedimentos de 1975, considerando-se que, embora a lei não o explicitasse, se achava subjacente ao conceito geral de justa causa, a ideia de "inexigibilidade" que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral da entidade patronal[15].

Mas, como observa Júlio Gomes[16], na apreciação da justa causa de resolução o limiar da gravidade do incumprimento do empregador que justifica a resolução pode situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento.

Existindo embora um núcleo comum aos dois conceitos de justa causa, pois em ambos está presente uma noção de inexigibilidade, eles não são absolutamente simétricos ou idênticos, nomeadamente quanto ao grau de intensidade que a violação concreta dos direitos da contraparte tenha de atingir para se considerar inexigível a continuação da relação num e noutro caso. Enquanto o empregador dispõe de outros meios de auto tutela do seu interesse, nomeadamente as sanções de natureza conservatória, o trabalhador não dispõe de outro mecanismo que não seja o da resolução do contrato.
Especificamente no que diz respeito ao fundamento da falta culposa de pagamento pontual da retribuição, há que atentar no que estabelece o n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho, no qual a lei expressamente qualifica como “culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo”.
Trata-se esta de uma presunção de culpa do empregador na falta de pagamento da retribuição, mas não uma presunção iuris tantum (que resulta já do artigo 799.º do Código Civil), mas de uma presunção iuris et de iure, insusceptível de prova em contrário[17]

No caso vertente está em causa a falta do pagamento pontual das retribuições base de Abril de 2014, no montante de € 1.100, de Maio de 2014, no montante de € 1.100 e de Junho de 2014, no montante de € 1.100, em dívida nos termos e pelos tempos já assinalados, mostrando-se preenchido o requisito objectivo previsto no artigo 394.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho.

Igualmente se mostra preenchido o requisito subjectivo.

Isto porque no que se reporta à retribuição referente a Abril de 2014, o atraso no seu pagamento, porque superior a 60 dias, presume-se culposo, presunção esta que, como decorre do acima referido, é inilidível nos termos prescritos no artigo 394.º, n.º 5, do Código do Trabalho.

Mas também quanto às retribuições de Maio e Junho de 2014, o atraso no seu pagamento, porque inferior a 60 dias, se presume culposo, desta feita nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil. Esta presunção é ilidível mas, no caso, a recorrida não logrou proceder a tal ilisão (apesar de sobre si recair o respectivo ónus nos ternos do artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil) por não resultar dos factos provados que a falta de pagamento pontual de retribuições pela Ré não resultou de culpa sua. Ainda que se tenham apurado dificuldades financeiras (factos 10. a 12. e 20.), não se compreende que a R., perante a não aceitação de uma revogação do contrato de trabalho por parte da A., não tenha lançado mão de outra forma de cessação contratual, vg. por causas objectivas ou mediante o procedimento previsto no artigo 346.º, n.ºs 3 ou 4, caso o encerramento do seu estabelecimento fosse definitivo, e tenha deixado a trabalhadora à sua sorte como deixou, sem a sua situação definida, sem trabalho e sem salário.

Finalmente, é de considerar que não era exigível à recorrente, no circunstancialismo apurado a manutenção do vínculo, revestindo-se o comportamento ilícito da recorrida de gravidade suficiente para justificar a resolução operada.

Estamos perante o incumprimento do dever de pagamento da retribuição devida em 3 meses consecutivos (Abril a Junho de 2014), o que constitui um “rombo” assinalável no orçamento com que a trabalhadora contava para fazer face às suas despesas mensais.

Acresce que, embora a mora quanto às demais retribuições não pagas não fosse apta a fundar a justa causa de resolução (atenta a afirmada caducidade), não deixa mais esta falta de pagamento de dever ser ponderada para o efeito de aferir da inexigibilidade da manutenção do vínculo, como um elemento coadjuvante para a compreensão da atitude resolutória perante o comportamento inadimplente do empregador.

 Tendo em consideração que a obrigação de pagamento da retribuição devida pelo trabalho prestado é o dever primeiro que impende sobre o empregador que beneficia do esforço laboral de outrem [artigo 127.º, alínea b) do Código do Trabalho] e tendo em consideração a natureza alimentícia do salário – essencial para prover a necessidades de subsistência do trabalhador e da sua família, bem como a outras necessidades inerentes à prossecução de uma vida digna – e que nada ficou apurado no sentido de mitigar a culpa do empregador na prossecução do seu comportamento ilícito, a falta culposa e consecutiva do pagamento da retribuição devida ao longo do tempo apurado nestes autos assume uma relevante gravidade e justifica que se considere inexigível à recorrente a continuação da prestação da sua actividade em benefício do empregador.

Perspectivando o devir do contrato, é absolutamente justificado que, perante a conduta da recorrida, a recorrente tivesse um fundado receio de que, a continuar ao dispor da recorrida, o faria sem contrapartida remuneratória, criando-se uma situação em que se lhe tornou inexigível a persistência por mais tempo da relação de trabalho firmada com aquela.

Pelo que é de se lhe reconhecer o direito a resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva.

4.6. Procedendo naquele aspecto a apelação da recorrente, assiste à mesma o direito a receber da recorrida uma indemnização nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades e, em caso de fracção de ano de antiguidade, sendo calculada proporcionalmente.

A A. peticionou o pagamento da indemnização à razão de 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.

Tendo em consideração o valor da retribuição base do A. (€ 1.100,00), que não é elevado mas, ainda assim, é superior ao dobro da remuneração mínima mensal garantida à data em que operou a resolução (vide o DL 143/2010, de 12-31), atendendo à ilicitude do comportamento da Ré que é grave nos termos já expostos, mas se nos afigura ligeiramente atenuado pelo facto de ter passado dificuldades económicas e ter tentado uma solução consensual para o termo das relações contratuais entre as partes, entendemos ser de fixar a indemnização em 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, esta de 9 anos e 155 dias.

Assim, tem a recorrente direito à indemnização de € 10.367,12 [(€ 1.100,00 x 9 meses) + (€ 1.100,00 / 365 x 155 dias)].

Sobre esta quantia tem o A. direito a juros de mora, à taxa legal, desde a data do presente acórdão, na qual se procedeu à fixação da indemnização devida, até integral pagamento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, n.º 3, 806.º e 559.º, todos do Código Civil.
No que diz respeito aos créditos retributivos reconhecidos na sentença, a recorrente não os colocou em causa, apenas reiterando o pedido da sua petição inicial, como bem se compreende na medida em que a sentença partiu do princípio de que as retribuições eram devidas apenas até 28 de Fevereiro de 2014 e procedeu aos cálculos do devido como se o contrato de trabalho celebrado entre as partes houvesse cessado em tal data.
Haverá pois que alterar a sentença tendo em consideração, não só a justa causa reconhecida neste aresto para a resolução contratual operada como, ainda, tendo em consideração que o contrato cessou em 18 de Julho de 2014.
Não se reconhece à recorrente direito à percepção do subsídio de almoço a partir de 1 de Março de 2014 na medida em que refeição apenas é devido quando haja efectiva prestação de trabalho. Além de o subsídio de refeição não ter natureza retributiva (cfr. o artigo 260.º do Código do Trabalho) resulta dos próprios termos da alegação que a A. fez constar da sua petição inicial e que vieram a reflectir-se na enunciação da decisão de facto, que o mesmo era devido por cada dia trabalhado (facto 5.).
Reconhece-se assim o direito da recorrente aos seguintes valores:

- Retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 2012, no valor de € 2.200,00 [€ 1.100,00 x 2];

- Retribuição relativa ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 18 de Julho de 2014, no valor de € 7.260,00 [(€ 1.100,00 x 6 meses) + (€ 1.100,00 / 30 x 18 dias)];

- Subsídio de refeição relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 28 de Fevereiro de 2014, no valor de € 259,14 [(€ 6.17,00 x 22 dias) + (€ 6.17,00 x 20 dias)];

- Retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2014, no valor de € 2.200,00 [€ 1.100,00 x 2];

- Proporcional relativo a férias e subsídios de férias e de Natal relativos à vigência do contrato de trabalho no ano de 2014 no valor de € 1.401,37; [(€ 1.100,00 / 365 x 155 dias x 3)].
4.7. As custas do recurso interposto deverão ser suportadas por recorrente e recorrida na proporção do decaimento fixado no presente acórdão, que se fixa em 39,75% e 60,25%, respectivamente (artigo 527.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).

5. Decisão

Em face do exposto, concede-se parcial provimento à apelação da A. e, em consequência:
5.1. julga-se improcedente a excepção da caducidade do direito de resolução;

5.2. reconhece-se que o contrato de trabalho celebrado entre a A. AAA e a R. BBB, Lda.  foi resolvido pela primeira com justa causa;

5.3. condena-se a R. a pagar à A. a indemnização de € 10.367,12 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento;
5.4. condena-se ainda a R. a pagar à A. as seguintes quantias:

a)  € 2.200,00 a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 2012;

b)  € 7.260,00 a título de retribuição relativa ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 18 de Julho de 2014;

c)  € 259,14 a título de subsídio de refeição relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 28 de Fevereiro de 2014;

d)  € 2.200,00 a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2014;

e)  € 1.401,37 a título de proporcional relativo a férias e subsídios de férias e de Natal relativos à vigência do contrato de trabalho no ano de 2014;
todas acrescidas dos juros, à taxa legal, desde as datas de vencimento de cada um dos créditos referidos, até integral pagamento, deste modo ficando parcialmente confirmada a sentença.
Custas por recorrente e recorrida na proporção de 39,75% e 60,25%, respectivamente.
Lisboa, 12 de Julho de 2017

 (Maria José Costa Pinto)

 (Manuela Bento Fialho)

 (Sérgio Almeida)

--------------------------------------------------------------------------


[1] Acrescenta-se a data que consta do documento de fls. 60 que neste ponto da decisão é reproduzido, para melhore esclarecimento.
[2] Na sentença refere-se “subsídio” por evidente lapso que resulta do confronto com o documento de fls. 61 (que se pretende reproduzir parcialmente neste ponto da decisão) e que, por isso, aqui se corrige.
[3] Recurso n.º 1034/08 - 4.ª Secção. Vide também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  2011.04.07, Recurso n.º 1180/07.0TTPNF.P1.S1-4.ª Secção.
[4] Loc. aí citado.
[5] Vide João Leal Amado, in Contrato de trabalho, Noções Básicas, Coimbra, 2016, p. 47, Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, pp 760 e ss., Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª edição, Coimbra, 2016, p. 99, Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de Pedro Furtado Martins, Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, 2.ª edição revista e actualizada, Lisboa, 2014, p. 322.
[6] Vide Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 175.
[7] Assim já o defendeu a ora relatora no Acórdão da Relação do Porto de 17 de Novembro de 2014, Processo n.º 739/12.8TTMTS-A.P1, in www.dgsi.pt.
[8] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Maio de 2002,              Revista n.º 3662/01 e de 25 de Setembro de 2002, Revista n.º 2157/01, ambos da 4.ª Secção.
[9] Como referia Albino Mendes Baptista, à luz ainda do Código do Trabalho de 2003, um atraso de 15 dias no pagamento da retribuição ao trabalhador pode não significar a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, mas, o decurso da mora pode agravar os factores potenciais da justa causa de cessação do contrato – in Estudos sobre o Código do Trabalho, p. 31.
[10] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2002, Processo n.º 02S4097, in www.dgsi.pt.
[11] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição revista e actualizada, Principia, 2012, p. 530 e João Leal Amado, in Contrato de trabalho, Noções Básicas, Coimbra, 2016, p. 385.
[12] Reportamo-nos, com o maior respeito, à tese expressa no Acórdão da Relação de Coimbra de 2012.12.13, Processo n.º 923/11.1TTLRA.C1 (in www.colectaneadejurisprudencia.pt) que, afirmando que o n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho de 2009, estabelece uma presunção juris et de jure de culpa do empregador quando a mora se prolongue por 60 dias, sustenta também que para se prevalecer dessa específica presunção de culpa o trabalhador deve exercer o direito de resolução no prazo de 30 dias a partir do termo daquele período de 60 dias, mas se o não fizer e continuar a situação de incumprimento, o prazo de caducidade de 30 dias só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação da resolução, passando o trabalhador a beneficiar, não já da presunção juris et de jure do n.º 5 do artigo 394.º do CT, mas da presunção juris tantum prevista no artigo 799.º n.º 1 do Código Civil.
[13] In Revista de Legislação e de Jurisprudência ano 145.º n.º 3996, Jan-Fev 2016, Falta de pagamento da retribuição e resolução do Contrato pelo trabalhador: a questão do timing, pp. 162 e ss.
[14] Neste sentido, e no âmbito do Código do Trabalho de 2003, vide os Acs. do STJ de 2007.05.22 (Rev. n.º 52/07) e de 2007.09.26 (Rev. n.º 1932/07), ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[15] Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p.272.
[16] In “Direito do Trabalho”, I, Coimbra, 2007, pp. 1044-1045. Vide ainda sobre este assunto João Leal Amado, in Revista do Ministério Público, 1992, n.º 51, p. 159, a propósito da então denominada rescisão pelo trabalhador com justa causa, Albino Mendes Baptista, “Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador”, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra, 2004, pp. 546-547 e Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Coimbra, 2006, p. 911.
[17] Vide Joana Vasconcelos in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 1020.